MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Alerta Científico e Ambiental: Desinformação sobre a Amazônia - por MSIA

Vol. 27  |  nº 29 | 30 de julho de 2020

Leia nesta edição:
Embrapa contra desinformação sobre a Amazônia
Nota Técnica sobre queimadas, desmatamentos e imóveis rurais no bioma Amazônia em 2019 
Industriais paraenses reagem à chantagem “verde”
A “revolta da ivermectina”: política adotada no enfrentamento da Covid-19 exige ensaio clínico urgente
Clique aqui para baixar a versão para impressão.

Embrapa contra desinformação sobre a Amazônia

A Embrapa Territorial acaba de divulgar uma Nota Técnica de suma importância para o esclarecimento da sociedade em geral, sobre a situação ambiental real do bioma Amazônia. O documento intitula-se “Nota Técnica sobre queimadas, desmatamentos e imóveis rurais no bioma Amazônia em 2019”, e é de autoria do doutor em Ecologia Evaristo Eduardo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, e dos analistas de geoprocessamento Paulo Roberto Rodrigues Martinho e Carlos Alberto de Carvalho. A sua leitura é fundamental para o combate à desinformação que envolve os assuntos amazônicos, pelo que a reproduzimos integralmente a seguir. O texto original pode ser baixado do sítio da Embrapa.

Em entrevista ao canal Notícias Agrícolas (24/07/2020), comentando sobre os dados demonstrados no levantamento, Evaristo de Miranda ressaltou que um elemento fundamental para o enfrentamento dos problemas ambientais na Amazônia é a regularização fundiária, igualmente demonizada pelos alarmistas do aparato ambientalista-indigenista internacional e grande parte da mídia. Segundo ele: “Com a regularização fundiária, poderemos titular a terra e identificar o responsável pela propriedade; com isso teremos condições de levar a ajuda do Estado à essa população, promovendo a inclusão deles na agricultura moderna e, em casos de desvios, responsabiliza-los. E, passo seguinte, conseguiríamos a regularização ambiental também naquela parte do País.”

Sobre as campanhas de desinformação promovidas pelo aparato, Miranda afirmou que “falta solidariedade” a agentes da sociedade que não se preocupam verdadeiramente com o destino dos agricultores pobres brasileiros.

Início

Nota Técnica sobre queimadas, desmatamentos e imóveis rurais no bioma Amazônia em 2019 

Evaristo Eduardo de Miranda, Paulo Roberto Rodrigues Martinho e Carlos Alberto de Carvalho*

N. dos E. – Por conveniência editorial, as referências bibliográficas foram suprimidas desta edição; os interessados podem consultar o trabalho original, no sítio da Embrapa.

A equipe da Embrapa Territorial analisa e qualifica territorialmente diversas informações sobre agropecuária, queimadas, desmatamentos e imóveis rurais na Amazônia. O objetivo principal dessa pesquisa foi qualificar e quantificar o uso e a ocupação das terras onde foram registrados focos de fogo. Pela primeira vez isso foi feito, em mais de 30 anos de monitoramento de queimadas. O trabalho foi realizado no Sistema de Inteligência Territorial Estratégico (SITE) do bioma Amazônia, em estruturação na Embrapa Territorial, por uma equipe que há décadas pesquisa as queimadas rurais. Com relação ao ano de 2019, foram cruzados, por geoprocessamento, os dados do sistema de referência de monitoramento de queimadas (satélite ACQUA MT - FIRMS/INPE), com os dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes/INPE), mais os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR/SFB), mais as coordenadas geográficas de cada um dos estabelecimentos agropecuários levantados pelo Censo Agropecuário de 2017 (IBGE). Os trabalhos buscaram responder cinco questões principais:

- Qual a dimensão do bioma Amazônia e do seu desmatamento?

- Quantos são os imóveis rurais cadastrados no bioma Amazônia?

- Qual é a dimensão das queimadas no bioma Amazônia?

- Que imóveis rurais praticaram queimadas no bioma Amazônia?

- O número de queimadas varia com o tamanho dos imóveis rurais?

1 – Qual a dimensão do bioma Amazônia e do seu desmatamento?

O bioma Amazônia, com 4.199.249 km2, recobre 49,3% do Brasil. É o maior de todos os biomas brasileiros. A diversidade de sua vegetação nativa é muito grande. São 22 tipos de formações florestais diferentes, além de uma dezena de vegetações campestres, não florestais e mistas. Sua parte florestal, com 3.794.857 km2, representa 90,4% do bioma Amazônia. Ela é monitorada anualmente, em termos de desmatamento por corte raso, há mais de 30 anos, pelo Programa Prodes do INPE. Desde os primeiros desmatamentos no século XVIII até os dias atuais (julho de 2019), a área total desmatada, cartografada pelo Programa Prodes do INPE, acumula uma superfície de 719.014 km2, equivalentes a 18,9% da parte florestal do bioma Amazônia e a 17,1% de sua extensão total.

2 – Quantos são os imóveis rurais cadastrados no bioma Amazônia?

Uma análise por geoprocessamento dos dados do Cadastro Ambiental Rural - CAR, realizada pela equipe da Embrapa Territorial, identificou 526.177 imóveis rurais situados no bioma Amazônia, em 2019. Eles ocupam uma área de 1.488.743 km2 ou 35,5% do bioma Amazônia. Isso não significa área explorada, mas apenas apropriada em termos fundiários. Grande parte ainda é recoberta por vegetação nativa, dada a exigência de 80% de Reserva Legal, prevista no Código Florestal Brasileiro. Desse total de imóveis rurais, uma outra análise por geoprocessamento realizada pela equipe da Embrapa, indicou que 510.107 ou 96,9% estão situados na parte monitorada pelo projeto Prodes do INPE, ou seja, em áreas originais de vegetação florestal. Tais imóveis ocupam um total de 1.448.669 km2, ou 34,5% do bioma Amazônia e 97,3% da área total de imóveis cadastrados (relembrando, novamente: estes totais não se referem a áreas desmatadas, mas, sim, a áreas apropriadas).

Do universo de imóveis, situados na área de monitoramento do Projeto Prodes, um novo tratamento dos dados permitiu ainda identificar e quantificar 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal já desmatada do bioma Amazônia, ou seja, de agropecuária consolidada há anos, dezenas de anos e até séculos, segundo a cartografia do Projeto Prodes.

Eles representam 93,1% do total de imóveis rurais do bioma Amazônia e ocupam uma área de 1.393.297 km2, correspondente a 93,6% da área total cadastrada no CAR no bioma e 33,2 % do bioma Amazônia.

Em simetria, existem 3,8% dos imóveis rurais do total existente na área de monitoramento do projeto Prodes, ocupados integralmente por florestas nativas ou onde as áreas exploradas ou desmatadas são tão pequenas que não foram detectadas no âmbito do programa Prodes.

Ainda por geoprocessamento, a equipe da Embrapa Territorial calculou e classificou por tamanho esse universo de imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal da área já desmatada do bioma Amazônia.

Dos 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal já desmatada do bioma Amazônia, 442.619 são de pequenos agricultores, com menos de quatro módulos fiscais. Eles representam 90,4% do total.

Os médios produtores, entre 5 e 15 módulos fiscais, totalizam 30.244 imóveis rurais e 6,2% do total. Os grandes produtores, com mais de quinze módulos fiscais, reúnem 16.945 imóveis rurais e representam 3,5% do total.

Existem imóveis rurais ainda não cadastrados no CAR no bioma Amazônia. Ainda assim, a base de dados geocodificados dos imóveis rurais do CAR é muito representativa da dimensão territorial do mundo rural no bioma Amazônia, sobretudo quando conjugada espacialmente aos dados dos estabelecimentos agropecuários do Censo do IBGE 2017.

Em resumo, 90% dos imóveis rurais cadastrados no CAR no bioma Amazônia são de pequenos agricultores, proporção análoga à dos estabelecimentos agropecuários do Censo 2017 do IBGE.

3 – Qual é a dimensão das queimadas no bioma Amazônia?

Os pontos de calor, fogos ativos ou queimadas em todo o Brasil são detectados diariamente na passagem vespertina do satélite AQUA M-T no âmbito do sistema orbital de referência do Programa LANCE-FIRMS12 da NASA, com dados disponibilizados pelo INPE.

A análise por geoprocessamento desse banco de dados, cruzado com os resultados cartográficos sobre o bioma Amazônia e os imóveis cadastrados no CAR pela equipe da Embrapa Territorial, obteve informações inéditas sobre a repartição territorial das queimadas na região.

Os procedimentos de geoprocessamento com o banco de dados do satélite AQUA M-T 13 quantificaram 89.178 queimadas na área correspondente ao recorte total do bioma Amazônia, ao longo de 2019.

Um outro tratamento digital dos dados, apenas nas áreas monitoradas pelo programa Prodes do INPE, totalizou 84.632 queimadas em 2019. Isso corresponde a 94,9% das queimadas registradas no período na área total do bioma Amazônia.

Finalmente, um novo tratamento geocodificado dos dados realizado pela equipe da Embrapa Territorial identificou todos os focos ou pontos de queimadas situados em polígonos de todas as áreas mapeadas como desmatadas pelo programa Prodes do INPE até julho de 2019. Foram identificadas 76.016 queimadas nas áreas de desmatamento acumulado no bioma Amazônia (ou seja, nas áreas de atividades agropecuárias consolidadas há anos, dezenas de anos e até há séculos). Esse número corresponde a 89,8% das queimadas ocorridas em 2019 na área original florestal do bioma Amazônia.

Ou seja, arredondando, 90% das queimadas detectadas em 2019 ocorreram em locais já desmatados e estão associadas ao uso do fogo na agropecuária por produtores pouco tecnificados. 

4 – Que imóveis rurais praticaram queimadas no bioma Amazônia?

Um pesado tratamento geocodificado dos dados confrontou cada uma dessas 76.016 queimadas detectadas ao longo de 2019 com cada um dos 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área já desmatada do bioma Amazônia (agropecuária consolidada).

O tratamento por geoprocessamento da localização de cada uma das 76.016 queimadas identificou sua ocorrência nos perímetros de apenas 24.292 imóveis rurais ou em 5% dos 489.808 imóveis rurais existentes em áreas já desmatadas.

Ou seja, 95% dos imóveis rurais situados nas áreas consolidadas de agropecuária no bioma Amazônia não fizeram o uso do fogo em suas práticas produtivas, em 2019.

5 – O número de queimadas varia com o tamanho dos imóveis rurais?

Em média ocorreram 2,1 queimadas por imóvel rural ao longo do ano de 2019, nesse conjunto de 5% de imóveis rurais que fizeram uso do fogo na atividade agropecuária.

Dos 24.292 imóveis rurais onde ocorreram queimadas em 2019, situados nas áreas de desmatamento consolidado ao longo do tempo no bioma Amazônia, foram calculadas suas áreas e dimensões respectivas, comparando-as aos valores dos módulos fiscais em cada município.

Em termos de tamanho, 14.696 são pequenos agricultores com menos de quatro módulos fiscais (60,5%); 4.370 são produtores médios situados entre 5 e 15 módulos fiscais (18,0%) e 5.226 são grandes produtores com áreas superiores a 15 módulos fiscais (21,5%).

Ou seja, no âmbito dos 14.696 imóveis rurais de pequenos agricultores, onde foram registradas queimadas, ocorreu um total de 15.835 queimadas ou seja 1,1 por imóvel. No caso dos 4.370 médios produtores, com registros de queimadas no interior dos seus imóveis, foram identificadas 8.209 queimadas ou 1,9 por imóvel. Finalmente, no caso dos 5.226 grandes produtores, com registros de queimadas no interior dos seus imóveis, foram 25.773 queimadas ou 4,9 por imóvel rural.

De forma simplificada, em 2019, ocorreu uma queimada em cada imóvel rural de pequeno agricultor, duas nos dos médios produtores e cinco nos dos grandes produtores considerados. Também de forma simples e proporcional, os pequenos produtores realizaram uma queimada por km2; os médios, uma queimada em cada 3,6 km2 e os grandes, uma queimada a cada 24,2 km2.

Para todas as situações de uso do fogo na agropecuária existem tecnologias e técnicas alternativas para suprimir o seu emprego. A modernização da agricultura com adoção de inovações tecnológicas e a capitalização dos produtores têm sido os principais vetores para a redução das queimadas. A queima da palha como preparo para a colheita manual foi totalmente eliminada com a introdução da mecanização e de novas máquinas adequadas a colheita da cana crua, sem queimada. Só em São Paulo, mais de 5,5 milhões de hectares de cana de açúcar deixaram de queimar anualmente. Com a modernização da agropecuária, processos análogos ocorreram nas regiões sul do Maranhão e oeste da Bahia, por exemplo.

Mas a disseminação de tecnologias adequadas para eliminar o uso do fogo na agropecuária tem custo alto e depende do acesso dos agricultores à extensão rural e ao crédito. No bioma Amazônia, para cerca de um milhão de produtores lá instalados, o primeiro passo para tal mudança é a regularização fundiária, sem a qual eles não têm, nem terão, acesso a políticas públicas.

* Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe geral da Embrapa Territorial; Paulo Roberto Rodrigues Martinho é mestre em Agricultura Tropical e Subtropical e analista de geoprocessamento da Embrapa Territorial; Carlos Alberto de Carvalho é mestre em Ciência da Computação e analista de TI e geoprocessamento da Embrapa Territorial.
Início

Industriais paraenses reagem à chantagem “verde”

Depois da Associação PanAmazônia (Alerta Científico e Ambiental, 23/07/2020), outra entidade representativa dos setores produtivos amazônicos se insurge contra a campanha internacional de chantagens contra o Brasil, motivada por uma suposta “preocupação” com o meio ambiente da região. Desta feita, o Centro das Indústrias do Pará (CIP) divulgou uma “Nota de Indignação”, frente às manifestações de empresários do Sul-Sudeste do País, instando o Governo Federal a acatar as sensibilidades estrangeiras. Pela sua relevância, transcrevemos na íntegra a nota, assinada pelo presidente do CIP, José Maria da Costa Mendonça:

“O Centro das Indústrias do Pará – CIP, representante de parte do setor produtivo do estado, manifesta publicamente sua indignação ao tomar conhecimento de que empresários e entidades do Sul/Sudeste do Brasil tomaram para si, mais uma vez, a discussão sobre o destino da Amazônia.

 “Inicialmente, assinaram um documento recheado de inverdades sobre a Amazônia e agora plantaram na mídia essa notícia: ‘Após cobrar do Planalto, empresários fazem investida no Congresso por defesa da Amazônia.’

“A maioria destes senhores é neófita sobre a Amazônia, desconhece as nossas particularidades, realidade e expectativas. Outros, não sabem o que faziam ali, ao se limitarem apenas a apoiar um amigo, somando-se àqueles que buscam um minuto de fama.

“Há os que conhecem a Amazônia através das janelas de jatos executivos, quando sobrevoam nossa região, por ser rota com destino a Miami.

“Essas atitudes merecem reação dos parlamentares federais e das entidades de classe de toda a Amazônia.

“Sabemos que o que move os mentores desses senhores não é o bem-estar do povo da Amazônia, e sim o que estão oferecendo aos seus clientes externos, a intocabilidade e o imobilismo de nossa região, pela facilitação de seus interesses comerciais.

“Esses são os motivos da nossa indignação!”

Início

A “revolta da ivermectina”: política adotada no enfrentamento da Covid-19 exige ensaio clínico urgente

Taciana Padilha de Castro e Denia Palmeira Fittipaldi Duarte*
 
A pandemia da doença coronavírus 2019 (Covid-19) no Brasil continua em escalada de casos e o espalhamento ocorreu para todas as regiões do país. Os impactos na sociedade são profundos e as políticas públicas adotadas para o seu enfrentamento foram insuficientes para evitar o trágico cenário de mais de 87.000 mortos, em poucos meses (Brasil-MS, 26/07/2020). Até o momento, não existe tratamento específico, tampouco antiviral contra o SARS-CoV-2, agente causal da Covid-19, e ainda não foi desenvolvida vacina para prevenção dessa doença, de acordo com as recentes publicações, incluindo as Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento da Covid-19 (Brasil-MS, 2020), sendo de extrema relevância a prospecção de propostas terapêuticas eficazes que possam opor-se às suas consequências deletérias para a população do país e  do mundo.
 
A política de saúde adotada pelo Brasil, no início da pandemia, foi o isolamento social e a atenção terciária (terapia intensiva). Na estratégia de isolamento, foram priorizados os grupos de riscos que poderiam apresentar as formas graves da doença, como idosos acima de 60 anos, hipertensos e diabéticos. No entanto, o isolamento social para todos foi também utilizado, visando preservar a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e da rede suplementar, para reduzir a velocidade da elevação da incidência de casos e, assim, impedir um número de casos de Covid-19 graves ou críticos superior à disponibilidade de atendimento em terapia intensiva. Esta medida representava, portanto, uma estratégia de acomodação importante, para se evitar que a demanda por leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) ultrapassasse a sua capacidade instalada, particularmente, no uso de respiradores. Naquele momento, estavam afastadas as políticas de testagem sorológica e molecular, bem como a oferta de assistência primária ou secundária, para justificar racionalidade do isolamento ou tratamento precoce, por absoluta escassez de testes e de equipamento de proteção individual (EPIs), bem como pelo limitado conhecimento da doença. Embora o Ministério da Saúde (MS) do Brasil tenha liderado o financiamento e compras emergenciais desses insumos e equipamentos, manteve a mesma política de não oferecer assistência primária ou secundária no SUS.
 
Em que pese os avanços obtidos pelo isolamento social, dessa política inicial, na contenção da curva de incidência, a pandemia determinou impactos profundos na sociedade brasileira. Dentre esses, a manifestação do descontentamento de profissionais de saúde e da população com a política de saúde para a prevenção e o tratamento da Covid-19 definida pelo MS e pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, gestores do SUS.   Esse descontentamento foi, também, liderado por prefeitos com formação médica, em vários estados. As recomendações oficiais de não investigação clínica ou laboratorial e o não tratamento nas fases iniciais, marcada por uma orientação expectante, até que surjam manifestações clínicas graves, identificadas por familiares, foi confrontada com os avanços publicados pela literatura e pela observação direta dos médicos assistentes. O movimento inicial, desencadeado pelos médicos, pela prescrição precoce, foi equivocadamente ignorado pelo MS nos primeiros momentos e, depois, estigmatizado por não se basear em evidências obtidas por ensaios clínicos randomizados, um posicionamento contrastante com os seus próprios critérios de definição das diretrizes. Isto, porque reconhece e recomenda a utilização de vários fármacos que também não foram submetidos a ensaios clínicos. Além disso, o MS vem desconhecendo os avanços nos conhecimentos fisiopatológicos da doença, nas suas fases iniciais, e nos fatores prognósticos controláveis que poderiam impedir a evolução para os quadros clínicos graves e críticos, levando a óbito.
 
É nesse cenário de incerteza e tensão entre as políticas de saúde para assistência de casos Covid-19 e seus parcos resultados, que surgem os movimentos médicos propondo protocolos, tanto para a profilaxia quanto o tratamento, utilizando diferentes fármacos e esquemas posológicos.
 
A partir das perspectivas advindas do estudo in vitro pelos pesquisadores australianos Leon Caly, Julian D. Druce, Mike G. Catton, David A. Jans e Kylie M.Wagstaff, publicado no início de abril deste ano (1), a ivermectina tornou-se um fármaco promissor. Em paralelo, apesar de existirem lacunas de conhecimento científico sobre o uso clínico da ivermectina na Covid-19, como antiviral, as redes sociais publicam, diariamente, inúmeros e diferentes esquemas posológicos. A propagação do seu uso no tratamento e na profilaxia da Covid-19, por médicos e gestores municipais, tem sido crescente. Prefeitos de algumas cidades têm aplicado a ivermectina como profilaxia contra a Covid-19 nas populações de suas respectivas jurisdições.
 
Essa “revolta” silenciosa pelo uso da ivermectina é racionalmente compreensível, ante a falta de qualquer proposição oficial do MS com alternativas de tratamento e/ou profilaxia antiviral, que contemple os conteúdos das publicações sobre screening farmacológicos para fármacos com efeito antiviral contra o SARS-CoV-2, bem como a ausência de apoio em prol de estudos clínicos randomizados e duplos cegos, capazes de responder se esses fármacos apresentam resposta clínica superior aos tratamentos atualmente utilizados.
 
  De fato, o agravamento da Covid-19 é esperado em cerca 20% dos casos, por progressão da doença inicial para formas mais graves, devido, entre outras causas, à falta de tratamento antiviral contra o SARS-CoV-2, capaz de evitar a destruição dos linfócitos T, do tecido alveolar, bem como a lesão endotelial viral que determina os fenômenos inflamatórios e microtrombóticos. Na política atual de tratamento do SUS, observa-se um relaxamento no objetivo de equidade, quando se deixam de avaliar os marcos fisiopatológicos da doença e de propor as respectivas intervenções, antes do agravamento. A não reavaliação das políticas públicas de saúde para o enfrentamento da Covid-19 mantém as mesmas condutas e respostas. Para decisões racionais e melhorias nas condutas terapêuticas, a realização de pesquisas clínicas e epidemiológicas é urgente e necessária.
 
Entendemos que a racionalidade e a plausibilidade dos esquemas adotados espontaneamente por médicos e pela população em geral não são explicadas adequadamente, acarretando debates de opiniões, pela inexistência de respaldo científico justificável ou validado.
 
Por ocasião da publicação do estudo in vitro, mostrando efeito antiviral da ivermectina contra o SARS-CoV-2, em abril de 2020, consideramos importante e oportuno utilizar a experiência acumulada com a ivermectina no tratamento da febre Chikungunya (CHIKF), para a prevenção e tratamento da Covid-19. No caso, a nossa experiência clínica de uso da ivermectina como antiviral no tratamento da CHIKF, em fase virêmica, iniciado em abril de 2016 e validado, em outubro de 2017, em voluntários portadores dessa doença, durante os surtos ocorridos no Nordeste e no Sudeste do Brasil.
 
O primeiro tratamento da Covid-19 com a ivermectina foi realizado em Recife, tendo como esquema posológico de referência, o utilizado para a CHIKF. Ainda em abril, em voluntários portadores de Covid-19, ajustamos as doses da ivermectina, com base na segurança posológica desse fármaco, no tempo de replicação viral do SARS-CoV-2, e nas respostas clínicas de melhora observadas e mantidas. Em uma rede colaborativa de colegas médicos, ajustamos o esquema de dose terapêutica e a frequência com a qual essas doses foram administradas e propusemos testar um protocolo de tratamento, num ensaio clinico randomizado, duplo cego e placebo controlado, usando a ivermectina,  bem como testar a eficácia de seu uso profilático, com o objetivo de reduzir ou bloquear a transmissibilidade do SARS-CoV-2, em profissionais de saúde do Brasil.  Este estudo  foi aprovado pela  Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), em 13 de junho de 2020, sendo, no entanto, não recomendado pelo CNPq para financiamento.
 
Considerando que: (a) o projeto recebeu a aprovação da CONEP; (b) tem plausibilidade teórica e segurança clínica; e (c)  se coaduna com os objetivos das políticas públicas de eficiência e equidade; as autoras e a equipe dos 12 pesquisadores envolvidos no projeto estranharam a recusa do CNPq em financiar o estudo. Ademais, quando comparada com outros fármacos identificados por screening para tratamento antiviral da Covid-19, a ivermectina apresenta a maior probabilidade de alcançar eficiência,  pela relação custo/benefício (fármaco genérico e de baixo custo) e equidade, pela disponibilidade no SUS.
 
Diante a lacuna de conhecimento, esse ensaio deveria ter despertado um pronto interesse das autoridades de saúde para a sua realização, por utilizar um método de alto rigor científico, ser de curta duração (seguimento de 90 dias) e possibilitar o esclarecimento da existência ou não do potencial terapêutico antiviral da ivermectina.
 
Por último, em 23/07/2020, a comunidade médica foi surpreendida com a publicação  da RDC 405/2020 da ANVISA, determinando que “a partir dessa data, a aquisição da ivermectina só poderá ser feita mediante retenção de  receita”. Desta forma, o governo federal, além de não apoiar uma pesquisa que esclareceria, em definitivo, se a ivermectina tem ou não eficácia na Covid-19, impõe uma medida restritiva à população para a aquisição de um fármaco de elevada segurança de potencial efeito antiviral, inferindo uma ineficiência não comprovada.
 
* Taciana Padilha de Castro, MD, M.Sc, é doutora em Endocrinologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Azami (Lika) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tendo atuado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entre 1990 e 2017; Denia Palmeira Fittipaldi Duarte, MD, M.Sc., é doutora em Fisiologia do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFPE.
 
(1) Leon Caly, Julian D. Druce, Mike G. Catton, David A. Jans, Kylie M.Wagstaff. “The FDA-approved Drug Ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro”. Antiviral Res, 2020 Apr 3:104878. https://doi.org/10.1016/j.antiviral.2020.104787.

Fonte: https://msiainforma.org/quem-somos/


Nenhum comentário:

Postar um comentário