Rio de Janeiro é refúgio para ladrões e golpistas em filmes de Hollywood
Rodrigo Fonseca
RIO - É um fetiche do cinema escolher o Rio de Janeiro como refúgio para ladrões e golpistas que buscam um oásis para fugir de Interpols, CIAs, FBIs ou outras forças de execução da lei recriadas pela ficção. Há exemplos recentes como "Antes que o diabo saiba que você está morto" ("Before the Devil knows you are dead"), de Sidney Lumet, que chegou às telas brasileiras no primeiro semestre e acaba de sair em DVD. Ao discutir com sua mulher (Marisa Tomei) o que fazer para mudar de vida, enquanto planeja um golpe à joalheria de seus pais, o corretor Andy Hanson (Philip Seymour Hoffman) decide com facilidade onde desfrutar o resto de seus dias: "Vamos para o Brasil, viver no Rio".
O caso mais notório de assaltante que, na vida real, encheu os bolsos com o dinheiro alheio e correu para a paisagem carioca, o inglês Ronald Biggs, ganhou seu quinhão de celulóide na tela grande. O paradeiro dos criminosos envolvidos no assalto ao trem pagador é o mote do diretor David Green em "Buster - Procura-se um ladrão" (1988). Thriller com tintas de comédia e de drama, o filme de Green traz o cantor Phil Collins como ator, interpretando Buster Edwards. Biggs é encarnado por Ralph Brown na produção, que concorreu ao Oscar de melhor canção com "Two hearts", na voz de Collins.
Historicamente, há filmes mais antigos que exploram o lugar do Rio no imaginário da marginalidade. Muitos deles foram reunidos e analisados estética e politicamente no blog Films (http://blog.films.com.br/sobre-films/), um dos mais ricos fóruns cinéfilos da internet. Entre os casos de longas-metragens mais antigos, inclua "Seis destinos" ("Tales of Manhattan", 1942), do diretor francês Julien Duvivier, com Charles Boyer e Rita Hayworth. Não se trata de marginais em escapada, apenas de amantes que desejam um lugar em algum canto distante (e paradisíaco) do mundo onde possam viver seu amor em paz. Mas como se trata de um filme urdido sob as concepções de bom comportamento e honra da década de 1940, a paixão adúltera dos personagens é tratada pelo roteiro como algo ilícito. Daí o Rio surgir como uma solução dramatúrgica precisa. Aqui, segundo a imaginação de um realizador europeu abraçado por Hollywood, tudo seria permitido. Aliás, esse é o mesmo pensamento que torna o Rio atrativo para os nazistas de "Interlúdio" ("Notorious", 1946), de Alfred Hitchcock, que desenha uma América do Sul idílica para Cary Grant e Ingrid Bergman.
Em 1951, entra em cartaz "O mistério da torre" ("The lavender hill mob"), de Charles Crichton. O longa, premiado com o Oscar de melhor roteiro, traz sir Alec Guinness como um ex-caixa de banco que rouba uma fortuna e se esconde no Rio para viver como um magnata. Suas filmagens se concentraram em Paris e em Londres, onde existem estúdios com estrutura capaz de reproduzir, com verossimilhança absoluta, qualquer bar da orla de Copacabana, desde que não se cobre uma praia na telona.
O thriller cômico vai ser refilmado em 2009. O cineasta Dean Parisot, de "As loucas aventuras de Dick e Jane" (2006), assume as filmagens. A nova versão poderá ter Jim Carrey no papel central.
Estrelado por Jean-Paul Belmondo e Françoise Dorléac, "O homem do Rio" ("L'homme de Rio"), de Phillipe De Broca, também traz criminosos aos montes de passagem pela cidade. Brocca, cineasta que injetou humor nas veias da Nouvelle Vague, rodou seqüências do longa no Museu de Arte Moderna. O mesmo local acolheu tipos maus com pinta de caricatura de "Um samurai em Copacabana" ("Rio no wakadaishô", 1968), do diretor Katsumi Iwauchi.
Há quem jure que o Rio foi o local de fuga escolhido pelo personagem de Steve McQueen ao fim de "Crown, o magnífico" ("The Thomas Crown affair", 1968). O argumento dos que defendem esse ponto de vista acerca do longa de Norman Jewison: só aqui ele encontraria mulheres tão (ou mais) bonitas quanto Faye Dunaway.
Nos anos 1970, até vilões de 007 resolveram dar um pulinho no Corcovado, para atazanar a vida do agente secreto número um de Sua Majestade. O bondinho serviu de palco para a luta entre o James Bond Roger Moore e Jaws (Richard Kiel), o assassino da mandíbula metálica, em "007 contra o foguete da morte" ("Moonraker"), de 1979.
A beleza da fauna feminina carioca é um dos ímãs que levam Vincent Benedict, o escroque vivido por Danny DeVito em "Irmãos gêmeos" ("Twins", 1988), de Ivan Reitman, a dizer "Já estava a caminho do Brasil" para seu mano Julius (Arnold Schwarzenegger). Com divídas na praça e inimigos em sua cola, Vincent não vê outra alterntiva que não seja dar no pé, deixando seu irmão Arnoldão com pepinos para resolver em seu lugar.
Rodado dois anos anos do que o filme de Reitman, "Um dia a casa cai" ("The money pit", 1986), de Richard Benjamin, também põe o Rio no planisfério da picaretagem mundial. A Cidade Maravilhosa serve de abrigo para os malandros que vendem um casarão de estrutura comprometida ao casal Tom Hanks e Shelley Long.
Na década de 1990, dois filmes marcam o universo de bandidos que fogem para o Rio. O assunto é abordado com humor em "Freiras em fuga" ("Nuns on the run"), de Jonathan Lynn com Eric Idle e Robbie Coltrane. Na trama, dois gângsters desiludidos escolhem o Rio como seu destino final. Esse é a mesma decisão tomada pelo taxista (Andrew McCarthy) de "Sádica perseguição" ("Night of the running man", 1994), de Mark L. Lester.
Nos anos 2000, além de "Antes que o diabo saiba que você está morto", há um filme obrigatório para entender o que traz a bandidagem gringa para o Rio: o documentário "Olhar estrangeiro", de Lúcia Murat. Na produção, a cineasta discute mitos e tabus acerca do espaço que a cultura carioca ocupa na subjetividade dos realizadores internacionais. A partir de uma série de entrevistas, Lúcia redescobre a aura de exotismo que ainda cerca a cidade, fazendo dela cenário para o entretenimento.
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