MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

No centenário do Presidente Médici - por Jarbas Passarinho


No centenário do Presidente Médici

Jarbas Passarinho (*)

Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2005 - Opinião

No dia 4 de dezembro, se vivo, o general Emílio Médici faria 100 anos. Várias homenagens de admiradores cultuarão sua memória por todo o Brasil, homens de farda e civis, que nele agradecem o exemplo de vida de um grande patriota. Instado pelo Alto Comando do Exército, desambicioso, tudo fez para não suceder, em 1969, ao presidente Costa e Silva. Trouxe do Rio Grande uma proposta que defendeu sem êxito. Indicava dois parlamentares civis, que considerava ideais para assumirem a presidência e a vice-presidência, garantes da consolidação do regime. Vencido, exigiu a redução de meses do mandato proposto e condicionou sua posse à reabertura do Congresso.

Em seu discurso de posse anunciou que, ao cabo do mandato, entregaria o país redemocratizado. Iniciou o governo no auge da crise causada pelo seqüestro e posterior libertação do embaixador Elbrick, dos Estados Unidos, ao aceitar a junta militar as condições dos comunistas seqüestradores. Durante o seu mandato, enfrentou outros seqüestros e negociou as libertações, observando o precedente criado com a libertação do embaixador americano.

As guerrilhas, iniciadas em 1967, divididas em diversas facções, como de hábito das esquerdas, tinham entre as mais atuantes a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, que praticava, também, o terrorismo, e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), chefiada por um sargento na clandestinidade, a que se filiou o capitão desertor Carlos Lamarca. Todas — e não só essas — foram vencidas durante sua gestão, mas restava a do PC do B, no Araguaia, setenta combatentes rompidos com Moscou, China e Cuba, apoiados pela insignificante Albânia, o que o impediu de cumprir a promessa de entregar o poder aos civis.

Bem disse Prestes que a aventura da luta armada tudo que causou foi a continuação do regime autoritário. Por haver desbaratado as guerrilhas urbanas, tem sido Médici alvo da ira que lhe devotam os remanescentes então vencidos. Tudo fazem para manchá-lo com a pecha de ordenador de torturas, que teria sido a razão de sua vitória. Mentira. De grande importância é salientar que as guerrilhas comunistas jamais obtiveram o apoio popular, condição essencial que lhes faltou.

A tortura, que foi sempre política de Estado dos países comunistas, de Lênin a Fidel Castro, nunca foi política de governo do presidente Médici. Eu tive prova disso em um caso de que lhe dei conhecimento. Imediatas providências foram tomadas. O embaixador Mário Gibson Barbosa, em seu livro de memórias "Na diplomacia", o traço todo da vida, relata que, em duas reuniões do Conselho de Segurança, presentes todos os ministros de Estado, os chefes do EMFA, SNI, e dos estados maiores das três forças singulares, "o presidente Médici declarou, em termos inequívocos, não admitir que se torturasse. Os nossos estão morrendo e têm o direito de revidar com as armas. Mas prender alguém, para depois submetê-lo à tortura, é um ato ignóbil. Proíbo, terminantemente". Sirvo-me de seu testemunho de homem íntegro e altivo. Jamais Mário Gibson Barbosa cederia à inverdade ao relatar um fato histórico que viveu.

A política econômica do governo Médici logrou excelentes resultados, até hoje não igualados. A dívida externa líquida era de US$ 6 bilhões e as exportações de mais de US$ 6 bilhões, traduzindo os melhores índices de solvência. Uma fração própria, 0,9, que, hoje, infelizmente é superior a 2,5. Significa que o pagamento da dívida podia ser feito em menos de um ano de exportações. Havia pleno emprego. Prova-o o testemunho insuspeito do hoje presidente Lula, em depoimento ao historiador Ronaldo Costa Couto, em 1997,constante do livro "Brasil:1964-1985", em que louva o resultado da política econômica : "Naquela época, se tivessem eleições diretas, o Médici ganhava. Era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora que a gente queria".

O Brasil alcançava a oitava economia do mundo e o povo aplaudia o presidente Médici, até no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, afeiçoado que era ao futebol. Desprovido de rancor, não cassou um único parlamentar, a despeito dos insultos soezes que lhe dirigiram das tribunas do Parlamento ou fora dele, em comícios de estudantes na Universidade de Brasília. Nenhuma represália sofreram os insultadores habituais, nem a Universidade, que um ano antes de sua posse fora invadida. Mesmo os estudantes oposicionistas só sofreram a pena de suspensão escolar, quando militantes leninistas de partidos dedicados à luta armada para a conquista do poder. Puniu desonestos, como o governador do Paraná, por ele antes nomeado. Exemplar na conduta ética, quando decisão governamental permitiu aumento de preço de cavalos, o presidente, que tinha uma estância em Bagé, proibiu a venda dos seus até que o preço voltasse a baixar. Tendo amigos com aplicações no Banco Sul Brasileiro e na sua administração, não interferiu na liquidação do Banco, feita pelo ministro Delfim Netto. Prova do homem impoluto, que o poder não corrompeu.

Compreende-se que, nos ominosos tempos atuais, dos esquerdistas que chegaram ao poder (ajudados pelos antigos bajuladores dos presidentes militares), tenha sido o presidente Médici escolhido para ser o vilão da história recente. É o preço que paga o patriota, honrado e ético, o vencedor sem ódio, que impediu se transformasse o Brasil num satélite de Fidel Castro, o herói de muitos que se acham ou se acharam agora no poder.


(*) Coronel Reformado do Exército, ex-ministro de Estado, governador e senador.





Fichamentos feitos por mim de "História Oral do Exército - 31 de Março de 1964", em 15 volumes, editado pela Bibliex, 2003:

Médici, um exemplo de cidadão e de militar

“Sempre cito um fato, para comparar o que hoje existe por aí: certa vez, necessitávamos de aumentar o preço da carne, que estava congelado. (...) Pois bem, havíamos congelado o preço da carne, devido a uma dificuldade de suprimento, ‘bateu no teto’ e tivemos que pedir para mexer no preço da carne. O Presidente ficou um pouco triste, mas disse: ‘vou decidir isso daqui a uns dias, não quero tomar decisão agora’. Dois dias depois me telefonou o Dr. Leitão e falou: ‘o Presidente autorizou você a liberar o preço da carne’. Aí, fiquei curioso para saber o que tinha havido e o Leitão me disse que ele mandara vender os bois que tinha para não se aproveitar do aumento do preço da carne. Isso devia servir de exemplo” (Deputado Federal Antônio Delfim Neto, Tomo 5, pg. 158-159).

“Realmente, a crítica mordaz e injusta dos contrários está sempre presente. Mas eu pergunto: ‘Por que um presidente que assumiu contra a sua própria vontade, que reduziu em quase dois anos seu mandato e que não admitia que se falasse em continuísmo, ia precisar de uma máquina para exaltar sua pessoa? Será que um presidente com essas características precisaria de um Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) de Getúlio Vargas para segurá-lo  no poder por 15 anos?’ ” (Engenheiro Roberto Nogueira Médici, Tomo 14, pg. 193).

 

“Em tempos de guerra, não existe imprensa livre”

“No governo de meu pai [Presidente Médici], havia uma guerra a ser vencida e, em tempos de guerra, não existe imprensa livre. Não existe nação, por mais democrática que seja, que não imponha censura à imprensa em tempo de guerra.

A relativa liberdade que os americanos deram à mídia, durante a guerra do Vietnam, foi, em grande parte, responsável pela derrota que amargaram. Já na Guerra do Golfo, nada, nenhuma notícia, fugia do controle militar” (Engenheiro Roberto Nogueira Médici, Tomo 14, pg. 196).


Médici converteu, pelo menos, um comunista...

“No Governo Emílio Garrastazu Médici, a presença do Presidente na televisão era como um calmante: de fala pausada, sincero, honesto, correto. Quero contar um fato, breve. Na época, como diretor do Departamento de Obras da Universidade Federal do Ceará, eu estava com um projeto de expansão do campus universitário e viajava sempre a Brasília. Numa das viagens, a meu lado, no avião, um jovem de aproximadamente 20 anos foi logo puxando conversa, dizendo que era estudante, líder estudantil, comunista convicto. Mas, ao ver e ouvir o Presidente Médici na televisão, acreditou nele e mudou radicalmente de convicção política” (Major Geraldo Nogueira Diógenes, tomo 12, pg. 231).

“O Presidente Médici tornou-se simpático, também, ao poro, pelo hábito de assistir aos jogos ouvindo o radinho de pilha. Porém, a guerrilha e a perturbação da ordem levaram-no a agir com máo-de-ferro, razão por que o pessoal da esquerda chama o seu período de governo dos ‘anos de chumbo’. Para mim, ‘anos de ouro’, anos do milagre brasileiro. E se os terroristas sofreram, foram perseguidos, os cidadãos comuns, todos aqueles que trabalhavam pela grandeza, pelo crescimento do País, experimentaram um período de prosperidade” (Tenente-Coronel Affonso Taboza Pereira, Tomo 12, pg. 222).

“Certa vez, quando acompanhei o Presidente Médici e o General Sardenberg ao Maracanã, em dia de jogo, pude ver oitenta mil pessoas, de pé, o estádio inteiro, aplaudindo o Presidente. Hoje, onde se poderia ver algo parecido? Atualmente, se o Presidente da República for anunciado no Maracanã, certamente será vaiado. É uma prova, quer queiram quer não, da popularidade do Presidente Médici” (General-de-Brigada Flávio Oscar Maurer, Tomo 8, pg. 312).

Obs.

Palavras proféticas: em 2007, o Presidente Lula da Silva foi vaiado durante a abertura dos Jogos Pan-americanos, no Maracanã – cfr. em https://oglobo.globo.com/esportes/lula-vaiado-quatro-vezes-nao-faz-abertura-do-pan-4171774.

A Presidente Dilma também foi vaiada, durante a abertura da Copa das Confederações, no Mané Garrincha, em Brasília, em 2013 – cfr. https://oglobo.globo.com/brasil/dilma-vaiada-na-abertura-da-copa-das-confederacoes-8701173.

F. M.


Atentado contra o Presidente Médici

“Passei cinco anos muito próximo dele [Presidente Médici], como chefe da sua segurança. Ia ser o chefe dos ajudantes-de-ordens, mas um dia me chamou, na época em que começaram os atos terroristas, e disse:

- Eu quero que você seja o meu Chefe de Segurança, cuide da minha família. Você aceita?

- General – respondi – aceito trabalhar com o senhor, a função o senhor estabelece.

Foi realmente um período muito difícil, porque ocorreram as tentativas de sequestro da Dona Scylla; fui alvejado com um tiro, no meu carro, na inauguração da Estrada Curitiba-Blumenau; um atentado à bomba contra o Presidente, numa viagem a Porto Alegre, mas essa bomba não funcionou, era um artefato de fabricação caseira. Esses e outros incidentes deixavam o General preocupado, sobretudo com as noras dele e com a esposa D. Scylla que ainda é viva, tem 92 anos e está lúcida. Recentemente falamos ao telefone e ela me pediu que fosse visita-la. Na minha próxima ida ao Rio irei visitar D. Scylla, é uma pessoa muito querida para mim.

O General Médici, quando assumiu a Presidência naquelas circunstâncias, fez um pronunciamento no qual disse esperar, ao final do seu mandato, que a vida política estivesse reconstituída no Brasil. O General, novo Presidente, mostrava, como os outros dois, a intenção de normalizar a vida política do País.

Infelizmente, sobreveio a guerra revolucionária no Brasil. Fui testemunha de um episódio na saída de uma reunião dos ministros com o Presidente, quando ele se virou para o Ministro João Leitão de Abreu, seu Chefe da Casa Civil, e disse:

- Eu não tenho mais tempo para fazer a abertura, fica para o outro” (Coronel Luiz Carlos de Avellar Coutinho, Tomo 7, pg. 185).


Geisel teria aceitado ser candidato a Presidente da República se Médici mantivesse o AI-5 em vigor

“O nome Geisel só foi confirmado depois de [Médici] certificar-se, pela palavra de seu Chefe da Casa Militar, General João Figueiredo, do seu afastamento do General Golbery. Sempre teve desprezo por esse oficial e dos artifícios que usava para estar sempre ao lado do Poder. Desprezo que evoluiu para asco cívico depois que esse senhor, após ter criado e dirigido, no Governo Castello Branco, o Serviço Nacional de Informações, que lhe a oportunidade de conhecer o direito e o avesso de todos os homens importantes desse País, ter tido o despudor de colocar essas informações a serviço de uma multinacional. De ter tido a coragem de ser um mandante remunerado, um abridor de portas da Dow Chemical. Mercadejando um produto que não lhe pertencia, a dignidade de um oficial do Exército Brasileiro.

Sabedor da influência que Golbery exercia sobre Geisel, não queria correr o risco de vê-lo na futura equipe de governo. Eliminada essa possibilidade, pois para meu pai, que acreditava em honra militar, era inconcebível que um general Chefe da Casa Militar pudesse mentir ao seu presidente, comunicou pessoalmente ao Geisel a intenção de indica-lo ao Congresso como candidato do Governo à presidência da República que, sem impor nenhuma condicionante, de pronto aceitou. Comunicou sua decisão aos chefes militares e a sua liderança política o pedido de que respaldassem. Geisel a partir de então, até pelo prestígio de quem o indicava (meu pai terminou o governo com 82% de aprovação), já era o futuro presidente do Brasil. Quando, a pedido do meu pai, o Dr. Leitão de Abreu, seu Chefe na Casa Civil, foi ao encontro de Geisel formalizar o convite e oferecer os préstimos do governo, este, para surpresa e estupefação do enviado, declarou: ‘Só aceito com o AI-5 em vigor.’ A meu pai só cabia curtir a traição. Já não tinha mais espaço de manobra para articular outra candidatura.

Quando mais tarde Geisel anunciou seu ministério e nele viu figurar Golbery e João Figueiredo, soube com amargura que também tinha sido traído pelo seu Chefe da Casa Militar. Ficou, então, sabendo que Geisel precisava do AI-5 para remunerar Figueiredo por serviços prestados. Para impô-lo como seu sucessor. E como foi generoso e agradecido. Deu-lhe um mandato de 6 anos. Mais uma vez a troika - Geisel, Golbery e Figueiredo - que havia, por amor desmedido ao Pooder, contribuído substancialmente para afastar o Governo Castello Branco dos objetivos da Revolução de 1964, assumia novamente as rédeas do Movimdento e mais uma vez postergava o retorno do País à democracia. Agora, para enxovalhá-lo e manchar o prestígio das Forças Armadas que até hoje sofrem as consequências de um desengajamento que poderia ter sido honrado e vitorioso, mas que foi uma vergonhosa debandada.

Geisel, com o ‘Pacote de Abril’, se proclamou em Assembleia Constituinte. Fechou o Congresso Nacional, criou o ‘senador biônico’, cassou um senador e, para dar maioria no Congresso ao partido que dava sustentação a seu governo, deu maior peso político aos Estados do Nordeste e do Norte, subvertendo completamente a representação dos Estados na composição da Câmara dos Deputados. A sociedade viu que estava à frente de um presidente arrogante que, jogando fora o esforço de pacificação do governo anterior, usava a força para humilhar e impor sua vontade. Por outro lado, a determinação de fazer Figueiredo seu sucessor agitou o quartel. O nome de Figueiredo não era bem recebido e a violência para impô-lo, como as demissões do Chefe da Casa Militar, General Hugo de Abreu, e do Ministro do Exército, General Sylvio Frota, quebrou a unidade da Corporação. Quando Figueiredo assumiu, a Revolução de 1964 já era repudiada pela sociedade civil e pleos militares idealistas que não se deixaram amolecer pelos anos de Poder. Queriam, no mais breve espaço de tempo, desvincular as Forças Armadas de um governo que estava sujando sua imagem. Só restava a Figueiredo a retirada. Sua Lei de Anistia não foi um ato de clemência de um vencedor, mas um gesto obrigatório e encabulado de quem sai pela porta dos fundos. Fou mais uma ata de rendição. Por isso mesmo, até hoje, só protege os que se opuseram à Revolução” (Engenheiro Roberto Nogueira Médici, Tomo 14, pg. 199-200).

Obs.:

No livro “Ernesto Geisel”, publicado pela Editora Fundação Getúlio Vargas, 5ª. Edição, 1998, à pg. 233, Geisel desmente a versão de que teria imposto a continuação do AI-5 para ser Presidente:

“Há tempos, depois de o Médici já ter morrido e eu já estar fora da presidência da República, no governo Sarney, o Jornal do Brasil revolveu ouvir algumas ex-primeiras-damas. E aí apareceu a senhora do Médici, uma senhora muito distinta, muito retraída, com a história de que o Médici, no fim do governo, queria acabar com o AI-5, queria normalizar a situação, e que eu me opus, declarando ao Médici que, nesse caso, eu não assumiria a presidência da República. Isto tudo é uma grande inverdade. Houve uma tentativa no governo Médici, feita pelo Leitão de Abreu. O sr. Huntington, cientista político americano, em visita ao Brasil, conversou com o Leitão de Abreu sobre as possibilidades de normalização do país, sem que obtivesse resultado prático. Depois, quando eu já era presidente, ele esteve uma ou duas vezes com o Golbery também para tratar do mesmo problema. Também não deu em nada. O que eu posso afirmar é que essa conversa em que o Médici teria manifestado o desejo de acabar com o AI-5 e que eu me teria oposto não existiu”.

Verdade ou não, Geisel utilizou o AI-5 com gosto, até 13 de outubro de 1978, quando foi extinto, quase no final do seu governo, que se estendeu de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979.

F. M.


Desengajamento: hora de “desmontar do tigre”

“Já se dava uma desmobilização grande, quando aconteceu a primeira ocorrência, em julho de 1966, o atentado no aeroporto de Guararapes, em Recife, tentando vitimar o candidato Costa e Silva. Morreram um almirante e um jornalista, além da existência de vários feridos graves, entre eles, o Coronel Sylvio, mais tarde General, que ficou com o corpo cheio de estilhaços.

Por que eles nunca se preocuparam com a atentado de Guararapes como fazem em relação ao Riocentro? Isso não demonstra ‘revanchismo’ [entrevistador]?

Pois sabe o porquê? Não houve punição. O inquérito conduzido pela Aeronáutica – o atentado ocorreu dentro do aeroporto – foi muito malfeito. Apesar disso, na prática, soube-se quem foi o responsável. O terrorista errou ao confiar demais no operário bombeiro que fez o dispositivo: um cano de duas polegadas, para encher de explosivo. Visitou-o três vezes. Quando aconteceu a explosão, e os jornais começaram a noticiar, o bombeiro apresentou-se na Aeronáutica para confessar o que sabia, e apontou o engenheiro Ricardo Zaratinni.

Hoje, o pessoal de esquerda tenta inocentar o Zaratinni, mas foi ele” (General-de-Brigada Hélio Ibiapina Lima, Tomo 2, pg. 182).

“As manchetes dos jornais de 15 de dezembro de 1970 reproduziam frases do discurso do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Alfredo Souto Malan, preconizando o que chamou de ‘o desengajamento controlado das Forças Armadas de outras atividades que não fossem as de soldado, e o advento de um Brasil democrático, forte e livre’. Estávamos no segundo ano do Governo Médici, nos, agora, cognominados, por importação do francês, ‘anos de chumbo’.

(...)

A idéia do ‘desengajamento controlado foi mais tarde reproduzida por Golbery, com o nome de ‘distensão, lenta e segura’. É a mesma coisa. Tratava-se de desmontar do tigre, sem ser por ele devorado.

Ullysses Guimarães, em 1964, fora co-autor de um projeto de Ato Institucional que previa cassações por 15, em lugar de 10 anos. Em 1970, na oposição, líder do MDB, exasperava-se: ‘Enquanto houver cachaça, samba, carnaval, mulata e campeonato de futebol, não haverá rebelião no Brasil. O Corinthians segura mais o povo do que a Lei de Segurança Nacional’. Existe mesmo um desabafo do ex-Capitão Lamarca, terrorista em fuga para a Bahia: ‘Há três anos o Brasil está crescendo a 10%, ao ano, e a esquerda foi a última a saber’. Tudo isso está registrado em livro do brasilianista Thomas Skidmore [BRASIL – De Castello a Tancredo, Editora Paz e Terra, 1988 – Traduzido do original em inglês The Politics of Military Rule in Brazil – 1964-1985].

Quanto ao cidadão comum, perguntava ele: ‘Se está dando certo, para que mudar?’; e não se aceitava a resposta de ser quando tudo está dando certo é que é a hora de mudar. Quando a situação está ruim, não se pode. Naquele momento, era hora de ‘desmontar do tigre’. Se deixar o tigre com fome, ele nos devora. Aliás, a demora em desmontar vai-nos fazer perder bons nacos de carne abocanhados pelas jaguatiricas revanchistas.

(...)

Médici, em depoimento prestado a um jornalista, pouco antes de falecer, disse que não teria sido viável ser sucedido por um civil, porque ainda havia a subversão. Realmente, a guerrilha de Xambioá não havia sido debelada. Embora em História seja difícil falar-se em hipóteses, é possível que a luta contra as esquerdas armadas pudesse ter sido ultimada sob um presidente civil, com forças policiais, desonerando o Exército desse ônus. Afinal, a subversão nunca conseguiu o apoio da população, que via, na ordem, a garantia do bom estado da economia.

O Presidente tinha um prestígio imenso. Sua figura inspirava respeito, parecia um grande patriarca. Que presidente arrisca-se a ir ao Estádio do Maracanã? Nenhum, só o Médici. Pediram-lhe um palpite sobre o resultado do jogo contra a Itália, pela decisão da Copa do Mundo de futebol de 1970, e ele acertou a vitória do Brasil por 4 a 1. Tinha o dom que Napoleão dizia ser indispensável aos generais: sorte.

É preciso restaurar essas verdades, contrapondo-as ao constante fustigamento à memória do Presidente Médici. Quanto ao desengajamento, perdeu-se a oportunidade, e nada mais há que fazer, senão melancolicamente, registrar essa perda” (Coronel Luís de Alencar Araripe, Tomo 2, pg. 236-237).

“O Presidente Médici durante todo o seu mandato foi amado pelo povo, o que até adversários da Revolução reconhecem. Só não foi amado pelos terroristas, guerrilheiros e elementos que os apoiavam – uma minoria sem nenhuma expressão no contexto nacional. Pelo povo trabalhador, diligente, que dá duro e ganha pouco na luta pela sobrevivência, o Presidente Médici era muito querido.

No entanto, depois de tantos e tão expressivos acertos, não posso deixar de consignar o seu grande e único erro: deveria ter passado o Governo para um civil, entregaria o Governo com a casa arruada, com o PIB crescendo a mais de 10% ao ano, com a inflação de 15% ao ano, inflação que viera dos 400% ao ano, no tempo do incompetente Jango Goulart; passaria a um civil, um País que se transformou totalmente naqueles dez anos – 1964 a 1974.

Ernesto Geisel recebeu a casa arrumada mas, como dizia o meu amigo Ministro Frota, sendo ele um socialista disfarçado, criou 254 empresas estatais. Além disso, fez-se acompanhar daquele que fora o ‘anjo mau’ do Castello Branco – Golbery do Couto e Silva. O retorno do Golbery ao Governo, aquele homem que conheci coronel no QG da ID 4 – Infantaria Divisionária da 4ª. DI -, ‘exilado’ do Rio de Janeiro e aceito pelo meu pai em Belo Horizonte. A sua ‘expulsão’ do Rio de Janeiro teve como causa o episódio do discurso do Coronel Bizarria Mamede, discurso que teve uma repercussão enorme, no enterro do General Canrobert Pereira da Costa, Presidente do Clube Militar” (Coronel Henrique Carlos Guedes, Tomo 3, pg. 267).

“Em vez de realizar um trabalho de peso para que a democracia fosse reforçada nas universidades, fortalecendo a cátedra democrática, procurando penetrar nos diretórios estudantis – todos comandados por comunistas -, dificultando, de forma inteligente, a ação livre do MCI no ensino superior, o ‘intelectual’ fez ao contrário, tornou a universidade uma ‘área liberada’ de todas as correntes comunistas – marxistas, trotskistas, maoístas. Médicos, engenheiros, professores, advogados, jornalistas etc. nas universidades do Governo, foram formados por professores quase todos marxistas. E, ainda, inventaram a profissão de sociólogo. O que faz um sociólogo? Tudo é um artifício para difundir o marxismo, abertamente, e com o aval de serem diplomados” (Coronel Henrique Carlos Guedes, Tomo 3, pg. 269-270).

“Alguns elementos, principalmente da mídia, procuram caracterizá-lo [Presidente Médici] como um ditador impiedoso, carrasco, torturador. Muito ao contrário, era um homem afável, de boníssimo coração e que prestou inestimável serviço ao País. Sua popularidade era tão grande que um fato ocorrido com ele jamais aconteceu com outra autoridade no Brasil. Ao assistir a um jogo de futebol entre o Vasco e o Flamengo, no Rio de Janeiro, por dificuldades de trânsito, chegou uns dez minutos depois de iniciado o jogo. Quando entrou no estádio, na Tribuna de Honra, ao anunciarem o seu nome, todo o estádio se levantou e, de pé, o aplaudiu entusiasticamente” (General-de-Brigada Luciano Salgado Campos, Tomo 4, pg. 76).

“Devíamos ter entregue [o Poder] em 1974. Deram-se mais cinco anos e depois mais seis. Estou convencido de que a conjuntura internacional, então, já era completamente diferente e, digamos assim, o regime militar, o regime autoritário, caiu de moda. Caiu de moda na verdade. Foi um instrumento importante, mas produziu um cansaço. Não tinha mais condição daquilo funcionar, principalmente depois da crise mundial de 1982. Essa crise, digo e repito, já disse aqui, foi de tal profundidade que se permitiu dizer o seguinte: os ‘marqueteiros’, os manipuladores de opinião, conseguiram convencer o Brasil de que a crise era brasileira, de que a crise era do Governo brasileiro. Quer dizer, quem levou o mundo ao default foi o Brasil, falso absolutamente. O Brasil foi arrastado no default, mas a crise era mundial. Eu digo, os Estados Unidos tiveram uma recessão poderosíssima porque, veja, a taxa de juros americana era de 21%. Se falar isso para alguém hoje...

As pessoas pensam que foi o Gorbatchov que acabou com a União Soviética. Nada. Quem acabou com ela foi a recessão de 1982. Em 1982 ficou claro: quebrou a Polônia, quebrou a Romênia, quebrou a Bulgária, quebrou a União Soviética. Quer dizer, depois daquilo, a URSS era uma máquina faltando engrenagem. O Gorbatchov só veio para completar. Quem acabou com o mundo chamado comunista foi a recessão capitalista de 1982, que desintegrou tudo aquilo. Uma das coisas mais fantásticas é você ver a esquerda – claro que há exceções – na média, é de uma ignorância monumental. O susto com a esquerda não é o seu programa, é a ignorância com que eles pensam que vão implementar o programa. Então o que acontecia? As pessoas criticavam o Brasil: ‘vocês viram? Estão se endividando’.

O caso brasileiro era uma coisa... Em 1974, o Brasil tinha 12 bilhões de dólares de dívida, tinha reserva de 6 bilhões e exportava 6 bilhões, ou seja, a dívida era um ano de exportação. Hoje, a dívida é quatro anos de exportação, cinco anos – já foi até mais. Mas, os países da União Soviética, que usavam a Rússia como paradigma, estavam se endividando ainda mais e eles não tinham conhecimento disso. É uma coisa deliciosa ler, hoje, os documentos que escreveram naqueles anos, porque mostra que eles não tinham o menor conhecimento do que estava se passando e, na verdade, foram adquirindo esse conhecimento ao longo desses anos” (Deputado Federal Antônio Delfim Neto, Tomo 5, pg. 163).

“O desengajamento foi lento e gradual, conforme queriam os teóricos Jda Revolução. Pena que as transformações necessárias no campo político não chegaram a realizar-se. As cassações foram casuísticas e os políticos que apoiavam a Revolução, na sua maioria, eram fisiológicos e aproveitadores das vantagens de estarem próximos do Poder. Infelizmente, os governos que se seguiram ao ciclo revolucionário caracterizaram-se pela incompetência, despreparo e corrupção. Isto era mais ou menos previsível mas não se esperava esta desqualificação nos níveis apresentados. Não concordo com alguns chefes militares entrevistados na pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, que consideram que a Revolução deveria ter acabado antes. Nem aceito o continuísmo daqueles radicais que pretendiam o regime autoritário para sempre” (General-de-Divisão João Carlos Rotta, Tomo 8, pg. 152).

“Progressivamente, houve o fechamento do Poder, promovido por aqueles grupos quem não interessava qualquer mudança que comprometesse seus privilégios.

Reagiram contra a abertura aqueles que desfrutavam de vantagens, facilitadas pela grande latitude atribuída ao exercício do Poder, às vezes sem freios, contenções e limites. Para defender seus interesse se fecharam em torno do Presidente Médici, sem admitir abertura. Para se ter uma ideia, durante o Governo Figueiredo, já sem a égide do AI-5, eu, um simples General, conversando com um Secretário de Estado da Bahia, na Ilha de Itaparica, ouvi da parte dele:

- Vocês não podem abrir, não podem entregar o Poder. Vocês têm é que fechar, senão perderemos tudo o que foi conquistado.

Quanto mais se fecha, mais difícil fica para se promover uma abertura no sentido da institucionalização democrática. O Presidente Médici não teve a felicidade de fazer o que ele poderia ter feito e, lamentavelmente, é estigmatizado – há uma distorção da sua imagem – só porque teve sucesso no combate ao terrorismo” (General-de-Brigada Egêo Corrêa de Oliveira Freitas, Tomo 8, pg. 227).

Félix Maier





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