MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

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Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

As origens do nazismo - Partes I e II - por Ludwig von Mises

As origens do nazismo - I

Ludwig von Mises


Mídia Sem Máscara - 23/04/2004


Nota editorial: Ludwig von Mises é um dos mais notáveis economistas do nosso tempo. Inspirado no início de sua carreira pelo trabalho de seus professores - os grandes economistas autríacos Carl Menger e Böhm-Bawerk - Mises, por meio de uma série de pesquisas universitárias, analisou sistematicamente cada problema econômico importante, criticou erros inveterados e substituiu velhos sofismas por idéias sólidas e sadias. O texto abaixo foi extraído de seu livro Omnipotent Government. Neste livro, Mises descreve como a Alemanha Nazista seguiu os passos da Rússia Soviética, que foi o protótipo de todos os regimes totalitários e repressivos do século XX.


1. O Ancien Regime e o Liberalismo

É uma falha fundamental acreditar que o nazismo é um renascimento ou uma continuação das políticas e mentalidades do ancien régime ou uma exibição do "espírito prussiano”. Nada no nazismo adota a corrente de idéias e instituições da antiga história alemã. Nem o nazismo nem o pan-germanismo, do qual o nazismo provém e de quem a conseqüente evolução representa, é derivado do prussianismo de Frederico Guilherme I ou Frederico II, chamado o Grande. O pan-germanismo e o nazismo nunca pretenderam restabelecer a política dos eleitores de Brandenburg e dos quatro primeiros reinos da Prússia. Algumas vezes eles têm retratado a volta do paraíso perdido da antiga Prússia como o objetivo de seus esforços; mas isso foi mera conversa propagandista para o consumo de um público que venera os heróis de dias passados. O programa do nazismo não aponta para a restauração de algo passado mas para o estabelecimento de algo novo e sem precedente.

O antigo Estado prussiano da casa dos Hohenzollern foi completamente destruído pela França no campo de batalha de Jena e Auerstädt (1806). O exército prussiano se rendeu em Prenzlau e Ratkau, as forças militares da mais importante cidadela e fortaleza renderam-se sem dispararem um tiro. O rei se refugiou com o czar, cuja mediação permitiu a preservação de seu reino. Mas o antigo Estado prussiano estava internamente quebrado muito antes dessa derrota militar; já estava por muito tempo se tornando decomposto e podre, quando Napoleão deu o golpe final. Pois a ideologia na qual era baseada perdeu todo seu poder; foi desintegrado pelo assalto das novas idéias do liberalismo.

Como todos os outros príncipes e duques que estabeleceram seus governos soberanos sobre os escombros do Sacro Império Romano Germânico, os Hohenzollerns também consideraram seu território como um Estado familiar cujas fronteiras tentaram expandir por meio de violência, artimanha, e acordos familiares. Pessoas vivendo sem suas propriedades estavam sujeitas a obedecer ordens. Elas se utilizavam da terra e da propriedade do governante, que tinha o direito de repartir com elas ad libitum. Sua felicidade e bem-estar não importavam.

É claro, o rei se interessava pelo bem-estar material de seus subordinados. Mas esse interesse não estava fundamentado na crença de que o propósito do governo civil é tornar as pessoas prósperas. Tais idéias eram consideradas absurdas na Alemanha do século XVIII. O rei ansiava por aumentar as propriedades dos camponeses e dos habitantes das cidades pois era de seus rendimentos que derivada sua renda. Ele não estava interessado no indivíduo mas no pagador de impostos. Ele queria extrair de sua administração do país os meios de aumentar seu poder e seu esplendor. Os príncipes alemães enviaram as riquezas da Europa Ocidental, que provia os reis da França e da Grã-Bretanha com fundos para a manutenção de muitos exércitos e marinhas. Eles encorajavam comércio, trabalho, mineração e agricultura a fim de elevar a renda pública. Os subordinados, no entanto, eram simplesmente peças no jogo dos governantes.

Mas a postura desses subordinados mudou consideravelmente no final no século XVIII. Novas idéias vindas da Europa Ocidental começaram a penetrar na Alemanha. O povo, acostumado a obedecer cegamente a autoridade dada por Deus aos príncipes, ouviram pela primeira vez as palavras liberdade, auto-determinação, direitos do homem, parlamento, constituição. Os alemães aprenderam a captar o significado das idéias de tais perigosas palavras.

Nenhum alemão contribuiu para a elaboração do grande sistema de pensamento liberal, que tem transformado a estrutura da sociedade e substituído o governo de reis e rainhas pelo governo do povo. Os filósofos, economistas e sociólogos que o desenvolveram pensaram e escreveram em inglês e francês.

No século XVIII os alemães não conseguiram nem obter traduções legíveis desses autores ingleses, escoceses e franceses. O que filósofos idealistas alemães produziram nesta área é realmente pobre quando comparado com o pensamento inglês e francês contemporâneo. Mas os intelectuais alemães receberam as idéias ocidentais de liberdade e de direitos dos homens com entusiasmo. A literatura clássica alemã está imbuído deles, e os grandes compositores alemães compuseram músicas que enalteciam a liberdade. Os poemas, peças e outros manuscritos de Frederico Schiller foram do início ao fim um hino para a liberdade. Cada palavra escrita por Schiller foi um golpe no antigo sistema político da Alemanha; seus trabalhos foram calorosamente recebidos por quase todos os alemães que liam livros ou freqüentavam teatro. Esses intelectuais, é claro, eram uma minoria. Para as massas, livros e teatros lhes eram desconhecidos. Eles eram os pobres servos em províncias orientais, habitantes de países católicos, que apenas lentamente conseguiam libertar a si mesmos das amarras apertadas da Contra-Reforma. Mesmo nas mais avançadas regiões ocidentais e nas cidades ainda existiam muitos analfabetos e semi-analfabetos. Essa massa não se interessava em assuntos políticos; eles obedeciam cegamente, pois viviam com medo do castigo no inferno, com que a igreja os ameaçava, e ainda com um terrível medo da polícia. Eles estavam à margem da civilização e da vida cultural alemãs; sabiam apenas seu dialeto regional e mal podiam conversar com um homem que falava apenas a língua literária alemã ou um outro dialeto.

Mas o tamanho desse povo atrasado estava constantemente diminuindo. Prosperidade econômica e educação propagavam-se ano após ano. Mais e mais pessoas alcançavam um padrão de vida que os permitia cuidar de outras coisas além de comida e abrigo, e utilizar seu tempo livre em algo mais que bebida. Quem quer que se erguesse da miséria e se juntasse à comunidade de homens civilizados tornava-se um liberal. Com exceção do pequeno grupo de príncipes e de seus aristocráticos servos, praticamente todos interessados em assuntos políticos eram liberais. Na Alemanha daqueles dias havia apenas homens liberais e homens indiferentes; mas o número de indiferentes continuava a diminuir, enquanto o número de liberais aumentava.

Todos os intelectuais simpatizavam com a Revolução Francesa. Eles desdenhavam o terrorismo dos jacobinos, mas aprovavam lealmente a grande reforma. Eles viam em Napoleão o homem que guardaria e completaria essas reformas e – como Beethoven—tornara-se antipáticos a ele assim que traiu a liberdade e proclamou-se imperador.

Nunca antes houve qualquer movimento espiritual que tomasse conta de todo o povo alemão, e nunca antes haviam se unido em seus sentimentos e idéias. De fato o povo, que falava alemão e fora subordinados a príncipes de impérios, prelados, condes e aristocratas urbanos, tornou-se uma nação, a nação alemã, por meio da recepção a novas idéias vindas do Ocidente. Só então o povo se envolveu em algo que nunca existira: uma opinião pública alemã, um povo alemão, uma literatura alemã, uma pátria alemã. Os alemães agora começaram a entender o sentido dos antigos autores que eles tinham lido na escola. Eles agora conceberam a história de sua nação como algo mais que lutas de príncipes por terra e renda. Os subordinados de centenas de pequenos senhores tornaram-se alemães através da aceitação de idéias ocidentais.

Este novo espírito abalou as fundações nas quais príncipes construíram seus tronos—a tradicional lealdade e subserviência dos indivíduos que eram preparados para submeterem-se ao governo despótico de um grupo de famílias privilegiadas. Os alemães sonhavam agora com um novo Estado alemão, com governo parlamentar e com direitos humanos. Eles não se importavam com o atual Estado alemão. Aqueles alemães que se auto intitularam “patriotas”, o novo termo da moda importado da França, desprezaram esses lugares de anarquia e abuso ditatoriais. Eles odiavam o ditador. E eles odiaram ainda mais a Prússia, pois pareceu-lhes ainda mais poderosa e por isso ainda mais ameaçadora à liberdade alemã.

O mito prussiano, que historiadores prussianos do século XIX criaram com uma arrojada distorção de fatos, teria nos feito acreditar que Frederico II foi visto por seus contemporâneos como eles mesmos o descrevem—como um defensor da grandeza alemã, protagonista na ascensão da Alemanha para a unidade e o poder, o herói da nação. Nada poderia estar mais distante da verdade. As campanhas militares sobre o rei-guerreiro foram, para seus contemporâneos, lutas para aumentar os bens da casa dos Brandenburg, que preocupava-se apenas com a dinastia. Eles admiravam seu talento estratégico, mas detestavam as brutalidades do sistema prussiano. Quem elogiou Frederico dentro das fronteiras de seu reino o fez por necessidade, para esquivar-se da indignação de um príncipe que derramou severa vingança em todo os inimigos. Enquanto pessoas de fora da Prússia o elogiavam, eles mascararam críticas sobre seus próprios governantes. Os subordinados de pequenos príncipes entendiam que tal ironia era a forma menos perigosa de menosprezar seus pequenos Neros e Borgias. Eles elogiavam realizações militares, mas diziam que estavam felizes, pois não estavam à mercê de seus caprichos e crueldades. Eles apenas aprovaram Frederico no poder até que ele combateu seus ditadores internos.

No final do século XVIII, a opinião pública alemã era tão unanimemente contra o ancien régime quanto a França o era pouco antes da Revolução. O povo alemão testemunhou com indiferença a anexação francesa da margem esquerda do Reno, a derrota da Áustria e da Prússia, o desmoronamento do Sacro Império e o estabelecimento da Confederação do Reno. O povo saudou as reformas, pressionado pelo predomínio das idéias francesas. Eles admiraram Napoleão como um grande general e governador assim como anteriormente tinham admirado Frederico da Prússia. Os alemães começaram a odiar a França apenas quando—como os subordinados franceses do imperador—finalmente se cansaram das intermináveis e fatigantes guerras. Quando o Grande Exército foi destruído na Rússia, o povo interessou-se pelas campanhas que acabaram com Napoleão, mas apenas porque eles esperavam que sua queda resultaria no estabelecimento do governo parlamentar. Mais tarde, eventos dissiparam essa ilusão, e lá lentamente cresceu o revolucionário espírito que levou à revolta de 1848.

Dizem que a origem do nacionalismo e do nazismo deverá ser encontrada em manuscritos dos românticos, em peças de Heinrich von Kleist e em canções políticas que acompanham a luta final contra Napoleão. Isto também é um erro. Os sofisticados trabalhos dos românticos, as pervertidas emoções das peças de Kleist e a patriótica poesia das guerras de libertação não eram apreciadas pelo público; e os ensaios filosóficos e sociológicos desses autores que recomendavam o retorno às instituições medievais eram consideradas abstrusas. O povo não estava interessado na Idade Média mas nas atividades parlamentares do Ocidente. Eles leram os livros de Goethe e Schiller, não os livros dos românticos; foram às peças de Schiller, não nas de Kleist. Schiller tornou-se o poeta preferido da nação; em sua entusiástica devoção à liberdade os alemães encontraram seu ideal político. A celebração do centésimo aniversário de Schiller (em 1859) foi a mais impressionante demonstração política que já ocorrera na Alemanha. A nação alemã foi unida em sua participação nas idéias de Schiller, nas idéias liberais.

Todo os esforços para fazer o povo alemão abandonar a causa da liberdade falharam. Os ensinamentos de seus adversários não surtiram efeito. A polícia de Metternich combateu em vão a crescente maré do liberalismo.

Apenas nas últimas décadas do século XIX a influência liberal foi abalada. Ela foi afetada pelas doutrinas do estatismo. O estatismo—trataremos disso mais tarde—é um sistema de idéias sócio-políticas que não têm contraparte em histórias mais antigas e não é associada a antigas formas de pensar, ainda que—em relação ao caráter técnico de políticas recomendadas—possa com alguma justificativa ser chamada de neo-mercantilismo.


(*) (Ludwig von Mises, 1944. Publicado originalmente por mises.org, em 19/02/2004)

Tradução: Priscila Wolff




As origens do nazismo - 2a. Parte

Ludwig von Mises


Mídia Sem Máscara - 04/05/2004


2. O Ponto Fraco do Liberalismo Alemão

Por volta da metade do século XIX, os alemães que estavam interessados em assuntos políticos estavam unidos em torno do liberalismo. Apesar disso, a nação alemã não obteve sucesso em livrar-se da opressão absolutista e estabelecer a democracia e o governo parlamentar. Qual a razão para isso?

Primeiro vamos comparar a condição alemã com aquela da Itália, que estava em uma situação parecida. A Itália também estava inclinada ao liberalismo, mas os liberais italianos estavam impotentes. O exército austríaco era forte o suficiente para derrotar todos os motins revolucionários. Um exército estrangeiro conteve o liberalismo italiano; outro exército estrangeiro libertou a Itália desse controle. Em Solferino, em Königgrätz, e às margens do Marne, franceses, prussianos e ingleses lutaram nas batalhas que tornaram a Itália independente dos Habsburgos.

Assim como o liberalismo italiano não se comparava ao exército austríaco, o liberalismo alemão também era incapaz de confrontar-se com os exércitos da Áustria e da Prússia. O exército austríaco consistia principalmente de soldados não-alemães. O exército prussiano é claro, tinha em sua maioria homens de língua alemã; poloneses, lituanos e outros eslavos eram somente uma minoria. Mas um grande número desses homens que falavam um dos dialetos alemães foram recrutados das camadas da sociedade que ainda não tinham despertado para interesses políticos. Eles vieram das províncias orientais, da margem oriental do rio Elba. Eles eram em sua maioria analfabetos e não familiarizados com a mentalidade dos intelectuais e dos habitantes da cidade. Eles nunca ouviram nada sobre as novas idéias; eles haviam crescido com o hábito de obedecer o Junker [aristocrata prussiano], que exercia poder executivo e judiciário em suas vilas, a quem eles deviam impostos e corvée (estatutos do trabalho não pagos), e a quem a lei considerava seus legítimos senhores. Esses eficientes servos não eram capazes de desobedecer a uma ordem de atirar no povo. O supremo comandante do exército prussiano podia confiar neles. Esses homens e os poloneses formavam a divisão que derrotou a Revolução Prussiana em 1848.

Tais foram as condições que impediram os liberais alemães de adaptar suas ações às suas palavras. Eles foram forçados a esperar até que o progresso da prosperidade e da educação pudesse trazer este povo atrasado para as fileiras do liberalismo. Então eles foram convencidos: a vitória do liberalismo estava prestes a vir. O tempo trabalhou para isso. Mas, ah, eventos traíram essas expectativas. Foi o destino da Alemanha: antes que o liberalismo pudesse triunfar, o liberalismo e as idéias liberais foram derrubadas—não só na Alemanha, mas em toda parte - por outras idéias, que novamente penetraram na Alemanha pelo Ocidente. O liberalismo alemão ainda não tinha cumprido sua tarefa quando foi derrotada pelo estatismo, pelo nacionalismo e pelo socialismo.


3. O Exército Prussiano

O exército prussiano que lutou nas batalhas de Leipzig e Waterloo era muito diferente do exército que Frederico Guilherme I havia organizado e que Frederico II havia comandado em três grandes guerras. Esse antigo exército da Prússia havia sido esmagado e destruído na campanha de 1806 e nunca mais reviveu.

O exército prussiano do século XVIII era composto de homens forçados ao trabalho, brutalmente treinados com chicotadas, e mantidos juntos por uma disciplina bárbara. Eram principalmente estrangeiros. Os reis preferiam estrangeiros a seus próprios subordinados. Eles acreditavam que seus subordinados poderiam ser mais úteis ao país trabalhando e pagando impostos do que servindo nas Forças Armadas. Em 1742, Frederico II estabeleceu como seu objetivo que a infantaria deveria consistir de dois terços de estrangeiros e um terço de nativos. Desertores de exércitos estrangeiros, prisioneiros de guerra, criminosos, vagabundos, mendigos e pessoas capturadas formavam a maior parte dos regimentos. Esses soldados estavam preparados para aproveitar cada oportunidade para escapar. Prevenção de deserção era então a principal preocupação da administração de assuntos militares. Frederico II começou sua principal pesquisa de estratégia, seus Princípios Gerais de Guerra, com a exposição de quatorze regras de como impedir deserções. Considerações táticas e até mesmo estratégicas tinham de estar subordinadas à prevenção de deserção. As tropas poderiam apenas ser acionadas quando firmemente reunidas. Patrulhas não poderiam ser enviadas para fora. Perseguição estratégica das forças derrotadas do inimigo eram impraticáveis. Marchar e atacar à noite e acampar próximo a florestas era evitado a todo o custo. Os soldados eram ordenados a vigiarem uns aos outros constantemente, tanto em guerra como em paz. Cidadãos eram obrigados, sob ameaça de pesadas punições, a barrar a passagem de desertores, capturá-los e entregá-los ao exército.

Normalmente, os comandantes oficiais do exército eram aristocratas. Entre eles, também, estavam muitos estrangeiros; mas o maior número pertencia à classe prussiana dos Junker. Frederico II repetia mais e mais em seus manuscritos que plebeus não eram adequados para comandar, pois suas mentes eram direcionadas para o lucro, não para a honra. Embora a carreira militar fosse muito rentável, como a de presidente de empresa que obtinha altos rendimentos, uma grande parte dos aristocratas proprietários de terras opunham-se à profissão militar para seus filhos. Os reis enviavam policiais para seqüestrarem os filhos de nobres proprietários de terras e os colocavam em escolas militares. A educação fornecida por essas escolas não era mais que uma escola primária. Homens com ensino superior eram muito raros nos postos de comandantes oficiais prussianos.[1]

Tal exército podia lutar e - sob ordens de um hábil comandante - conquistar, apenas enquanto se deparasse com exércitos de estrutura parecida. Eles dispersavam-se como palha quando tinham que lutar contra as tropas de Napoleão.

Os exércitos da Revolução Francesa e do primeiro Império eram recrutados do povo. Eles eram exércitos de homens livres, não da escória oprimida. Seus comandantes não temiam deserção. Portanto, puderam abandonar as táticas tradicionais de seguir em linha e dar salvas de tiros à esmo. Puderam adotar um novo método de combate, isto é, lutar em colunas e escaramuças. A nova estrutura do exército trouxe primeiro uma nova tática e depois uma nova estratégia. Contra estes, o antigo exército prussiano se mostrou impotente.

O estilo francês serviu como modelo para a organização do exército prussiano entre 1808–1813. Ele foi construído sob o princípio de que todo homem fisicamente saudável deve servir o exército. O novo exército manteve a experiência das guerras de 1813 –1815. Conseqüentemente sua organização não mudou por aproximadamente meio século. Como esse exército teria lutado em uma outra guerra contra um agressor estrangeiro nunca se saberá; foi poupado esse julgamento. Mas uma coisa está clara, e foi confirmada nos eventos na Revolução de 1848: apenas uma parte deste exército poderia ser confiado numa luta contra o povo, o “adversário doméstico” do governo, e uma guerra de agressão não popular não poderia ser travada com esses soldados.

Ao reprimir a Revolução de 1848, apenas os regimentos dos Guardas Reais, cujos homens foram selecionados por sua lealdade ao rei, a cavalaria e os regimentos recrutados das províncias orientais poderiam ser considerados absolutamente confiáveis As tropas do exército convocadas do ocidente, a milícia (Landwehr) e os reservistas de muitos regimentos orientais foram mais ou menos contagiados pelas idéias liberais.

Os homens das guardas e da cavalaria tinham de prestar três anos de serviço militar para cada dois anos em outras posições das forças armadas. Por conseguinte os generais concluíram que dois anos era um tempo pequeno demais para transformar um civil em um soldado incondicionalmente leal ao rei. O que era necessário fazer para proteger o sistema político da Prússia com seu absolutismo real exercido pelos Junkers era um exército de homens preparados para lutar - sem questionar - contra todos aqueles que seus comandantes os ordenassem atacar. Este exército - o exército de Sua Majestade, não um exército do Parlamento ou do povo - teria a tarefa de derrotar qualquer movimento revolucionário dentro da Prússia ou dentro dos estados menores da Confederação Germânica, de repelir possíveis invasões vindas do oeste que poderiam forçar os príncipes da Alemanha a permitir constituições e outras concessões para seus subordinados. Na Europa dos anos de 1850, onde o imperador francês e o primeiro-ministro britânico, Lord Palmerston, professaram abertamente suas simpatias em relação aos movimentos populares que ameaçavam o direito adquirido dos reis e aristocratas, o exército da casa dos Hohenzollern foi o rocher de bronze no meio da crescente maré de liberalismo. Tornar esse exército confiável e invencível significava não apenas preservar os Hohenzollerns e sua aristocracia; significava muito mais: a salvação da civilização da ameaça da revolução e da anarquia. Tal era a filosofia de Frederich Julius Stahl e dos hegelianos de direita, tais eram as idéias dos historiadores prussianos da escola historicista Kleindeutsche, tal era a mentalidade do partido militar na corte do rei Frederico Guilherme IV. Esse rei, é claro, foi um neurótico doentio que beirava a completa incapacidade mental. Mas os generais, liderados pelo general von Roon e apoiados pelo príncipe Guilherme, irmão do rei e provável herdeiro do trono, buscavam seu objetivo de forma firme e determinada.

O sucesso parcial da revolução resultou no estabelecimento de um Parlamento Prussiano. Mas suas prerrogativas eram tão restritas que o Comandante Supremo não era impedido de adotar medidas que considerava indispensáveis para a transformação do exército num instrumento mais confiável nas mãos de seus comandantes.

Os especialistas foram completamente convencidos de que dois anos de serviço militar ativo eram suficientes para o treinamento militar da infantaria. Não por razões de natureza técnico-militar, mas simplesmente por considerações políticas, o rei prolongou o serviço militar ativo para os regimentos da infantaria da linha de dois anos para dois anos e meio em 1852 e para três anos em 1856. Por causa dessa medida, as chances de sucesso contra um novo movimento revolucionário foram muito incrementadas. O partido militar estava agora confiante que no futuro imediato eles estariam fortes o suficiente, com a Guarda Real e com os homens do serviço militar servindo nos regimentos de linha, para conquistar os rebeldes mal armados. Contando com isso, eles decidiram seguir adiante e reformar profundamente a organização das Forças Armadas.

O objetivo dessa reforma era tornar o exército mais forte e mais leal ao rei. O tamanho do batalhão de infantaria seria quase duplicado, a artilharia aumentou 25 por cento e muitos novos regimentos da cavalaria foram formados. O número anual de recrutas seria elevado de menos de 40.000 para 63.000, e os postos de comandantes oficiais cresceram na mesma proporção. Por outro lado a milícia seria transformada em uma reserva do exército ativo. Os mais velhos eram liberados do serviço na milícia como não sendo completamente confiáveis. Os postos mais altos da milícia seriam confiados a comandantes oficiais das divisões profissionais.[2]

Cientes da força que a prorrogação do serviço militar já havia dado a eles, e confiantes de que tinham, por enquanto, suprimido uma tentativa revolucionária, a corte realizou a reforma sem consultar o parlamento. A insensatez do rei naquele momento se tornara tão evidente que o príncipe Guilherme teve de ser empossado como príncipe regente; o poder real estava agora nas mãos de um obediente partidário da facção aristocrática e de militares furiosos. Em 1859, durante a guerra entre a Áustria e a França, o exército prussiano tinha sido mobilizado como uma medida de precaução e para guardar neutralidade. A desmobilização foi efetuada de tal maneira que os objetivos principais da reforma foram alcançados. Na primavera de 1860, todos regimentos recentemente planejados já haviam sido estabelecidos. Só então o gabinete levou a conta da reforma para o parlamento e pediu que votassem a despesa envolvida.[3]

A luta contra esta despesa militar foi o último ato político do liberalismo alemão.


[1] Delbrück, Geschichte der Kriegskunst (Berlin, 1920), Part IV, pp. 273 ff., 348 ff.

[2] Ziekursch, Politische Geschichte des neuen deutschen Kaiserreichs (Frankfurt, 1925–30), I, 29 ff.

[3] Sybel, Die Begründung des deutschen Reiches unter Wilhelm I (2d ed. Munich, 1889), II, 375; Ziekursch, op. cit., I, 42.


(Publicado originalmente por mises.org)


Tradução: Priscila Wolff




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