Morre dom Ávila, o general de Deus
Félix Maier
21/11/2005
Morreu, no início da manhã
de 14 de novembro de 2005, em Brasília, o Arcebispo Ordinário Militar do
Brasil, dom Geraldo do Espírito Santo Ávila. “Ele tinha um tumor
retroperitonial próximo ao ureter, que se irradiou para o rim, provocando uma
metástase no fígado” (JB online).
Velado na Catedral Militar
Rainha da Paz, que ele mesmo havia construído, localizada no Setor Militar
Urbano, o corpo de dom Ávila foi sepultado no mesmo local, dia 16 de novembro,
depois de ser realizada uma missa de exéquias (campal), celebrada pelo
bispo-auxiliar do Ordinariado Militar, dom Augustinho Petry. A homilia ficou a
cargo do arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz.
Autoridades se fizeram
presentes para dar o derradeiro adeus a dom Ávila: o governador Joaquim Roriz,
a vice-governadora Maria de Lourdes Abadia, os senadores Paulo Octavio (PFL-DF)
e Pedro Simon (PMDB-RS), e os deputados federais José Roberto Arruda (PFL),
Osório Adriano (PFL) e Wasny de Roure (PT).
Após duas horas de
celebrações religiosas, houve honras militares, com direito a três tiros de
fuzil e 15 de canhão, equivalentes às de general-de-divisão.
Até a nomeação de um novo
Arcebispo Militar, que será feito pelo Papa Bento XVI, dom Augustinho foi
eleito Administrador do Ordinariado Militar pelo Colégio dos Consultores.
Dom Ávila, desde que foi
nomeado Arcebispo Militar, em 12 de dezembro de 1990, a convite do Papa João
Paulo II, dava expediente diário em seu gabinete – a Cúria - no Ministério da
Defesa. Mesmo sem nunca ter prestado serviço militar, Dom Ávila tinha a patente
de general-de-divisão e comandava um verdadeiro exército de capelães, tanto das
três Forças Armadas, quanto das Auxiliares (Polícia Militar e Corpo de
Bombeiros). Os capelães são militares ordenados sacerdotes (católicos) ou
pastores (evangélicos). Em assuntos estritamente religiosos, somente os
sacerdotes prestam obediência ao Arcebispo Militar.
Dom Ávila era natural de
Datas, MG, e deveria se chamar Waldir, seu primeiro nome, antes de ser batizado.
A explicação está no Diário de sua mãe, a professora Maria Vicentina Gomes
Ávila:
“Waldir do Espírito Santo
Ávila – Nascido aos 10 de abril de 1929, forte e robusto até a idade de dois
meses. Todos da família chamavam-no de Waldir, Waldirzinho. Mas logo depois
apareceu na criancinha uma moléstia, que a sufocava. Recorremos a Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro e a São Geraldo para intercederem e Deus não deixasse a
criancinha morrer. Fizemos, então, um voto: colocá-lo no Seminário ainda que
fosse às esmolas e dar-lhe na Pia Batismal o nome de Geraldo. Deus aceitou o
voto. E nós de coração gratos cumprimos fielmente o nosso voto" (Jornal da Comunidade, "Perfil”, 14
a 20 de fevereiro de 2004, pg. D4).
Em depoimento ao mesmo Jornal da Comunidade, dom Ávila lembrou
que desde os seis anos de idade, quando fez a Primeira Comunhão, nunca mais
deixou de comungar diariamente o Corpo de Cristo, e que o voto dos pais se
limitava a colocá-lo no Seminário, que a decisão de se ordenar padre era
somente sua:
“Mesmo quando ainda não
havia tomado o conhecimento sobre o voto de meus pais, o meu brinquedo
preferido era fazer papel de padre, celebrando missas de mentirinha dentro de
casa. Eu reunia os irmãos, os vizinhos, os primos para assistir missas todos os
dias. Havia uma senhora que fazia hóstias para a igreja, então ela me dava os
retalhos da massa e eu fazia uma hóstia pequenininha; alimentava o turíbulo com
cascas de laranja, fazia incenso com rapadura e promovia procissão pela rua
afora. E quando me dei conta, muito antes de ir para o Seminário, descobri que
a minha vocação era mesmo o apostolado de Cristo”.
No dia 02 de fevereiro de
1941, com menos de 12 anos de idade, o menino Geraldo entrou para o Seminário
dos padres lazaristas, em Diamantina, MG, onde viveu durante 13 anos e
completou os cursos Ginasial e Científico, depois os de Filosofia e Teologia.
No internato, o seminarista
Geraldo se destacava como artilheiro de seu time de futebol. Adulto, Geraldo
deveria dar ainda mais trabalho à defesa adversária, pelo porte de jogador de
basquete que possuía, 1,82 m de altura, uma espécie de “Adriano das
Alterosas”...
Ordenado padre em 29 de
novembro de 1953, Ávila queria ser professor de Filosofia e Teologia no mesmo
Seminário onde se formara. Em 9 de janeiro de 1954, o padre Ávila recebeu uma
carta do bispo, dizendo que precisava trabalhar em Quanhães, cidadezinha
pertencente à Diocese de Diamantina, como vigário cooperador. Ocorre que o
vigário titular, cônego Sebastião Fernandes, dois anos depois ficou doente e foi
se tratar em Belo Horizonte, ficando a paróquia aos cuidados do padre novato.
Um ano depois, o bispo de Diamantina, dom José Newton, visitou Quanhães e
elogiou a obra do padre Ávila, especialmente a comunhão em massa que promovia
toda primeira sexta-feira de cada mês.
Em 1957, padre Geraldo foi
chamado para trabalhar na catedral de Diamantina, “o que equivalia a uma
promoção”.
No final de 1961, quando dom
José Newton foi transferido para Brasília, este pediu a seu substituto em
Diamantina, dom Geraldo Sigaud, para que o padre Geraldo viesse a Brasília para
ajudá-lo a organizar o Concílio Ecumênico, que começaria em 1962. A permanência
do padre Geraldo ficaria limitada à fase do referido Concílio e depois
retornaria para Diamantina. Porém, o Concílio, programado para durar no máximo
um ano e meio, foi-se alongando e nunca terminava e Geraldo acabou ficando 4
anos, até 1965. Com outra cartinha a dom Sigaud, dom Newton conseguiu que
Geraldo ficasse definitivamente em Brasília, de onde nunca mais saiu, a não ser
para as viagens pastorais às mais distantes unidades militares do País, do
Oiapoque ao Chuí.
No tempo em que assessorava
dom José Newton, o padre Ávila encontrava tempo para se dedicar como vigário da
igrejinha verde de madeira na Vila Planalto, a igreja Nossa Senhora do Rosário.
Ao mesmo tempo, acumulou as funções de vigário da Catedral de Brasília, somente
inaugurada em 1970 – mesmo ano em que o padre Ávila foi nomeado monsenhor -,
com a ajuda decisiva do presidente Costa e Silva.
Em 1974, quando um padre foi
nomeado para a Catedral, Ávila ficou só com a igreja da Vila Planalto, onde foi
vigário por 15 anos, de 1962 a 1977, ano em que foi nomeado Bispo Auxiliar de
Brasília, a 27 de junho. Nesse tempo, devido à grande falta de padres,
monsenhor Ávila fazia as vezes de vigário da igreja Nossa Senhora Aparecida, no
Gama, e da igreja de São José Operário, na Asa Norte.
Na Vila Planalto, o trabalho
de Ávila era voltado para funcionários da Novacap e da prefeitura que hoje é o
GDF (Governo do Distrito Federal). Lá havia 22 acampamentos de empresas que
construíram Brasília.
Numa 2ª feira do carnaval de
2000, um incêndio destruiu a igrejinha verde de madeira, ocasião em que dom
Ávila já exercia a função de arcebispo militar. Dom Ávila, justificando seu
magnânimo coração, descartou qualquer possibilidade de incêndio criminoso:
“Não, não acredito que alguém fosse capaz de praticar tamanha maldade”.
Como “general de Deus”, dom
Ávila exerceu inúmeras atividades, que podem ser vistas no site da CNBB (http://www.cnbb.org.br/index.php?op=noticia&subop=9784).
Dom Ávila é autor de
"Oração da Paróquia" (1971) e "Você em Oração" (1975), com
300.000 exemplares em 9 edições. Avesso a “tocar trombetas”, o trabalho de dom
Ávila sempre foi de muita humildade, sem qualquer tipo de ostentação, porém de
enorme eficiência. Um desses trabalhos é o Movimento Eureka, que começou em
1972, que incentiva jovens e adultos ao estudo da Bíblia. Para tanto, dom Ávila
distribuiu milhares de Bíblias aos católicos em todo o Distrito Federal, as
quais ele mesmo mandou imprimir.
Outro trabalho em que dom
Ávila se empenhava, de inspiração vicentina, era a “Sopa dos Pobres”, criada na
Vila Planalto na década de 1970, distribuída diariamente aos mendigos, em torno
de 1.300 pratos, em vários pontos do Distrito Federal, como a Ponte do
Bragueto, obra que tem o apoio voluntário de militares de toda a arquidiocese,
tanto para a confecção do alimento, quanto para a distribuição por meio de
kombis.
Toda Quinta-feira Santa, dom
Ávila exercia sua humildade beijando os pés de 12 pessoas pobres, simbolizando
o beijo idêntico que Jesus deu em seus apóstolos.
Depois da Catedral de
Brasília, outro sonho de dom Ávila era construir a Catedral Militar, que foi
inaugurada a 12 de setembro de 1994, com o nome de Catedral Militar Rainha da
Paz, em homenagem à mãe de Cristo, por ser reconhecida e reverenciada em todos
os países católicos, especialmente devido às aparições diárias de Maria, como
ocorre em Mediugórie, na Bósnia-Herzegovina.
A estrutura metálica da
Catedral havia sido utilizada no palanque armado na Esplanada dos Ministérios
para o Papa João Paulo II rezar a missa campal, em 1991, ocasião em que o Santo
Padre abençoou a pedra fundamental da futura Catedral, localizada no Eixo
Monumental, próxima ao Setor Militar Urbano.
A estrutura da Catedral
Militar tem a assinatura de Oscar Niemayer, notório marxista ateu, que também
projetou a Catedral Metropolitana, um dos cartões postais mais visitados de
Brasília.
A Catedral Militar tem a
forma de uma barraca de campanha, de duas praças e, segundo a secretária de dom
Ávila, Silvana Rubim, já foi dito que “aqui é o lugar de segurança, de
acolhimento, do recobrar de forças de todo soldado” (Jornal da Comunidade, 31 de julho a 6 de agosto de 2004,
“Especial”, pg. D4).
Além da Catedral Militar,
Dom Ávila também construiu o Santuário da Mãe e Rainha Três Vezes Admirável de
Schoenstatt, localizado em Sobradinho, DF.
Todo dia 25 de cada mês,
data dedicada à Rainha da Paz, cerca de 12 mil fiéis comparecem à Catedral
Militar para participar de missas, terços, palestras de evangelização. Às 10h e
às 17h, começam as celebrações mais esperadas pelos fiéis, especialmente os
enfermos: as Orações de Cura, dirigidas pelo padre Ivan Clementino, capelão do
Corpo de Bombeiros do DF. Tais ritos são seguidos, em Brasília, não só por
católicos carismáticos, mas também por outras religiões, como a Igreja
Universal, no Conic, a Igreja Batista Central de Brasília, na Asa Sul, a
Comunhão Espírita, na Asa Sul.
Vêem-se também sessões de
cura na televisão, como a do missionário RR Soares, da Igreja Internacional da
Graça de Deus. “A cura é um sinal messiânico porque Jesus é quem a realiza por
meio dos padres que possuem o dom. (...) Além disso, o Vaticano publicou um
documento recente reconhecendo a oração de cura na Igreja Católica, orientado
para que ela seja feita separadamente da Santa Missa, para não desvirtuar o
conteúdo mais profundo da missa que é a Eucaristia e a liturgia da palavra” –
diz o padre Giovani Carlos, da paróquia de São Miguel Arcanjo, no Recanto das
Emas, que também promove ritual de cura (Cfr. Jornal de Brasília, 25 de março de 2001, pg. A-8).
Na reunião que precede as
palestras de evangelização, são lidos depoimentos de pessoas que concordaram em
dar seu testemunho de cura, por escrito. O número dos que se dizem curados de
câncer e AIDS é impressionante, configurando verdadeiros milagres.
Em 18 de maio de 1998, dom
Ávila recebeu da Câmara Legislativa do Distrito Federal o título de Cidadão
Honorário de Brasília. Outra distinção honorífica, Prelado de Honra, foi
conferida pelo Papa, pelos relevantes serviços prestados em Brasília,
especialmente por sua participação na construção da Catedral Metropolitana.
Além destas distinções, dom
Ávila recebeu outras 15 comendas, que ornam sua grandiosa obra sacerdotal.
Apesar de ter atingido a compulsória no dia 10 de abril de 2004, por ter
completado naquela data 75 anos, o que nas Forças Armadas é sinônimo de
aposentadoria, Dom Ávila continuou à frente do trabalho pastoral até a hora de
sua morte: “Compulsória, sim; mas parar de trabalhar, nunca!” – repetia o
religioso.
Finalizando, gostaria de
prestar minha derradeira homenagem a esse valente “general de Deus” que foi Dom
Ávila, pela rápida convivência que tive com ele, quando servi no Ministério da
Defesa, de 1999 a 2002. Rápida, porque os encontros com o magnético sacerdote
foram raros, principalmente quando eu estava de serviço e tinha que aguardar a
chegada das autoridades na portaria principal. Dom Ávila sempre tinha um
sorriso largo a nos cativar, uma palavra nova para nos reanimar, uma deferência
especial para com todos os subordinados, mesmo porteiros e faxineiros.
São inesquecíveis as missas
de Natal que Dom Ávila celebrava no Auditório do Ministério, com sua voz
cristalina, quase metálica, porém doce como é doce toda a palavra de um
verdadeiro pastor a serviço de Deus. Que a terra lhe seja leve e eterna sua
glória entre os eleitos!
***
De: Enviado: terça-feira, 29
de novembro de 2005 10:02:28
Para: Félix Maier
Assunto: Acusando
recebimento
Caro Félix Maier
Agradeço o envio da mensagem
com o texto retratando a personalidade ímpar de Dom Ávila, a grande figura
humana e religiosa que lamentavelmente nos deixou no dia 14 de novembro de
2005.
Atenciosamente,
Gen Luiz Gonzaga Schroeder
Lessa
Presidente do Clube Militar
Fonte: https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=38950&cat=Artigos
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