FOLHA 100 ANOS
Jornalista da Folha de S. Paulo foi carcereiro
clandestino
“Tão logo me convidaram para entrar no Partido [PCB], comecei a frequentar as reuniões de base – as unidades mínimas do Partido chamam-se bases -; tinha uma base na Folha de S. Paulo, uma base no Estadão etc. Na base da Folha de S. Paulo, onde se reuniam os jornalistas que trabalhavam nos vários jornais da organização Folha, comecei a minha atividade.
Mas, poucas reuniões depois, apareceu um sujeito do
comitê estadual, que na ausência do chefe da base, nos reuniu e disse o
seguinte: ‘Companheiros, o companheiro fulano de tal – que era o chefe da base
– criou uma situação extremamente delicada. Arrumou uma amante que, temos
sérias razões para acreditar, é uma agente do DOPS (Departamento da Ordem
Política e Social). Então decidimos isolá-lo durante algum tempo, para podermos
investigar e tirar a limpo esta coisa. Precisamos arrumar um lugar para
depositar esse camarada, deixa-lo meio sem contato com o pessoal da profissão
durante algum tempo, até que possamos esclarecer tudo.’
Em suma, o que ele queria dizer era cárcere
privado, em última instância. E nomeou quatro idiotas para achar um lugar para
colocar o camarada.
E um dos quatro era eu. Não me recordo exatamente
quem eram os outros. Um dos quatro, salvo engano, era o jornalista Rocco
Bonfiglio, irmão da Mônica Bonfiglio, que aliás faz programas de TV sobre
anjos, essa coisa toda. Muito boa pessoa, eram muito meu amigo também, naquela
época.
(...) ... no fim, colocamos o sujeito lá e, de três
em três dias, alguém ia levar comida e cigarros para ele. E o sujeito ficou
depositado lá um tempão. Levei comida para ele três ou quatro vezes. Depois
designaram outras pessoas para fazer isso, e eu não soube de mais nada. Um dia
escuto, entre dois militantes, na redação a seguinte conversa:
- Sabe quem estava aí, na portaria? Aquele f. d. p.
do fulano de tal – que era aquele antigo chefe da base. Não deixamos nem
entrar.
Isso queria dizer que o sujeito estava virtualmente
excluído. Junto da exclusão do Partido, estava excluído da profissão, pelo
menos em São Paulo. Achei aquilo tudo normal, porque pareciam medidas de
segurança, e passados outros meses, certo dia, estou num bar na frente da Folha
de S. Paulo, tomando um cafezinho, e aparece o tal do sujeito, magro, chupado,
barbudo, com um ar de mendigo. E vem falar comigo. E eu, como militante
devotado, virei-lhe as costas e não falei com ele.
Também levei anos para compreender a significação
moral – ou imoral – daquilo que fiz, porque na verdade ocorreu o seguinte:
houve um cárcere privado, exclusão da profissão, descriminação odiosa, a
destruição total de uma vida, de uma carreira, no fim das contas, por causa de
uma desconfiança. E todo mundo considerou isso normal, porque o Partido tinha
todo o direito de agir assim. Nem se questionava.
Não tive o menor problema moral na época por ter
procedido assim. O bem estava conosco; do outro lado não eram nem gente.
Portanto, ninguém iria perder tempo tendo bons sentimentos para com um sujeito
que pensa de outra forma e tem outra orientação política.
Na época, estive insensível a esta coisa.
Entretanto, mais tarde, analisando o que se passou, eu vejo... Por exemplo,
hoje, esses que pedem indenização porque dizem que ‘foram excluídos da
profissão’ e não sei o que mais. Ao contrário, no Partido era normal excluir
uma pessoa, fechar uma boda, jogar um cidadão na miséria, na exclusão, no
silêncio e no isolamento total. Então, esse negócio de que ‘fomos
discriminados’, são ‘lágrimas de crocodilo’. Isso é a coisa mais falsa e torpe
a que se pode assistir. É uma coisa medonha, que não considero moralmente
justificável” (Olavo de Carvalho, HOE/1964, Tomo 3, pg. 108-109).
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Júlio de Mesquita Filho, dono de O Estado de S. Paulo, queria uma Revolução muito mais dura
“Quem teve a oportunidade de ler o livro "Março 1964: a mobilização da audácia", editado em 1965, irá relembrar as razões do acima exposto. Os que não leram vão tomar conhecimento do que escreveu o jornalista José Stachini, autor do livro, integrante de O Estado de São Paulo e, como citado no texto, considerado um de seus mais notáveis repórteres. Logo, aceito como pleno de credibilidade. A carta do Dr. Júlio de Mesquita Filho, de 20 de janeiro de 1962, ao Estado-Maior clandestino, transcrita no livro, demonstra a articulação posta em andamento para a derrubada do Governo Goulart. Divergindo de alguns pontos, ressalta as falhas dos movimentos de outubro de 1945, contra a ditadura e na queda de Getúlio em agosto de 1954, com a precipitação da entrega do Poder ‘a homens que vinham do mesmo passado’; discute sobre o prazo de permanência de um governo discricionário; trata do expurgo dos quadros do Poder Judiciário, como absolutamente necessário, mas sem violências desnecessárias; opta pela decretação de estado de sítio, de início, com a dissolução das Câmaras, após a conquista da confiança da opinião pública; defende a vigência da Constituição de 1946, com as devidas alterações; propõe nomes para as pastas ministeriais, concluindo que ‘seria meio caminho andado para que o País se convencesse de que, afinal, se haviam apagado da nossa História os hiatos abertos na sua evolução pela ditadura do senhor Getúlio Vargas e pela ação corruptora dos seus discípulos nos governos que se sucederam até os nossos dias’; e, com extrema convicção, proclama que: ‘Acha-se o País em estado de profunda comoção e não esconde a descrença que o vai dominando, relativamente à possibilidade de sairmos da situação de anarquia e desordem em que desesperadamente nos debatemos’. A etapa seguinte, de acordo com o livro, foi a apresentação por parte do doutor Júlio de Mesquita Filho aos chefes da conspiração de um projeto de ‘Ato Institucional’, elaborado pelo diretor de O Estado com a colaboração de professor de Direito Constitucional. Os seus dezesseis artigos definem que o governo será constituído por uma Junta Militar, que serão dissolvidos o Senado, a Câmara dos Deputados, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais, que governadores e prefeitos poderão ser confirmados ou destituídos com a nomeação de interventores, além de outras providências. Em suma, o que ocorreu efetivamente com a Revolução de 31 de março de 1964 foi muitíssimo mais tímido, muitíssimo mais brando, muitíssimo mais democrático do que havia sido proposto pelo doutor Júlio de Mesquita Filho” (Coronel Ernesto Gomes Caruso, Tomo 11, pg. 252-253).
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A conspiração militar para derrubar Jango começou em outubro de 1961
“Inicialmente, farei a seguinte colocação: não houve, a meu ver, uma revolução, em 1964, mas uma contrarrevolução. Quem queria fazer uma revolução não éramos nós; reagimos à revolução que estava sendo montada. Em plena guerra leste-oeste, o Brasil era disputado pelas forças da época, de um lado lideradas pela União Soviética, China e, também, Cuba; do outro, nós, democratas dispostos a defendê-lo. Fizemos a contrarrevolução. Impedimos uma revolução comunista, que transformaria o Brasil, não em uma nova Cuba, porém em uma nova China, em função da sua extensão territorial, riquezas, grande população e posição geográfica – na época o Atlântico Sul era militarmente vital. Geopoliticamente falando, se o Brasil caísse, cairia toda a América Latina. Foi dentro dessa visão contrarrevolucionária que se articulou a Revolução de 1964, ou seja, a Contrarrevolução de 1964.
Tudo tem início, a meu ver, na renúncia do
Presidente Jânio Quadros, quando os três ministros militares, Marechal Odylio
Denys, Almirante Sylvio Heck e Brigadeiro Grüm Moss, assumem a liderança da
Nação, durante um período. O Presidente Jânio Quadros simplesmente abandonara
sua cadeira de Chefe de Estado, e seu sucessor, Sr. João Goulart, já estava
comprometido com as forças ponderáveis da esquerda brasileira.
Na ocasião, Jango recebe a adesão do General José
Machado Lopes, Comandante do III Exército, que apoia a posição de Leonel
Brizola, então Governador do Rio Grande do Sul.
Seguem-se as démarches, nos setores militares e
políticos. A realidade é que os três ministros das Forças Armadas queriam dar
um basta ao avanço das articulações da esquerda, desencadeadas no País com uma
força incrível. Eles pensavam, até, em tomar definitivamente o Poder, fixando a
data de 5 de setembro de 1961. Entretanto, as forças militares se dividiram.
Uns queriam a tomada do Governo pelas forças militares, outros optavam por
manter o País na frágil legalidade existente. O Comandante do Exército,
combalido por uma fratura no pé e febre, marcou, mesmo assim, uma reunião com
os generais para o dia 3 de setembro, às 7h da manhã, no Palácio Laguna, para
tomar a posição definitiva.
Na véspera, tanto o Almirante Heck, que exercia
forte liderança na Marinha, quanto o Brigadeiro Moss, haviam obtido total apoio
dos seus pares. O Marechal Denys, porém, no dia da reunião, no Palácio Laguna,
conseguiu apenas o apoio de poucos generais, cinco ou seis, se não me falha a
memória. Terminada a reunião, o Marechal Denys chamou os Ministros da Marinha e
da Aeronáutica ao seu escritório, no Palácio Laguna, e relatou-lhes o resultado
do encontro.
O Almirante Heck dirige-se à sala de visitas, onde
se encontravam todos os generais convocados pelo Marechal Denys, e apoiado pelo
Brigadeiro Grüm Moss faz a seguinte declaração: ‘É lamentável que a decisão
tenha sido de entregar o Governo ao Jango. A revolução que poderia ocorrer
hoje, de cima para baixo, amanhã será feita de baixo para cima. Mandarei fazer
uma placa referente ao 5 de setembro de 1961, data que marcará o início de uma
longa e dura caminhada’.
Dito isto, retirou-se para o Ministério da Marinha,
acompanhado pelo Brigadeiro Grüm Moss e pelo Capitão-de-Fragata José Calvet
Aranha, mais tarde Almirante; também me encontrava no carro com eles, nesta
ocasião. Entregou-se o Governo ao Jango. Um grupo da Aeronáutica tentou, ainda,
uma reação que o Brigadeiro Moss conseguiu evitar.
Um mês depois, no Edifício Avenida, na Avenida Rio
Branco, no Rio de Janeiro, realiza-se a primeira reunião, para se articular a
Revolução de 1964, presidida pelo Almirante Heck. Estavam presentes, também, do
Exército: Marechal Odylio Denys, General José Pinheiro Ulhôa Cintra, enteado do
Presidente Dutra; da Aeronáutica: Brigadeiro Grüm Moss e outros; da Marinha:
Almirantes Silveira Lobo, Acir de Carvalho Rocha, Augusto Rademaker, Mário
Cavalcante, Levy Aarão Reis e Heitor Lopes de Sousa, este do Corpo de Fuzileiros
Navais; do Itamaraty: Embaixador Abelardo Hermann Moraes e Barros, Osvaldo
Américo Campiglia, e os médicos Nemésio Bailão e Sílvio Fausto, este muito
amigo do Dr. Júlio de Mesquita Filho.
Coube-me secretariar este encontro memorável em que
se decidiu iniciar o processo de articulação junto às Forças Armadas e à
sociedade civil.
Como havia alguns representantes de grupos civis
paulistas, na reunião, o processo começou em São Paulo, no meio civil. Em
seguida, formou-se um núcleo chefiado pelo General Agostinho Cortes e outro
coordenado pelo General Sebastião Dalysio Menna Barreto. Precisou-se ampliar
com a formação de um terceiro grupo de coordenação e suporte financeiro,
chefiado pelo Dr. Júlio de Mesquita Filho. Dele fazem parte: Dr. Gastão
Vidigal, Dr. Hermann Moraes e Barros, Dr. João Bapstista Leopoldo Figueiredo,
que fundou, logo em seguida, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES),
órgão de relevante influência no processo conspiratório” (Doutor Carlos Eduardo
Guimarães Lousada, Tomo 7, pg. 342-343).
“Com a queda do parlamentarismo, João Goulart
sentiu-se livre para fazer o que queria: implantar no Brasil uma república
sindicalista, nos moldes peronistas. Os acontecimentos foram se precipitando;
todos viam e sentiam que caminhávamos para um regime de esquerda implantado
pelo próprio Governo. Como E/1 (Oficial de Informações) da 10ª. Região Militar,
em Fortaleza, trabalhei no preparo do que seria uma contrarrevolução, ou seja,
planejando as ações que deveríamos desencadear após a possível implantação
comunista no País.
Naquele momento, ainda sem nenhuma orientação do
escalão superior, sem nenhuma orientação de um líder – porque ainda não
tínhamos líder -, estávamos trabalhando, preparando essas ações. A ideia
central era esta: se implantado um regime comunista, deixaríamos os quartéis,
levando a maior quantidade possível de armamento e equipamento para o interior.
Iríamos para zonas previamente escolhidas, solidários aos líderes rurais, onde
montaríamos núcleos de resistência para derrubar o regime anárquico que seria
instalado” “General-de-Brigada Gentil Nogueira Paes, Tomo 12, pg. 140).
“É preciso que a opinião pública entenda que o objetivo de 1964 não foi uma
ação de tomada do Poder. Houve apenas uma contraposição ao que estava
ocorrendo. Lembro que no Rio de Janeiro o Almirante Aragão havia cercado o
Palácio do Governo do Estado, cujo Governador [Carlos Lacerda] foi obrigado a
usar a retransmissão de uma estação de rádio de Belo Horizonte para denunciar o
cerco. O Exército tem nos seus arquivos uma gravação da primeira reunião do
Partido Comunista Brasileiro depois do 31 de março. Na sua autocrítica eles
reconhecem que a precipitação da esquerda em tentar a tomada do Poder foi uma
das causas do fracasso” (General-de-Brigada Léo Guedes Etchegoyen, Tomo 8, pg.
180).
BIBLIOGRAFIA:
MOTTA, Aricildes de Moraes (Coordenador Geral). História
Oral do Exército - 1964 - 31 de Março - O Movimento Revolucionário e sua
História. Tomos 1 a 15. Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 2003.
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19 capas de jornais e revistas: em 1964, a imprensa disse sim ao golpe
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Imprensa e Poder: uma análise da ação dos jornais OESP e Folha de S. Paulo no Golpe de 19641
Luiz Antonio Dias – Doutor em História Social (UNESP)
Professor Titular da Universidade de Santo Amaro (UNISA)
Professor Assistente Pontifícia Universidade Católica (PUCSP)
http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/biblioteca/BV-AE-OPP-LuizAntonioDias.pdf
***
Leia ainda:
MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Seleção de textos
http://felixmaier1950.blogspot.com/2020/09/memorial-31-de-marco-de-1964-textos.html
HISTÓRIA ORAL DO EXÉRCITO - 31 MARÇO 1964
Fichamento dos 15 Tomos
http://felixmaier1950.blogspot.com/2020/09/historia-oral-do-exercito-31-de-marco.html
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