31 de março: Palavras de um Pica-Fumo
Coronel José Gobbo Ferreira
Pequena, mas ativa na prestação dos serviços de apoio a todas as guarnições da 4ª Região, perfeitamente integrada no espírito de servir, e com equipes esportivas poderosas, tanto de Oficiais como de Sargentos, frequentemente campeã em basquete, vôlei ou FutSal nas competições da guarnição.
Eu servia orgulhosamente nessa Unidade, onde havia chegado Aspirante no início do ano anterior, feliz como só um Aspirante pode se sentir. Um dia, meu Comandante me chamou para uma conversa em seu gabinete. Ela versou sobre a situação política, minhas convicções, o que achava do que estava acontecendo etc. Não seria honesto lhes narrar minhas respostas, pois não me lembro mais delas. Sei que, no dia seguinte, o Capitão me ordenou que me apresentasse ao Gen. Mourão, nosso Comandante de Região, no QG.
Lá chegando, tive mais ou menos a mesma conversa com o General, acompanhado de um índio velho paisano envolto em um poncho, do Cel. Batista, Chefe do Estado Maior, e do TC Heitor de Caracas Linhares, o E3 da Região. Imaginem o humilde pica-fumo, 2ºTenente MB, nessa companhia...
Lá chegando confabularam entre si e, ao final, me chamaram de volta. Aí descobri que o índio velho era o Gen. Muricy. Sob condição de sigilo total me ordenaram que me preparasse para cumprir uma missão de risco.
No dia 28 de março fui chamado pelo Cel. Batista. Ele me deu uma leve noção do que estava para acontecer e me ordenou que organizasse uma equipe de suprimento Classe III (combustíveis, lubrificantes, etc.) e, na madrugada de 30 me deslocasse pela velha União e Indústria até Areal - RJ e estabelecesse um posto de reabastecimento e apoio a um grande efetivo de tropa que deveria se deslocar rumo ao Rio de Janeiro passando por ali. Em seguida, devia retrair para a margem esquerda do Paraíba e aguardar novas ordens.
O Coronel me deu uma carta pessoal para um sobrinho seu que devia colocar o posto de gasolina de Areal à minha disposição e me desejou boa sorte. No dia 30 lá fui eu, com meu jipe, três ou quatro caminhões militares e um caminhão pipa civil com gasolina, requisitado por nós.
Cumpri a missão. Só que, quando voltei à noite para a margem esquerda do Paraíba, de manhã completamente deserta, encontrei uma aglomeração de tropas, tendo à frente o 10º RI de Juiz de Fora, a comando do Cel. Everaldo. Era o glorioso Destacamento Tiradentes, em sua marcha rumo ao Rio de Janeiro. Acomodei meus homens, fui dormir exausto e acordei com um alvoroço, alta madrugada. Era o Ten. Monteiro de Barros (o mais novo), vadeando o rio para se juntar aos nossos. Pouco depois recebi ordem do TC Linhares para que partisse rumo ao posto em Areal, à frente do Destacamento e com alguma antecipação, para estar perfeitamente pronto e operacional quando a coluna passasse por lá.
Areal era um pequeno vilarejo, quase que só uma rua, em um vale. Elementos de vanguarda da infantaria do Rio já haviam ocupado as elevações ladeando a estrada.
Passávamos, completamente desabrigados, com o “inimigo” a cavaleiro de nós. No ar frio da manhã, podíamos ouvir os golpes de manejo da velha Madsen nos recepcionando. O coração veio à boca. O medo se apresentou para o serviço. Mas conseguimos o objetivo maior do guerreiro, que é vencê-lo. Prosseguimos, passamos por entre eles e nos instalamos.
O esquema que organizamos funcionou bem. Trabalhamos dois dias e a noite que os separou sem parar e quase sem comer. Enquanto isso os chefes se acertaram, e o interessante da missão é que, ao fim de um certo tempo, recebi ordem de abastecer também as viaturas do “inimigo”, que voltavam para o Rio praticamente juntas com as nossas. Prevaleceu o bom senso. Prevaleceu o espírito de conciliação que o brasileiro tinha naqueles tempos.
Já no Rio, recebi o eficiente grupamento de manutenção, a comando do Ten. Adilson Bertolino, meu querido irmão, e como, embora sem merecê-lo, eu fosse o mais antigo ,assumi o comando de toda a tropa da 4ª Leve em operação na Guanabara. O restante da missão foi trivial e bem conhecido.
Recebi elogios de todos os chefes do Destacamento, mas o de meu Comandante, Capitão Amaury Friese Cardoso, está gravado até hoje:
[...] por ter voluntariamente atendido à conclamação feita por este Comando, incorporando-se ainda em hora incerta à Revolução Democrática de 31 de março, ajudando a restaurar no Brasil o domínio da Constituição, a ordem jurídica e suas tradições cristãs.
[...]. No momento em que a vitória vai pouco a pouco se consolidando apresento sinceros agradecimentos e francos louvores por toda sua atuação no Movimento Revolucionário Democrático e concito a que continue trilhando os mesmos caminhos de amor à Pátria e lealdade aos princípios sagrados de nosso juramento à Bandeira do Brasil, como tão bem o fez até hoje (Individual). Meu Capitão: pode contar com isso!
É com esse background e esses parcos serviços prestados ao primeiro passo da Contrarrevolução que ouso alinhavar estas palavras, hoje, como uma homenagem ao manifesto “À Nação Brasileira: 31 de março” dos Clubes Militares, em particular ao meu, o Clube Militar, a Casa da República.
República é um termo que traz embutido o conceito de liberdade! Liberdade de pensar, de falar, de agir, dentro dos limites da lei. De ousar apontar os erros e os errados e de buscar solução para ambos. Mas estamos atravessando tempos pouco republicanos. O triste espetáculo de março do ano passado nas portas do Clube Militar se repetiu há pouco, recorrentemente, com nossa hóspede, a blogueira cubana Yaoni Sánchez. As tropas SA do nazi-petismo, dessa vez a serviço de Cuba, encurralaram a moça onde quer que ela pretendesse exercer seu direito de se expressar livremente em um país que ela imaginava fosse democrático. Essa é uma amostra clara do que nos espera se não reagirmos a tempo.
A incompetência, a demagogia e a falta de respeito do grupelho no poder brada aos céus por punição. A economia recua; o aumento do PIB é desprezível, abaixo da inflação e do crescimento populacional; a Petrobrás, antigo gigante econômico da Nação, se estiola; a inflação ergue a cabeça maldita e a inadimplência aumenta. A insensibilidade do governo é revoltante: enquanto patrícios sofrem a desonestidade e a irresponsabilidade dos políticos, sendo desalojados e morrendo como moscas nas intempéries previsíveis, madame presidente, ateia e comunista, vai farisaicamente beijar a mão do Papa, torrando milhões de reais com sua comitiva turística em Roma: O povo perdeu seus barracos? Que more em palácios...
A delinquência atormenta a sociedade em suas duas vertentes: a corrupção, dentro do governo, rapinando nossos recursos com incrível naturalidade patrimonialista, e a violência, aqui fora, exercendo o terrorismo rural e urbano que, aliás, atacou o próprio Clube em março passado. A pressão do vapor nessa caldeira que se tornou nosso país está subindo perigosamente. Fatos portadores de futuro apontam para a possibilidade real de uma explosão sangrenta, cuja probabilidade aumenta a cada dia.
Enquanto não tomamos posição, a Nação Brasileira está sendo esquartejada. O inimigo divide para vencer. Não somos mais a tão decantada fusão das raças branca, negra e indígena como me ensinaram em meus tempos de primário e ginasial. Hoje temos toda uma quinta-coluna promovendo nossa divisão em grupos: índios e quilombolas com direito a extensos territórios próprios, à custa da expulsão dos proprietários legais e produtivos; negros com direito a cotas especiais, esbulhando o justo direito dos mais qualificados; Ongs estrangeiras atuando descaradamente para impedir nosso desenvolvimento, sob a capa da proteção ambiental e aos indígenas; uma imensidade de cidadãos, refratários ao trabalho, com direito a bolsas a fundo perdido das mais diversas denominações, em troca de votos de cabresto. E, pagando e sofrendo por tudo isso, a classe média, à qual, por especial deferência do governo, são conferidos também dois direitos: o de trabalhar e o de pagar impostos escorchantes e sem retorno.
Repito mais uma vez que nós militares temos a obrigação moral e constitucional de defender as instituições tradicionais e a integridade da Pátria. Nós juramos que o faríamos. Não há Ativa ou Reserva. Não há Exército de ontem, de hoje ou de amanhã.
Há um e um só: o Exército de Caxias, que tantas vezes impediu a secessão no Brasil.
Pois bem, parece que terá que fazê-lo de novo. Que cada um esteja aprestado, dentro de suas possibilidades.
Fonte: https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=68299&cat=Ensaios&vinda=S
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