MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

As mentiras da minissérie JK - por Hélio Fernandes


As mentiras da minissérie JK

Hélio Fernandes, Tribuna da Imprensa, 20 Fev 2006

Nem estadista, nem democrata, nem desenvolvimentista, só rotina

Até agora tenho me reservado a assistir pedaços estraçalhados da história brasileira a partir de 1956, posse de Juscelino. As incursões da minissérie da Globo, a períodos anteriores, são medíocres como espetáculo, lamentáveis como show, vergonhosos como reconstituição histórica. As falhas são tão grandes que não posso mais me omitir.

Parece que a intenção dos autores, diretores e produtores da minissérie é mostrar que Juscelino, desde que se formou em medicina, só se relacionou com gente da pior qualidade intelectual. E na verdade, em Minas, esse foi um dos períodos mais ricos em personalidades. Mas os que aparecem contracenando com JK lembram o que Tancredo exatos 30 anos depois identificava como habitantes de "grotões e igarapés". E todo o resto que dizem de Juscelino não tem a menor inspiração, credibilidade, criatividade, autenticidade.

Vou desmontar rapidamente tudo o que dizem. "Foi adorado pelo povo, que o consagrou". Ora, Juscelino teve apenas 36 por cento dos votos, um terço seja de que total for. Isso é consagração? Passam o tempo todo agredindo duramente Carlos Lacerda, tentando desmoralizá-lo, sem a menor base. Esqueceram ou não sabem mesmo que Lacerda passou quase todo o ano de 1956 no exterior. Voltou em 1957, Juscelino tentou cassar seu mandato de deputado federal.

A tentativa de cassação do mandato de um adversário não revela nem identifica um democrata. E o fato de ter sido derrotado, apesar de ter na Câmara esmagadora maioria, deixa claro que não tinha liderança política. Os trogloditas da minissérie, e são muitos, na verdade apaixonados pela Globo, não enxergam nem o óbvio, querem esculpir a estátua de cera de JK em 6 pontos.

1 - Cinema Novo.

2 - Bossa Nova.

3 - Indústria Automobilística.

4 - Estadista.

5 - Vitória na Copa do Mundo.

6 - Democrata.

Tudo falso e sem legitimidade.

Bossa Nova, Copa do Mundo de 1958 e Cinema Novo, produto do talento brasileiro, que explodiu circunstancialmente. O cinema e a música surgiram de movimentos isolados, sem qualquer participação de JK. A primeira Copa do Mundo, a união de jogadores e jornalistas que revolucionaram e modificaram o que estava estabelecido. E a participação de João Havelange, que mandou uma delegação com médico, dentista, nutricionista, psicólogo, cozinheiro. Isso se repetiria várias vezes. JK jamais foi a um estádio de futebol.

A indústria automobilística não teve nada a ver com JK, é assombrosa tanta ignorância. Por questões econômico-financeiras, os empresários americanos "descobriram" que era melhor montar automóveis nos mais diversos países do que exportá-los. Vieram para o Brasil como "montadoras", só existiam automóveis nos EUA. Isso, nada a ver.

Estadista e democrata JK nem sabia o que era. Sua obsessão se esgotava na mudança da capital, transformando Brasília na mais bonita e na mais cara capital do mundo. Arruinou o País por 50 anos em 5. Para quem acredita que JK foi um grande democrata, posso desmentir, porque vivi todos esses momentos. Mas não vou me basear no conhecimento do repórter.

A coluna intitulada O Globo há 50 anos reproduzia no sábado, anteontem: "O vice-almirante Benjamim Sodré encontra-se preso sob palavra, por 5 dias, em sua residência. A ordem de prisão foi transmitida pelo ministro da Marinha, almirante Alves Camara. A medida foi tomada por causa da entrevista que aquela alta patente concedeu ao vespestino Tribuna da Imprensa, criticando o ministro da Guerra, general Teixeira Lott". Como o presidente é sempre o comandante das Forças Armadas, é lógico que a ordem tem que ter sido ordenada ou referendada por Juscelino.

E na mesma coluna de sábado, desse mesmo O Globo há 50 anos, há mais e muito mais grave: "Constava, às últimas horas da noite de ontem, em esferas políticas da maior responsabilidade, que o governo voltaria a pedir ao Congresso a decretação do estado de sítio". Tudo textual.

PS - JK sabia pouca coisa. Mas sabia que outro mineiro, Artur Bernardes, governou 4 anos (de 1922 a 1926) com o País em estado de sítio. JK não conseguiu, mas pretendia, está no Globo.




JK, um faraó bossa-nova

Luís Antônio Giron

www.digestivo.cultural.com

Segunda-feira, 6/2/2006

O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) voltou à boca do povo depois de décadas de hibernação. A série JK da Globo faz sucesso na televisão e incentiva o lançamento de livros sobre aquele que é tido hoje como o melhor dos estadistas que o Brasil já teve. É uma oportunidade para rever e reinterpretar o passado brasileiro. Será que JK foi tudo isso que a série e os livros mostram ou mais uma vez a gente embarca na ilusão de ter sido um povo feliz?

Até o retorno da História por meio da novela, as massas identificavam a sigla JK como propriedade da escritora escocesa JK Rowling, a bilionária autora de Harry Potter. Os brasileiros, graças à TV, restituíram à pátria a sigla sagrada. Que povo heróico! Agora JK passa a ser JW, pois será interpretado em sua fase madura pelo galã cearense José Wilker. Wagner Moura, o ator cult baiano, viveu Juscelino romântico de Diamantina, das serestas e das conquistas no mundo encantado da mineiridade. O novo modelito de JK, o do monumento inaugurado em 1985, o do sorriso acenando do alto de uma escada de avião, ganha um pouco do travo amargo das interpretações de Wilker, um grande ator que já fez vários mitos brasileiros nas telas, de Tiradentes a Antônio Conselheiro. O Juscelino real parecia mais cordial e cândido que JW. Mas vá lá, o que importa é a diversão. E História hoje no Brasil é isto: entretenimento, lazer, religião de consumo, porque nem os fatos escapam da centrífuga ficcional que converte seres históricos em heróis de folhetim.

Diga-se em defesa da nossa gente: o Brasil não é o único país onde os governantes do passado se convertem em galãs de novela. Alemanha, Estados Unidos, Rússia e tantas outras nações se deliciam em tornar indivíduos com defeitos e virtudes em heróis inquestionáveis. O que nos distingue das outras culturas é a visão redentora e otimista, o modo ingênuo como lidamos com o passado. Adoramos escamotear os pontos negativos, para assim cultuarmos mais e melhor nossos ídolos. E muitas vezes biltres voltam do mundo dos mortos revestidos de um título reluzente de pai da pátria. Não, não é o caso de JK, de fato um dos maiores presidentes do Brasil, o construtor de Brasília e do projeto de interiorização do Brasil, homem de reputação ilibada que morreu pobre e alijado do processo político, mártir da ditadura, vítima de um acidente de carro na Via Dutra até hoje revestido de mistério.

Há muitas questões ainda a ser levantadas em torno das circunstâncias factuais de vida e morte e em relação a uma reinterpretação do legado de um governo político. No Brasil, porém, a ausência de maior formação intelectual ou simplesmente a pressa leva os escritores e sábios a preferir a ficção à análise, o folhetim ao exame mais aprofundado dos fatos. Basta mencionar um dos lançamentos recentes em torno do vulto pátrio: o romance Bela Noite para Voar (Relume Dumará, 2005, 176 págs.), do escritor mineiro Pedro Rogério Moreira. O subtítulo da obra é bizarro: "Um folhetim estrelado por J.K.". Mas não deixa de pegar a onda atual, de converter JK em galã. Pelo menos parece que não é um galã canastrão. O romance de Moreira, de 50 anos, não tem nada de ruim. Na verdade, JK é pretexto para o escritor estreante voar pelos céus da juventude e relembrar ícones e amores passados – um pouco à maneira de Umberto Eco no magnífico romance A Misteriosa Chama da Rainha Loana (Record, 2005, 456 págs.). A exemplo de Eco, o retorno ao ontem ganha ares de fantasia desenfreada, tudo misturado à descoberta da sexualidade e à força que certos personagens exercem sobre mentes primaveris – e que vincam uma geração para sempre. No caso, o fascínio pela aviação, que dominou a infância do autor e era uma das manias de JK, voar sob qualquer pretexto. Mas o que interessa aqui é citar o "método" de Moreira para formatar o livro: "Pretendo remexer na rebeldia que caracterizou toda uma geração de aviadores militares brasileiros na década de 1950. Remexer, mas não estudar. Isto é tarefa para historiadores..."

O problema é que a mania de remexer hoje virou rotina entre os historiadores – ou, como preferem ser chamados, "novos historiadores" –, dramaturgos, roteiristas de TV e cronistas em geral. Trata-se de um modo de escamotear dados, inventar ficções no lutar, tudo sem o ônus de estudar a matéria. Dever de casa é péssimo, não? A atitude de rejeição às lições se afigura nacional e se repete agora com o saudoso presidente bossa-nova. As coisas funcionam assim: vamos remexer e rebolar na História, sem preocupação com conhecimento sério. Afinal, para que serve mesmo fidelidade histórica num tempo de iconoclastia e relativismo metodológico? Se tudo é possível, ficção é mais gostoso…

Não vale a pena encarar o morto nos olhos. Vale mais se render à mitologia. Nessa nova ordem imaginária, a força de JK não está em seu trabalho como estadista e agitador cultural, mas em fantasma. Conta-se que seu nascimento tinha sido uma profecia do padre italiano Dom Bosco feita em 30 de agosto de 1883, nove anos antes do nascimento do bebê JK , que proclamou o Planalto Central do Brasil como universo de uma nova era. Após a sua morte, o culto bombou total, e uma nova floração de seitas esotéricas vingou no cerrado. No livro que serviu como base para a série de TV (de Maria Adelaide Amaral, excelente dramaturga e capaz de calibrar o passado à bitola do gosto contemporâneo), Brasília Kubitschek de Oliveira (Record, 2006, 424 págs.), o historiador Ronaldo Costa Couto usa de seu estilo leve e solto para derramar pensatas mais ou menos fragmentárias no cérebro do leitor. Mas há informações curiosas, como a de que Juscelino seria a reencarnação do faraó Amenófis IV, ou Akhenaton. Pertencente à décima oitava dinastia, Akhenaton foi o primeiro político a ter implantado o monoteísmo. Para isso, necessitava de uma nova capital, Aketaton, que teria sido a primeira cidade planejada do mundo. JK e sua Novacap seriam nada mais que a versão moderna de Akhenaton – uma de suas encarnações. Assim é reverenciado em peregrinações em direção ao Memorial JK no coração de Brasília.

Mas há um fundo de verdade nisso. Talvez todo o esforço do "poeta das obras públicas", como diz Costa Couro, tenha sido no sentido de construir um gigantesco monumento tumular em homenagem a seu "reinado". O centro monumental de Brasília hoje é considerado uma cidade histórica, tão importante quanto a Diamantina natal de JK ou Ouro Preto. Brasília pode ser entendida como uma cidade histórica mineira, erguida em homenagem a um faraó mineiro, no meio do cerrado goiano. Deve ser preservada no meio do deserto contra a ação dos violadores de catacumbas. O sonho visionário de JK foi reformatar as pirâmides de Queóps, Quéfrem e Miquerinos para o terceiro milênio. Lá está o rei-deus, enterrado nos recônditos misteriosos de suas pirâmides versão Oscar Niemeyer. JK, mesmo boa praça, aumentou a dívida externa brasileira em quase 40% e ajudou a mergulhar o Brasil num período de crise e turbulências políticas que resultaram no golpe militar de 1964. O faraó diamantino parecia saber que, no fim das contas, jazeria nas catacumbas secretas da Novacap, seria alvo de culto depois de sofrer como presa da perseguição dos militares. E não há nada melhor que fomentar manifestações culturais – poesia concreta, bossa nova, cinema novo – para perpetuar a memória de um governante – nem que seja por contigüidade.

Os faraós desafiaram os milênios. Suas múmias ainda impressionam nas vitrines dos museus internacionais. E faraós contam com o embalsamamento do corpo, o luxo dos túmulos e os enigmas, senão não seriam dignos de vencer milênios. Akhenaton Kubitschek conta com seu túmulo deslumbrante (a veneranda Brasília) e até mesmo com o enigma de sua morte, até hoje não resolvida.

Somos uma sociedade tão permissiva e tolerante que até esse tipo de curto-circuito místico e o triunfo do galã suplantam uma reavaliação séria sobre o assunto. Todo mundo quer apenas ter momentos de lazer remexendo no JK da telinha. Até o presidente Lula anexou JK a sua filosofia política e prometeu ter "paciência, paciência, paciência" – a paciência dos teocratas egípcios que aguardavam milênios para ser resgatados do mundo dos mortos. Agora me lembrei de uma frase de um ex-ídolo de Lula, o pensador alemão Karl Marx, que escreveu no ensaio histórico O 18 Brumário que a História se repete como farsa. Os imperadores da Roma Antiga tiveram um remake na Revolução Francesa por causa de Napoleão. No Brasil, a História tem reprise, mas é como chanchada e novela de TV.

Nota do Editor

Ensaio gentilmente cedido pelo autor. Este texto foi publicado originalmente na revista eletrônica do portal AOL, em 23 de janeiro de 2006.


Luís Antônio Giron

São Paulo, 6/2/2006



***


Comentário: JK, o "amante genérico"...

Félix Maier

A novela história "JK", atualmente apresentada pela TV Globo, fez uma interessante inovação, criando o "amante genérico". Sabe-se que JK teve várias amantes. Diz-se que morreu em acidente na Rodovia Dutra quando ia visitar uma amante no Rio. Porém, na história global - talvez uma exigência da parentada do ex-presidente -, esse fato passou a ser relatado de modo sui generis, talvez único na literatura mundial: a atriz Letícia Sabatella faz uma interpretação na série que seria uma espécie de encarnação de TODAS as amantes de JK. Fica, assim, preservada a imagem do fogoso amante latino-americano: o implacável garanhão das Alterosas, o nosso querido "amante genérico"...





ANOS DOURADOS

MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA (*)

A minissérie sobre JK que a Globo está apresentando em horário agora já tardio para o tipo de telespectadores que aprecia “Big Brother Brasil”, sem dúvida ressuscita tanto criticas quanto elogios ao ex-presidente. Mas, é inevitável, para quem tem um mínimo de sensibilidade, a comparação daqueles tempos com os de hoje quando tudo se apequena, se banaliza, se vulgariza tornando o exercício da política, com as honrosas exceções que sempre existem, um mero festival de desfaçatez, de achincalhe do bem comum, de ganância desmedida e insaciável, de mau-caratismo e de cinismo. Se a corrupção brasileira sempre foi endêmica e pertencente a toda sociedade e não só aos políticos, hoje se exacerbou de forma avassaladora, perdendo-se a diferenciação de valores e prevalecendo o vale tudo do poder. Vivemos, mais do que nunca, a era do “todo mundo faz, eu faço também”. E venha a nós o caixa dois.

De minha parte, conforme escrevi em meu segundo livro, “América Latina - em busca do paraíso perdido”, o afável mineiro de Diamantina foi popular sem ser populista, (praga que infesta o Brasil e toda América Latina) e hábil mestre das articulações de forças adversárias ou aliadas. Ele inaugurou um estilo de governo surpreendente para os padrões latino-americanos, através de sua conduta democrática e de sua mentalidade arrojada, voltada para o desenvolvimento do país, que queria industrializado, sonho que sintetizou no slogan : “Cinqüenta anos em cinco”.

O rapaz pobre que se sustentou com emprego de telegrafista para poder fazer o curso de medicina em Belo Horizonte, acabou fazendo trajetória política brilhante: deputado federal, prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais.

Em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência da República e inaugurou o período mais democrático e de maior desenvolvimento que o país conheceu.

Conforme Thomas E. Skidmore em sua obra, “Brasil de Getúlio a Castello”, “entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80% (em preços constantes), com as porcentagens mais altas registradas pelas indústrias do aço (100%), indústrias mecânicas (125%), indústrias elétricas e de comunicações (380%) e indústrias de equipamentos e transportes (600%). De 1957 a 1961, a taxa de crescimento real foi de 7% ao ano e, aproximadamente, 4% per capita. Para a década de 50, o crescimento per capita efetivo do Brasil foi de aproximadamente três vezes maior do que o resto da América Latina”.

Aos poucos as promessas de campanha iam se cumprindo, coisa raríssima na política brasileira. Uma das promessas se tornou a meta-síntese do governo: a nova capital, Brasília, a iniciativa mais criticada, e que consolidava idéia de transferência da capital do país já consignada na Constituição de 1981, e que brotou como um monumento ao futuro num país de Terceiro Mundo. Brasília seria tão incompreendida quanto o presidente JK porque tanto o criador quanto a criação eram adiantados demais para seu tempo.

Na medida em que o Brasil acelerava e se industrializava, em que regiões iam sendo integradas por amplo sistema rodoviário, em que uma série de realizações importantes iam tomando corpo e Brasília surgindo, a sociedade também reagia demonstrando extraordinária vitalidade na literatura, na música, nas artes plásticas, no teatro, no cinema. Ao som da bossa nova fluíam os anos dourados.

Naturalmente toda essa efervescência não poderia modificar, como num passe de mágica, a essência da sociedade. Junto ao desenvolvimento havia também a corrupção e o favoritismo político. Apesar de serem mazelas antigas, para alguns isso tinha origem no que chamavam de projetos faraônicos do presidente, especialmente Brasília. Mas JK era um hábil esgrimista de conflitos, o que lhe valeu estabilidade política do governo e êxito econômico. Aos trabalhadores ele deu aumentos salariais. Aos militares, aumentos e modernos equipamentos. No Congresso era apoiado pelo PSD e pelo PTB, o que lhe dava maioria. Com os governadores mantinha bom relacionamento. Quanto à Igreja, esta se alinhou ao projeto modernizador de Juscelino e celebrou um pacto com o Estado.

JK morreu em 22 de agosto de 1976 em acidente automobilístico. Ao som do “Peixe Vivo” o povo o enterrou como se fosse sua última seresta, e a cidade que ele fizera nascer, a arrojada Brasília, o recolheu em suas entranhas de terra como se deita em berço um filho muito amado.

Impossível num pequeno artigo abranger todo o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, suas dificuldades, suas conquistas, sua trajetória política, mas o que se pode dizer é que seu nome ficou para sempre gravado na história do desenvolvimento do Brasil. E como afirmou o historiador Francisco Iglesias, meu saudoso professor da UFMG, “nunca um chefe marcara o país com tamanha lista de realizações, despertando o otimismo e instaurando a quase plenitude democrática pelo exercício incontestável da tolerância”.

(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e professora universitária.




Obs.:


O JK verdadeiro

Fichamento de trechos da "História Oral do Exército - 31 de Março de 1964", 15 volumes, editado pela Bibliex, 2003:

“Outros fatores se conjugaram para a eclosão do Movimento de 1964: a inflação deixada pelo Governo Juscelino e agravada no Governo Jango, a frustração pela renúncia de Jânio, o panorama político-social, em crescente degenerescência etc. Costumo dizer que o Presidente Juscelino, com a construção de Brasília – um sumidouro de dinheiro – fundou uma cidade e afundou o País. Quando fui oficial de gabinete, espécie de secretário do Ministro do Trabalho, algumas vezes levava despacho do ministro para o Palácio do Catete. Vinha telefonema de lá, avisando que o presidente ia viajar, saindo do aeroporto militar, no centro da cidade. Então, corria o ministro para lá com o despacho, eu segurando a pasta do ministro, o avião com as hélices rodando, já partindo, o ministro entregando os processos, e o presidente autorizando-os, sem os ler e sem nada. Dentro daqueles processos estavam milhões e milhões da Previdência Social, retirados dos Institutos para a construção de Brasília. Portanto, quando se fala em crise, em rombo da Previdência Social, em inflação, temos que voltar ao período de 1956 a 1961, no Governo Juscelino, quando a situação se agravou. Foi o rombo antecipado da Previdência, com o dinheiro desviado e a inflação crescente com a construção de Brasília.

Outra face visível na desordem do Governo de Jango era o descalabro da economia do País: inflação galopante, desvios de recursos, corrupção. Se olharmos bem a história deste País, veremos que a sua desorganização econômica começou com o Governo JK. O Juscelino, na ânsia de tornar-se eterno no Poder, eterno na história pátria, quis marcar a sua presença com a construção de Brasília e utilizou criminosamente todo o dinheiro da Previdência Social, entre outros desacertos. Quando JK deixou o Governo, Jânio quis consertar a economia, mas, irresponsável, renunciou ao cargo de presidente e deixou para Jango a desorganização herdada, sem força para segurar o barco. E os ‘pelegos’ tomaram conta do Governo. Já Luís Carlos Prestes vinha dizendo que os comunistas estavam no Governo, só lhes faltava o Poder. Aí, deu no que deu. No período compreendido entre o final de 1963 e começo de 1964, a situação se agravava: inflação, infiltração comunista, corrupção e , sobretudo, a deletéria ação da esquerda, ameaçando a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas” (General-de-Divisão Francisco Batista Torres de Melo, Tomo 4, pg. 63).

 JK colocou Jango na Presidência

“Para se ter uma idéia da falta de patriotismo e de espírito público da maioria de nossos políticos, vou contar um fato ocorrido em 1961, por ocasião da queda de Jânio. Estava sentado numa cadeira, na Companhia Telefônica; no andar de baixo estava o Coronel Montagna. A telefonista disse: ‘O Juscelino vai falar com o Jango, em Paris.’ Liguei para o Montagna e perguntei: ‘Pode autorizar?’ Autorizou. Na conversa, ouvi o Juscelino pedir, implorar, a vinda do Jango e este dizer: ‘Eu não, vou nada, vou nada; aquele pessoal da FAB é um bando de doidos’ – alegava medo de ter o avião derrubado. Aí o Juscelino respondeu: ‘Rapaz, venha; o que interessa é o PSD, PTB, o resto que se lasque.’ Quer dizer, o País à beira de uma guerra civil e um político da estatura do Juscelino pensando em PSD e PTB. Fui conversar com o Montagna e disse: ‘Meu Deus do céu, e o País, e a Nação?’ Isto me marcou profundamente: a falta de caráter do homem público brasileiro” (General-de-Divisão Francisco Batista Torres de Melo, Tomo 4, pg. 72).

“Voltemos um pouco à época da Legalidade. As coisas se acirraram demais e vivíamos a iminência de uma guerra intestina muito séria, pois as próprias Forças Armadas estavam divididas, alguns considerando que na obediência à Constituição estava a legalidade; não viam o perigo que se corria por detrás disso. Antes, o General Denys (Odylio Denys), querendo contornar a situação, pedira ao Deputado Santiago Dantas, muito amigo do Jango, que o convencesse a desistir do governo. O deputado telefonou para o Vice-Presidente, que estava em Paris, retornando da China. Foi uma conversa tensa e, quando finalmente chegaram a um acordo, pois Jango já havia concordado, aqui no Brasil, o Juscelino Kubitschek entrou na sala, arrancou o telefone das mãos do Santiago Dantas e disse:

- Presidente, não desista. Venha e assuma o Governo que nós faremos uma frente para apoiá-lo.

O Jango voltou atrás e veio. Então, a Revolução que eu vivi tem três nomes: revolução redentora, contrarrevolução e revolução que poderia não ter existido, não fosse a presença e a ação inesperada do JK” (General-de-Brigada Ramão Menna Barreto, Tomo 13, pg. 137).

“Juscelino, já Presidente da República, preocupado com o desenvolvimento do País e com a construção de Brasília, entregou a área fundamental do Ministério do Trabalho e da Previdência Social a João Goulart, que a transformou em verdadeira sinecura político-partidária com a participação de comunistas, aproveitadores e ‘pelegos’ ” (Professor Luiz Queiroz Campos, Tomo 4, pg. 361-362).

“Muita gente pensa que as cassações foram arbitrárias, como pegar uma lista e ir cortando nomes. Não. Todas passaram pelo crivo dessa investigação. Tínhamos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) à nossa disposição e íamos ao lugar onde o sujeito estivesse. Sentávamos com ele e dizíamos francamente: ‘Sr. Fulano, acontece isso, isso e isso. Queremos que o Sr. Esclareça.

Fomos buscar documentos nos cartórios, abrimos as suas dependências para fazê-lo. Fomos buscá-la onde existisse e, realmente, fizemos um dossiê com tempo suficiente; algumas daquelas pessoas foram levadas à própria Escola de Comando e Estado-Maior para um depoimento. Lembro-me muito bem dos depoimentos de pessoas ligadas ao Presidente Juscelino, que estiveram lá. A equipe que investigava o Juscelino organizou 17 pastas de problemas ligados ao ex-Presidente. Sabedor que as pessoas eram chamadas para serem ouvidas, antes que o pessoal fosse ao encontro dele para conversar, Juscelino pediu autorização e foi embora do País. Esse foi o problema do Presidente Kubistchek” (Coronel Sérgio Mário Pasquali, Tomo 5, pg. 189).

 Corrupção do Governo JK: Jacareacanga e Aragarças

“Apenas serviu para que nós, assustados com a corrupção que já vinha anunciada e prevista com a posse do Juscelino, recomeçássemos a conspirar para derrubar o Juscelino.

Aqueles dois episódios de Jacareacanga, PA, e Aragarças, GO, por exemplo, foram essencialmente dois movimentos um tanto românticos, dirigidos contra a corrupção de Juscelino, e não sou eu quem falo da corrupção do Juscelino, quem declara e cita fatos e tudo é o Samuel Wainer no livro ‘Minha Razão de Viver’. O Samuel Wainer era o dono da Última Hora, o jornal que apoiava o Getúlio, criado para o seu próprio apoio e depois mantido pelo Juscelino com o dinheiro maciço do Banco do Brasil.

O que o Samuel Wainer roubou do Banco do Brasil é uma loucura, e depois foi parar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso, em que aparecem todos os valores, datas e documentos” (Coronel-Aviador Gustavo Eugenio de Oliveira Borges, Tomo 10, pg. 276).

F. Maier


MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

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