“O filme mais odiado da história”
A cobra vai fumar de novo. A exibição do controvertido documentário Rádio Auriverde na TV Brasil, às 23h da próxima sexta-feira, está reeditando um pouco da celeuma que acompanhou sua estreia há quase 20 anos. Eu era programador do cinema do CCBB quando aconteceu ali a primeira exibição do filme no Rio, em 12/5/1992. A pressão contrária era enorme, mas nós não compactuaríamos com qualquer tipo de censura. Reforçamos a segurança para o caso de os protestos anunciados pelos ex-pracinhas se transformarem em nova guerra. Àquela altura, a reação ao filme já era extremada, fazendo com que Sylvio Back o alardeasse como “o mais odiado da história”.
Com sua revisão sarcástica da participação brasileira na II Guerra, Rádio Auriverde dubla a narração de cinejornais e elege Carmem Miranda como contraponto e síntese simbólica de uma aventura militar supostamente farsesca e talhada segundo os moldes da colonização norte-americana. Na leitura de Back, a FEB teria sido usada como “carne de canhão” num conflito já praticamente definido. Ao contrário da imagem heróica cultivada pela História, ele expunha soldados estropiados e mal preparados para o frio e o conflito. Mas havia algo ainda mais grave e arriscado, que era dar razão à propaganda nazista.
Trata-se de um filme cruel, panfletário e incômodo, mas que se oferece ao debate sem subterfúgios. Sylvio Back sempre o defendeu como uma visão do pracinha “humanizado, em carne e osso”, além de uma crítica, isso sim, ao “espírito de corporação” que perpetua mitos intocáveis. Isso não bastou para impedir que historiadores, críticos e ex-combatentes até hoje cerrem fileiras contra o filme. Agora mesmo o crítico Ely Azeredo me autorizou a publicar seu e-mail intitulado “Dia da infâmia”:
“A TV Brasil exibirá o antidocumentário Rádio Auriverde. Privilégio inglório: em nenhum lugar do mundo foi produzido e exibido para o grande público um filme veiculando a voz do reich nazista sobre a participação dos brasileiros na segunda guerra mundial. Agravante: o texto de introdução ao filme – no site da TV Brasil – nada informa sobre o mal-estar que a exibição do antidocumentário provocou em setores responsáveis da opinião pública brasileira, nem previne os eventuais telespectadores sobre os danos que (ainda) pode provocar na compreensão de nossa história.”
Do outro lado da trincheira, Back festeja a boa circulação do DVD e a transmissão na TV Brasil, operando agora numa rede que incorpora sete emissoras universitárias e 15 TVs públicas regionais, cobrindo mais de 1.700 municípios em 23 estados. “Um luxo de audiência, imagino!”
P.S. O site da TV Brasil até ontem registrava erroneamente que Rádio Auriverde ganhou o Kikito de melhor filme em Gramado 1991. O doc apenas concorreu. No Festival de Natal, levou um prêmio para a pesquisa.
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