MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

A Lei da Anistia e as três mentiras - por Reinaldo Azevedo

A Lei da Anistia e as três mentiras. Ou: "Nada devemos aos terroristas, mortos ou vivos"

Reinaldo Azevedo, articulista de Veja

Escrevi ontem o texto que segue. Nem sempre a gente consegue dizer o que pretende com a clareza necessária. Quando acontece, melhor para o leitor. Sugiro que você leia ou releia o que vai abaixo. Não sabia, então, que o ministro Franklin Martins havia dito que se orgulha do seu passado. O que ele fez no passado? Ações terroristas contra o regime — coisa que muita gente acha nobre. Entre elas, a mais famosa foi o seqüestro embaixador Charles Burke Elbrick. Em troca, pedia-se a libertação de esquerdistas presos. O governo cedeu. E se não tivesse cedido? Os terroristas teriam matado o inocente — ou americano nunca é inocente? Não obstante, Franklin de orgulha. Dessa ação em particular, como se vê, e de ter pertencido ao MR-8, um grupo que queria instalar a ditadura comunista no país.

Vejam aí: trato, no texto que segue, da essência moral, política e histórica de afirmações como a de Franklin. Os ex-torturadores, felizmente, estão sumidos e não nos assombram. Já os ex-terroristas acreditam ser dotados de superioridade moral. Tarso Genro e Paulo Vannuchi também têm orgulho do passado. Toda essa gente está explicada e relatada abaixo.

*

Uma das falácias mais bem-urdidas pelas esquerdas é a de que os atos terroristas cometidos durante o regime militar eram a única forma de contestação política num ambiente sufocado pela ditadura. Trata-se de uma mentira histórica, de uma mentira política e de uma mentira moral, a que só se pode aderir ou por alinhamento ideológico ou por falta de bibliografia específica.


Mentira histórica


A mentira é história porque a decisão de certas correntes de partir para a luta armada antecede em muito a decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Pior ainda: antecede o próprio golpe militar de 1964. Vale dizer: correntes de esquerda discutiam abertamente a luta armada como opção para chegar ao poder, embaladas pela revolução cubana, embora o país fosse uma democracia. Mais: João Goulart havia levado a subversão para dentro do governo. E notem: sei que a palavra “subversão” deixa muita gente indignada. Não me refiro necessariamente à pauta da esquerda, não. Refiro-me ao desrespeito às regras do estado democrático e de direito que garantiam a legitimidade do próprio Jango.

Ora, quem rompe com as regras que garantem a sua própria legitimidade está ou não está se expondo a um golpe? Está ou não está abrindo o caminho para que outros o façam — e com pauta própria? Não são pequenas, aliás, as evidências de que Jango preparava o autogolpe. Seja como for, a Presidência da República optou pela desordem. Isso justifica o golpe? A pergunta está errada. Isso explica o golpe. O primeiro dever de um democrata é preservar as leis que garantem o seu poder e a sua legitimidade, elegendo o foro adequado para mudá-las: o Congresso. E nem ao Congresso é dado todo o poder, já que ele também não pode extinguir a base legal que o sustenta. Leis nascem de pactos. Mas, no estado de direito, já disse um jurista de primeiro time, nenhum Poder é soberano — ou se joga Montesquieu no lixo. “Mas a gente não pode jogar Montesquieu no lixo?” Pode, claro. É preciso ver o que se vai pôr no lugar.


A mentira política

Os remanescentes do esquerdismo revanchista agem como se forças absolutas, essencialmente puras — o Bem de um lado e o Mal de outro — tivessem quebrado lanças durante o regime militar, com a vitória temporária do Mal, para que o Bem pudesse, finalmente, triunfar.

Não há um só documento, um miserável que seja, produzido pelas esquerdas antes ou depois do golpe, que evidencie que elas faziam a defesa da democracia. Ao contrário, sob a inspiração marxista, e leninista em particular, a democracia era vista apenas como uma trapaça, uma forma de a burguesia e de o imperialismo imporem a sua vontade por meio de instituições fajutas. Lamento dizer: é o que pensam, até hoje, algumas correntes do PT e alguns partidos que se dizem comunistas.

Será que se trata apenas de “algumas correntes do PT?” Não acreditem em mim quando falo deles; acredite neles quando falam de si mesmos. No vídeo convocatório para o seu Terceiro Congresso, ocorrido no fim de agosto do ano passado, o partido diz com todas as letras:

“Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção do socialismo, é necessário realizar uma mudança política radical. Os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de estado. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político de estado a seu serviço”. E mais adiante: “Não basta chegar ao governo para mudar a sociedade. É preciso mudar a sociedade para chegar ao governo.” O vídeo está aqui. Ora, eu sei que eles não conseguiriam reconstruir um estado soviético nem que quisessem. Mas podem muito bem corromper a democracia, como estão fazendo com seu arremedo de estado policial.

Então não venham me dizer que a opção pelo terrorismo e pela luta armada, durante o regime militar, era o caminho possível para reagir à falta de democracia porque, de fato, não queriam democracia nenhuma — como fica evidente nos remanescentes daquelas batalhas, que não a querem até hoje. A sua “democracia” corresponde ao que eles chamam, apelando a Gramsci, de construção da “hegemonia”. De novo: não se trata de uma heremonia ao velho estilo. O que procuram é tornar irrelevante o processo de alternância de poder por meio do domínio das instituições do estado. Não sou eu que os acuso disso. Eles é que o confessam.

Pré e pós-64, até o esmagamento das forças terroristas, ambicionavam o poder pela luta armada — e a democracia que se danasse. Depois da redemocratização, lutam pelo controle absoluto da burocracia do estado, usando como esbirros os tais movimentos sociais — e a democracia que se dane de novo.


Mentira moral

O vitimismo de que se fazem caudatários é uma mentira moral porque pretendem que o horror da tortura era mais condenável do que o horror do terrorismo: seqüestros, assassinatos, justiçamentos. Um torturador vagabundo que submeteu um prisioneiro a sevícias não nos livrou do comunismo e ainda corrompeu a luta de quem a ele se opunha com dignidade. Mas e o coronel da PM que teve a cabeça esmagada a coronhadas por esquerdistas? Lustra “atos revolucionários”? Temo que sim. Na verdade, tenho a certeza de que, para eles, sim. Porque aquelas esquerdas, afinal de contas, nunca se opuseram à tortura nos estados comunistas. E as remanescentes, vejam que curioso, jamais criticaram o regime cubano pela tortura de presos políticos. Pior do que isso: aplaudiram Fidel Castro quando executou três prisioneiros sem direito de defesa. Crime: tentaram fugir de cuba. O facinoroso, aliás, é 2.700 vezes mais assassino, já provei aqui, do que os ditadores brasileiros.

Isso justifica moralmente os torturadores nativos? Não! Mas o país encontrou um caminho para sair daquela cilada: a Lei da Anistia, que decidiu ignorar os execráveis excessos de todos os porões: os do regime e dos das esquerdas. Foi uma escolha política. Inicialmente, de fato, foi negociada por um Congresso ainda não plenamente livre. Mas, depois, na prática, foi adotada pela sociedade e, de fato, no que concerne à política, pacificou o país. De tal modo passamos a encarar a democracia como um imperativo, que, três anos depois da primeira eleição direta para presidente pós-ditadura, depôs-se o eleito. E sem crise de qualquer natureza.

Mas a mentira moral não se esgota no conteúdo ideológico do que pretendiam — ou pretendem — as esquerdas. Aceitar que o terrorismo era a única forma de luta contra a ditadura implica supor que a ação pacífica para depor o regime era uma tolice, uma inutilidade ou um capricho. E, claro, tal versão é uma indignidade. O que preparou o terreno para a volta da democracia foi a resistência pacífica dos que aqui ficaram e daqueles que, não podendo voltar ao país, endossaram a boa conspiração dos pequenos atos que foram fraturando o regime — finalmente quebrado sob os auspícios de uma crise econômica.

Mistificadores e ignorantes adoram afirmar que devemos as liberdades que temos ao sangue das vítimas que tombaram... MENTIRA!!! Lamento pelas vítimas que tombaram de um e de outro lados. Lamento por aqueles que foram submetidos a sevícias depois de presos — como ocorre hoje, habitualmente, nas cadeias brasileiras, sem que Paulo Vannuchi ou Tarso Genro soltem um pio —, mas não devemos as nossas liberdades aos mortos ou torturados do PC do B, aos mortos ou torturados da ALN; aos mortos ou torturados do MR-8. Se essa gente tivesse vencido, nós lhe deveríamos, isto sim, é o paredão. Devemos a nossa liberdade a gente como Ulysses Guimarães, como Alencar Furtado, como Franco Montoro, como Mário Covas, como Fernando Henrique Cardoso. Ah, sim, como Petrônio Portella, vindo lá da ditadura. E, acreditem, até como Golbery do Couto e Silva.

Aos terroristas mortos ou vivos? Não devemos nada! Assim como não devemos aos torturadores a derrota do comunismo. Devemos às esquerdas, isto sim, a mentira, ainda em curso, de que elas queriam o nosso bem, o que dá a seus herdeiros políticos licença para trapacear, para roubar, para mentir. Tudo em nome de um novo amanhã.

Não deixem que prospere a falácia.





A Lei da Anistia


O Estado de S. Paulo - 7/8/2008

O ministro da Justiça, Tarso Genro, está empenhado em fazer da Lei da Anistia letra morta. Como sabe que a revogação pura e simples da lei está além de sua competência como ministro, patrocina uma interpretação enviesada do texto que contribuiu decisivamente para a pacificação política do País, abrindo caminho para a redemocratização. Quer que os "torturadores" - e inclui nessa categoria apenas agentes do Estado - sejam levados à Justiça e punidos. "A partir do momento em que o agente do Estado pega o prisioneiro e o tortura num porão, ele sai da legalidade do próprio regime militar e se torna um criminoso comum. Não foi um ato político. Ele violou a ordem jurídica da própria ditadura e tem de ser responsabilizado", afirmou ele em audiência pública organizada pelo seu Ministério.

Leve-se essa interpretação a sério, e ninguém - da "subversão" ou da "repressão" - terá sido anistiado, uma vez que os governos militares mantiveram intacto o arcabouço jurídico do País, em especial o Código Penal, embora criando regras de exceção - como a prisão sem mandado e a incomunicabilidade. E, assim, nada seria crime por motivação política, e tudo seria vulgar infração da legislação penal.

Essa, aliás, foi uma das características da chamada Revolução. Depois do discurso de 13 de março do presidente Jango Goulart, anunciando o seu projeto de República Popular Democrática, com o golpe de 31 de março instalou-se um governo de força, mas o governante de turno exercia mandato com data certa para terminar e o Congresso e o Judiciário continuaram funcionando. O regime de exceção se manifestava no poder de cassar mandatos eletivos e de suspender os direitos da cidadania.

Nos países sul-americanos onde os militares tomaram o poder, na época, a ruptura institucional foi completa. A repressão foi brutal e sistemática. No Uruguai, por exemplo, além dos mortos e desaparecidos, mais de 1 milhão de pessoas tiveram de buscar asilo no exterior, temendo pela própria segurança. Na Argentina e no Chile, os mortos se contaram às dezenas de milhares antes mesmo que os opositores do regime militar se organizassem na resistência armada. No Brasil, os torturados, mortos e desaparecidos, durante as duas décadas de regime militar, não chegaram a 400 - e todos os casos foram documentados pela comissão coordenada pelo arcebispo d. Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright.

O ministro Tarso Genro e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucci, apóiam as organizações que exigem que a Corte Interamericana de Direitos Humanos declare sem efeitos a Lei da Anistia. A Corte já adotou tal procedimento em alguns casos, mas nenhum deles tem semelhança com o caso brasileiro. Naqueles países, a anistia foi considerada derrogada porque foi concedida por um grupo que queria se proteger - os militares que deixavam o poder -, exclusivamente para seu benefício. No Brasil, como observou o ministro Celso de Mello, do STF, a lei teve caráter geral, abrangendo todas as pessoas que praticaram excessos em decorrência da existência do regime ditatorial. Destinou-se não a inocentar torturadores da direita ou da esquerda - que estes também existiram -, mas a permitir que a Nação construísse o seu futuro em harmonia.

É claro que a Lei da Anistia não tem o condão de provocar amnésia - e é bom que seja assim. De tempos em tempos, é salutar que uma nação reflita sobre seus períodos negros para que eles não se repitam.

Também não se pode esperar que as pessoas e famílias diretamente atingidas pela brutalidade não queiram satisfações. Algumas buscaram as reparações financeiras que o Estado tem concedido generosamente. Outras entraram na Justiça contra pessoas que denunciam como torturadores, a despeito de a Lei da Anistia estar em vigor. Nesses casos, a Justiça saberá o que fazer.

O que não é admissível é que duas autoridades, ocupando elevados cargos no Executivo - o ministro da Justiça e o secretário de Direitos Humanos -, liderem uma campanha de aberta contestação à Lei da Anistia. Com sua atitude, já eriçaram as Forças Armadas e dividiram o governo - haja vista a reação do ministro Nelson Jobim. Se não forem contidos pelo presidente Lula, acabarão reabrindo cicatrizes e fazendo o País retroceder três décadas.



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