MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Expurgo de nomes ao estilo russo - por Vladimir Shlapentokh

06/10/2007

Expurgo de nomes ao estilo russo

Vladimir Shlapentokh*
Em East Lansing, Michigan


Um grande número de indicadores descreve o movimento de uma sociedade da liberdade ao autoritarismo. Um deles é o número de figuras públicas (políticos, cientistas, escritores, jornalistas e assim por diante) que as autoridades proíbem em vários meios e publicações científicas. Eu rotularei este número de indicador de "nível de silenciamento". Quanto maior o NS -isto é, quanto maior o número de nomes proibidos- mais próxima está uma determinada sociedade do autoritarismo.

O indicador NS começou a ter um papel importante na medição de processos políticos na União Soviética no final dos anos 20, quando o autoritarismo já tinha atingido um nível elevado. Picos ocorreram na segunda metade dos anos 30; durante a luta com o "cosmopolitismo" de 1948 a 1953, e finalmente nos anos 70, quando os nomes de emigrantes recebiam o mesmo tratamento que os nomes de "inimigos do povo" recebiam nos tempos de Stalin.

Nos anos 50, parênteses eram usados para destacar os nomes judeus das vítimas de repressão que tinham mudado seus nomes. A repressão de nomes sobreviveu ao regime de Stalin e fazia parte da vida mesmo durante a época relativamente suave de Leonid Brejnev. Após a exoneração de Nikita Khruschev em 1964, seu nome desapareceu de todos os meios, livros e dicionários.

As enciclopédias soviéticas eram um guia chave para o indicador NS. Em um exemplo, um artigo sobre o chefe da KGB, Lavrentii Beria, aparecia na segunda edição da Grande Enciclopédia Soviética antes de sua prisão, condenação e execução em 1953. A enciclopédia eliminou o verbete e expandiu o seguinte, sobre o Estreito de Bering.

A ressurreição de nomes foi um dos milagres da perestroika de Mikhail Gorbatchov. Centenas de nomes de figuras políticas, cientistas, escritores e jornalistas apareceram nas páginas de livros, jornais, programas de televisão e no teatro, como que surgidos de outro mundo. O "Dicionário Enciclopédico Ilustrado" de 1997 até mesmo exibia uma foto de Trotsky, que eu, nascido na União Soviética em 1926, vi pela primeira vez apenas quando cheguei ao Ocidente em 1979.

Até o primeiro ano da presidência de Vladimir Putin, em 2000, o indicador NS era muito baixo. Desde então ele começou a crescer rapidamente.

Hoje, os nomes que supostamente devem ser mencionados em tom positivo nos jornais que servem ao Kremlin são bem conhecidos. Ao mesmo tempo, o Kremlin criou uma lista negra de pessoas que não podem aparecer nas publicações que colaboram com o regime e não podem aparecer nos programas de entrevista da TV.

Entre eles estão praticamente todos aqueles que ousam desafiar a supremacia de Putin, incluindo Grigory Yavlinsky, o líder do partido Yabloko; Garry Kasparov, líder do movimento de oposição Outra Rússia, e Mikhail Kasianov, o ex-primeiro-ministro que virou político de oposição.

Como a história demonstra, muitos funcionários do governo correm para atender as autoridades no expurgo de nomes. Nos últimos meses, estes entusiastas têm visado os melhores sociólogos russos com a intenção de excluí-los da história da ciência apenas por serem liberais.

A campanha contra estes sociólogos liberais faz parte de um golpe organizado por um grupo de cientistas sociais picaretas em junho de 2007, que formaram uma nova organização, a Aliança dos Sociólogos Russos.

A organização mudou a liderança na sociologia russa dos liberais para aqueles que declaram abertamente seu ódio ao Ocidente, à democracia, à "ideologia liberal" e ao "cosmopolitismo".

Este evento se encaixa no plano geral do Kremlin de destruir gradualmente todos os elementos de liberalismo e sentimentos pró-Ocidente no país. Ele nos recorda de um processo semelhante na segunda metade dos anos 20, quando Stalin estava formando um regime totalitário e gradual e consistentemente destruindo a oposição política aberta ou velada. Stalin justificava sua campanha com base na luta de classes em vez de nacionalismo.

Sem causar surpresa, o "golpe" de junho na sociologia foi apoiado por quase todos que ocupam uma posição administrativa na comunidade científica. Os participantes do movimento antiliberal receberam telegramas de importantes políticos pró-Kremlin do país.

Um aspecto interessante do golpe deve ser notado. Os agentes da KGB que escoltavam músicos soviéticos a concertos internacionais eram chamados de "especialistas em arte em trajes civis". Mas o governo soviético raramente colocava membros da KGB em cargos administrativos de organizações profissionais. Hoje, Vladimir Shults, que aprendeu sociologia na KGB, é o vice-presidente da nova associação de sociologia.

Um líder do golpe foi Vasili Zhukov, que era totalmente desconhecido para a comunidade sociológica no Ocidente e na Rússia. Em seu relato da reunião, ele reescreveu a história da sociologia russa. Sugerindo uma nova versão da história da sociologia russa, Zhukov eliminou seus fundadores das fileiras. Boris Grushin, Yuri Levada e Andrei Zdravomyslov, cientistas sem os quais a sociologia soviética seria impensável, não são encontrados na lista de Zhukov.

Grushin, que morreu recentemente, era um símbolo da sociologia russa. Rotulado de o "Gallup russo", Grushin foi o fundador dos estudos de opinião pública na Rússia. Ele foi o criador da primeira empresa não-estatal para estudo de opinião pública e autor de dezenas de livros.

Eu temo que o processo de silenciamento de nomes esteja ganhando força. É possível, certamente, sonhar que um czar justo algum dia convocará o burocrata encarregado das ciências sociais e lhe perguntará por que baniu nomes renomados da história da sociologia russa. Mas temo que isto seja apenas um conto de fadas, que a reabilitação destes nomes terá que esperar.

Por quanto tempo?

*Vladimir Shlapentokh é professor de sociologia da Universidade Estadual de Michigan.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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