Prezada Sílvia,
Lendo seu texto "Florestan Fernandes, a Escola do MST e o jardim cercado da academia" em seu site Espaço Acadêmico (http://www.espacoacademico.com.br/047/47ms_adoue.htm), tomei a liberdade de lhe enviar um texto de minha autoria, "Guerrilha desarmada".Abr,
Félix Maier
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por Félix Maier
29 de dezembro de 2001
http://old.olavodecarvalho.org/convidados/0121.htm
Há alguns anos, foi publicado um importante livro do mexicano Jorge Castañeda, "A Esquerda Desarmada" (obs.: título original em espanhol; na tradução brasileira, virou "Utopia Desarmada"). Importante porque historia com bastante profundidade muitas das ações dos grupos esquerdistas atuantes na América Latina durante as décadas de 1960 e 1970, a exemplo do grupo argentino “Montoneros”.
O livro de Castañeda nos ensina que os “Montoneros” eram uma ala armada do Movimento Peronista (“soldados de Perón”), surgida em 1966, que seqüestrou, em 19 de setembro de 1974, em Buenos Aires, os irmãos Jorge e Juan Born, herdeiros do conglomerado Bunge y Born. Pela libertação dos mesmos, os “Montoneros” receberam o equivalente a US$ 64 milhões, incluindo ações, bônus e outros documentos negociáveis.
O dinheiro desse seqüestro e outros assaltos renderam US$ 70 milhões e era controlado por Mario Firmenich, “el Pepe”, e Roberto “el Negro” Quieto. Um banqueiro judeu-argentino, David Graiver, foi escolhido para depositar US$ 40 milhões nos EUA, porém o avião desapareceu sobre o México com todo o dinheiro. O restante do dinheiro, após a morte de “el Negro”, passou para a supervisão dos cubanos, em 1977, que ajudaram os sandinistas com US$ 1 milhão, a FMLN (El Salvador) com 200 mil, outro tanto para a URNG (Guatemala). O MIR (Chile) teria recebido a maior soma. Guerrilheiros de outros países centro-americanos também receberam dinheiro.
Em 1988, Firmenich foi preso no Brasil e extraditado para a Argentina, e em 1990 anistiado pelo então Presidente Menem.
É importante ressaltar que, segundo Castañeda, o Movimiento de Izquerda Revolucionaria (MIR), do Chile, recebeu a maior parte do dinheiro dos “Montoneros”. Nestes tempos em que a cada vez mais operante esquerda internacionalista (seria a “5ª Internacional Comunista”?) tenta demonizar Augusto Pinochet, que somente no Chile responde a mais de 200 processos movidos principalmente pelos comunistas, é bom lembrar que o dinheiro remetido pelos cubanos ao MIR foi após o ano de 1977, portanto mais de 4 anos após a queda de Salvador Allende. Como se pode depreender, os “perseguidos” pelo Governo de Pinochet, assim como ocorreu no Brasil, não desejavam o retorno da democracia, porém tentaram impor um regime comunista no Chile, tanto antes do “golpe” de Pinochet, quanto depois.
O Chile sob Pinochet, portanto, não foi um governo que desrespeitou os direitos humanos de cidadãos honestos e trabalhadores. Pinochet teve pela frente uma longa guerra para eliminar muitos inimigos cruéis, que promoviam atos terroristas para desestabilizar o país e implantar, não a democracia, porém a “ditadura do proletariado”, que era o que realmente desejavam os guerrilheiros enviados por Cuba ou treinados naquele país. O MIR foi criado em 1965, com a meta de alcançar o poder político via luta armada, e participou ativamente do governo Allende (1970-1973) para a preparação de um autogolpe (Allende havia conquistado apenas 36,5% dos votos para Presidente), para implantação do socialismo, o que foi evitado pela firme intervenção das Forças Armadas, com o general Pinochet à frente, em 1973. O mesmo MIR, em 1989, participou do seqüestro do empresário brasileiro Abílio Diniz, junto com a FPL de El Salvador. Pode-se afirmar também, sem exagero, que o seqüestro de Abílio Diniz teve o apoio logístico de ninguém menos que o terrorista na ativa mais cultuado pelas esquerdas: Fidel Castro.
Um outro aspecto importante abordado por Castañeda em "A Esquerda Desarmada" refere-se ao próprio título do livro. Com efeito, Castañeda identifica muitos grupos guerrilheiros da América Latina, que abandonaram o terrorismo para participar da vida política em seus países, criando partidos políticos próprios ou se associando a outros já existentes. Daí a denominação “esquerda desarmada”. O abandono da “luta com armas”, em que a esquerda só havia colecionado derrotas, para participar nos Parlamentos do processo democrático da “luta de idéias”.
Mais de duas décadas após a desmobilização de grupos marxistas armados na América Latina, assiste-se hoje, no Brasil, a um movimento talvez inédito em todo o mundo: a “guerrilha desarmada”.
Na Espanha, o grupo terrorista ETA anda mais armado que nunca para continuar a promover suas ações revolucionárias. O mesmo acontece na Colômbia, com as FARC e o ELN. Obviamente, nesses países os integrantes dos grupos revolucionários utilizam-se do anonimato e do terrorismo para tentar fazer prevalecer suas idéias. Por isso devem ficar bem escondidos da polícia, ou se refugiar em “santuários” como Cuba e Líbia, após mais um ato terrorista. O mesmo não se pode dizer do Brasil. Aqui, os revolucionários das décadas de 1990 e de 2000 são velhos conhecidos de todos os brasileiros, não precisam utilizar codinomes para esconder suas caras, como nas décadas de 1960 e 1970, nem usar máscaras, como o Subcomandante Marcos, atual líder dos zapatistas. Os novos revolucionários passeiam com desenvoltura junto à esfera dos três poderes, são incensados pela mídia, recebem vultosas somas de dinheiro público e de dezenas de ONGs para promover a desestabilização política e social do país. Pregando a eliminação do sistema econômico atual, vale dizer, a destruição de nossa própria nação e de nossa brasilidade, para colocar em seu lugar um sistema socialista de produção que não deu certo em nenhum lugar do planeta, nossos revolucionários se dão ao luxo de promover as maiores barbaridades no país sem precisar utilizar um tiro de garrucha sequer. Os barbudos revolucionários brasileiros inventaram a bem sucedida “guerrilha desarmada”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é o ícone da “guerrilha desarmada” brasileira. Atuando em praticamente todos os estados brasileiros, consegue mobilizar o equivalente a uma Marinha brasileira em um único dia, para realizar protestos em todas as capitais, tomar bancos e prédios públicos, fazendo centenas de reféns, sob o olhar complacente das autoridades. Com métodos guerrilheiros, o MST invade fazendas produtivas, promove a destruição de benfeitorias no campo, assalta caminhões carregados de alimentos nas estradas, e nem um “militante” sequer é preso. Utilizando-se apenas da massa humana, incluindo crianças, mulheres e pessoas idosas, a avalanche humana é a única arma utilizada com sucesso pelo MST, ciente de que nada, exceto um batalhão do Exército disposto a atirar para matar, poderá deter a força coordenada da massa de centenas de pessoas dispostas a tudo. Quando finalmente o poder público, depois do estrago feito, se dispõe a expulsar os meliantes, o MST se utiliza dos métodos mais sujos para enfrentar a polícia, como, por exemplo, colocando crianças e mulheres grávidas à frente da força policial, para impedir a reintegração de posse do terreno objeto de invasão e esbulho. Devido a este jogo sujo, a “guerrilha desarmada” obtém tanto sucesso, pois os governadores ficam manietados, relutantes em empregar a força policial para cumprir decisões da justiça, com medo da ocorrência de outros “eldorados do carajás”. Assim, passando por cima da ordem pública, rasgando a Constituição, pregando o ódio entre brasileiros, sem nenhuma reação das autoridades, se apenas com foices e bandeiras nas mãos o MST consegue tanto, por que essa “guerrilha desarmada” haveria de utilizar armas e atentados terroristas tradicionais para conseguir seu intento?
Com a complacência do Governo federal, a “guerrilha desarmada” não se contenta mais em apenas promover a baderna em nosso país: passou a criar vários centros de ensino revolucionário. Antes, tais focos eram semiclandestinos, como o centro de criadores de “balilas” localizado na cidade de Caçador, SC. Hoje, a “guerrilha desarmada” promove seus “Pinar del Río” em muitos pontos do país, sem discreção alguma, com o amparo acadêmico da PUC de Campinas, recriação da “Universidade Patrice Lumumba” dos tempos soviéticos. Nesses centros de propagação revolucionária, as autoridades não têm permissão de entrar, nem os jornalistas ou a televisão podem colher o que lá dentro é plantado. Acima do bem e do mal, barbudões se alimentam do fel marxista para envenenar nossas crianças e nossos jovens, que aprendem a não respeitar as leis vigentes, que “foram feitas pela burguesia”, e aprendem a ter ódio de seus semelhantes, fazendo desses pobres micos amestrados os futuros líderes de uma massa de manobra que tem por objetivo implantar em nosso país o “paraíso” cubano.
A última demonstração de força da “guerrilha desarmada” pôde ser vista por ocasião do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no final de janeiro do corrente ano. Embora o Fórum seja defensável em muitos aspectos, especialmente no sentido de apresentar uma proposta para melhoria do comércio internacional, com benefícios para todos os países nesses tempos de um mundo globalizado, não apenas para os países ricos, o que se viu durante o encontro foi a predominância das vozes da esquerda de múltipla esclerose, da “guerrilha desarmada”, que entre vivas e vivas a Cuba e à Coréia do Norte impôs seu tom autoritário. Apoiada pelo “orçamento participativo” do governo petista, quando o povo gaúcho foi obrigado a “participar” do pagamento de R$ 1,3 milhão, para emissão de passagens aéreas para 163 apaniguados esquerdistas, com estadia em hotel com diárias de R$ 600,00, a “guerrilha desarmada” fez a festa pelas ruas da capital gaúcha, com passeatas puxadas pelo governador Olívio Dutra, onde pululavam fotos de Lênin e Che Guevara nas mãos de furiosos “balilas”. No Fórum, quem coordenou o tema “democracia” foi Ricardo Alarcón de Quesada, de Cuba. Foi armado estande para o grupo terrorista ETA, um desrespeito para com nosso país amigo, a Espanha. A mesma ofensa foi cometida contra o governo colombiano, com palestras sendo feitas por um guerrilheiro das FARC, garbosamente escoltado pela Brigada Militar. E para não perder a mística e a “práxis” revolucionária, o MST de João Pedro Stédile, juntamente com o agitador francês José Bové, destruiu uma plantação experimental de soja da Monsanto na cidade de -- que ironia! -- Não-me-Toque. Obviamente, todas as emissoras de TV tinham ciência de que iria ocorrer essa agressão -- mas não a polícia, como de costume.
Uma “esquerda desarmada” é perfeitamente concebível. Porém, uma “guerrilha desarmada” é difícil de conceber, ao menos em países sérios, onde as leis são respeitadas. Nesses tempos em que a única coisa organizada do Brasil é o crime, com rebeliões de presídios pipocando simultaneamente em mais de 20 cidades paulistas, sob a ordem de bandidos presos que acionaram o plano com telefones celulares nas mãos, a “guerrilha desarmada” não é uma criação tão original assim. O que há em nosso país é apenas um Governo que não existe.
P.S.: A Escola do messetê Florestan Fernandes não é uma escola, pois não se presta a dar Educação a seus alunos. É, na verdade, uma incubadora do ódio, uma central da intolerância, uma madrassa socialista, ao incutir o rancor no coração dos alunos, contra a "ordem burguesa". Um movimento que tem Che Guevara como patrono diz tudo: o que o MST realmente quer é transformar o Brasil numa Cuba continental. Xô messetê! (Félix Maier)
Florestan Fernandes, a Escola do MST e o jardim cercado da academia
por SILVIA BEATRIZ ADOUE*
Eu quero ser o biscoito fino que um dia o povo há de comer. (Oswald de Andrade)
Quando Lula, após ter vencido o segundo turno das eleições, no discurso da avenida Paulista lembrou de tantos intelectuais que participaram da construção do PT e “esqueceu” de Florestan Fernandes, eu, postada de frente para o palco, não achei aquilo uma injustiça, mas um sinal. Após uma década de progressivo afastamento orgânico dos movimentos sociais, que começou com a medida aparentemente administrativa de dissolução dos núcleos de base, e de uma seqüência de abandonos programáticos tendentes a priorizar a atividade política eleitoral em detrimento da organização popular, o PT deixou de ser uma expressão das lutas para ser expressão daquilo que Florestan chamava de “democracia radical”. Às vezes, nem isso.
Florestan Fernandes militou dentro do PT pelo programa socialista. Em muitas oportunidades falava da sua aspiração a ser “intelectual orgânico” sob essa bandeira. A sua obra de maturidade, A revolução burguesa no Brasil (1975), atesta essa vontade. Nessa aspiração confluíam sua história familiar e sua trajetória intelectual.
Lembro que, numa das primeiras reuniões da campanha para a constituinte, e no meio de um exercício de prospectiva para o Brasil, o velho mestre disse que em cinqüenta anos ele estaria protegido pela morte. Ele estava sendo otimista demais: “[…] se o inimigo vencer, nem mesmo os mortos estarão a salvo dele. E esse inimigo ainda não parou de vencer” (BENJAMIN, 1991: p.156). Hoje, a sua memória é campo de batalha pelo “controle” do sentido da sua vida e da sua obra.
Alguém pode ficar com uma imagem instantânea do jovem Florestan defendendo a sua tese sobre os tupinambás. Esse “alguém” também poderá colocar o foco na adesão do estudante ao projeto da Missão Francesa para a formação de centros de excelência, nos seus esforços para incorporar o instrumental teórico aprendido com os seus professores ao estudo do Brasil. Muitos de nós, porém, preferimos outra perspectiva para observar a mesma cena: vemos o jovem aspirante sob o olhar agoniado da sua mãe, empregada doméstica, que pouco entendia do tema discutido. A mãe de Florestan, porém, bem percebia que a batalha que o seu filho livrava era a de um rapaz pobre para ter o seu saber reconhecido pela elite acadêmica. Adotar uma determinada perspectiva é, não nos enganemos, uma escolha de classe: a partir de qual lugar olhamos e falamos.
Não havia força suficiente para romper a cerca do jardim do conhecimento. Era preciso atravessá-la e se apropriar das flores alheias, que a elite cultivava. Florestan venceu essa batalha e fez muito mais: entre os acadêmicos foi o primeiro. Modelo de intelectual, professor de professores, cuidou das flores como ninguém. Quando o golpe militar pôs a prova os membros da academia, muitos dos acadêmicos expulsos da universidade refugiaram-se embaixo do guarda-chuvas de patrocinadores como a Fundação Ford. Florestan Fernandes podia ter se limitado a lecionar numa universidade do exterior, cuidando do jardim e replantando de um canteiro ao outro as belas flores do conhecimento sociológico. Teria sido honroso e nem um pouco covarde. Mas ele escreveu A revolução burguesa no Brasil, que fez às vezes de uma dobradiça na sua obra. A escrita desse trabalho, de alguma maneira, mudou sua vida.
Florestan não havia apenas ocupado um lugar na universidade. Não tinha apenas atravessado a cerca do jardim e se apropriado do saber dos acadêmicos, agora ele produzia um saber que fugia dos projetos dos jardineiros. Era uma prospectiva para o Brasil. Um saber fundamental para os militantes, porque problematizava com rigor e teimosia sobre as possibilidades do programa democrático e do programa socialista. Florestan já era o “intelectual orgânico” ainda que sem partido. Participou da construção do PT, pessimista da razão e otimista da vontade. Sem imaginar o PT como um destino, mas como uma possibilidade.
Nos últimos anos, era freqüente a lembrança dos seus tempos de estudante pobre, quando lia Durkheim no bonde. Também era assídua a recordação da época em que trabalhava como garçom e do seu aprendizado “de classe” com o seu colega García, espanhol e anarquista. Mas, de todos esses “flashes”, uma imagem sempre presente era a da presença da sua mãe não letrada na sua defesa de tese, muito mais do que os argumentos da banca e os seus próprios.
É esse mesmo Florestan Fernandes que o MST acolhe dando seu nome à sua Escola Nacional construída em Guararema. Foi ele o primeiro a romper a cerca que separa as grandes maiorias brasileiras do jardim do conhecimento sistematizado. A grande imprensa tem apresentado a escola dos Sem Terra com malícia e ironia. O que pode ser interpretado como mais um episódio no combate às ocupações de terra e à reforma agrária. Mas, na desqualificação à escola, há um plus de perversidade. É suficiente olhar para os números da pirâmide educativa: o lugar reservado aos pobres é junto à mesa, colhendo as migalhas que por ventura caem. Como não gritar contra o escândalo das políticas compensatórias impregnadas do cheiro acre do favor. Para a elite brasileira, a Escola Nacional do MST é um luxo. “Aliás, pergunta, de onde saiu o dinheiro?”. Pergunta nunca dirigida aos empresários privados da educação. A pergunta que os trabalhadores fazem, em troca, é: “quem levantou o prédio?”. Os nomes dos pedreiros, marceneiros, eletricistas, encanadores… costumam ficar perdidos. Na Escola de Guararema não: os nomes dos trabalhadores estão aí, eles ali estudaram, e os seus filhos, assim como os dos outros trabalhadores, poderão estudar lá.
A elite tolera os acampamentos quando eles aspiram apenas à sobrevivência das famílias, insultando-os com um olhar que pretende reduzi-los à condição de mendicante. Quando o acampamento vira assentamento, e quando o assentamento se torna produtivo, paradoxalmente, projeta sobre as famílias o medo paranóico à “barbárie” e ao “fundamentalismo”, palavras-chave usadas mais de uma vez para legitimar a violência “preventiva” contra os pobres.
Porque os Sem Terra não permanecem na condição de pobres para assim completar a paisagem tão conhecida, tão natural, da brasilidade? Porque não seguem o roteiro traçado de antemão, no cenário das casinhas de pau-a-pique, esperando que o Estado, algum dia, tenha a bem incluí-los no “contrato social” e realizar a reforma agrária que, afinal, “todos almejamos”? Ou, ainda, porque não ficam in eternum sobrevivendo junto às estradas da caridade pública sob os barracos de plástico preto para lembrar a todos que o Brasil é o país do futuro e sempre será? Porque os Sem Terra teimam em querer abandonar a pátria pobreza e constroem uma escola como a de Guararema?
Como será nessa escola a tensão entre apropriação do conhecimento e a reflexão sobre as práticas que as novas formas de conflito social vão colocando? Responder de antemão e dar a resposta como favas contadas é uma temeridade.
Antes de fazer o roçado, a horta para preparar a comida dos alunos, os Sem Terra prepararam o jardim, os caminhos bordados de flores e os canteiros, e plantaram uma muda de cada região do país, para que vingue. Do terraço do refeitório pode-se ver e ouvir uma fonte que lembra as das construções daqueles árabes da península ibérica que encorajavam o diálogo entre culturas diversas e mantiveram o tesouro das civilizações anteriores num período em que o resto de Ocidente enrijecia o seu pensamento dominado pelo “fundamentalismo”. Nessa Alahambra bem brasileira, um pouco distantes, mas não separados das lutas cotidianas, os estudantes pobres, e filhos de pobres, netos de pobres, de pobreza ancestral, cortam a cerca e não pisam nas flores. Como Florestan, querem ocupar os espaços do saber, neles resistir e também produzir novos saberes que, bem vistos, sejam pão e também o biscoito fino para todos comermos.
Referências
BENJAMIN, Walter. “Teses sobre a Filosofia da História” in: BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1991. Trad. Flávio R. Kothe.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
* SILVIA BEATRIZ ADOUE é Mestre em Integração na América Latina, pelo PROLAM-USP e Doutora em Literatura Hispano-americana pela FFLCSH – USP. Publicado na REA, nº 47, abril de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/047/47ms_adoue.htm
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