A árvore genealógica do Serviço Secreto Federal de Segurança da Rússiapor Carlos I. S. Azambuja (*) em 31 de julho de 2007
Resumo: Quem são os verdadeiros oligarcas, os cardeais cinzentos e os gerentes das sombras no mundo dos negócios russos e na vida política da Rússia?
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“As organizações que sucederam ao KGB conseguiram sobreviver depois de desvinculadas do comunismo. Ao retomar antigos métodos de terrorismo e guerra, elas conseguiram impor um ‘estilo russo’ de governo”.
(livro A Explosão da Rússia, de Alexander Litvinenko e Yuri Felshtinsky, editora Record, 2007)
A árvore genealógica do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB-FR) dispensa comentários. Desde os primeiros anos do poder soviético os atos dos indivíduos que trabalharam nesses departamentos mostraram-se implacáveis e impiedosos. A partir da Revolução de 1917, a polícia política da Rússia soviética (mais tarde União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) funcionou como um mecanismo inexorável de aniquilamento de milhões de pessoas. Essas estruturas jamais tiveram outras funções pois o governo e o partido nunca lhes atribuíram qualquer outra atividade prática ou política.
Nenhum outro país civilizado jamais teve algo comparável com as agências de segurança de Estado da URSS. Exceto no caso da Gestapo, na Alemanha nazista, nunca houve uma outra polícia que dispusesse de suas próprias divisões operacionais e investigativas ou seus centros de detenção, como por exemplo a Lubianka e a prisão do FSB em Lefortovo.
Os acontecimentos de agosto de 1991, quando da tentativa de golpe contra Gorbachev, quando um grupo de comunistas da linha dura manteve-o preso na Criméia por três dias e tentou afastá-lo do poder, levaram a mudanças radicais na vida dos russos, por conta de Boris Yeltsin, o primeiro presidente da Rússia eleito diretamente, que liderou, de cima de um tanque, em frente ao Parlamento, a resistência aos golpistas. Devido a esse fato contudo, Gorbachev perdeu poder, prestígio e popularidade por conta da ascensão de Yeltsin. Quatro meses depois, em dezembro, a União Soviética se desintegrou e Yeltsin tornou-se a principal autoridade na Rússia.
A conseqüente liberalização das estruturas políticas da Rússia demonstrou claramente que levariam ao enfraquecimento e talvez até ao fechamento do KGB, cujo chefe, Vladimir Kryuchov participara da tentativa de golpe. Já no dia 6 de maio de 1991 foi criado o Comitê de Segurança de Estado da República da Rússia, paralelamente ao KGB de toda a Federação. Em 25 de novembro, o KGB da Rússia foi transformado em Agência de Segurança Federal (AFB). Uma semana depois, em 3 de dezembro, o presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, assinou um decreto de “Reorganização das Agências de Segurança do Estado”. Com base nesse decreto, seria criado um novo serviço Interdepartamental de Segurança da URSS (MSB), a partir da estrutura do KGB, que era abolido.
Simultaneamente, o velho KGB, como uma hidra de múltiplas cabeças, subdividia-se em quatro novas estruturas. O Primeiro Departamento, que cuidava da Inteligência Externa, foi reconstituído separadamente como Serviço de Inteligência Central, mais tarde batizado de Serviço de Inteligência Externa (SVR). O Oitavo e o Décimo Sexto Departamento (encarregados das comunicações governamentais, codificações e reconhecimento eletrônico) foram transformados no Comitê de Comunicações Governamentais (futura Agência Federal de Informações e Comunicações Governamentais). O serviço de guarda de fronteiras transformou-se no Serviço Federal de Fronteiras. O antigo Nono Departamento do KGB transformou-se em Departamento da Guarda Pessoal do Gabinete do Presidente da RSFSR (República Socialista Federativa Soviética da Rússia, nome oficial da Rússia na era soviética). O antigo Décimo Quinto Departamento passou a ser o Serviço de Segurança Governamental e Guarda Pessoal da RSFSR. Estas duas últimas estruturas foram posteriormente transformadas no Serviço de Segurança do Presidente e no Serviço Federal de Guarda Pessoal. Um outro serviço especial super secreto também foi separado do antigo Décimo Quinto Departamento do KGB: o Departamento Presidencial Central de Programas Especiais (GUSP).
No dia 24 de janeiro de 1992, Boris Yeltsin assinou um decreto criando o Ministério da Segurança (MB), a partir das estruturas da AFB e do MSB. Ao mesmo tempo, era constituído um Ministério da Segurança e do Interior que, no entanto, logo seria dissolvido. Em dezembro de 1993, o MB era, por sua vez, rebatizado de Serviço Federal de Contra-Inteligência (FSK) e em 3 de abril de 1995, Yeltsin assinou o decreto da “Formação de um Serviço Federal de Segurança da Federação Russa”, pelo qual o FSK era transformado no FSB.
Essa longa seqüência de atos de reestruturação e mudanças de nomes destinava-se a proteger a estrutura organizacional das agências de segurança do Estado, ainda que de forma descentralizada, frente aos ataques dos democratas, juntamente com a estrutura para preservar o pessoal, os arquivos e os agentes secretos.
O KGB estivera anteriormente sob o controle político do Partido Comunista que de certa maneira funcionava como um freio às atividades das agências especiais, pois nenhuma operação importante era possível sem a autorização do Politburo. Depois de 1991, o MB-FSK-FSB começou a operar na Rússia de forma absolutamente independente e sem controle, à parte o controle exercido pelo FSB sobre seus próprios agentes. Sua disseminada estrutura predatória já não era mais contida nos limites da ideologia ou da lei.
Depois do período de confusão resultante dos acontecimentos de agosto de 1991 e da equivocada expectativa de que os agentes do antigo KGB cairiam no mesmo ostracismo que o Partido Comunista, os serviços secretos deram-se conta de que a nova era, livre da ideologia comunista e do controle do partido, oferecia certas vantagens. O antigo KGB pôde lançar mão de seus amplos recursos de pessoal (tanto oficiais como extra-oficiais) para posicionar seus agentes em praticamente todas as esferas de atividade no vasto território do Estado russo.
A forma como todo esse esquema foi montado veio a ser detalhadamente descrita pelo diretor do Instituo Italiano de Política e Economia Internacional, Marco Giaconi, professor em Zurique: “As tentativas do KGB de assumir o controle das atividades financeiras de várias empresas seguem sempre o mesmo padrão. A primeira etapa tem início quando gângsteres tentam vender proteção ou usurpar direitos. Em seguida, agentes especiais dirigem-se a essas empresas para oferecer ajuda na solução. A partir desse momento, a empresa perde a independência para sempre. Inicialmente, uma empresa que cai na armadilha do KGB encontra dificuldades para conseguir crédito, podendo inclusive sofrer graves reveses financeiros. Posteriormente, pode receber concessões para comerciar em setores como alumínio, alimentos, celulose e madeira, recebendo um forte estímulo para seu próprio desenvolvimento. É nesse estágio que vem a ser infiltrada por antigos agentes do KGB, tornando-se também uma nova fonte de renda para a organização”.
A vitória de Yeltsin nas eleições de 1996 foi seguida pelo surgimento, à primeira vista inexplicável, de campanhas de propaganda para denegrir a reputação dos principais empresários russos. Na vanguarda dessas campanhas estavam alguns rostos bem colocados das agências de segurança.
A língua russa incorporou uma nova palavra, “oligarca”, embora fosse evidente que nem mesmo o mais rico indivíduo do país poderia ser considerado um oligarca no sentido literal, pois carecia do componente básico da oligarquia: poder. Tal como anteriormente, o verdadeiro poder continuava nas mãos dos serviços secretos.
Gradualmente, com a ajuda de jornalistas que também eram agentes do FSB e do SBP e de todo um exército de escribas inescrupulosos sedentos de sensacionalismo, os poucos “oligarcas” do mundo dos negócios da Rússia passaram a ser chamados de ladrões, escroques e até assassinos. Enquanto isso, os criminosos realmente perigosos, assenhoreando-se de um verdadeiro poder oligárquico e embolsando bilhões em dinheiro jamais registrado em contabilidade regular, estavam aboletados em suas mesas de diretores nas agências coercitivas do Estado russo: o FSB, o SBP, o FSO, o SVR, o Departamento Central de Inteligência (GRU), a Promotoria Geral, o Ministério da Defesa (MO), o Ministério do Interior (MVD), a Alfândega, a Polícia Fiscal, e assim por diante.
Estes sim, eram os verdadeiros oligarcas, os cardeais cinzentos e os gerentes das sombras no mundo dos negócios russos e na vida política do país. Detinham o verdadeiro poder, ilimitado e sem controles, protegidos pelo fato de pertencerem aos serviços de segurança, eram verdadeiramente intocáveis. Abusavam rotineiramente das prerrogativas de seus cargos, levando propinas e roubando, acumulando capital e envolvendo os subordinados em atividades criminosas.
A matéria acima é um resumo da Introdução do livro A Explosão da Rússia, de Alexander Litvitnenko - ex-Tenente Coronel do FSB - e Yuri Felshtinsky – historiador, especialista em serviços secretos russos -, Editora Record, 2007.
(*) Carlos I. S. Azambuja é historiador.
Fonte: https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=65386&cat=Ensaios&vinda=S
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