MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O fascínio dos anos de chumbo - por General Raymundo Negrão Torres

Aos que se deliciaram com as falácias, contidas nos dois recentes livros de Elio Gaspari, recomendo, a bem da verdade, que leiam atentamente o texto abaixo, de autoria do insuspeito historiador, general Raymundo Negrão Torres e procedam as devidas correções nas deturpações da História, procedidas pelo jornalista. Aos que não tiveram a desventura de empestar a sua biblioteca com essa excrescência de Gaspari, sugiro que nem passem uma vista d’olhos nela, pelo risco de contaminação, de difícil cura.

Jagulha


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O FASCÍNIO DOS ANOS DE CHUMBO

Raymundo Negrão Torres (*)

Alfredo Hélio Sirkis – um ex-guerrilheiro urbano que ajudou Lamarca no audacioso seqüestro de dois embaixadores estrangeiros – relatou em livro suas experiências na luta armada comunista dos chamados anos de chumbo.

Ao publicar a 14ª edição de “Os Carbonários”, fez questão de inserir, como um novo prefácio, uma espécie de autocrítica na qual reconhece: “Mas a história, ela própria, acontece duas vezes. Uma no instantâneo eclodir dos fatos. Outra nas obras literárias, históricas, biográficas, memorialísticas e, hoje, no audiovisual, na TV, no cinema, em CD-ROM. Se na primeira perdemos fragorosamente, na segunda não nos saímos de todo mal”.

Mais adiante, ao confessar não compreender o permanente interesse da mídia por esse confuso e conturbado período de nossa história, escreveria: ”Muitas obras houve e, pelo fascínio que esse período continua a exercer, muitas ainda haverá”.

E aquele “fascínio” – que disfarça interesses pecuniários – continua dando seus frutos. A sua mais recente manifestação é uma “obra” cuja gestação custou – segundo o autor, Elio Gaspari - longos dezoito anos e o trabalho da maior equipe que uma editora já colocou à disposição de um escritor. Tempo mais longo do que Jacó precisou trabalhar para Labão, antes que este lhe desse a ambicionada Raquel e tão vasto que o irreverente Carlos Heitor Cony chegou a pensar que não viveria o bastante para ter a ventura de saborear o resultado de tão longa faina. Não sei o que o acadêmico e memorialista Cony achou da coisa, mas penso que nada dirá, além da reclamação que já fez em sua coluna diária da imputada co-autoria de um contundente editorial do Correio da Manhã publicado na véspera da queda de Jango Goulart. São “vinhos da mesma pipa”...

Costuma-se dizer que pelos frutos é que se conhece a árvore e árvore má não dá bons frutos. Daí ser interessante conhecer algo da vida do jornalista-autor, dono de página dominical inteira em jornais de circulação nacional e que se julga – “eliocentricamente”, como ele mesmo proclama - um dos ìcones de nosso jornalismo investigativo. A tomar como válido o esboço biográfico de Elio Gaspari traçado por outro conhecido e veterano jornalista, também durante muitos anos figura importante na redação da revista VEJA, em seu alentado livro “Notícias do Planalto”(Companhia das Letras), fica no ar a certeza de que o fruto é o retrato da arvore que o produziu.

Mário Sérgio Conti – até hoje não desmentido no que escreveu e publicou em 1999 – mostra um alvorecer para a profissão nada edificante, pois afirma que com sua ancestralidade napolitana, a convivência em um dos muitos colégios onde estudou com filhos de banqueiros do jogo do bicho e a observação da fauna de malandros, sambistas, prostitutas, pederastas e cafetões da Lapa (Rio), Gaspari embebeu-se do que chama de a “sabedoria das ruas”.

Precisando de uma profissão, acabou sendo empurrado, por sua militância no Partido Comunista, para o jornalismo em Novos Rumos, órgão do PCB, onde chegou depois de um modesto emprego na Embaixada cubana. A reviravolta havida com a queda de Jango Goulart o deixa sem trabalho por uns meses e o leva para um emprego em uma agência de notícias no aeroporto do Galeão que lhe abriria as portas para uma experiência em que sua “sabedoria das ruas” seria de grande valia para o seu promissor início como falsificador de entrevistas.

Como o tempo de contato com políticos e personalidades em trânsito era reduzido, o repórter já levava prontas as entrevistas que eram oferecidas aos que as quisessem encampar em troco da vantajosa aparição nos jornais. Isso triplicava sua produtividade e o recomendava aos patrões, aos encarregados das redações e aos “pauteiros”; além disso, a técnica inusitada e esperta faria escola.

Anos mais tarde, na revista Veja, “a molecagem” – no dizer de Conti – seria repetida, já refinada e com grande sucesso e vantagem. Escola que, ao que parece, nunca foi abandonada e foi utilizada contra uma de suas mais notórias e recentes vítimas, o brigadeiro Werner que teve sua entrevista publicada nas Páginas Amarelas da revista de forma inteiramente deturpada pela repórter que o ouvira, transformando-a em um pronunciamento de caráter nazista.

Esse refinamento deve ter sido também obra da experiência adquirida pelo jovem Gaspari, ainda no tempo do Galeão, quando começou a trabalhar para Ibrahim Sued, o mais bem sucedido colunista social, que soube, como ninguém, utilizar seu faro de repórter policial e informante da polícia para explorar a vaidade de “didus” e “dolores” e transformá-la em rendosa fonte de prestígio e dinheiro.

Terá sido, certamente, a ligação íntima com o “Turco” que terá dado a Elio Gaspari a ferramenta com que abriu o “cofre das vaidades” de certas figuras da ditadura – como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva - de onde saíram os papéis de arquivos oficiais – transformados leviana e criminosamente em arquivos pessoais - e os “diários” com que montou sua mais recente e longeva obra, cujos dois primeiros volumes, logo que lançados, já despontavam na lista dos mais vendidos, mostrando que o Sirkis tinha razão, mesmo que o apontado fascínio seja o resultado de longas e trabalhosas compilações do que muitos outros já escreveram, com uma conveniente e capciosa seletividade de fatos e fontes ao bel prazer do autor, de declarações com o velho “cheiro de Galeão” e de um texto bem escrito, mas recheado de equívocos, erros grosseiros, meias verdades e mentiras completas, próprias ou encampadas. Falhas que já começam a ser apontadas publicamente, porque ainda estão vivas muitas das testemunhas dos fatos e que agora se dispõem a corrigi-lo e a contar o que sabem.

Em resumo, trata-se de uma obra escrita com objetivos canalhas que tem em vista tentar denegrir e enxovalhar as Forças Armadas, especialmente o Exército e seus chefes, que são, em muitos pontos, ridicularizados e depreciados.

À “sabedoria das ruas” – de que fala o Conti – talvez se devesse acrescentar outro talento herdado e que é revelado em um texto do Zuenir Ventura publicado no suplemento Prosa e Verso, de O Globo de 23 de novembro de 2002, onde ele dá a entender que a mãe do Gaspari, empregada do Hotel Excelsior, no Rio, se apropriou, indebitamente, de livros esquecidos no quarto por hóspede ilustre e os passou ao filho, quando os deveria ter entregue á gerência para serem restituídos ao seu legítimo dono, e hoje enriquecem a variada e volumosa biblioteca “Pedro Malan” do jornalista. Será verdade? O cáustico Elio, ao que se saiba, nunca explicou esse comprometedor lance.

Outra fonte de refinamento Gaspari acabaria tendo de sua ligação com Dorrit Harazim, uma iugoslava de nascimento que, depois de algum tempo morando no Brasil, andou pela França de onde teve de fugir para livrar-se das grades da Suretè francesa que a perseguia por suas ligações com os terroristas. Gaspari - que participou dos primeiros e difíceis tempos do lançamento da revista VEJA (1969/70) - trabalhou com ela por algum tempo na revista, para onde a recrutaram em Paris outras figuras marrons da imprensa, como os Civita e Mino Carta. Este, italiano como ele, muito o ajudou dando-lhe especial destaque na redação da revista, onde se notabilizou por seu jeito desenvolto, prepotente, intrometido e absorvente, para onde voltara com Dorrit em 1979, já casados ou coisa que o valha, depois de algum tempo de trabalho no Rio e no Jornal do Brasil.

Foi na tentativa de incrementar a cobertura política de VEJA que Gaspari veio a conhecer o “bruxo” Golbery de cuja intimidade passou a privar, como verdadeiro “leva-e-traz” de notícias e informações. Com a escolha e a eleição de Geisel para suceder a Médici, “caiu-lhe a sopa no mel”. A tal ponto que na redação da revista era visto como um “aliado da ditadura e um agente do Golbery na imprensa”. E era mesmo. Nas Explicações do primeiro volume da obra de que nos ocupamos, o jornalista não faz segredo dessa situação e confessa que sem o apoio e “a paciente colaboração” (pág. 14) do ex-presidente Geisel ela não teria saído.

Se a isto juntarmos certos equívocos nas apreciações contidas no depoimento de Ernesto Geisel à turma esquerdista do CPDoc da Fundação Getúlio Vargas (que analisei detidamente no capítulo Depoimento Geisel, páginas 103 a 113, de meu livro “Nos porões da Ditadura” da Editora Expressão e Cultura, 1998, Rio de Janeiro), será lícito concluir, sem ofensa à memória de quem já não pode mais defender-se, haver da parte do ex-presidente um empenho subjetivo de melhorar sua imagem histórica e eventualmente resgatar alguns dos inegáveis desacertos de seu governo, o mais autoritário do ciclo revolucionário.

Para quem claramente afirmou que a substituição de Castello por Costa e Silva levaria a Revolução de 64 à perdição e, mais tarde, teve a oportunidade de tentar salvá-la, mas, pelo contrário, ajudou a enterrá-la melancolicamente, parece que só restaram a covardia das memórias póstumas e o uso de interpostas pessoas para melhorar sua biografia. E uma delas, sem dúvida, é o autor de Ilusões Armadas, cujo processo de expulsão do Brasil, como estrangeiro indesejável, foi retirado do Gabinete Militar da Presidência a mando de Golbery que o fez desaparecer, como declarou recentemente, em artigo no jornal Ombro-a-Ombro, o então major Kurt Pessek.

Os dois primeiros volumes do livro do Elio Gaspari foram recebidos com o estardalhaço que era de esperar, pois todo o mundo queria saber o que continham os arquivos implacáveis do “bruxo” Golbery. Na edição do Globo acima citada, o jornalista Aluízio Maranhão cantou em prosa e verso os dois primeiros volumes da obra Só que, ao que parece, "a montanha pariu um rato".

Do resumo que o Globo publicou, já se podia ver quanto de besteiras, preconceito e inverdades estão nos grossos volumes já à venda. A revista Veja, na edição de 27 de novembro de 2002, também deu largo espaço ao lançamento do cartapácio.

Tentaremos alinhavar uma série de observações sobre pontos em que o já publicado é notoriamente incorreto, tendencioso, parcial ou incompleto, em que pese a enorme equipe que a Companhia das Letras – a grande interessada no sucesso editorial do empreendimento – formou para ajudar o autor.

Elio Gaspari parece demonstrar uma entranhada paixão pela democracia e pela liberdade, sentimento estranho e tardio em quem muito cedo alistou-se no Partido Comunista, certamente um equívoco da mocidade ou um jeito malandro de tirar proveito de ser comunista, como se constata no já citado livro do Mario Conti pelo elevado número deles nas redações dos jornais e revistas. O que acaba sendo irrelevante, tendo em vista o imenso número dos cristão-novos da Democracia que andam hoje por aí, no governo, na imprensa e alhures, com gordas indenizações e polpudas pensões arrancadas do suor do trabalhador brasileiro.

Outro detalhe interessante é que o autor faz críticas ferinas ao modo de escrever do general Lyra Tavares e dos capitães redatores de um certo Manifesto lançado na EsAO, esquecendo que eles não tiveram a vasta equipe de edição de texto que garantiu a sua boa sintaxe, conforme reconhece nos agradecimentos.

Cumpre ressaltar também que o autor contou – além da vastíssima bibliografia já existente sobre o assunto – com a colaboração de muitos “inocentes-úteis” que deram seus depoimentos em troca da honra de constar de um livro supostamente tão importante. Acima de tudo, contou com a boa fé de muitos depoentes que jamais iriam imaginar o uso que o jornalista faria de suas declarações e confidências, incluindo-as em um livro destinado a enxovalhar a farda a qual dedicaram suas vidas e que o Golbery, em certo ponto do livro, chama debochadamente de “fantasia”.

Por outro lado, o livro é farto de afirmativas que o autor não se dá ao trabalho de comprovar ou justificar, bastando para tanto a verdade da palavra “eliana” ou a citação de uma fonte muitas vezes duvidosa. Como na página 22 – 1º volume, onde afirma peremptoriamente que “Frota chegou ao generalato graças ao expurgo praticado contra centenas de oficiais fiéis ao regime deposto”. Em 1964, Frota devia ser coronel antigo; logo, o inventado expurgo teria de atingir coronéis mais antigos que ele ou mais bem colocados nos Quadros de Acesso e com o curso de Estado-Maior. Se o Exército dormiu janguista e acordou revolucionário, - como se afirma - de onde saíram as centenas de coronéis fiéis a Jango expurgados? Com tantos coronéis leais o “golpe” teria sido fatalmente derrotado.

Outra falácia que o autor repete é sobre o criador do SNI. E aí há certa justificativa, pois o próprio Golbery dela se pavoneava e muita gente até hoje a repete. O SNI surgiu por transformação do Serviço Federal de Informação e Contra-Informação (SFICI) criado no governo de JK. Quando este visitou os Estados-Unidos, o presidente Einsenhower manifestou-lhe sua preocupação com a infiltração esquerdista no governo brasileiro. Ofereceu-lhe assistência técnica para a criação de uma agência equivalente à CIA, lá surgida no governo Truman em 1949. JK desconversou.

Na visita ao Brasil, em fevereiro de 1960, Ike, além de sugerir a Juscelino que reconsiderasse sua decisão anterior de romper com o FMI, repisou sua antiga preocupação com a infiltração comunista no Brasil, o que tornaria necessário um reforço nos órgãos de segurança. Como JK estava interessado em reatar as negociações com o FMI, concordou em criar a tal agência. Foram criados o SFICI, bem como Seções de Segurança Nacional nos ministérios civis, todos subordinados à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Quem quiser conferir, leia Moniz Bandeira, em Brasil-EUA – A rivalidade emergente, Editora Civilização Brasileira – 1989, página 93, citado por Roberto Campos, em Lanterna na Popa, página 283.

É enorme a quantidade de maus julgamentos, ambigüidades, distorções, meias verdades e idéias preconceituosas constatadas no primeiro volume do “pentateuco” – A Ditadura Envergonhada – que vale a pena mencionar ainda que brevemente.

Embora admita, implicitamente, que até o AI/5 não havia censura (pág. 24) ao dizer que até a demissão do ministro Frota, em 1977, foram nove anos de restrições, mais adiante, entra em contradição e erra nas contas ao afirmar que com o mesmo Ato o Brasil entrara no mais longo período ditatorial de sua história (pág. 35), esquecendo o “curto período da ditadura estadonovista de Getúlio.

Demonstra uma profunda ignorância do que era a Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra, confundindo-a com o que a esquerda caolha, raivosa e burra chamou de Ideologia, responsabilizando-a pela alegada violência do regime, e alongando-se em pretensiosas considerações que só fazem acentuar seu despreparo e sua verbosidade.(pág. 39-40).

Ao sumariar os acontecimentos que antecederam a queda de João Goulart, demonstra que, apesar do tempo de que dispôs e da enorme equipe com que contou, sua pesquisa foi claudicante, errônea e incompleta. Na eleição de Jânio-Jango, esquece e nem menciona a importância dos comitês Jan-Jan. A revolta dos sargentos em Brasília em setembro de 1963 – um dos antecedentes mais importantes da queda de Jango – nem é mencionada.

A importância da interinidade de Ernesto Geisel no comando da 5ª Região Militar é exagerada. Ressuscita um tal Setor Militar do PCB – um tal de SERMIL, mencionado por Luis Mir em seu livro “A revolução Impossível” – coisa em que ninguém ouviu falar e esquece notórios oficiais comunistas, como o major Lauro Garcia Carneiro, valendo-se de depoimentos que teriam sido prestados 33 anos depois dos acontecimentos.(pág. 53/54) E digo, teriam sido, porque há menção no livro a depoimentos que nunca foram prestados, como o atribuído ao então major Kurt Pessek (nota pág. 25). Pura invencionice, repetindo comentários que se ouviram na época em Brasília, afirma o oficial.

Ao falar do general Castello Branco (pág. 54/56) dá a entender que consultou o arquivo pessoal e privado do ex-presidente, mas ignora olimpicamente o importante livro de Luís Viana Filho sobre o Governo Castello Branco – nem mencionado na Bibliografia – e dá ouvidos aos cochichos de um ilustre depoente especial, gravados em doze fitas K-7, com que a filha do mesmo acaba de presenteá-lo, conforme confessa (pág. 15).

Ao falar do interesse dos americanos na situação brasileira nem de leve tem coragem para mencionar entre os eventos marcantes a ajuda aos seus atuais patrões – os Marinho – com o empréstimo de duzentos milhões de dólares do poderoso Time-Life, como forma de fortalecer um grupo que notoriamente se opunha a um presidente que ameaçava jogar o Brasil nos braços de Moscou. (pág. 59/62).

Assis Chateaubriand sempre achou que nessa estória havia o dedo do então embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Campos, que nega o fato em suas memórias. A ajuda aos donos da Globo iria minar o predomínio das Emissoras e Diários Associados e fazer nascer um novo império na mídia brasileira.

E aí vão alguns tópicos para a Companhia de Letras incluir na revisão de uma próxima edição, se o quiser e se houver:

- a 1ª DIE da FEB na Itália pertencia ao IV Corpo de Exército americano. O 5º era o Exército do general Mark Clark de quem o capitão Vernon Walters fora ajudante de ordens (pág. 61);

- A Artilharia Divisionária/3 não era em Porto Alegre e o general Barra que a comandava não era o Rubens – que, como coronel servia em Curitiba – mas seu irmão Newton (pág,90);

- Almirante Vermelho era o apelido pelo qual era conhecido na Marinha o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, da Reserva, nomeado ministro nos estertores do governo Goulart e como conseqüência da revolta dos marinheiros, e não o almirante Aragão, chamado “o Almirante do Povo”.

A julgar pela versão dada pelo general Cordeiro de Farias em seu depoimento para Aspásia Camargo e Walder de Góes, sobre o que se teria passado em Curitiba nos idos de 64, sua versão encampada por Elio Gaspari de que “o Exército dormiu janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1º”, precisa ser colocada de quarentena. Aquela versão, meninos eu vi!, é inteiramente equivocada. Além disso, o então comandante da Região Militar, general Dario Coelho, fez publicar dias depois um relatório sobre os acontecimentos que desmente a versão do general Cordeiro.

A partir da página 130, o autor inicia um exercício de “chutometria” numerológica a respeito dos presos, mortos, exilados etc. Apresenta dados desde os da embaixada americana até os que, anos depois, surgiriam do livro de dois farsantes – Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio – intitulado “Dos filhos deste solo”.

A citação desse livro feita no final da longa nota de rodapé que tomou o nº 8 (pág.132) dá uma idéia do nível de empulhação que perpassa a obra. A referência cita a página 311, como apoio ao que diz sobre a morte do coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O caso desse oficial se encontra à página 561 e registra uma das muitas mentiras do grosso calhamaço editado com o dinheiro do PT (Editora Perseu Abramo) e sobre o qual vale a pena nos alongarmos, pois dá a medida do que se fez na tal Comissão de Mortos e Desaparecidos.

Ali consta que “Alfeu era coronel aviador. Foi fuzilado no dia 4 de abril de 1964 na Base Aérea de Canoas no Rio Grande do Sul. A perícia médica constatou que foi assassinado pelas costas com uma rajada de metralhadora, tendo sido encontrados 16 projéteis em seu corpo”. Em setembro de 1997, a Comissão concedeu indenização aos familiares do coronel, cuja viúva já recebia pensão militar, com o voto favorável do general Oswaldo Pereira Gomes, que, em entrevista à Folha de São Paulo de 7 de junho de 1998, disse:

“ (...) Houve um caso de um militar janguista que se rebelou num quartel do Rio Grande do Sul. Ele foi morto e a Comissão votou o processo em que ele teria levado 16 tiros pelas costas. Era o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de indenização foi aceito. Eu mesmo aprovei o caso. Na verdade, depois de o caso ser apurado, fui descobrir que o coronel não tinha levado 16 tiros pelas costas, mas sim um tiro, após tiroteio (...) O que foi para o relatório “Brasil Nunca Mais” foi essa versão de 16 tiros pelas costas, o que é uma inverdade. Houve muitos casos como esse.”

O general era o representante das Forças Armadas na Comissão. Suas dúvidas sobre esse processo deveriam ter sido tiradas antes da votação, para que pudesse dar seu voto com absoluto conhecimento de causa, como é o mínimo que se espera de qualquer juiz. Elas seriam tiradas se, simplesmente, ele consultasse o IPM que, na época, apurou o fato. Se consultasse teria tomado conhecimento do que ocorreu: o brigadeiro Nelson Freire Lavanère Wanderley, acompanhado do coronel aviador Roberto Hipólyto da Costa, chegou à então 5ª Zona Aérea, em Porto Alegre, para assumir o comando, que deveria ser transmitido pelo coronel aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, oficial mais graduado presente. O coronel Alfeu, amigo pessoal de João Goulart, após recusar-se a transmitir o comando, atirou e feriu o brigadeiro, sendo morto com um tiro de pistola 45 pelo coronel Hipólyto, em ato considerado como de legítima defesa de outrem. O coronel Hipólyto foi absolvido pela Justiça Militar. (jornal “Ombro a Ombro” de julho de 1998).

É assim que a esquerda conta a estória dos “anos de chumbo”, agora com o auxílio do tortuoso discípulo do Golbery.

As estatísticas do livro do Gaspari, fazem lembrar as elucubrações que ainda se fazem a respeito do número de índios que havia no Brasil quando da chegada de Cabral ou da falsificação numerológica sobre a população do Paraguai ao iniciar-se a guerra da Tríplice Aliança e que alimentou os inventores do mito do genocídio. “Chutometria” alucinada de burocratas que tinham de preencher e mandar relatórios. No território da 5ª RM, os presos não passaram de 20. Devem ter considerados como presos os que fugiram por nada, os exilados voluntariamente e os que se esconderam. Diz o autor que em três anos (1964/66) passaram pelas embaixadas cerca de 500 asilados. Os dados sobre as intervenções nos sindicatos e confederações, além de fantasiosos e confusos, são ridículos (pág. 131).. Misturam-se e embaralham-se dados para confundir o leitor e aumentar o número de páginas do calhamaço. Se nem o nome certo do órgão punitivo existente na ocasião eles sabem direito, com acreditar na veracidade do que escrevem.

O autor é mais um sujeito que não sabe que a comissão chefiada inicialmente pelo marechal Taurino era a Comissão de Investigação Sumária (CIS) e que a Comissão Geral de Investigações (CGI) – órgão para apurar atos de corrupção, só surgiria depois do AI-5, no começo de 1969, e era presidida pelo Ministro da Justiça (pág. 134). E as incorreções se sucedem como a que aparece na página 137, ao falar na crise da aviação embarcada, quando o número de ministros demitidos é mencionado incorretamente. Dado irrelevante, como se poderia argumentar, mas que desacredita o mais que se escreveu. Depois de tantos anos de pesquisa e com o auxílio de computadores e de uma enorme equipe, o livro tem passagens que fazem lembrar o do Barão de Münchausen. O problema é que a mentira, além de pernas curtas, tem muitas faces e a verdade só uma.

E o repórter falsário dos tempos do Galeão reaparece a cada passo, ao omitir detalhes que invalidariam sua tese ou seu raciocínio de uma evidente prevenção contra os militares, apesar de revelar-se um perfeito sabujo dos generais quando isso lhe traria algum proveito. Ao tentar mostrar o que chama de “a anarquia militar”, escamoteia do leitor fatos e circunstâncias relevantes em uma isenta apreciação histórica.

Ao mencionar a alegada rebeldia dos quartéis na vigência da Constituição de 1946 esconde que a pressão que levou o presidente Vargas ao suicídio foi o “mar de lama” que, segundo ele mesmo constataria envergonhado, corria por baixo do Palácio do Catete e que resultara no assassinato de um major da Aeronáutica por um sicário a serviço da guarda pessoal do próprio presidente. Que o impedimento dos senhores Café Filho e Carlos Luz foi necessário para abortar um golpe que pretendia impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubstichek (pág. 140).

Com o mesmo ânimo encampa a notícia falsa publicada em agosto de 1964 pelo Correio da Manhã, de que “o advogado e ex-deputado paranaense Walter Pecoits, que organizava camponeses na região de Cascavel, ficara cego de um olho, seis dias depois de ter sido preso pelo Exército”. O acusado de ter causado a cegueira no médico foi um oficial da Polícia Militar; a área de atuação do político do PTB não era Cascavel – que em outro ponto do livro é colocada a 200 quilômetros de Curitiba, quando fica a 500 – mas bem longe dali, em Francisco Beltrão/Paraná e Pato Branco/Paraná, onde em 1959 houve um levante de posseiros e, finalmente, fontes insuspeitas declararam que o médico já era quase cego da vista e usou a alegação da violência - que realmente ocorreu – para beneficiar-se politicamente e depois pecuniariamente do fato. (pág. 144). E perfilha, algumas páginas adiante, as estatísticas sobre tortura do famoso projeto Brasil: nunca mais, montado sobre a alegação geral e total dos terroristas e guerrilheiros - por instrução de seus advogados - para nos Juízos Militares derrubar as confissões feitas na fase de inquérito – algumas de próprio punho – alegando sistematicamente as terem feito sob maus tratos.

Curiosamente, uma das exceções foi a famosa Bete Mendes, a Rosa da VAR-Palmares, autora de falsa acusação ao coronel Carlos Alberto Ustra, em 1985

O autor, apesar de ter se tornado um “lambe-graxa” do Golbery, é um crítico feroz do SNI e tenta justificar o porquê de seu pretenso criador tê-lo chamado de “monstro”. Mas atribui ao órgão um pecado que não foi dele e mostra, mais uma vez, que quando se trata do Paraná, é mais mal informado do que o habitual.

A escolha do deputado Leon Peres para governador biônico daquele estado foi uma conspiração palaciana urdida junto ao presidente Médici por gente que se acotovelava no Palácio do Planalto, figurantes de um dos muitos círculos que se criavam na Brasília daqueles tempos – de que fazia parte o deputado e que o Sr. Roberto Médici em depoimento sobre seu pai apelidou de “clube inglês” - e nos quais se entreteciam os arranjos, onde os sócios trocavam elogios mútuos, procurando valorizar-se. E se o SNI chegou a fazer tudo o que o autor menciona (pág. 170/171) deveu-se principalmente ao “uso do cachimbo” que lhe impingiu Golbery e que deixou “a boca torta”, de que o próprio Gaspari dá um exemplo ao afirmar que um oficial de Marinha - cujo nome menciona - lhe mostrara em 1976 um informe do mesmo SNI, exemplo da intimidade que o jornalista gozava com gente do “monstro” em plenos “anos de chumbo”. Arcades ambo, como diriam os latinos e que se pode traduzir por “canalhas ambos”.

E a torrente de mentiras prossegue ao tratar o livro extensamente (pág. 191/196) da tentativa de guerrilha do “exército brancaleone” de Jefferson Cardim Osório, um “porra-louca” para os seus contemporâneos na Escola Militar e que, no episódio, recebia ordens do ex-sargento da Brigada Militar gaúcha, Alberi Vieira dos Santos, como ficou constatado na apuração do evento. Começa, ao dizer que ao atingirem a divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, “os guerrilheiros tinham o Exército no encalço”. O “exército” eram dois majores que tinham recebido a missão de rastrear e acompanhar à distância o bando.

A “viagem rotineira” do presidente Castello Branco era um importante evento para a época, qual seja a inauguração da Ponte da Amizade, iniciada por JK e que, ao contrário dos que fariam anos mais tarde com as grandes iniciativas deixadas pelos governos dos generais-presidentes os revanchistas odientos, fora continuada e concluída. E de repente, no relato “eliano” e como soe acontecer nos seriados históricos da TV Globo, o entrevero entre os aprendizes de guerrilheiro e a tropa legal viaja dezenas de quilômetros e muda-se para “as vizinhanças da cidade de Cascavel, duzentos quilômetros a oeste de Curitiba”.

E aí termina a ignorância geográfica de quem não sabe a verdade e começa a falsificação torpe de quem se empenha em difamar o Exército Brasileiro. Não pelo episódio da prisão que poderá ter acontecido, com o destempero do capitão comandante da tropa ao prender um dos responsáveis pela morte acontecida há pouco de um de seus sargentos e defrontar-se com alguém - que certamente não conhecia - sem farda, mas sobre o qual teria descarregado sua justa ira. A partir daí, volta a funcionar a fábrica de mentiras do discípulo do Ibrahim Sued; e vêm as torturas em três quartéis, a desconfiança de Castello com a rapidez das confissões – certamente sob tortura - e a comparação com episódios históricos de 22 e 24.

Jefferson Cardim durante sua longa prisão foi tratado com tanta consideração que conseguiu que comparsas seus armassem, por causa disso e explorando suas regalias, uma fuga espetacular que descrevi em um capítulo do meu livro, “Nos “porões” da Ditadura”, já citado acima. A apontada “rapidez das confissões” (prisão em 28 de março e leitura do presidente em 13 de abril) indicativa de uso de tortura é notícia do pasquim porto-alegrense Coojornal, de dezembro de 1978, o que por si só já desqualifica a afirmação, não fora a tolice de considerar que o prazo de quinze dias fosse motivo de espanto para a difusão de uma informação. E a comparação entre a ação de desatinados a serviço de uma potência estrangeira e subsidiados por dinheiro cubano com as tropelias internas de descontentes com um governo que os perseguiu, enquanto pôde, é descabida, mas coerente com tudo o que o autor assoalha em toda a obra, quando, sistematicamente, escreve que os de um lado “morrem” e os subversivos, terroristas e guerrilheiros são “assassinados”.

E para terminar esse exaustivo exame, embora parcial, de A Ditadura Envergonhada vale a referência comparativa com o que o autor chama a “Roda de Aquários”. É emblemática a leniência com que o autor trata a violência dos desordeiros americanos - que era reprimida sem contemplações pela polícia e que mais adiante motivaria severas medidas contra a indisciplina nos “campi” universitários – com a decisão com que os governos pós-64 enfrentaram a guerrilha urbana e a luta armada comunista em nosso país.

A obra de Elio Gáspari vem a lume no justo momento em que a democracia americana – atingida em seu próprio seio pelo terrorismo islâmico – adota medidas de salvaguarda que deixam o nosso AI-5 como um mero regulamento de colégio de freiras e onde os “porões” da ditadura brasileira - que tanto incomodaram certos círculos da terra de Tio Sam e muitos ditos brazilianistas – ficam a parecer um “jardim de infância” se comparados com os de Guantanamo...


(*) Raymundo Negrão Torres é general reformado e autor do livro 1964 – Uma Revolução Perdida .




Entrevista com o general Raymundo Negrão Torres

Paulo Diniz Zamboni

Mídia Sem Máscara - 01/04/2004

O general Raymundo Negrão Torres é o autor do livro “O fascínio dos anos de chumbo. O ‘golpe’ de 64 – 40 anos depois” *(foto), onde relata os episódios que aconteceram naquele período, inclusive as ações do terror comunista, os erros do governo militar e sobretudo explica como o movimento de 1964, cujos feitos foram inegavelmente positivos em muitas áreas da vida nacional, perdeu a guerra pelos “corações e mentes” das novas gerações.

Abaixo, a entrevista do general Negrão Torres ao MSM (Mídia Sem Máscara), que divulga o prefácio do livro do general – escrito pelo intelectual e ex-ministro Jarbas Passarinho – e o capítulo de introdução. Numa época em que a maioria das publicações e dos meios de comunicação estão dominados por conceitos socialistas, que impedem o público de ter acesso aos fatos, e não apenas à versão dos fatos – invariavelmente pró-esquerdista e favorável às ações do terror – recomenda-se a leitura do livro do general Negrão Torres para se obter uma outra opinião sobre os acontecimentos de 1964.

MSM
- Em 1964, qual era o posto que o sr. ocupava nas Forças Armadas?

Negrão Torres
- Era major e servia no Quartel-General da 5ª Região Militar - Curitiba.

MSM
- Qual era exatamente o clima político na época, e qual foi o motivo que deu a certeza aos militares da necessidade de afastamento de João Goulart da Presidência?

Negrão Torres
Nas áreas ligadas à esquerda de euforia. De um modo geral, de apreensão com os rumos do país. A motivação decisiva foram as claras tentativas de fomentar a quebra da hierarquia e da disciplina por parte das praças (rebelião de sargentos em Brasília, insubordinação dos marinheiros no Rio e comício com os sargentos no Automóvel Clube no Rio, no dia 30 de março.

MSM
- Havia muitos elementos comunistas e esquerdistas nas Forças Armadas?

Negrão Torres
Mais esquerdistas do que comunistas e um grande número dos que se intitulavam nacionalistas.

MSM
- Na época em que o terrorismo agia no país, quais eram as precauções de segurança tomada pelos militares? Em algum momento os militares tiveram noção de que havia apoio externo para os movimentos terroristas?

Negrão Torres
A preocupação maior era com as autoridades de maior hierarquia (generais) e com os aquartelamentos, especialmente o armamento e os paióis de munição. Em meu nível de conhecimento e informação, não.

MSM
- Quais os motivos, na opinião do sr., que permitiram às forças de segurança brasileiras desbaratar o terrorismo a um custo relativamente baixo, enquanto outros países enfrentaram sangrentas campanhas terroristas, como a Argentina, Chile, e mais recentemente, Colômbia e Peru?

Negrão Torres
O fracionamento pela desunião das organizações terroristas. A falta de mensagem aceitável em vista do bem estar econômico da fase do "milagre". A organização dos Destacamentos de Operações de Informações e a utilização de técnicas e táticas de ação adequadas e eficazes. O profissionalismo e a dedicação do pessoal empregado.

MSM
- A que o senhor atribui o sucesso em depor um governo pró-comunista, mas uma virtual derrota na formação da opinião pública atual, que somente dispõe de informações negativas dos governos militares?

Negrão Torres
A deposição foi facilitada pela quase unanimidade em torno da ameaça comunista. A derrota pela exagerada confiança na eficácia da anistia. A idéia do "esquecimento" levou a querer fazer segredo do que realmente se passara. Erros na execução da distensão - lenta, gradual e segura - que levou à derrota no Colégio Eleitoral e ao "arrombamento" do governo Figueiredo.

MSM
- O sr. não acha que a política de crescimento do Estado como gerador do desenvolvimento nacional, sem uma maior participação da iniciativa privada, criou um padrão econômico que acaba favorecendo projetos socialistas?

Negrão Torres
Como disse Roberto Campos: ficamos entre um capitalismo envergonhado e um socialismo sem objetivos. Castelo cometeu dois erros lamentáveis: ter autolimitado seu mandato e mantido o general Costa e Silva no Ministério da Guerra. Foi obrigado a "engoli-lo" como seu sucessor. Isto resultou na descontinuidade do viés privatista e modernizante da fase Bulhões-Campos nos governos que se seguiram, agravada depois com a ida para a presidência do general Geisel, um aprendiz "keynesiano". A conjuntura internacional desfavorável criada com os dois choques do petróleo e as "reservas de mercado" muito do agrado dos nossos empresários completaram o quadro. Salvo melhor juízo...

MSM
- Quais foram os erros e acertos do movimento de 1964?

Negrão Torres
Os quatro pecados capitais foram: não ter feito as reformas da educação e do judiciário, a absorção pelo Estado de empresas falidas por má administração ou por razões da conjuntura internacional com o resultado de uma estatização inaceitável (a SEST, no governo Figueiredo, chegou a catalogar cerca de 600 empresas estatais) e, finalmente, o fracasso no combate à corrupção. Esses erros de certa forma neutralizaram os inegáveis avanços, decorrentes da modernização do país.

MSM
- Por que o sr. resolveu escrever seu livro?

Negrão Torres
Este livro consolida, aperfeiçoa, atualiza e completa o que escrevi em meus dois livros anteriores (Nos porões da "ditadura" e "1964 - uma revolução perdida) e pretende ser um pálido remendo para o que é citado na pergunta 7 e que mostro de maneira mais ampla na Apresentação do livro.


PREFÁCIO

O general Raymundo Negrão Torres, escritor pertencente aos quadros da Academia Paranaense de Letras e do Centro de Letras do Paraná, tem contribuído corajosamente para deixar um testemunho útil, comprometido com a verdade, para a análise de historiadores isentos da paixão política brasileira contemporânea. Recentemente, li uma charge em jornal norte-americano, envolvendo dois idosos. Um comentava que a história era escrita pelos vencedores. “ E o que cabe aos vencidos?”, perguntou o outro . “ Pedem desculpas”, foi a resposta.

No Brasil, porém, os vencidos é que reescrevem a história segundo sua conveniência, tentando passar por idealistas libertários, em luta contra a ditadura. Tanto não é verdade que já nos governos Jânio e Jango, militantes comunistas brasileiros treinaram guerrilha na China. Na luta armada, iniciada em 1967, em São Paulo, pela ALN e a VPR e ultimadas no Araguaia, do PC do B, em 1975, todos os guerrilheiros eram militantes de facções comunistas, defensores e financiados pela ditadura de Cuba - ponta de lança de Moscou - ou da China ditatorial de Mao Tse Tung. Todos, pois, adversários das democracias. Além de desencadearem a luta armada, praticaram o terrorismo. Atentados ocorreram, já em 25 de junho de 1966, no aeroporto do Recife, matando e ferindo gravemente, especialmente civis, inclusive mulheres e crianças, que esperavam o marechal Costa e Silva. Outra bomba atingiu a residência do Comandante do IV Exército. Aí está o marco original do terrorismo que Marighella inspirou e defendeu. Talvez por isso, seus dependentes acabem de receber polpuda indenização paga pela União, ou seja por todos nós contribuintes, como “ reconhecimento dos seus feitos heróicos”. Vencidos definitivamente na luta irregular, vencem a batalha da informação. Significativa é, a propósito, a citação que o general Negrão faz do que se contém no prefácio do livro Os Carbonários, do então guerrilheiro Alfredo Sirkis, ao parodiar Marx que em O 18 De Brumário de Luís Napoleão escreve: “ Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar : a primeira como tragédia, a segunda como farsa”. Sirkis escreve: “ A história, ela própria, acontece duas vezes. Uma no instantâneo eclodir dos fatos. Outra nas obras literárias, históricas, biográficas, memorialísticas e, hoje, no audiovisual, na TV, no cinema, em CD-ROM. Se na primeira perdemos fragorosamente, na segunda não nos saímos de todo mal”. A declaração é habilmente modesta, pois saíram-se muito bem, no controle dos diversos meios de comunicação de massa, posto que em grande parte deformando a verdade em puro exercício maniqueísta, Eles são o bem contra o mal, assim retratados os que os combateram. Infiltraram as áreas da inteligentsia nacional, as universidades e educandários de 1o e 2o graus, as redações dos jornais, televisões e praticamente todos órgãos de comunicação de massa.. Dominam os governos de 1994 para cá, comandam a opinião pública,. transformaram-na na opinião publicada, distorcendo a verdade simulando fazer história.. A profusa bibliografia surgida desde a anistia, que de boa fé pretendíamos significasse esquecimento e, ao revés, proporcionou o revanchismo odiento, ganha corpo como se fosse o relato da verdade. Alguns deles, como o do jornalista Elio Gaspari, cujo conceito divide a sua geração de profissionais da imprensa, é o que mais se assemelha ao que Churchill disse de Maculay: “que apesar do estilo cativante e de sua inaudita suficiência, deixava-se por vezes empolgar pela imaginação que punha acima da verdade e denegria ou glorificava os homens, coletando documentos segundo as necessidade da narrativa”. Do jornalista, polêmico entre os seus pares da imprensa, tenho uma prova de desonestidade intelectual. Citou-me, falseando a verdade do que escrevi no livro Histórias do Poder sobre o falecido general Álcio Souto, que foi meu comandante da Escola Militar do Realengo, no Rio. Diz que o chamei nazista. Na página referida digo o contrário: “ o general Álcio Souto, como outros generais, tinham simpatia, não pelo nazismo, nem por Hitler, mas pelo exército alemão”. Uma deturpação dessa natureza me permite pôr dúvida sobre muito que consta do que Elio Gaspari escreve usando documentos herdados do general Golbery, na verdade um coronel que passou para a reserva com vencimentos de general. Papéis, de resto, selecionados, impregnados de animosidade que marcou a cizânia entre grupos de militares importantes, conforme a intenção de denegrir ou glorificar os responsáveis pelo regime autoritário.

Contra as inverdades, quer as constantes dos livros de Gaspari, quer as veiculadas pela esquerda vencida na luta armada, se insurge o general Negrão, levando imensa desvantagem. De Elio Gaspari, comprova erros factuais notórios mas isso não terá a mesma divulgação obtida pelo êmulo de Maculay favorecido pelo marketing que o faz autor de “best sellers”. O valor verdade, deturpado, tem um alcance enormemente maior que a restauração dos fatos. Longe, todavia, de esmorecer, persiste o general Negrão escrevendo sucessivos livros fundamentados na verdade. Devotado à missão que se impôs, não se rende à passagem camoniana do Canto X dos Lusíadas: “ No mais, Musa no mais, que a lira tenho/ Destemperada e a voz enrouquecida/ E não do canto, mas de ver que venho/ Cantar a gente surda e endurecida.”. A sua voz, ao contrário de rouca, é clara e límpida, só não entendida pelos que preferem não ouvi-la.

Homem de informações no sentido tradicional dos encarregados das 2as Seções, que estudam as possibilidades do inimigo na guerra, o autor observou o que aos militares brasileiros se ensina nos quartéis, obedientes ao respeito devido à dignidade do preso. Contribuiu para desbaratar as veleidades sediciosas da esquerda radical no Paraná , ainda que admita com invejável sinceridade, no capítulo Reflexões, “ ter-se visto na contingência de dar ordens e autorizar medidas cujo amparo legal decorria de um mandato revolucionário e de uma situação de necessidade, e não o teria feito, fossem outras as circunstâncias. Mas em nenhuma delas desatendi ou permiti que alguém, sob minhas ordens, desatendesse aos princípios de respeito à dignidade humana”. Ai está o retrato digno de quem, intimorato mas intemerato também, assume responsabilidade intrepidamente e arremata : “ Não me arrependo de nada do que fiz e, em iguais circunstâncias, o faria de novo e melhor”. Não é frase de um arrogante, mas decorrente do imperativo das circunstâncias pertinentes a uma guerra não declarada e irregular.

A luta armada que os terroristas e guerrilheiros comunistas pretenderam vencer, ignorando a enorme desvantagem, para eles, da correlação de forças empenhadas nas ações militares, era fadada ao fracasso. Prestes o previu e, baseado na força de Secretário- Geral do PCB , que dominava ainda, recusou aderir ao que chamou de “ aventura militar”. Verdade que também porque, fiel a Krushev, então adepto da coexistência pacífica com os Estados Unidos. Ao julgar o balanço da “ aventura”, declarou : “ A luta armada só teve um resultado: prolongar a duração do regime autoritário”. Os comunistas que pegaram em armas, ao contrário, acham que só foram derrotados porque a contra-insurreição os torturou. Fingem ignorar que o fracasso deles foi causado pela falta de apoio popular, condição essencial para uma guerrilha ser bem sucedida. A única vez que esboçaram obter apoio, foi na guerrilha do PC do B, no Araguaia e isso mesmo em grau mínimo. Souberam escolher o local, onde o governo estadual era totalmente ausente, exceto na cobrança dos impostos e na permissão da exploração dos rurícolas pelos comerciantes que lhes financiavam a coleta de castanha. Cìcero, antes de Cristo, sentenciava: “ Quem não impede o mal o favorece”.

Sobre o mau trato dado aos aprisionados, no livro do general Negrão, há revelações que ensejam comparações edificantes. Uma refere-se ao Comando Revolucionário do Presídio Tiradentes, em São Paulo, onde cumpriam pena os revolucionários comunistas da luta armada. Os dirigentes do Comando Revolucionário exerciam grande influência sobre os companheiros, patrulhando-lhes o comportamento. Também do mesmo modo agiam em presídio em Minas Gerais. A presença desses comandos tolerados nas prisões dos “ anos de chumbo” é um contraste frontal, no Brasil com os tempos do consulado getulista, nas prisão da rua Frei Caneca, na cidade do Rio de Janeiro, ou na Ilha Grande, fluminense, descrita por Graciliano Ramos, nas Memórias do Cárcere. E, ainda pior, nas prisões tenebrosas da União Soviética, descritas por Soljenitsin no Primeiro Círculo e no Gulag, onde os repressores infiltravam agentes policias como se fossem presos também. Ouviam tudo. Delatavam e abortavam todas as tentativas de resistência..

O livro de Negrão Torres espero que seja leitura - não a obrigatória nas escolas, como gente da esquerda sugere sejam lidos os livros de Gaspari - mas de historiadores isentos, que queiram mostrar, como é da natureza da história, o “ facho de luz que ilumina o passado”.

Quanto ao prefácio, dizia a querida e saudosa Rachel de Queiroz , que, se o livro não presta, não há prefácio que o melhore, e se o livro é bom não precisa de prefácio. É precisamente este o caso do livro de Raymundo Negrão Torres: não precisaria de prefácio, pois é muito bom.. O autor honrou a caserna onde chegou por mérito ao generalato e agora honra as letras, profilaticamente limpando-as da lama da mentira que pretende ser história.

Jarbas Passarinho


Apresentação

“Muitas obras houve e, pelo fascínio - para mim incompreensível - que esse período continua a exercer, muitas ainda haverá”.
Alfredo Sirkis - Os Carbonários

O ex-guerrilheiro urbano Alfredo Hélio Sirkis lançou em 1998 a décima quarta edição de “Os Carbonários”, aproveitado algum tempo antes para uma série de televisão da Globo – Os anos rebeldes. O livro autobiográfico – vindo a público um ano depois da anistia - é um relato das peripécias de um jovem nascido de família burguesa, freqüentador dos melhores colégios da zona sul do Rio de Janeiro, que, engajado no Movimento Estudantil, participa dos protestos e das arruaças com que aqui se procurou imitar o “chienlit” francês. É depois recrutado para a luta armada, na qual teve participação saliente, cooperando no seqüestro de dois embaixadores estrangeiros, como combatente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), sob o codinome de Felipe, e, em um deles, ao comando do desertor Carlos Lamarca. Mas a grande novidade na reedição do livro é uma autocrítica feita decorridos quase trinta após os episódios narrados. São vinte densas páginas nas quais o amigo e admirador do ex-capitão Lamarca confessa não se orgulhar e nem se envergonhar do que chama de “seus anos de chumbo”.

Uma análise bastante honesta – não o suficiente para não repetir certos chavões esquerdistas que seria desprimoroso agora desprezar - mas que permite uma apreciação mais real e mais próxima sobre os motivos pelos quais aquilo tudo ocorreu e que, passado tanto tempo e com uma anistia no meio, ainda desperta um enorme interesse para a mídia, coisas que o autor - embora tenha concorrido para ambos - confessa não entender bem.

A reflexão contemporânea de Sirkis levanta questão interessante, pois fere um ponto bastante preciso e válido, ao lembrar ele que, apesar de derrotados na “guerra”, conseguiram criar uma outra versão da história “nas obras literárias, memorialísticas, no audiovisual, na TV e em CD-ROM” pela qual - diz ele - “se na primeira perdemos fragorosamente, na segunda não nos saímos de todo mal”.

Daí porque não há razão para a estranheza de Sirkis sobre o permanente fascínio da “mídia” pelos assuntos relacionados com a atuação de guerrilheiros e terroristas e das Forças Armadas nos chamados “anos de chumbo” que não arrefeceu quarenta anos depois do “golpe de 1964”..

Uma das preocupações mais visíveis e explícitas da esquerda brasileira foi escrever, e muito, sobre as circunstâncias de seus sucessivos fracassos nas tentativas de assalto ao Poder, realizadas a partir de 1935. Um longo processo de justificativas e autocrítica extravasou em livros, depoimentos, entrevistas e em toda a sorte de manifestações feitas pelos próprios personagens ou por escribas simpatizantes ou engajados. Ainda no exílio e aproveitando-se do apoio de governos comunistas e da esquerda internacional1, os fracassados de 64 e os derrotados na luta armada do final dos anos 60 e início da década de 70 desfilaram suas versões e suas falácias que ganharam destaque e credibilidade por não ter havido da parte dos governos pós-64 o necessário empenho em apresentar, em sua verdadeira dimensão, os lances e os acontecimentos que marcaram a mais longa e mais séria tentativa de implantar no Brasil uma ditadura de inspiração marxista-leninista. Na vastíssima bibliografia citada no alentado livro “Dos filhos deste solo”, constam cento e quinze publicações de comunistas ou elementos da esquerda, vindas a lume a partir de 1964.2 Ainda hoje, jornalistas ressentidos, como Alberto Dines, Carlos Heitor Cony, Carlos Chagas, Elio Gaspari 3, Vilas Boas Correia e outros, vez por outra, tentam reescrever ao seu talante a história daqueles anos e o fazem confiando na curta memória dos leitores.

Só no final de 1998, veio a público um documento semi-oficial; um livro da Biblioteca do Exército (Bibliex), mandado publicar pelo ministro Zenildo de Lucena sobre a atuação histórica do Exército na contenção das ameaças comunistas, mas limitada aos acontecimentos até 1968 4. Posteriormente, em 2001, a mesma Bibliex publicou o livro A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero Augusto, bem documentada e vigorosa resposta às invencionices de comunistas e seus arautos.

O esforço da esquerda em seus diversos matizes teve, a partir de 1992, a colaboração de uma equipe da Fundação Getulio Vargas (FGV) que, por intermédio do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDoc) da mesma Fundação, iniciou um projeto sobre o que foi chamado de “a memória militar recente do País”. A intentada pesquisa, segundo seus coordenadores e executores, contou com o apoio financeiro da FINEP ao projeto que recebeu o rótulo de “1964 e o regime militar”, do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), da Universidade da Flórida e de um tal North-South Center. Teriam sido ouvidos “cerca de 20 oficiais que haviam ocupado importantes posições no interior do regime militar, principalmente nos órgãos de informação e repressão” que foram editadas(sic) e publicadas em três livros, em 1994/95: Visões do golpe – a memória militar sobre 1964; Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão e A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Em 1997, a mesma equipe publicou o depoimento do ex-presidente Ernesto Geisel, colhido entre julho de 1993 e maio de 1995, com a expressa condição de só ser publicado após sua morte, ocorrida em setembro de 1996. O livro foi um grande sucesso editorial figurando por várias semanas entre os mais vendidos. Mais recentemente, em 2002, o mesmo CPDoc deu à luz o Dossiê Geisel, baseado nos arquivos do ex-presidente doados por sua filha à instituição; trata-se, na verdade, de um conjunto de documentos não só pessoais, como funcionais e sigilosos que, indevidamente, tinham sido incorporados ao seu acervo pelo falecido governante do chamado regime militar 5. Era mais uma comprovação do “fascínio dos anos de chumbo”, de que falava Sirkis.

A preocupação de todo historiador sério deve ser coletar e registrar fatos sobre o passado e muitas vezes descobrir fatos novos. Ele sabe que toda informação que ele possui é ora incompleta, ora parcialmente incorreta, muitas vezes preconceituosa e requer cuidadoso escrutínio. A busca do fato histórico tem em vista reunir elementos para uma correta e imparcial interpretação histórica. Esse processo de interpretação engloba todos os aspectos de inquirição histórica, começando pela seleção do objeto de investigação, porque a própria escolha de um evento determinado, de uma sociedade ou instituição, constitui em si mesma um ato de julgamento. Uma vez escolhido esse objeto, essa escolha passa a orientar as linhas mestras da pesquisa histórica. O historiador deve respeitar os fatos, evitar as idéias preconcebidas e preconceituosas, eliminar, na medida do possível, os erros de julgamento pessoais, de forma a criar uma convincente e intelectualmente satisfatória interpretação. Exceto pela circunstância especial e aleatória na qual o historiador registra eventos que ele mesmo presenciou, os fatos históricos somente podem ser conhecidos através de fontes intermediárias. Isto inclui o testemunho de pessoas vivas, registros pessoais, como memórias, correspondência, literatura de ficção, documentos institucionais etc. Todas essas são fontes que fornecem informações e evidências das quais o historiador retira fatos históricos. Todavia a relação entre evidências e fatos raramente é simples e direta. Evidências podem ser deformadas ou defeituosas. Historiadores, por isso, devem examiná-las com olhos críticos e cuidadosos.

Que essas idéias elementares e básicas de historiografia não sejam encontradas nas obras dos militantes encharcados de ideologia e preconceitos e de jornalistas ávidos de ganhar dinheiro com livros resultantes de um chamado “jornalismo investigativo” é compreensível e, em alguns casos, aceitável, mas vê-los totalmente abandonadas pelos “soi-disant” pesquisadores de uma entidade respeitável como a Fundação Getulio Vargas tisna de parcialidade os resultados do projeto que se trai a partir dos próprios títulos das obras que produziu. Em capítulos deste livro analisaremos mais a fundo o resultado do que os tais pesquisadores chamaram “a memória militar recente do país”.

O presidente Castello Branco, segundo os que com ele conviveram de perto, costumava dizer que a Revolução não precisava justificar seus atos e de nenhum DIP 6 getuliano. Mais tarde, no governo Costa e Silva foi criada uma Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), que viria, já no governo Médici, a ganhar relevo e realizar um bom trabalho de divulgação dos atos do governo. Coincidindo com uma fase de euforia econômica, foi esse o período de maior aceitação dos atos revolucionários e de comprovado apoio popular, apesar de ter sido a fase de maior virulência da luta armada subversiva que fracassou, em grande parte, por falta de mensagens com credibilidade e de aceitação popular. O governo Geisel desmontou a AERP com maus resultados e quando a quis reviver 7, as dificuldades advindas da reversão do quadro econômico tornaram quase inócuos os esforços de difusão dos atos do governo, mesmo os que poderiam ter boa aceitação. A preocupação dominante com a distensão política e o verdadeiro descaso pelo combate à corrupção, completaram o quadro de desacertos que culminou com o desastrado encaminhamento da sucessão de Figueiredo, dando asas ao revanchismo e conferindo desenvoltura às forças de esquerda, anistiadas, realentadas e reagrupadas no partido de oposição.

Ficou, assim, ao gosto dos derrotados na luta armada contar a história de seu malogro e da maneira que melhor servisse aos seus desígnios de enxovalhar o regime que firmemente lhes negara o caminho para o poder, como procuraremos mostrar em muitos trechos deste livro. E, contando com a simpatia da mídia internacional, fortemente influenciada por marxistas e simpatizantes do regime moscovita, por inocentes úteis e gente desinformada sobre o que realmente se passava no Brasil, montaram uma verdadeira central de difamação contra o governo brasileiro, exemplarmente representada pelo Front Brasilienne d’Information (FBI) chefiada por Márcio Moreira Alves e financiada por Miguel Arraes e seus aliados argelinos 8. Contaram, também, internamente, com o apoio da oposição não marxista a quem passou a interessar a desmoralização do regime.

O silêncio dos vencedores justificava-se, ao tempo da guerrilha do Araguaia, pela preocupação de não permitir internacionalizar a guerra interna e o conflito político, como era desejo dos contestadores e subversivos, ávidos do apoio público e do reconhecimento internacional por parte de seus financiadores e mentores de Moscou, Pequim, Argel e Havana para um pretenso governo rebelde em uma área supostamente liberada. Posteriormente, a idéia da anistia - conforme a tradição política brasileira - dentro do esforço de reconciliação nacional e de nova tentativa de redemocratização fez baixar sobre aqueles fatos o silêncio oficial. E esse silêncio foi apresentado pela esquerda revanchista como resultado de um pacto de silêncio, de demonstração de medo ou confissão de culpa, e que serviu para a consolidação de uma verdadeira mitologia a serviço da batalha da propaganda, travada aqui e lá fora e em todos os meios de comunicação social e, até agora, nitidamente vencida pelos derrotados de ontem.

Esse processo ganhou novo impulso com a eleição para a presidência da República de um antigo militante de esquerda. Embora renegando suas antigas idéias e eleito graças a um arranjo político com o partido (PFL) onde se abrigara grande parte da liderança civil de sustentação da “ditadura”, juntamente com Fernando Henrique Cardoso subiu a rampa do Palácio do Planalto uma verdadeira “nomenklatura” de esquerda, onde se misturam marxistas arrependidos e revanchistas notórios. E a bandeira, nunca abaixada, dos desaparecidos e das vítimas inocentes da ditadura passou a contar com o eficiente apoio de gente muito bem situada no governo de FHC. Do próprio gabinete do ministro da Justiça, Sr. Nelson Jobim, passou a vir o incentivo a antigos terroristas e guerrilheiros, hoje possuidores de mandatos eletivos, e a velhos grupos de ativistas do Congresso e das diversas “comissões” e “frentes” que nunca aceitaram a lei da anistia votada pelo Congresso, como ponto de partida daquele grande e necessário acordo de pacificação e reconciliação nacional.

Com o apoio dos remanescentes das “patrulhas ideológicas” e da grande mídia, sempre ávida de novos espaços, novos mercados e de maiores lucros, cresceram os esforços e as atividades dos interessados na eternização das contradições e disputas que marcaram de sangue esse período recente de nossa história. E como sempre, tais esforços são dissimulados e encobertos por engodos altruístas e por uma simulação de busca da verdade, que passou a ser chamada de “resgate da história dos anos de chumbo”, de que é exemplo a tal pesquisa do CPDoc da FGV já mencionada. E os “porões da ditadura”, ficção propagandística muito bem construída e aceita, passam a supostamente ser vasculhados. Uma frenética e suspeita busca a ossadas e a “escondidas” evidências da liquidação física dos dissidentes merece o apoio de um poderoso e hegemônico grupo dos meios de comunicação; o mesmo que, tendo enriquecido à sombra do autoritarismo e dos “desmandos” que agora denuncia, passa a usar, em lugar dos dólares do grupo Time-Life 9 , o dinheiro amealhado no apoio à ditadura, como moeda de troca na conquista dos grandes índices dos “ibopes”. O afrontoso desrespeito à lei da Anistia e as claras provocações e ofensas às Forças Armadas e a seus antigos chefes passam a constituir-se num exercício diário de desenvoltos agentes a serviço agora não se sabe de que interesses. Forja-se uma lei para indenizar familiares de supostos perseguidos e de pretensos desaparecidos, onerando o contribuinte com o pagamento de prêmios a vítimas reais, mas também a espertalhões, traidores e desertores.

Repete-se com o adido militar em Londres a farsa armada contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Com duas significativas diferenças: em 1985, embora no governo dúbio de José Sarney, o ministro Leônidas – condestável da Nova República – viu-se compelido a prestigiar e defender o nosso adido no Uruguai que terminou normalmente sua missão, ao passo que o coronel Avólio ficou desamparado e terminou, melancolicamente, seu tempo de aditança numa sala do “Forte Apache” em Brasília, como se ainda estivesse junto à corte de Saint James. A outra diferença é que o coronel Ustra, após ter seu nome considerado para a promoção, apesar da atitude mesquinha de alguns membros do Alto Comando, e passado à reserva, saiu em campo, viseira erguida e de lança em riste, na defesa de sua dignidade e de seu passado. Publicou, com sacrifício e seus recursos pessoais, um livro desmascarando a farsa e sua principal vedete, a então deputada Bete Mendes, e colocando a nu os lances da luta armada em São Paulo. Reptou sua acusadora a provar as mentiras de que se servira e que apresentara com o largo e costumeiro apoio de jornais, revistas e entrevistadores de televisão. A resposta foi o silêncio e uma pá de cal sobre o livro embaraçoso que nunca foi desmentido ou contestado publicamente. As únicas respostas foram as ameaças anônimas que passaram a fazer ao militar e à sua família.

Aliás essa técnica do silêncio, muito usada pela esquerda em seus esquemas de Agit-prop, repetir-se-ia com o livro “Camaradas”, publicado em 1993 pelo jornalista William Waack, no qual, com base nos arquivos do Comintern e da KGB, recentemente abertos, e da Gestapo alemã, fica demonstrada de forma cabal a sujeição dos comunistas brasileiros - especialmente o “Cavaleiro da Esperança”, Luiz Carlos Prestes - aos agentes moscovitas na montagem e no desencadeamento da fracassada intentona de 1935. É a sórdida estória do uso do “ouro de Moscou” para implantar o comunismo no Brasil, contada com todas as letras e documentada de forma irretorquível. O mesmo manto de silêncio parece ter sido jogado sobre o livro de Luís Mir a que acima me referi, apesar das incoerências e tolices que repete.10 Dos livros da Bibliex, nem falar...

Em muitos de seus capítulos, este livro serve-se de episódios já narrados pelo coronel Ustra em seu corajoso “Rompendo o silêncio”, e que, com o conhecimento e a permissão do autor, utilizei em crônicas que há tempos publiquei nas páginas da Gazeta do Povo, de Curitiba. Foi a maneira que encontrei – contando sempre com o apoio do jornalista Francisco Cunha Pereira Filho, Diretor-Presidente do jornal - para recordar e difundir aqueles episódios, hoje totalmente falseados, esquecidos ou omitidos capciosamente.

Duas outras contribuições valiosas ao resgate verdadeiro e honesto da memória das últimas décadas de nossa história vieram à luz nos livros “A lanterna na popa” do ex-ministro Roberto Campos e “Um híbrido fértil”, relato autobiográfico do coronel da reserva e também ex-ministro Jarbas Passarinho. É o depoimento corajoso e coerente de dois homens profundamente engajados no esforço de reconstrução nacional empreendido a partir de 1964 e que viveram os bastidores do poder nesses anos que a esquerda insiste em chamar “anos de chumbo” que tornaram-se pesados e dolorosos pela ensandecida atuação de muitos dos que hoje pretendem assumir a posição de juízes. O livro póstumo, publicado pela Fundação Getulio Vargas Editora, contendo o depoimento do ex-presidente Ernesto Geisel é também uma importante contribuição, apesar da forma pela qual o memorialista resolveu deixar seu testemunho. Sobre esses livros teço alguns comentários mais adiante.11

Este livro é também mais um esforço nessa batalha de esclarecimento e de defesa das Forças Armadas e da atuação dos militares na história recente do Brasil. É, ainda, a minha homenagem aos homens e às mulheres da lei e da ordem que lutaram, sacrificaram-se e morreram para defender a democracia e a liberdade ameaçadas por maus brasileiros a serviço de uma ideologia enganadora e perversa, treinados no exterior e a soldo de patrões alienígenas.

O uso de certas expressões merece uma explicação. O ex-presidente Castello Branco, em palestra após a guerra, disse porque a FEB tomou como emblema uma cobra fumando. Contou que, antes da força seguir para os campos de batalha, a maledicência da Quinta Coluna” espalhava que “era mais fácil uma cobra fumar do que a FEB embarcar”. Lá na Itália, vendo gente morrer e matando alemães, os “pracinhas” resolveram, em represália, tomar a cobra fumante como emblema12. Similarmente, a esquerda e a mídia adotaram vários clichês em sua campanha de descrédito contra as Forças Armadas: “anos de chumbo”, “porões da ditadura”, “golpe de 1º de abril” etc. Foram exatamente elas que muitas vezes escolhi para identificar situações que mostram visões ignoradas do “golpe de 64”, dos “anos de chumbo” e dos tais “porões”, expressão esta surpreendentemente encampada, inclusive, por memorialistas com atuação em andares autoritários colocados em níveis muito superiores aos que freqüentei.

A guerrilha rural ou urbana é modalidade de guerra não convencional que fez suas próprias regras, dentro da estratégia comunista da Guerra Revolucionária, com a qual conseguiram apossar-se de muitos países. Um dos alvos dessa guerra - eficientemente utilizada como um dos instrumentos soviéticos da “Guerra Fria”- foi o Brasil, como ficou cabalmente comprovado pela abertura dos arquivos moscovitas da KGB e pelos depoimentos e confissões de seus agentes na farta literatura a que acima me referi. Para combatê-las, as Forças Armadas, especialmente o Exército, tiveram que adotar processos também não convencionais, utilizando instalações não militares, descaracterizando seus homens, infiltrando-se nas organizações subversivas, para poder chegar aos porões da clandestinidade de onde nos moviam sua luta armada sem quartel, proclamada e ensinada por Marighela e seus mentores cubanos. Muitos dos episódios dessa guerra suja, baseada, essencialmente, na informação e na contra-informação, tiveram que ser planejados e comandados de “porões” de sigilo e travados adotando práticas inusitadas. Em tais ambientes, onde necessariamente teria de haver uma grande descentralização e autonomia operacional, a precariedade dos controles e os excessos eram inevitáveis e muitas vezes a violência da resposta, pela própria natureza da luta, subia à altura da violência empregada pelos guerrilheiros, desenvoltos nessa guerra em que eles mesmos faziam as regras. Achar, hoje, que tal guerra poderia ter sido conduzida e vencida com “punhos de renda e luvas de pelica” é uma abstração de quem não viveu o dia-a-dia de tais momentos e não sentiu na pele as agruras de ter que ganhá-la em nome do futuro democrático da Nação. Procurei exemplificar alguns episódios significativos, baseado no depoimento de quem os viveu e em minha própria experiência, embora pequena e obtida em locais onde elas foram de menor intensidade e risco. Ao relatar tais fatos, todos verídicos, ainda utilizei os codinomes daquelas pessoas envolvidas e que até agora não assumiram sua participação na luta armada e no terrorismo, visto que seus atos criminosos, ou não foram assim considerados pela Justiça Militar, ou acham-se cobertos pela lei da Anistia de 1979.

Finalmente, que este livro seja um alerta para relembrar que o Estado de Direito - tão reclamado ao tempo do nosso último ciclo autoritário - funda-se, essencialmente, no cumprimento da Lei. A Anistia - ampla, geral e irrestrita, como exigida ao tempo em que o Congresso a decretou - vem sendo seguidamente desrespeitada com o respaldo de setores dos últimos governos, sob a pressão de grupos políticos revanchistas, interessados em manter abertas as feridas provocadas pela guerra suja que eles mesmos desencadearam e na qual foram vencidos, como impunha a preservação da liberdade ameaçada, muito mais pelos sicários a soldo de potências estrangeiras do que por medidas temporárias de autodefesa dos governos dos generais-presidentes. A normalidade democrática, de que gozam hoje os brasileiros, foi ganha naquela guerra, não importa com que artifícios e sofismas se pretenda hoje enganar os mais jovens e os deslembrados.

A campanha feroz - ao arrepio da Anistia de 1979 - que se desencadeou contra tantos, como mais recentemente contra o general médico Fayad e três oficiais promovidos por FHC, não visava apenas esses militares, mas era contra o próprio Exército, sentinela indormida às investidas dos apátridas desde 1935.

Convém, todavia, nunca esquecer que a volta da maré montante da anarquia com que essa gente pretenda repetir os idos de 1964, levará de roldão não só a Liberdade e a Democracia, mas arrancará dos palácios os governantes que tiverem a veleidade de achar que serão poupados, quando as turbas incendiárias tomarem em suas mãos as leis e a ordem não mais puder ser mantida pelas “legiões”, talvez não apenas porque “encolerizadas” pelas humilhações que vêm sofrendo, em silêncio, mas porque suas velhas baionetas não conseguirão mais ser empunhadas com motivação e brio.

1 - Um exemplo característico é a publicação pela revista francesa Temps Modernes dos documentos de Marighela, por interferência de Sartre, em fins de 1969. In Combate nas trevas de Jacob Gorender, pág 209.

2 - Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio - Boitempo Editorial. Algumas dessas obras são mencionadas nas referências bibliográficas.

3 - Ver os capítulos 23, 24 e 25 deste, sobre os recentes livros publicados por esse jornalista.

4 - A Grande Barreira, do coronel J.F.Maya Pedrosa.

5 - Editora FGV – Rio de Janeiro – RJ.

6 - Departamento de Imprensa e Propaganda.

7 - Primeiro, designando um civil incompetente e depois colocando como Secretário de Imprensa o coronel Toledo Camargo, ex-adjunto da AERP do governo Médici, que, embora um militar muito bem qualificado, viu-se a braços com as dificuldades oriundas da personalidade do presidente e da própria conjuntura.

8 - Luís Mir, Op. Cit. pág 645.

9 - O empréstimo aos Marinho é confirmado por Roberto Campos em A Lanterna na popa, ao refutar a acusação feita por Assis Chateaubriand de ter sido o intermediário do empréstimo, como embaixador do Brasil nos “States” na época.

10 - O livro é tão devastador que a inserção de certas tolices parece ser a maneira de convalidar as aparentes ligações do autor com a esquerda. Gorender o chama de “história marrom”. A Biblioteca do Exército publicou, no início de 1999, uma reedição do livro de William Waack, em co-edição com a Editora Companhia das Letras.

11 - Capítulos 11 e 16..

12 - Segundo trabalho publicado pelo coronel e historiador Francisco Ruas Santos sobre o ex-presidente.

*Os leitores interessados na obtenção do livro podem entrar em contato pelo e-mail negraotorres@uol.com.br, ou diretamente ao Editor que atende também pelo reembolso postal: Livraria do Chain Rua General Carneiro, 441 - 80050 –150 - Curitiba-PR. e-mail: chain@onda.com.br




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