MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O ópio dos liberais - por Heitor de Paola

O ópio dos liberais

por Heitor de Paola


Heitor de Paola prossegue analisando a verdadeira "utopia" que comanda o pensamento de muitos liberais, que preferem ignorar que a essência humana é formada por vários fatores além dos econômicos.

“Toda operação militar tem o logro como base (...) se o adversário se sentir forte, finja-se de fraco que ele se tornará arrogante” (Sun Tzu).

“...to be credible and effective a deception should accord as far as possible with the hopes and expectations of those it is intended to deceive” (Anatoliy Golitsyn).

A arrogância é o maior inimigo interior do conhecimento. Mesmo que este seja externamente acessível, a arrogância não permite reconhecer a necessidade de buscá-lo, a curiosidade. O sujeito sente-se dono de um falso saber e, conseqüentemente, se torna incapaz de aprender com a experiência – sua e a dos outros. Principalmente esta última é extremamente penosa pois denuncia que alguém sabe algo que o sujeito não sabe. Portanto, fica presa fácil de qualquer prestidigitador político que lhe administre a droga certa, isto é, que esteja de acordo com seus falsos conhecimentos que geralmente não passam de wishful thinking.

Em artigo anterior (O Doce Sonho dos Liberais Hegelianos)* abordei a existência de determinado tipo de liberais que, num marxismo às avessas, acreditam que a história tem um sentido e terminará em algum desenvolvimento político-econômico determinado. Tal como os marxistas acreditam que este será o Estado Comunista, esses liberais estão certos de que será o Estado Liberal. E pelas mesmas razões: seus desejos subjetivos projetados no resto na Humanidade que passa, obrigatoriamente, a desejar o que eles desejam.

A origem de ambos também é comum: a conceituação da natureza humana como exclusivamente econômica, um homem unidimensional, renegando as demais dimensões desta natureza tão complexa quanto inatingível em seu totum. Da mesma forma que criaram uma psicologia (sic) marxista – e muita gente caiu nesta esparrela – construiu-se também uma psicologia (sic) baseada em conceitos puramente interesseiros como o egoísmo, que seria o móvel único do homem, se deixado em liberdade. A distância entre elas é de exatamente 360° (=0): o Homem Unidimensional numa quer o Paraíso Comunista; noutra o Paraíso Liberal!

Um liberalismo, originado de idéias iluministas, baseado em conceitos tão rasteiros, não faz jus aos grandes pensadores liberais que, desde a Antigüidade, se preocupam com o conceito de liberdade. O liberalismo não é um projeto estratégico de um grupo – embora muitas vezes um pequeno grupo dele se apodere em benefício próprio – mas algo que veio desenvolvendo-se espontaneamente ao longo da história humana e movida por inúmeros fatores que constituem a essência do Homem, entendida em sua multideterminação, e não apenas os econômicos: psicológicos, éticos, morais religiosos, e talvez alguns cujo conhecimento sequer chegamos a atingir, como dizia Shakespeare pela boca de Hamlet. O verdadeiro liberalismo deita raízes profundas na tradição judaico-cristã. Negadas as demais dimensões, tais liberais se tornam presa fácil das armadilhas criadas pelos comunistas, estes sim peritos em estratégia. E assim ocorreu diversas vezes no último século – e continua ocorrendo no atual.

A isca é sempre a da aparente fragilidade do regime comunista e a admissão da derrota perante a “verdade” liberal, provocando nestes últimos a arrogância sugerida por Sun Tzu, e preparando a virada da guerra.


O SÉCULO XX

Já na década de 20 Lenin, tendo percebido que o regime corria o risco de sucumbir pela ineficiência, lançou a primeira isca, poder-se-ia dizer para comparar com Deng Xiao Ping, a primeira ratoeira. Atingido o objetivo foi liquidada por Stalin em 29, mas já em 1931 Dimitri Manuilsky, tutor de Nikita Kruschev na Escola Lenin de Guerra Política, de Moscou, ensinava: “A guerra de morte entre comunismo e capitalismo é inevitável. Hoje, certamente, não estamos suficientemente fortes. Nosso tempo chegará em 20 ou 30 anos. Para vencer, precisamos do elemento surpresa, a burguesia deverá ser amortecida, anestesiada, por um falso senso de segurança. Um dia, começaremos a espalhar o mais teatral movimento pacifista que o mundo já viu. Faremos inacreditáveis concessões. Os países capitalistas, estúpidos e decadentes... cairão na armadilha oferecida pela possibilidade de fazer novos amigos e mercados, e cooperarão na sua própria destruição”.

Vinte e quatro anos depois, no final da II Guerra, Stalin conseguiu convencer Roosevelt e, em menor grau Churchill, de que não passava de um líder nacionalista russo, não tinha intenções expansionistas e iria se ater ao tratados de Yalta, Teheran e Potsdam. Imediatamente dominou toda a Europa do Leste e avançou sobre a Ásia. Em 1956 os EEUU perderam a excelente chance de intervir na crise húngara e apoiar movimentos de libertação em outros países comunistas, também por um apaziguamento infantil. Em plena “guerra fria” Kruschev e Mao retornaram aos ensinamentos de Lenin e iniciaram uma série de movimentos oscilatórios para confundir o Ocidente de que, ora a URSS, ora a China, visavam uma aproximação maior e abertura. Enquanto isto, se preparavam toda sorte de logros e mentiras como a Revolução Cultural e a farsa do “conflito Sino-Soviético”.

Uma destas manobras foi a crise dos mísseis em Cuba, quando Kennedy entrou de “anjinho” ao não perceber que o blefe de Kruschev tinha a única finalidade de fazer com que os EEUU assinassem o acordo que assegurava que nunca iriam intervir em Cuba. Jamais houve risco real de guerra nuclear – a URSS não tinha poder suficiente. O verdadeiro risco foi escamoteado: fazer com que os americanos assinassem o acordo, dessem à URSS esta cabeça de ponte e facilitassem sua infiltração na América Latina, ao mesmo tempo em que penetrava profundamente na Ásia e na África, junto com a China apesar do aparente conflito. É estonteante como o Ocidente não percebeu o claríssimo movimento oscilatório entre as duas potências comunistas: brigavam de boca e atuavam militarmente em conjunto.


O QUADRO ATUAL

"Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas" (Sun Tzu).

A nova dose de ópio para excitar a arrogância dos liberais foram as duas imensas fraudes das “aberturas” capitalistas na Rússia e na China. E como a ignorância dos métodos estratégicos comunistas continua inalterada, o Ocidente engoliu novamente o queijo na ratoeira de Gorbachëv e Deng Xiao Ping. E nem percebeu que o rato era ele mesmo e o gato que o caça, o poder de engodo e blefe dos comunistas em fazer-se de fracos para dar ao Ocidente a ilusão do triunfo do liberalismo nos dois países e de vencedores da “guerra fria”.

Mas a arrogância opera também noutro sentido. Tais liberais – que se gabam de sempre terem sido liberais! – não podem aproveitar a experiência de quem “conhece o inimigo” (como dizia Sun Tzu) porque já esteve lá e sabe muito bem como eles pensam e agem, não por estudos teóricos, mas por já terem pensado igual. Ao invés de aprender com a experiência, desmoralizam estas fontes de informação como paranóicas ou “saudosistas” por darem tanta importância aos comunistas. Com isto, ficam sem conhecer o inimigo – e nem a si mesmos pois se atribuem um poder que não passa de sua arrogância e, portanto, se expõem a “perder todas as batalhas”.

É claro que existem dois sub-tipos desses liberais. Uns agem sabendo da derrota final mas aproveitam para garantir bons lucros enquanto a falácia dura, nem se importam com o resto do mundo. Mas existem aqueles que acreditam de boa fé. São estes que levam ao que é denunciado por Luis Afonso Assumpção em seu artigo Nadando Contra a Maré... Vermelha (http://la3.blogspot.com/):

“O comportamento repetitivo das democracias ocidentais nesta estória é impressionante: sempre acreditam que as intenções dos comunistas são sinceras. Mas por via das dúvidas, fazem tais países assinar acordos para “garantir" que as intenções sejam realmente implementadas. A crença ocidental de que instituições internacionais, acordos, compromissos bilaterais e outras regulamentações possam garantir a execução das intenções é realmente aterradora”.

E é aterradora mesmo! Em nenhum dos dois gigantes comunistas há a menor sombra de liberalismo nem intenção genuína de implementá-lo, além da pseudo liberdade econômica – na realidade totalmente sob controle estatal – para atingir os seus propósitos reais de sugarem o que for possível do Ocidente, para incrementar seus meios bélicos e melhor destruí-lo. Num verdadeiro estado liberal não há lugar para polícia política secreta, existe ampla liberdade de associação, inclusive sindical, liberdade de viajar internamente sem passaporte ou ir para o exterior quando lhe der na veneta, voltar se quiser, liberdade de imprensa, liberdade religiosa que implica em decisões quanto ao culto, ao regime de casamento e ao número de filhos, etc. Na Rússia existem alguns arremedos destas liberdades; na China, nenhum.

Na Rússia o poder da KGB aparece cada dia mais, não que cresça pois nunca diminuiu, pelo contrário, aumentou exponencialmente. Seus principais agentes foram para a clandestinidade controlar o crime organizado. Alguns ficaram na administração civil. Não houve nenhum julgamento tipo Nürenberg pois o Ocidente aceitou by face value o engodo chamado Perestroika. De acordo com especialistas em inteligência, na URSS com uma população de 300 milhões, existiam aproximadamente 700.000 agentes; na nova Rússia “democrática e capitalista”, com 150 milhões, chegam a 500.000 chekistas! A proporção aumentou de um para cada 428 habitantes, para um para cada 300! No Ministério, de algo em torno de 5% passou na última eleição a mais de 50% de Ministros chekistas! Além disto o culto à personalidade do Grande Líder do Povo, Vladimir Putin, ele mesmo um membro da KGB, retorna com todo o vigor. Só o nome foi eufemisticamente trocado de KGB para FSB!

E mais aterrador: é a polícia política que hoje detém os códigos de mais de 6.000 ogivas nucleares, e não mais as desorganizadas Forças Armadas convencionais. Em fevereiro a Rússia realizou exercícios nucleares idênticos aos da “Guerra Fria”. Segundo Nikolai V. Zlobin, do Centro de Informações de Defesa, já se prepara uma nova estratégia para “cooperação” com os EEUU, na aparência para formar uma força conjunta contra o terrorismo – na realidade, para adquirir mais capacidade tecnológica de que a Rússia carece. É sempre necessário tentar descobrir a verdade por trás da falácia, pois segundo Baudelaire “... n’oubliez jamais... que la plus belles des ruses du diable est de vous persuader qu’il n’existe pas”.

Na China, as eleições em Hong Kong são vetadas em flagrante desrespeito – mais uma vez! – aos acordos firmados com o Reino Unido para devolução do território em 1997. E que fez o Ocidente? Protestou formalmente! Talvez não compareçam a alguma competição esportiva em Pequim e pronto. Como se não bastasse o Massacre da Praça da Paz Celestial, ainda se massacram recém-nascidos proibidos por aqueles dirigentes tão exaltados pelos liberais de que falo.

Por último, dois outros argumentos falaciosos. O primeiro, de que Deng teria sofrido na farsa da Revolução Cultural, perdendo até um irmão. Ora, depois das revelações de Golitsyn a ninguém é escusado saber que o enfant gaté do Ocidente, Andrei Sakharov, era um agente dos mais importantes da KGB, “sofreu” um falso exílio em Gorki como forma de desinformar os incautos e torná-lo um “líder” de oposição liberal na URSS. Teria sido verdade o que se conta de Deng, ou apenas mais desinformatsiya para aumentar sua credibilidade?

O outro é que o programa de intercâmbio estudantil China-USA fará com que os chineses que retornam a seu País introduzam reformas liberais. Alguém acredita mesmo que num País submetido a uma das piores ditaduras da história alguém saia sem estar devidamente doutrinado? Ao menos, o mesmo programa com a URSS no século passado, só rendeu frutos para a propaganda soviética, não para os EEUU.


* O DOCE SONHO DOS LIBERAIS HEGELIANOS

   por Heitor de Paola

A idéia de que deveria ser possível prever revoluções como se podem prever eclipses (...) é o fundamento do historicismo: o ponto de vista de que a evolução da humanidade segue um enredo e que se conseguirmos descobri-lo,teremos uma chave para nosso futuro.

KARL R. POPPER
Miséria do Historicismo

Da mesma forma que o marxismo não passa de uma ideologia messiânica que projeta um futuro e depois adapta passado e presente ao futuro desejado, existem liberais que pensam exatamente a mesma coisa, com sinais trocados. Ambos são raciocínios baseados nas teses hegelianas que, por estar o autor a soldo do Kaiser, projetou o futuro brilhante do Império Prussiano e adaptou toda a história, atrelando-a a este desejo. De tal forma o pensamento de Hegel penetrou na cultura ocidental – em grande parte devido à difusão do marxismo – que raros são os que se dão conta de que, quando emitem opiniões políticas, sociológicas ou econômicas, freqüentemente estão condicionados por esta estrutura rígida de pensamento. Quase toda a cultura ocidental moderna é historicista, mesmo sem noção consciente disto. Ora, é do interesse dos comunistas e coletivistas em geral amordaçar o pensamento ocidental, que querem destruir, a estas amarras, pois que assim seu inimigo só poderá lutar dentro nas regras ditadas por eles próprios.

A muito poucos pensadores ocidentais ocorre que o determinismo histórico não passa de uma invenção ideológica de Marx para a qual não existe nenhuma comprovação científica. Deriva das noções historicistas anteriores e não passa da aplicação à história da necessidade humana de adivinhar o futuro. É, no fundo, uma teoria religiosa da história. Como bem o disse Popper: “A revolução naturalista (...) contra Deus substituiu o nome de Deus pelo termo Natureza (...) Hegel e Marx, por sua vez, substituíram a deusa Natura pela deusa História” (1). Daí surgiu a noção pseudocientífica de “leis históricas”: poderes, forças, tendências, objetivos e planos da História. “As ofensas contra Deus foram substituídas pelos atos de ‘criminosos que resistem em vão à marcha da História’ ” (op.cit.). É certo que, ao defender esta tese, Marx não se referia aqui a outros que não aqueles infiéis que se opõem aos planos comunistas de transformação da Sociedade os quais ficam, ipso facto, passíveis de punição pelos “agentes da História” – os membros do Partido. É baseados nisto que os comunistas estabelecem os dois pesos e duas medidas: os crimes cometidos por “burgueses”, por definição aqueles que resistem à evolução histórica, são passíveis de morte, enquanto os mesmos crimes, quando cometidos por revolucionários agentes da História, estão de antemão justificados. É por isto também que um dos maiores assassinos do século passado, “Che” Guevara, é glorificado como herói e mártir.

É impressionante ver como pensadores que se dizem liberais apresentam o liberalismo dentro deste mesmo sistema, como algo inevitável, como o futuro glorioso da humanidade, a preferência geral dos homens pela liberdade, pensando portanto dentro do esquema hegeliano-marxista. A máxima expressão deste otimismo onírico é o livro de Francis Fukuyama, “O Fim da História”. Um jogo no qual um dos adversários é o dono das regras, quem ganha? Ocorre que os comunistas usam a dialética hegeliana como arma de luta para destruir o liberalismo, a economia capitalista e a democracia política. O próprio Marx, apesar de se dizer convencido de que sabia qual seria o fim da história, não ficou passivo, apoiou as lutas antiliberais de seu tempo, elaborou com Engels o Manifesto Comunista; Lenin, seu mais hábil seguidor, passou definitivamente da passividade à luta revolucionária. Enquanto isto nossos liberais esperam passivamente que os comunistas abram alguma brecha e aí se sentem felizes como crianças com brinquedo novo!

Assim foi quando Deng Xiao Ping disse a famosa frase “não importa a cor do gato, desde que mate ratos”. A interpretação dos que denomino “liberais hegelianos” foi a de que Deng se referia à eficiência econômica ao falar dos ratos e como o capitalismo é obviamente mais eficiente do que a estagnação socialista, puseram-se em marcha batida para a China aproveitando a “abertura” para os gatos, numa espécie de “é agora, já ganhamos, vamos lá, mostramos a eles o que é produzir e em pouco tempo a China será capitalista”. Esquecem, porque não apreciam muito pensar, que a luta é ideológica e pelo poder, e não de eficiência. Ou será que alguém acredita realmente que os comunistas não sabem que o capitalismo é mais eficiente? Se Fidel Castro quisesse eficiência já teria aberto a economia cubana há muito tempo, pois burro ele não é, e sabe muito bem que está matando o povo cubano de fome.

O desinteresse dos liberais por ideologia é devido, em grande parte, a estarem ligados e a serviço de empresários capitalistas cujo único interesse é o lucro fácil, o que implica na falta de qualquer noção ética, fazendo com que se sintam entusiasmados pelo trabalho escravo, que é em última análise o que está acontecendo na China, caracterizando o que se pode chamar com propriedade de “capitalismo selvagem”. É fato notório que empresários não são liberais, são mercantilistas e se atrelam facilmente aos governos que lhes abrem contratos milionários, muitas vezes, envolvendo graus variáveis de corrupção. É muito mais fácil participar de uma pseudoconcorrência para contratos governamentais, onde o que decide é a propina ou as combinações prévias entre os “concorrentes”, do que enfrentar a verdadeira competição do livre mercado, que fingem defender. Vem daí a indigência dos Institutos Liberais no Brasil por absoluta falta de financiamento por parte daqueles que, supostamente, seriam os mais interessados em defender e fazer avançar o liberalismo.

Mas não é por nada que ocorre esta coincidência de opiniões entre interesses tão contrários na aparência. A falta de qualquer noção ética e moral é o que caracteriza também os marxistas: é o puro materialismo militante que une os dois pólos. O que se passa na China de hoje é o conluio espúrio entre autocratas corruptos e assassinos com empresários inescrupulosos que não respeitam nenhum valor ético, moral ou religioso. Até as pedras sabem que a China fez uma abertura exclusivamente econômica, sem nenhuma contrapartida nos demais valores humanos. Os chineses das áreas “liberadas” estão livres para serem explorados, mas não para adotarem a religião que desejam, nem para decidir soberanamente quantos filhos querem ter, para saírem do país, para formarem sindicatos que façam valer seus direitos – complemento essencial de um capitalismo sério. Continuam submetidos às rígidas leis comunistas de um país que mata recém-nascidos e todos os opositores presumíveis do regime de ferro que impera. Os protestos ocidentais para que a China respeite os direitos humanos não passam de puro engodo para a opinião pública pois não há a menor intenção em implementá-los através de exigências formais. Por exemplo, só investir se houver realmente abertura em todos os níveis, isto é, verdadeiro liberalismo. Na famigerada ONU a China tem poder de vetar qualquer resolução contra ela, para alívio dos demais que podem posar de éticos e bonzinhos, quando na realidade nada mais desejam do que continuar se locupletando com o atual “negócio da China”.

Só não se dão conta de que talvez a China tenha aprendido da primeira vez em que o ocidente foi lá em busca de lucro fácil com o ópio e contratos espoliativos. Quem se acredita dono do futuro, não olha para o passado e corre o risco de repeti-lo. Não me refiro aqui à charlatanesca noção marxista de que a história se repete. Ela só se repete para quem não aprende com ela. E a repetição não é risível mas trágica também – talvez até mais trágica! Oscar Wilde dizia que “experiência é o nome que damos aos nossos erros” e quem não aprende com eles, certamente os repetirá.

Como o liberalismo é muito próximo do anarquismo – principalmente o liberalismo dos “libertários” – não percebem que nos regimes comunistas nada é deixado ao acaso, tudo é feito somente após minucioso planejamento da cúpula do Partido, pois sendo os inventores do determinismo histórico, sabem muito bem que isto não existe e não deixam nada ao acaso. Diferentemente da inventividade e criatividade que é o apanágio dos indivíduos livres, os coletivistas nada criam espontaneamente – haja visto que até hoje não se tem conhecimento de nenhuma invenção ou criação artística relevantes nos países socialistas.

Sugiro que esta “abertura” chinesa não passa da re-edição da Novaya Ekonomicheskaya Politika – a Nova Política Econômica (NEP) iniciada por Lenin em 1921 para salvar a URSS da derrocada e da derrubada do regime soviético, atraindo capital do único lugar em que existia, o mundo livre, pois socialismo só produz miséria, nunca capital. O rato que Deng e seus sucessores precisam matar não é eficiência econômica, mas atrair capital para fortalecer suas forças armadas, inclusive e principalmente nucleares e assim usar a burrice dos inimigos para melhor extermina-los. Assim fez Lenin. Quando, em 1929 a NEP dava sinais de ameaçar o poder estatal, Stalin deu fim na brincadeira. Mas aí um país miserável e incapaz de produzir arcabuzes medievais, já estava com sua indústria armamentista a pleno vapor para destruir seus próprios financiadores.

O doce sonho dos liberais hegelianos pode se transformar num pesadelo.

(1) “Previsão e Profecia nas Ciências Sociais”, Conferência no 10o Congresso Internacional de Filosofia, Amsterdam, 1948.
 

 
MSM 13 de abril de 2004

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