MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

O caso Rosenberg 50 anos depois - por Carlos I. S. Azambuja

O caso Rosenberg 50 anos depois

Carlos I. S. Azambuja
 22/04/2004

“O Paraíso é um lugar para onde as pessoas desejam ir. Não um lugar de onde elas queiram sair. No entanto, nesse nosso Paraíso as portas estão fechadas e trancadas. Que merda de socialismo é esse que tem de manter as pessoas acorrentadas? Que espécie de ordem social é essa? Que espécie de Paraíso?”
(Nikita Kruschev, “As Fitas da Glasnost”, página 253, Edições Siciliano, 1991)

Igor Gussenko, funcionário encarregado da criptografia da Inteligência Militar soviética (GRU) na embaixada da URSS no Canadá, com sua deserção, em setembro de 1945, foi o estopim que desencadeou a caça aos espiões atômicos nos EUA e Grã-Bretanha.

Durante décadas a inocência do casal Rosenberg foi uma crença generalizada. Sustentando que eles haviam sido vítimas de uma farsa judicial, as esquerdas americanas, como as de todo o mundo, apresentaram os Rosenberg como mártires, sacrificados no altar da intolerância ideológica.

Todavia, a verdade revelou-se outra com a liberação de documentos secretos da ex-União Soviética e dos arquivos Venona (nome da operação que descodificou os códigos soviéticos) guardados a sete chaves durante décadas pelo governo norte-americano, bem como graças às memórias de antigos chefes da Inteligência soviética, recentemente publicadas, que jogaram uma luz definitiva sobre o caso.

O caso Rosenberg tem todos os ingredientes de um thriller: espionagem, política e politicagem, perseguição, amor, ideologia, mentiras, traição, maquinações e, finalmente, um final trágico para Julius e Ethel Rosenberg, na cadeira elétrica, em 19 de junho de 1953, uma sexta-feira, no presídio de Sing-Sing, nas cercanias de Nova York.

A inocência foi sustentada por ambos até o último instante da vida. Para as esquerdas, Julius e Ethel foram vítimas de uma armação judicial e da histeria anticomunista da época. Foram considerados heróis da causa socialista e colocar em dúvida esse artigo de fé era considerado um anátema.
Escreveu William Douglas, um dos juízes que atuou no caso Rosenberg, em seu livro de memórias “The Court Years” (“Os Anos de Tribunal”), que Emanuel Bloch (Manny Bloch), principal advogado de defesa – também judeu e também membro do Partido Comunista americano – deixou-lhe a impressão de que, conforme o consenso comunista da época entendia ser melhor para a causa, se os Rosenberg pagassem o preço mais alto, preferindo ver seus clientes mortos. Ainda hoje, 50 anos após os fatos, a atuação de Emanuel Bloch – às vezes tímida e sem criatividade, outras vezes vacilante, subserviente a promotores e juízes – é motivo de conjecturas, uma das quais é a de que fosse um instrumento dissimulado do FBI!

Uma outra possibilidade é que Bloch temesse uma retaliação do FBI contra o partido, do qual era membro, caso os Rosenberg falassem o que sabiam, poupando o PC do inconveniente de ter detalhes de suas entranhas expostos na imprensa. Não faltam também os que sustentam a hipótese de que Manny Bloch, ainda que inconscientemente, desejasse a condenação de seus clientes, temendo que um eventual acordo com o Estado em troca de confissão - como fizera o ex-sargento do Exército David Greenglass, irmão de Ethel, que trabalhou no Projeto Manhathan e cooperava com a espionagem de Julius - pudesse desencadear uma avalanche de prisões. Os promotores ouviram David Greenglass como testemunha de acusação. Mesmo assim, ele foi condenado a 15 anos de prisão, sentença moderada por ter, segundo o juiz, “se arrependido e trazido à Justiça aqueles que o aliciaram” (Julius e Ethel).

A descoberta dos Rosenberg e de David Greenglass decorreu após os britânicos terem prendido o físico Klaus Fuchs sob a acusação de passar segredos atômicos à URSS. Pressionado, Klaus Fuchs entregou Harry Gold que havia mantido contatos com Greenglass e Julius nos EUA. No dia seguinte à prisão de Harry Gold, Moscou autorizou à rezidentura entregar 10 mil dólares a Julius e David, instruindo-os a que viajassem para o México, onde receberiam novos documentos, e daí para a Suécia. Essa viagem nunca se concretizou.
Os Rosenberg escreveram 568 cartas na prisão, as quais foram reunidas no livro “The Rosenberg Letters”, editado por Michael Meeropol, o filho mais velho do casal. Os textos dessas cartas são infectados de retórica ideológica. Eles escreveram como quem discursa, como quem se dirige aos pósteros, à eternidade.

A vasta documentação disponibilizada pela abertura dos arquivos da ex-União Soviética, as mensagens Venona, tornadas públicas pelo governo americano quatro décadas após a sua decodificação, e as revelações feitas pelo espião russo Aleksandr Feklissov em sua recente autobiografia, jogaram uma luz definitiva sobre o caso.

Julius Rosenberg, com a conivência passiva de sua esposa, espionou para a URSS, passando à Inteligência soviética, durante anos, material científico e tecnológico da mais alta importância. Somente para se ter uma idéia: o desenvolvimento do fusível de proximidade, um sofisticado dispositivo de detonação da bomba, custou aos americanos cerca de 1 bilhão de dólares. Julius, que nas mensagens para Moscou era citado pelo codinome “Liberal”, entregou um exemplar desse fusível a Aleksandr Feklissov, seu controlador na rezidentura de Nova York. Quem fez a revelação foi o próprio Feklissov no livro “The Man behind the Rosenbergs”, publicado em 2001. Na época, o fusível de proximidade era o segundo maior segredo militar dos EUA. Graças a ele, os soviéticos conseguiram derrubar, em 1960, o avião-espião U2, pilotado pelo americano Gary Powers, o que elevou dramaticamente a temperatura entre EUA e URSS.

O mais bem guardado segredo militar norte-americano – a bomba atômica (Projeto Manhattan) - teve o mesmo destino. Através de Julius Rosenberg os soviéticos obtiveram dados preciosos que lhes permitiram saltar etapas, avançar em suas próprias pesquisas e detonar seu primeiro artefato nuclear já em 1949, apenas 4 anos depois das bombas americanas em Hiroshima e Nagasaki.

Nikita Kruschev, que assumiu o poder na URSS após a morte de Stalin, revelou em suas memórias (“As Fitas da Glasnost”, Edições Siciliano, 1991) que os Rosenberg haviam sido espiões de seu país. Até o Papa protestou contra a pena de morte aplicada aos Rosenberg. Todavia, documentos secretos dos arquivos da União Soviética, divulgados em 12 de julho de 1995, comprovam que os Rosenberg eram espiões e que Julius era o chefe de uma grande rede de espionagem. Segundo o livro, o próprio Stalin confirmou a contribuição “muito significativa” de Julius e Ethel ao projeto da bomba atômica soviética.
Ao lhes ser aplicada a sentença da pena de morte, em 1951, Julius tinha 35 anos Ethel, 37. A última pessoa a ver os Rosenberg antes da execução foi o rabino Irving Koslowe, que lhes levou um recado do Secretário de Justiça, Herbert Brownel Jr: se dessem um único nome de seus parceiros na espionagem, a execução seria suspensa pelo presidente. Julius Rosenberg e Ethel Rosenberg não deram nenhum nome.

Às 20:16 horas do dia 19 de junho de 1953 Julius e Ethel Rosenberg foram executados. Pouco antes dos últimos raios de sol darem início ao Sabah judaico.
No final do verão de 1996, Aleksandr Feklissov retornou a Nova York a fim de participar de um documentário sobre os Rosenberg produzido pelo canal Discovery. Depois dirigiu-se ao cemitério Wellwood e, em frente ao túmulo de Julius e Ethel, em posição de sentido, disse, em voz alta: “Julius e Ethel, aqui estou eu diante de suas sepulturas para prestar meus respeitos. Vocês nos ajudaram fielmente, com devoção e bravura, durante a guerra sangrenta contra nosso inimigo, a Alemanha nazista. Seremos eternamente gratos a vocês! Perdoem-nos por não termos sabido salvar suas vidas. Que a glória e a paz estejam com vocês para sempre”.

Harry Gold, condenado a 30 anos, obteve liberdade condicional em 1966, seis anos após David Greenglass ter deixado a prisão. E morreu em 1972, aos 60 anos. David Greenglass ainda está vivo. Usa pseudônimo e esconde-se em algum lugar nas proximidades de Nova YorkKlaus Fuchs, em 1959, após cumprir a sentença de 14 anos em uma prisão inglesa, foi viver na Alemanha Oriental. Morreu em 1988, aos 76 anos.

Fonte: https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=68267&cat=Ensaios&vinda=S


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