FAB construiu
um buraco para testes nucleares no meio da Amazônia
Local ficaria escondido dentro de uma
base militar
Francisco Leali e
Roberto Maltchik
23/03/2014 - 07:00 / Atualizado em
26/03/2014 - 16:01
BRASÍLIA e RIO - No meio da selva amazônica, estrategicamente escondido
dentro de uma base militar, a Força Aérea Brasileira (FAB) construiu, no início
da década de 80, um buraco para testes nucleares. Mas até hoje a FAB e oficiais
que atuaram no programa nuclear em nome da Aeronáutica resistem em admitir que
ali seriam feitas explosões atômicas, com potencial bélico, apesar de
evidências no sentido contrário.
Com base na lei de acesso, O GLOBO solicitou todos os registros sobre a
empreitada na base de Cachimbo. A FAB confirmou a existência do projeto
oficialmente batizado de Pedra do Índio para construção de buraco na sua base
militar no Pará. Mas não fez referência a sua destinação.
Apenas dois documentos produzidos na época, hoje desclassificados, foram
liberados: um que trata da construção do buraco em 1987 e outro sobre a
implosão do poço em novembro de 1990, depois que o presidente Collor determinou
o fim das pesquisas nessa área.
O brigadeiro Reginaldo Santos, engenheiro ótico do projeto de
enriquecimento de urânio pelo método a laser, atuava no Centro Técnico
Aeroespacial (CTA) enquanto a Aeronáutica abria o buraco do Cachimbo. Ele
argumenta que a obra tinha por objetivo selar rejeitos de origem nuclear, por
meio do processo de vitrificação sob a rocha.
— A Comissão de Energia Nuclear (Cenem) tinha preocupação com os
rejeitos nucleares que estavam por ser produzidos. Então surgiu a possibilidade
deste material ficar selado na rocha. Havia essa possibilidade de vitrificar os
rejeitos e lançá-los no Cachimbo — afirma o militar reformado, hoje
diretor-geral da binacional aeroespacial Alcântara Cyclone Space, que completa:
-- Ninguém nunca determinou que fizéssemos o desenvolvimento de explosivo
nuclear. Isso não chegou até mim. Havia, na época, uma preocupação dos
políticos para que o país não passasse essa imagem.
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Porém, além do próprio almirante Othon, que liderou na Marinha a busca
pela tecnologia de enriquecimento de urânio pelo método de ultracentrifugação,
o físico e especialista em energia nuclear Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe/RJ,
que acompanhou de perto os desdobramentos do programa nuclear brasileiro,
sustenta que a explicação dada para o uso do Cachimbo não é plausível.
— O buraco não tem dimensão para isso (uso para vitrificação de rejeitos
nucleares). O diâmetro é de um pouco mais de um ou dois metros, com uma
profundida de 300 metros. Não é razoável acreditar que os militares tivessem
planos para colocar lixo radioativo lá. Como vai transportar esse lixo no meio
da selva? Para um teste, sim. Não uma bomba — rebate Pinguelli.
Sobre as pesquisas para fabricação da bomba, a FAB sustenta que tudo já
fora discutido no âmbito de um CPI aberta pelo Congresso em 1990. E que seu
papel foi apenas de tentar desenvolver tecnologias de enriquecimento de
urânio.“O Comando da Aeronáutica (COMAER) reconhece a existência do “Programa
Autônomo de Energia Nuclear”, como sendo um programa de governo desenvolvido a
partir da década de 1970, com a participação do Exército, Marinha e
Aeronáutica, além da Comissão de Energia Nuclear (CNEN). A participação do
COMAER no programa acima mencionado restringiu-se única e exclusivamente à
execução de atividades de pesquisa relacionadas a enriquecimento isotópico de
urânio, com o uso de tecnologias de lasers, reatores nucleares rápidos,
aceleradores lineares de elétrons e produção de urânio metálico”, diz a FAB.
Não há documentos produzidos entre 1986 e 1990 que estejam disponíveis.
Nesse período, o acesso à base era controlado pelo CTA com mão de ferro.
Militares que atuaram no local dão um exemplo. Em 1987 pousou na base para
abastecimento um avião da própria FAB que levava um grupo de oficiais. Enquanto
aguardavam, o brigadeiro que chefiava o grupo pediu para fazer uma inspeção no
local do buraco. O sargento que controlava a pista teve que dizer não ao
visitante e seus demais colegas, mesmo sendo hierarquicamente inferior a todos
ali. Na verdade, estava sob as ordens de um brigadeiro de mais alta patente, o
então chefe do CTA Humberto Zignago Fiúza, que também estava na base. Mas a
determinação expressa era que pessoal civil ou militar não autorizado não podia
ir ao local. Naquele dia, os oficiais partiram sem conhecer o buraco de
Cachimbo.
Além dos dois ofícios liberados pela FAB via lei de acesso, a Força
entregou uma tabela com resultado da análise geológica feita antes da obra em
Cachimbo, em que os técnicos descrevem a composição do solo até a profundidade
de 350 metros. Há ainda um croqui simples, feito à mão, indicando as dimensões
do fosso que na abertura teria pouco mais de um metro. No fundo do buraco
haveria uma galeria de 27 metros cúbicos.
No dia 5 de novembro de 1990, documento relata como foi a operação para
destruir o fosso. Foram 8 quilos de explosivos colocados a 45 metros de
profundidade. Comandada por militares do CTA, a explosão teria danificado a
chapa de aço na boca do buraco e também destruindo parte do concreto provocando
a abertura de uma caverna subterrânea também a 45 metros de profundidade. E
antes que alguém quisesse se aventurar para conferir o resultado, o ofício
lança um alerta: a caverna provocou uma instabilidade no terreno “não sendo
aconselhável sequer o acesso à área devido a probabilidade de desmoronamentos”.
Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/fab-construiu-um-buraco-para-testes-nucleares-no-meio-da-amazonia-11959036
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