MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A Casa das 7 Mulheres: a história e a fantasia - por Coronel Cláudio Moreira Bento

Guerra dos Farrapos

A CASA DAS 7 MULHERES

(A História e a Fantasia)


por Cláudio Moreira Bento (*)


Gaúcho natural da Serra dos Tapes onde se encontra a cidade de Piratini e Canguçu, o seu distrito de mais perigo e mais “farrapo” durante a Revolução Farroupilha 1835-45 e, além, autor do livro O Exército Farrapo e os seus Chefes em 1991 e outros sobre o assunto, cabe-me fazer algumas considerações históricas sobre o magnífica minissérie A Casa das 7 mulheres da Globo que vem com traje de gala divulgando a Revolução Farroupilha, onde possui suas raízes a República Federativa do Brasil implantada há 114 anos.

A minissérie atende em seu miolo ou espinha dorsal, até agora, o desenvolvimento histórico da Revolução Farroupilha.

Mas como disse seu diretor Jaime Monjardin “ela possui 40% de História e 60% de fantasia”. E aproveitou um tema histórico e o vestiu de gala com toda a pompa e circunstância e de forma notável.

No tocante a Fantasia como elemento notável para atrair os tele espectadores e passar-lhes o essencial da História, usou recursos inexistentes na época e tudo, por conta da citada e louvável fantasia.

Exemplos: O uso de lenços vermelhos e brancos pelos farrapos e imperiais, um costume que remonta a Guerra Civil na Região do Sul 1893-95. O cenário lindíssimo dos Aparados da Serra onde a revolução não chegou. Luxo nas estâncias, casas e igrejas incompatível com aspecto espartano das mesmas do que a estância de Bento Gonçalves em Cristal-RS, hoje Parque Histórico em sua memória é um exemplo. Imperiais entrando a cavalo dentro de uma igreja quando os santos no Império eram mais respeitados que os próprios generais e a canção do Exército era a de N. S. da Conceição a sua padroeira. Era raro o uso de carroças e sim carretas. E não existiam carruagens que só aparecem em Pelotas por volta de 1865 .

Os Farrapos não possuíam uniformes conforme abordamos no livro citado e nem usavam bigodes. As casas não possuíam vidraças o que só apareceria mais tarde. Tanto que o Ministro de Fazenda Domingos de José de Almeida, mineiro de Diamantina, levava em suas viagens em sua carretinha, uma pequena janela com vidraças para instalar nos locais onde montava o seu escritório itinerante.

Aliás ele não foi ainda citado bem como os cariocas João Manoel Lima e Silva e José Mariano de Matos, oficiais com curso na Escola Militar do Largo de São Francisco.

E aos três se deve a idéia depois da vitória de Seival da proclamação da República Rio Grandense em 11 set 1836 em Campo do Menezes pela Brigada Liberal de Antônio Netto e composta de 4 esquadrões mobilizados em Piratini, Canguçu, Cerrito e Bagé .

João Manoel foi o primeiro general farroupilha e foi assassinado pelos imperiais em São Borja e de lá trasladado para Caçapava do Sul e ali espalhados seus ossos pelos campos por imperiais. Era tio do futuro Duque de Caxias.

José Mariano de Matos foi Ministro da Guerra Farrapo, vice presidente da República e seu presidente interino e autor do brasão farrapo e adotado desde 1891 pelo Constituinte Gaúcha. Ao fim da Revolução foi Ajudante General de Caxias na Guerra contra Oribe e Rosas 1851-52 e terminou como Ministro da Guerra do Império em 1864.

A minissérie exagerou nas tintas revolucionárias ao tratar do maior general do período, o sorocabano General Bento Manoel Ribeiro que assim foi defendido pelo grande Osvaldo Aranha.

“Bento Manoel, o grande farroupilha foi até certo ponto a figura mais caluniada da nossa história. Não lhe compreendiam as aparentes variações e transigências. Não lhe perdoavam o monarquismo destoante do espirito da Revolução. Investigações mais profundas permitiram resgatar a verdadeira figura moral do soldado. Bento Manoel é um dos maiores tipos do Rio Grande. Guerrilheiro e soldado, a sua fé de ofício não inveja a de ninguém. Lutou pelo Rio Grande sem nunca perder de vista a Integridade do Brasil”.

Concordamos com Osvaldo Aranha e na História da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada estamos abordando os argumentos em que ele justificou suas atitudes e que nunca foram ouvidos e considerados e sim abafados por este quadro popular no folclore gaúcho.

“Pode um altivo humilhar-se
pode um teimoso ceder,
pode um pobre enriquecer,
pode um pagão batizar-se
pode um avaro emprestar,
um lascivo confessar-se.
tudo pode ter perdão!
Só Bento Manoel não”

Lamento a abordagem exagerada da figura de Bento Manoel pela minissérie, que se reflete negativamente em seus descendentes que por ai se encontram, merecendo destaque o General Bento Ribeiro, hoje nome de um bairro no Rio e que como Chefe do Estado – Maior do Exército criou a celebre Missão Indígena da Escola Militar do Realengo (1919-1921).

Não sabemos em que fontes a minisérie buscou apoio, pois não vi ela referir-se a nenhuma delas o que me parece seria ético e justo que o fizesse, como homenagem a todos aqueles que com suas pesquisas possibilitaram os argumentos para Jaime Monjardin. Isto fortaleceria a democracia e o direito à propiedade intelectual. Fica o registro! Não chego ao ponto de alguns escritores classificarem esta ausência de referência a seu trabalhos de pirataria intelectual. Talvez a autora do romance A casa das 7 mulheres tenha feito em seu livro .

Em 1971 produzimos o livro A Grande Festa lanceiros focalizando a inauguração do Parque Histórico Osório em Tramandai e nele, em razão de replica do barco Seival ali colocado, resgatamos o feito épico do transporte dos barcos Seival e Farroupilha, da Lagoa dos Patos ao Atlântico. E junto as histórias de Garibaldi, Anita e do norte-americano John Crigs, esquecido na minissérie em sua grandeza e que atuou como construtor e comandante do barco Seival, em cujo comando encontrou a morte na batalha naval de Laguna. E mais os esquecidos lanceiros negros farrapos e seu líder o Cel Joaquim Teixeira Nunes, natural de Canguçu e considerado pelo General Tasso Fragoso como “a maior lança farrapa.”

Isto nos fez sugerir neste livro, então pela presença de Garibaldi, John Grigs e Anita, um consórcio cinematográfico Brasil, EUA e Itália para fazer um filme que hoje a minissérie esta fazendo com grande brilho que nos enche de orgulho .

A novela é magnífica. Os reparos correm por conta do tratamento injusto de Bento Manoel na minissérie e ela em seu excelente trabalho, não mencionar os historiadores que ajudaram a fazer o seu trabalho preservando a memória desta revolução .

E o que a Globo realizou é do agrado geral, menos para o descendentes do General Bento Manoel apresentado como um homem diabólico sem levarem em conta o quanto lhe devem a Unidade, a Soberania e a Integridade do Brasil e mesmo a expansão do Brasil no Sul de 1801 a 1828. Confirmar é obra de simples raciocínio e verificação!

E por último: A Revolução Farroupilha conforme demonstramos no livro citado foi feita pela guarnição do Exército do Rio Grande a maior da época, em apoio aos fazendeiros e charqueadores que integravam a Guarda Nacional que era comandada por Bento Gonçalves.

As 6 unidades do Exército que guarneciam a Província se revoltaram :1 de Infantaria, 1 de Artilharia e 4 de Cavalaria.

Bento Manoel e Bento Gonçalves eram oficiais de Estado Maior do Exército e vinham de comandar a Cavalaria de Rio Pardo e Jaguarão. Só o comandante do 2º RC de Bagé não se revoltou e o Ten Osório, hoje patrono da Cavalaria, aderiu a revolução e conduziu seu comandante até a fronteira.

Sintetizando a minisérie satisfaz a História em sua espinha dorsal e a fantasia no esplendor de suas imagens onde ressaltam gravuras da época de Porto Alegre e Rio Grande que conseguiram movimentar dando um impressão de realismo, acredito que por conta do gênio de Hans Donner. Vamos aguardar o que vem por ai e como Caxias o seu pacificador será tratado historicamente na minisérie em seu bicentenário de nascimento em 2003, ocasião em que lancaremos um livro Caxias e a Unidade Nacional o reverenciado como patrono da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.


(*) Cláudio Moreira Bento é Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul




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