MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

O que os gaúchos dizem sobre Cuba? - por vários autores

Existem 3 Cubas: de Fidel e Raúl, dos cubanos e dos turistas


O que os gaúchos dizem sobre Cuba?

por vários autores

"Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares."


I

CUBA VIRA TEMA DE CAMPANHA DO PPB
CINCO MILITANTES DA SIGLA VISITARAM A ILHA DE FIDEL POR CINCO DIAS

Zero Hora, Porto Alegre (RS), 9 de agosto de 2001

Com o lema "A Juventude do PPB Adverte: Não Deixe o Rio Grande Virar Cuba" estampado nas camisetas, cinco integrantes do partido retornaram sexta-feira a Porto Alegre, trazendo na bagagem documentos, gravações e fotos do que consideram a verdadeira imagem da ilha.

Durante a viagem, os progressistas abriram a bandeira do Rio Grande do Sul na Praça da Revolução, em frente à sede do governo de Fidel Castro, sob os olhares atentos dos policiais de Havana.

O plano de responder ao hasteamento da bandeira de Cuba no Palácio Piratini, no dia da posse de Olívio Dutra, em 1999, segundo os jovens, não pôde ser concretizado da forma como imaginavam.

– Queríamos subir na torre do palácio do governo e hastear a bandeira lá em cima, mas os guardas nos barraram. O jeito foi abrir a bandeira na praça mesmo, com medo de os policiais nos prenderem – relata José Henrique Westphalen, 21 anos, coordenador da comitiva.

A viagem de cinco dias não cumpriu o roteiro original. José Henrique Westphalen, Luciano Anziliero, Marcelo Demolinier, Rogério Soliman e Sílvio Comanduli não conseguiram conhecer as universidades cubanas, em férias, nem os hospitais, porque não tinham autorização do governo. Apesar disso, trouxeram relatos de cubanos sobre a educação e a saúde no país de Fidel.

– As crianças estão desestimuladas com o estudo. Eles passam anos estudando medicina para receber um salário de US$ 7 depois de formados. E, mesmo que haja atendimento médico gratuito para todo mundo, os remédios receitados nunca são encontrados nas farmácias do governo – diz Westphalen.

A comitiva passou quatro dias em Havana, no Hotel Saint Jones, um estabelecimento três estrelas localizado no bairro El Vedado. As construções malconservadas do início do século passado, onde casas de uma só peça servem de moradia para famílias de até nove pessoas, surpreenderam os visitantes.

– Sei que, em alguns lugares do Brasil, a situação é parecida. Só que aqui a gente pode mudar de vida, estudando. Lá, não – compara Westphalen.

Depois de pagar US$ 56 por pessoa, os progressistas conseguiram rumar para Varadero, balneário paradisíaco onde os nativos só podem entrar com autorização oficial.

– Lá é outro mundo. Muitos dólares, carros importados, grande investimento estrangeiro em hotéis de luxo. Os cubanos que vivem em Varadero nunca saíram de lá. E os que encontramos em Havana nunca conheceram a praia.

Os progressistas gravaram conversas em bares do Malecón – avenida à beira-mar em Havana –, regadas a cervejas oferecidas aos cubanos, tiraram fotografias em preto-e-branco dos prédios antigos e compraram uma libreta por US$ 5 de um rapaz que pedia dinheiro aos turistas. No documento, o governo cubano marca a quantidade de alimentos e outros produtos distribuídos à população.

– Quem não tem a libreta fica sem comida – diz Westphalen.

No terceiro dia em Havana, os cinco jovens já queriam retornar a Porto Alegre e começar uma campanha pelo Interior para denunciar o que acham que o PT pode fazer com o Estado. Para a comitiva, as posições do partido no Rio Grande do Sul são semelhantes ao modelo de governo da ilha.


II

A FÉ CONTRA A MISÉRIA

Percival Puggina, arquiteto

Correio do Povo, Porto Alegre, 26 de julho de 2001

Acabo de retornar de Cuba, onde passei sete dias. Esperava encontrar um povo homogeneamente pobre e o encontrei tão carente quanto se pode ser quando o salário da população ativa oscila entre 7 e 25 dólares. Os cortiços que dominam a área de Habana Vieja denotam miséria e apenas o fortíssimo policiamento ostensivo concede tranqüilidade aos turistas. A antiga libreta - após a saída dos russos, suspendendo três décadas de patrocínio - está reduzida a uma ração mensal de arroz, feijão, açúcar, leite em pó, meio quilo de carne de porco e quatro ovos. O resto há que buscar "en la calIe" com dólares. E os estrangeiros, fonte mais provável desses dólares, são permanentemente assediados por supostos guias turísticos, [agenciadores de prostitutas] e uma verdadeira multidão de prostitutas.

Há um rígido controle do Estado sobre a vida dos cidadãos. Em cada quarteirão opera um Comitê de Defesa da Revolução, cujo responsável, conforme me informou alguém, "conoce hasta el color del calzoncillo de mi padre". Os cubanos não se podem hospedar em hotéis destinados a turistas nem freqüentar os melhores locais a estes reservados, não podem ter TV a cabo nem acessar a Internet. Os jornais - Granma e Juventud Rebelde - só contam boas notícias do regime e o que ocorre de ruim no resto do mundo.

Tive curiosidade de saber porque, com tais salários, nem todos vivem como os que habitam os cortiços que se espalham pela cidade. E fui informado de que a diferença se deve ao fato de que há famílias cubanas com fé e outras sem fé. "Todo seria mucho peor si no hubiera tanta gente com fe", arrematou meu interlocutor com olhar matreiro. Sorri sem entender, e ele indagou:

— Sabés lo que es fe? Fe es la sigla local para ‘familiar en los Estados Unidos’...


III

CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO

Juremir Machado da Silva

Correio do Povo, Porto Alegre (RS), 4 de março de 2001

Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez, aderir ao comunismo. Usei todos os chavões que conhecia para justificar o projeto cubano. Não deu certo. Depois de 11 dias na ilha de Fidel Castro, entreguei de novos os pontos.

O problema do socialismo é sempre o real. Está certo que as utopias são virtuais, o não-lugar, mas tanto problema com a realidade inviabiliza qualquer adesão. Volto chocado: Cuba é uma favela no paraíso caribenho.

Não fiquei trancando no mundo cinco estrelas do hotel Habana Libre. Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci. Em 42 anos, Fidel construiu o inferno ao alcance de todos. Em Cuba, até os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de discriminação. É ainda pior. Os cubanos gostam de uma fórmula cristalina: Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de policiais . Um policial pode ganhar até quatro vezes mais do que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares mensais. José, professor de História, e Marcela, sua companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais dez pessoas (em outros chega a 30). Não há mais água encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser ouvidos. José tem o dom da síntese: Cuba é uma prisão, um cárcere especial. Aqui já se nasce prisioneiro. E a pena é perpétua. Não podemos viajar e somos vigiados em permanência. Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo. Alívio é arranjar dólares com turistas . José e Marcela, Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem falamos,pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel higiênico, absorventes. Como não podem entrar sozinhos nos hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de açúcar. O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do governo uma espécie de cesta básica, garante comida para uma semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto impensável.

José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns pedaços de fígado de boi. Uma festa. Culpa do embargo norte-americano? Resultado da queda do Leste Europeu? José não vacila: Para quem tem dólares não há embargo. A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica. Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o bloqueio . Cuba tem quatro classes sociais: os altos funcionários do Estado, confortavelmente instalados em Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel (que recebem gorjetas em dólar); e o povo. Para ter um emprego num hotel é preciso ser filho de papai, ser protegido de um grande, ter influência , explica Ricardo, engenheiro que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis luxuosos de redes internacionais.

Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que,quando visito um país problemático, o regime cai logo depois da minha saída. Respondem em uníssono:

- Vamos te expulsar daqui agora mesmo . Pergunto por que não se rebelam, não protestam, não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo, vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e não saberiam atacar com pedras, à moda palestina. Prometem, no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che Guevara espalhadas pela ilha por uma minha se eu assassinar Fidel para eles.

Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: Cuba é uma ditadura . Peço demonstrações: Aqui não existem eleições. A democracia participativa, direta, popular, é um fachada para a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda, e, se fizéssemos um discurso em praça pública para criticar o governo, seríamos presos na hora.

Ricardo Alarcón aparece na televisão para dizer que o sistema eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os telespectadores riem: É o braço direito da ditadura. O partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados; estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel . Mas e a educação e a saúde para todos? Ariel explica: Temos alfabetização e profissionalização para todos, não educação. Somos formados para ler a versão oficial, não para a liberdade.

A educação só existe para a consciência crítica, à qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante que vivamos mais tempo para a submissão .José mostra-me as prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as condena: Estão ajudando as famílias a sobreviver . Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares. Quatro velhas negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não se fixa. Tentam ver Força de um Desejo . Uma delas justifica: Só temos a macumba (santería) e as novelas como alento. Fidel já nos tirou tudo.Tomara que nos deixe as novelas brasileiras . Antes da partida,José exige que eu me comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a verdade que me ensinaram: em Cuba só há rumvoltados .

E-mail: juremir@pucrs.br


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Veja, ainda, o "Diário" de Sue Wilson, abaixo:

Diary

Sue Wilson

Sue Wilson is in Havana, Cuba, doing research for her dissertation.

Posted: Monday, Aug. 27, 2001, at 10:30 a.m.

(http://slate.msn.com/diary/01-08-27/diary.asp?iMsg=1)


I ll start by telling you that the research I came here to do on contemporary Cuban foodways has not gone well. It took me about six months to figure out the following: There are things to be said about Cuba. There are things to be said about food. There is nothing to be said about food in Cuba. Nothing anybody wants to know about, anyway. Make a Venn diagram where the two circles do not at all overlap—this is called a degenerate case—and one sees my predicament. My dissertation is a degenerate case. When I finally understood this, I called my friend Liz in Berkeley and told her I was coming home to write a possibly interesting dissertation about food, and she said, no, you re staying there to write a possibly interesting dissertation about Cuba. So I stayed, but I started to study anything about Cuba I wanted to. I ve now been in Havana for 11 months.

People who have read my field notes—the record of my research—say that I have "gone negative" on Cuba, perhaps unfairly so. They remind me that I am a negative person, and maybe that explains it. But I am convinced that I experience Cuba the way that (some? many? most?) Cubans do. I told Liz that one cannot know what to think about Cuba until one has been forced to buy a light bulb here—even if you have the money (for Cubans, that s a big "if"), you can spend several agonizing days crisscrossing the city to find one that fits into your lamp. Liz said people are dying of treatable diseases in Haiti, and I m angry about the difficulty of buying light bulbs in Havana? Ouch! I had to think about that all that day, but yes, people are dying in Haiti, and I m still mad about the light bulbs—or more exactly, the economic absurdity that light bulb buying throws into high relief.

The way I see it, most foreigners who write about Cuba can be lumped into one of two categories, those who want to come back and those who really, really don t. The former includes most academics, whose careers depend on having ongoing access to the people and things they study. These writers tend to tread lightly or focus on a single, relatively appealing aspect of Cuban life to avoid having to say anything too damning about the whole. People in the second category, many of whom are journalists, write about Cuba in an openly critical fashion, but by doing so they make it difficult (impossible?) to come back and learn more. With this "Diary," I join a tiny third category of writer-about-Cuba: people who are still here. Sitting right now at a laptop in central Havana. With a full day of agony behind me and still unsure where along the negativity scale I m gonna position this Diary. I will confess that I am a little afraid that—should my pen pour forth its poison—I ll get a visit from Cuban officials with news of my deportation or worse with handcuffs.

I just pictured my dad helping my mom up off the floor.

If you re lucky enough to be reading this from a country where the mainstream media can regularly liken the President to a chimpanzee (or where "The Fray" can call a Slate Diary writer a "fat pig" or tell her "I wanna bone ya!"), you may have trouble understanding how little dissent one can express in a place like Cuba and how terrifying it is to do so and how tempting it is to stop yourself short of what you really want to say, because you ve got at least six more months of research to do and a few free-lance articles maybe lined up, and you ve seen Midnight Express, and you ve heard there s not enough food in those Cuban jails.




Havana: o maior museu de automóveis a céu aberto do mundo

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