A Comissão da Vingança
Gen Div Ulisses Lisboa Perazzo Lannes
Em festejada e concorrida cerimônia no Palácio do Planalto, a presidente da república sancionou a lei que institui a Comissão da Vingança. Estavam presentes as mais representativas personalidades do mundo político, além de vários dos atuais ocupantes das dezenas de ministérios e secretarias que compõe o primeiro escalão administrativo do governo federal. Obedientes ao novo protocolo, os cinco oficiais-generais da mais alta hierarquia das Forças Armadas também lá se encontravam, em assentos secundários, prestigiando momento de intenso júbilo, com suas honradas e respeitáveis presenças (!).
Àqueles que acompanham a e(in)volução do quadro político nacional, a iniciativa não surpreendeu. Ainda no exercício do elevado cargo de Ministra-Chefe da Casa Civil, a Sra. Rousseff explicitara, de forma inequívoca, sua concordância e apoio ao objetivo há longo tempo perseguido pela corriola à qual ela mesma pertenceu no passado e à qual, aparentemente, continua ligada por laços afetivos e ideológicos. O chamado Plano Nacional de Direitos Humanos III, por ela submetido, há dois anos, ao então presidente da república, já incluía a essência da programação que delineia e norteia os trabalhos e as metas da comissão da vingança — além de diversas outras prescrições de viés claramente totalitário, que parecem torná-la legítima expressão do CV, Comando Vermelho. Na ocasião — é sempre bom lembrar — diante do repúdio manifestado por expressivos setores da sociedade, a Sra. Rousseff alegou ter encaminhado o documento sem lê-lo... Mas com o apoio do então ministro da defesa (aquele mesmo que gostava de pavonear-se pelo país, fantasiado de general).
A instituição da comissão da vingança não pode deixar de ser vista como exemplo do espetacular sucesso alcançado pela revolução cultural em nosso país. Décadas de hegemonia gramscista nos principais órgãos formadores da opinião pública e nos sistemas cultural, editorial e educacional brasileiros modificaram o senso comum e tornaram aceitável a novilíngia de que nos falava Orwell. Preto é branco; guerra é paz; crimes viram malfeitos; terroristas, assassinos, seqüestradores e ladrões são “combatentes da liberdade” e os agentes da lei que combateram e derrotaram a guerrilha armada, instruída e financiada por potências estrangeiras, “bárbaros e cruéis torturadores”; comissão da vingança transmuda-se em “comissão da verdade”, preocupada não em esclarecer as circunstâncias em que altíssimas somas de dinheiro público são roubadas por políticos salafrários, mas em espezinhar, humilhar e levar às barras dos tribunais civis e militares que, nos estritos limites de suas obrigações legais, “cumpriram o duro dever de se opor a agitadores e terroristas, de armas na mão, para que a Nação não fosse levada à anarquia”.
Os derrotados de ontem, todos se intitulando ex-torturados, regozijam-se pelo sucesso e antevêem, com indisfarçada sofreguidão, a concretização de atos que haverão de mitigar os sentimentos de frustração e ódio aos que impediram a implantação, na Terra de Santa Cruz, de sua fracassada doutrina. Certamente os alvos estão selecionados e as ações a realizar, definidas: mudanças de designações de logradouros públicos e até (por que não?) de unidades militares; colocação de placas em locais que inventarão terem sido “centros de tortura”; construção de memoriais às “vítimas da ditadura militar”; execração pública de políticos e chefes militares, vivos ou mortos, que se destacaram no combate à subversão e às guerrilhas maoístas e foquistas; pagamento de novas e ainda mais polpudas indenizações aos “combatentes da liberdade”; publicação de farta literatura sobre os anos de chumbo; revisão e anulação da Lei da Anistia... Dentre tantas outras medidas idealizadas pela inesgotável sede de vingança.
Esses, porém, são objetivos “táticos”. Na bem formulada manobra estratégica, a comissão da vingança destaca-se como peça de manobra de ponderável poder de combate a ser empregada na conquista do objetivo decisivo, a “transformação das Forças Armadas”. Não a transformação tão meticulosa e laboriosamente planejada pelo Exército, com vistas a aumentar seu preparo, sua capacidade de bem cumprir as missões constitucionais e seu poder de dissuasão; mas sim a transformação dos valores, das tradições, da maneira de pensar o Brasil e da própria missão das Forças. É preciso “descolá-las” de seu passado e de suas tradições; “domesticá-las”; inibi-las; modificar-lhes o “senso comum”. Desarticular, enfim, sua capacidade de atuar como a “Grande Barreira”, tão sobejamente demonstrada em outras instâncias. E, por que não, diminuir-lhes a elevada credibilidade que detêm junto ao povo brasileiro? Logo elas, as Forças torturadoras, são as instituições mais respeitadas? Quanto ódio!
Na visão de seus idealizadores, a comissão da vingança, bem explorada e conduzida, contribuirá para precipitar a “reforma intelectual e moral” e a “reforma institucional” que redundará na cooptação das Forças Armadas e, em especial, do Exército. Ela se insere em vasto elenco de medidas já adotadas, como a promoção do revisionismo histórico; a proibição de comemorar a Revolução de 31 de Março de 1964; a retirada da História do Exército de sua página na Internet; a permeação do estamento militar com “novas” e “progressistas” idéias; a reorganização e o “aparelhamento” do Ministério da Defesa, até mesmo pela criação do desnecessário cargo de chefe do estado-maior conjunto; a inferiorização do “status” dos Comandantes das Forças; e a “satanização” da “ditadura militar”, dentre tantas outras.
Ao mesmo tempo, é preciso repetir, sempre, que as Forças Armadas (o Exército em particular) de ontem (ditatoriais, arbitrárias e truculentas) nada têm a ver com as de hoje, “democráticas e progressistas” e envergonhadas das atrocidades que serão apontadas pela comissão da vingança.
Ao acompanhar o desenvolvimento de tão sombrio cenário, os integrantes da Grande Barreira voltam-se para suas lideranças e, disciplinados e serenos... Aguardam e confiam!
Aguardam a palavra do comando que traduza a orientação segura para se contrapor, nos limites impostos pelo estado democrático de direito, às provocações, infâmias e calúnias desencadeadas pela comissão da vingança.
Confiam na inteligência e no descortino de seus experientes chefes, soldados intransigentes na defesa da honra, do passado, das tradições das Forças e de todos os seus ilustres e honestíssimos chefes.
Confiam na força de caráter de seus comandantes e sabem que a pusilanimidade e o apego ao cargo não são traços de seu comportamento.
Confiam na força de nossa Força e sabem-na muito superior a grupelhos de recalcados revanchistas.
Confiam, porque, embora vivam com os olhos postos no futuro, não esquecem o passado de sacrifícios e de lutas pela preservação das liberdades democráticas em nosso país. E sabem que as atuais e futuras gerações têm a obrigação de honrar e defender os que lutaram e tombaram na guerra irregular contra a guerrilha comunista.
Se assim não fosse, o silêncio poderia ser confundido com traição; a serenidade, com covardia; e a mera convivência protocolar, com adesismo. E a revolta diante das injustiças promovidas pela comissão da mentira e vingança abriria as portas para a descrença, a quebra da coesão e o desalento.
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