Revista Veja
O pacote de 5 700 mensagens encontradas no computador de Raúl Reyes, chefe das Farc morto em 2008, reforça as ligações do grupo com o Brasil, o Equador e a Venezuela
Comprovado
As Farc mandaram dinheiro para o Brasil Em pelo menos duas mensagens são relatadas transferências financeiras: “Vai por Western Union e eles podem pegar em qualquer escritório de Brasília”, diz um e-mail de 2001
Suspeita
As Farc doaram dinheiro ao PT
Fato é que a direção das Farc ficou preocupada com a reportagem de VEJA de 13 de março de 2005 que revelou investigações da Abin sobre uma suposta doação de 5 milhões de dólares à campanha de Lula, como comprova e-mail de Reyes um mês depois. Nele, o terrorista cita a denúncia e informa que pediu aos seus dois representantes no Brasil para se esconder
Comprovado
As Farc arrecadaram dinheiro no Brasil
Representantes dos terroristas organizavam eventos culturais com dinheiro público. Olivério Medina mantinha uma ONG com a finalidade de intermediar contratos. Em seus e-mails para Reyes, ele costuma usar a expressão “conseguir uns centavos” para se referir à comissão que seria repassada às Farc
Comprovado
O PT tem ligações com as Farc
O PT articulou a saída das Farc do Foro de São Paulo em 2001, mas as relações diretas com a narcoguerrilha continuaram. Em e-mail de 19 de junho de 2003, por exemplo, Rodrigo Granda, o chanceler do grupo, contou sobre um encontro no Equador com Paulo Ferreira, então secretário de relações internacionais do partido brasileiro. A conversa girou em torno de “prisões, narcotráfico e processo de paz” na Colômbia
Comprovado
As Farc financiaram a campanha de Rafael Correa, no Equador
Sob a promessa de serem reconhecidos como “forças beligerantes” e de ganharem uma participação em futuras empresas, líderes das Farc juntaram 400000 dólares para o candidato equatoriano em outubro de 2006
Revelado
O governo Chávez pediu às Farc para matar opositores
Em e-mail de 2006, Reyes descreveu uma conversa com um enviado de Chávez chamado Julio Chirinos, que lhe pedia para matar o ex-agente do serviço secreto venezuelano Henry Lopez Cisco. O opositor hoje vive exilado na Costa Rica
Comprovado
As Farc usaram o Brasil como base
Há, no pacote de mensagens, inúmeras referências ao uso do território brasileiro como esconderijo pelas Farc, para fazer propaganda do grupo e para arrecadar dinheiro. Em uma delas, de 28 de novembro de 2002, Ivan Marquez sugeriu a Raúl Reyes que se estabelecesse em Manaus, cidade considerada segura para os guerrilheiros
Revelado
Chávez se encontrou pessoalmente com Reyes
Em 2 de novembro de 2000, Reyes contou que teve dois encontros com Chávez, “um admirador das Farc-EP e em especial de Marulanda”. Chávez lhe prometeu um acordo de “troca de prisioneiros” com o governo colombiano
Revelado
As Farc tiveram acesso a combustível usado em bombas nucleares
Em 2007, um terrorista contou a Raúl Reyes que Belisário, um especialista em explosivos, tinha 8 quilos de urânio enriquecido. Cada quilo custava 6 milhões de dólares. A ideia era vender o material à Venezuela, com comissão para as Farc
Suspeita
Lula esforçou-se para impedir a extradição de terrorista
Em 29 de abril de 2006, Reyes descreveu um encontro entre o presidente brasileiro e Álvaro Uribe. Lula teria dito ao presidente colombiano que “não lhe entregaria o padre (Medina), porque estava sofrendo muita pressão dos partidos, dos sindicatos e de outras pessoas”. Uribe teria pedido a Lula que mantivesse Medina preso, ao menos, até o fim das eleições na Colômbia. Coincidência ou não, Medina recebeu o refúgio um mês depois da reeleição de Uribe
Revelado
TV apoiada pelo governo brasileiro empregava membros das Farc
Pelo menos três integrantes do grupo trabalharam na Telesul, que recebe ajuda logística e conteúdo do governo brasileiro. Dessa forma, garantiam a veiculação de documentários favoráveis às Farc
Comprovado
As Farc treinaram milícias chavistas
Em 2001, ítalo González afirmou ter ido à Venezuela para passar a experiência das Farc para as milícias bolivarianas. “Nesse mesmo dia se trabalhou, com nossa ajuda, um plano nacional para a criação de milícias na Venezuela”
Comprovado
As Farc fazem narcotráfico
Em e-mail de 2007, os narcoterroristas falaram da facilidade de seus companheiros serem pegos. Basta os agentes americanos “chegarem com propostas de comprar coca ou de vender armamento de todo tipo”
Comprovado
Cuba e Venezuela fundiram seus interesses externos
“Tino (deputado chavista) disse que a diplomacia cubano-venezuelana está em desespero porque Lula está a ponto de se perder, por causa da corrupção”, afirmou Ivan Márquez em e-mail de 22 de agosto de 2005 ao secretariado das Farc
Suspeita
As Farc compravam armas no Brasil
Além do trabalho de relações públicas, os embaixadores das Farc no país também queriam armas. “Juan Antonio e Camilo estão no Brasil. Como na Rússia, buscam contatos para a compra de armas”, diz documento de setembro de 2003
Revista Veja
A análise de 5700 mensagens encontradas nos arquivos de um chefe das Farc morto em 2008 revela as conexões do grupo com Chávez, Correa e o PT
A divulgação de um pacote com 5700 documentos dos arquivos dos computadores do narcoterrorista Raúl Reyes, na semana passada, é de deixar um Julian Assange, australiano fundador do site WikiLeaks, dedicado a revelar segredos de estado, verde de inveja. O colombiano Reyes, cujo nome verdadeiro era Luis Edgar Devía, coordenava a Cominter, a rede internacional de representantes e colaboradores das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ele foi morto em 2008 em um ataque do governo democrático colombiano contra seu acampamento, no Equador, onde foram encontrados três laptops, dois discos rígidos e três cartões de memória - ou seja, um arquivo completo sobre as atividades da guerrilha que, no passado, aspirava a tomar o poder para instalar na Colômbia uma ditadura comunista e hoje não passa de um bando criminoso que sobrevive de sequestros e tráfico de cocaína e armas. Uma pequena parcela dos documentos de Reyes vazou para a imprensa desde então, entre os quais algumas dezenas que davam indícios das ligações das Farc com o Brasil e, em especial, com militantes e políticos de esquerda. Após ter sua autenticidade certificada pela Interpol, a íntegra do material foi entregue pelo governo do presidente Alvaro Uribe ao Instituto de Estudos Internacionais Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), uma entidade de credibilidade inabalável com sede em Londres. Na semana passada, o IISS divulgou um relatório com uma análise dos documentos. Há revelações devastadoras, como as de que o governo Hugo Chávez encomendou às Farc o treinamento de milícias e o assassinato de opositores venezuelanos e prometeu ao grupo 300 milhões de dólares para comprar armas. Também vieram à tona indícios de que o presidente do Equador, Rafael Correa, recebeu 400 000 dólares das Farc para financiar sua campanha eleitoral, em 2006, Possivelmente para evitar as cobranças que receberia de jornalistas ou de sua colega Dilma Rousseff, Chávez cancelou sua visita ao Brasil poucas horas antes da divulgação do relatório, na semana passada. As revelações são, em tese, suficientes para justificar uma ação penal contra Chávez em um tribunal internacional. “Há dois crimes em suas ações: conspiração e formação de quadrilha para delinqüir”, diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo.
Os pesquisadores ingleses concentraram-se em analisar as relações das Farc com a Venezuela e o Equador. Junto com seu relatório, contudo, divulgaram um CD com grande parte dos e-mails, das transcrições de gravações e das prestações de contas encontradas no computador de Reyes, num total de 1 500 páginas de documentos em estado bruto. VEJA passou um pente fino nesse vasto material e cruzou-o com sete dezenas de documentos sobre as Farc entregues por Uribe ao governo Lula, em 2008. Há, no conjunto da obra, muitas informações que confirmam velhas suspeitas sobre os tentáculos das Farc no Brasil . Os e-mails do arquivo de Reyes mostram que as Farc agem com bastante liberdade em território brasileiro. Aqui, os narcoterroristas conseguem documentos falsos (frequentemente, com a ajuda de diplomatas venezuelanos), recebem o apoio de políticos e militantes de partidos de esquerda para arrecadar dinheiro, compram armas e fazem proselitismo para conquistar simpatizantes e, quem sabe, novos recrutas. Esse fato, aliás, foi confirmado por Marli Machado Bittar, de São Paulo. Marli tem um filho, Vladimir, que se tornou guerrilheiro das Farc, com o codinome Rafael Spindola. Ela disse em depoimento à Polícia Federal ter ouvido de um amigo comum que foi o colombiano Olivério Medina quem o recrutou.
Medina, nome de guerra de Francisco Cadenas Collazos, é um dos representantes das Farc no Brasil. Até 2006, tinha como companheiro no país Orlay Jurado Palomino, codinome Hermes, acusado de ter participado do sequestro e do assassinato da filha do ex-presidente paraguaio Raúl Cubas, Cecilia, em 2005. Medina foi preso a pedido da Colômbia em 2005 e no ano seguinte recebeu status de refugiado político do governo brasileiro e foi solto. Ele era um dos principais interlocutores de Reyes e os e-mails mostram que continuou defendendo os interesses das Farc no Brasil até a morte do chefe, em 2008.
Os e-mails das Farc mostram que, até ser preso, Medina contava com a ajuda providencial da diplomata Eloisa Lagonell da embaixada da Venezuela em Brasília, e do artista plástico Pavel Égüez, adido cultural do Equador no Brasil . Em uma correspondência, Medina chega a relatar informações sobre um encontro entre Chávez e Lula, que teriam sido repassadas por Lagonell. O episódio revela o grau de intimidade das Farc com a burocracia venezuelana e quando o governo Chávez estava disposto a intermediar os interesses do grupo na região - fato comprovado por inúmeros outros e-mails do arquivo. Outro personagem que servia de conexão entre as Farc no Brasil e na Venezuela era o deputado chavista Amilcar Figueroa Salazar, codinome Tino. Em uma mensagem de 27 de janeiro de 2006, portanto escrita na cadeia, Medina conta a Reyes sobre um trambique que estava planejando para conseguir uns trocados para as Farc. O conteúdo era: “Por meio de Viana (o bancário Antônio Carlos Viana, que em 2002 esteve presente ao churrasco em Brasília em que Medina supostamente prometeu 5 milhões de dólares para ajudar a eleger Lula), Tino ficou sabendo sobre os Telecentros montados no MST e nos povoados de pescadores artesanais, que funcionam via satélite. Em Caracas gostaram da ideia. Tino ligou para Viana para contar-lhe e propor que faça um projeto. Quando Viana me comentou sobre isso, propus que o façamos por meio do Cela, para ver se sobra algum centavo. Te manterei informado”.
Tudo indica que o núcleo brasileiro da guerrilha movimentava altas somas em dinheiro. Em uma mensagem de outubro de 2003, o chanceler das Farc, Rodrigo Granda, baseado em Caracas e posteriormente também envolvido no sequestro de Cecilia Cubas, conta que Tino cruzou a fronteira com 60 000 (possivelmente dólares), enquanto, “no cofre, 150 ficaram com Albertão”. Trata-se aqui de Edson Antônio Albertão, ex-vereador petista de Guarulhos. No mesmo e-mail, Granda conta que Tino, Camilo (outro codinome de Medina) e um terceiro companheiro chamado Zé Maria foram assaltados no centro de São Paulo. O trio de terroristas perdeu 250 reais e um celular. Ficaram indignados pelo fato de tudo ter ocorrido “em plena luz do dia, às 10 horas”. Ladrão malvado.
Albertão não era o único petista que se relacionava com as Farc. No CD divulgado pelo IISS, há uma menção reveladora ao ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira. Em mensagem de 19 de junho de 2003, Granda descreve o encontro que teve com Ferreira em Quito, no Equador. “Conversamos muito com ele”, escreveu Granda. Ferreira era secretário de relações internacionais do PT, portanto tinha autoridade para falar em nome do partido do recém-empossado Lula. Em março de 2005, Ferreira disse a VEJA que, se havia ligações entre membros do PT e as Farc, ocorriam à revelia do partido. “Posso dizer que são até criminosas”, declarou. Na sexta-feira passada, perguntado sobre o encontro citado nos e-mails, Ferreira adequou o discurso. Disse que a reunião aconteceu no Foro de São Paulo, um encontro de organizações esquerdistas da América Latina, em Quito, e que só depois ele ficou sabendo que Granda era das Farc. Granda, é bom lembrar, era então a face mais conhecida das Farc no exterior e um ano antes havia sido incluído na lista de criminosos procurados pela Interpol. A seu favor, Ferreira tem o fato de que enganar brasileiros parecia ser especialidade de Granda. O relatório do IISS destaca uma mensagem eletrônica em que ele diz ter sido interrogado pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, em 2002. Granda conta que conseguiu esconder um arquivo que o incriminaria antes de ser levado para a sala da PF e explica como, por fim, se safou da encrenca com uma solução sui generis: “Liguei para Caracas”, diz ele. Em outro e-mail, o chanceler das Farc revela que o cônsul da Venezuela em Manaus deu “vistos de cortesia” para alguns guerrilheiros viajarem do Brasil para a Venezuela, em 2003, e até indicou o contato de um chefe de imigração que poderia resolver problemas com documentação. Está comprovado: os interesses das Farc estendiam-se pelo território brasileiro como os muitos e longos tentáculos de um molusco pegajoso.
COM REPORTAGEM DE ANA CLAUDIA FONSECA, HUGO MARQUES, JULIA CARVALHO E RODRIGO RANGEL
BRAÇO DA GUERRILHA
Revista colombiana confirma ligação de Luiz Francisco com as Farc
Em 2004, o procurador da República Luiz Francisco de Souza intercalou suas tarefas de combate ao crime com outra atividade. Ele ensinava seus amigos terroristas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) como despistar investigadores. É o que revela reportagem da revista colombiana Cambio, publicada nesta quinta-feira (31/7).
A revista descreve as fraternais relações entre dirigentes do grupo guerrilheiro colombiano com destacadas figuras do governo federal brasileiro, membros do Legislativo, do Judiciário e com diversas autoridades. Os relatos têm como base mensagens achadas no computador do ex-porta-voz internacional da guerrilha Raúl Reyes, morto em março passado — leia a reportagem. Não há na reportagem mensagens diretas de brasileiros para Reyes. A maioria das correspondências tem como autor o ex-padre Francisco Antonio Cadena Colazzos, conhecido como Padre Medina e que se intitulava porta-voz da guerrilha no Brasil, e Raúl Reyes.
Entre os nomes brasileiros citados pela revista, está o do hoje procurador-regional da República Luiz Francisco de Souza. Ele é mencionado em um extenso e-mail de Cadena Colazzos a Raúl Reyes, datado do dia 22 de agosto de 2004. A mensagem reforça as já conhecidas relações entre Luiz Francisco e o ex-padre. Reportagem da revista Consultor Jurídico, publicada em maio de 2006, mostrou que o procurador interferiu indevidamente na Justiça em favor do padre-guerrilheiro — clique aqui para ler.
Na mensagem transcrita pela revista colombiana, Colazzos relata o diálogo que teve com o procurador. Pelo relato, Luiz Francisco aconselha o embaixador das Farc a se proteger das investigações policiais. De acordo com a Cambio, Medina escreveu na mensagem que Luiz Francisco lhe deu o seguinte conselho sobre como se portar caso fosse abordado por autoridades no Brasil: “Ande com uma máquina fotográfica e quando possível com um gravador para o caso de voltar a acontecer de um agente de informação o fotografar e o gravar, tendo o cuidado de não permitir que ele pegue a câmara e o gravador. Que em relação com o sucedido fizemos uma denúncia dirigida a ele, como procurador, para fazê-la chegar ao chefe da Polícia Federal e à Agência Brasileira de Informação”.
O receio de Colazzos de ser perseguido pela polícia tinha motivos concretos. Segundo a revista Veja, em reportagem de 2005, a Agência Brasileira de Inteligência investigou as ligações das Farc com militantes petistas.
Um documento da Abin sobre as investigações é datado de 25 de abril de 2002, está catalogado com o número 0095/3100 e recebeu a classificação de “secreto”. O arquivo informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de militantes de esquerda simpatizantes das Farc promoveu uma reunião em uma chácara nos arredores de Brasília.
Na reunião, que teve a presença de cerca de 30 pessoas e durou mais de seis horas, Medina anunciou que as Farc fariam uma doação de US$ 5 milhões a candidatos petistas. Faltavam então menos de seis meses para a eleição. Um agente da Abin, infiltrado na reunião, fez um informe a seus chefes.
Defesa das Farc
As relações entre Luiz Francisco e Colazzos no Brasil já eram conhecidas. Reportagem da ConJur mostrou que o procurador interferiu indevidamente em favor do colombiano em meados de 2006, em um episódio que colocou em xeque a autoridade do Supremo Tribunal Federal. Acusado de homicídio na Colômbia, o guerrilheiro foi preso e aguardava na prisão o julgamento do pedido de extradição.
Assim que foi detido no país e recolhido à carceragem da PF em Brasília, o ex-padre entrou com pedido de prisão domiciliar. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal informou ao Supremo que não tinha condições para alojar o preso em seu xadrez. Diante da situação, o STF, através dos ministros Carlos Britto e Gilmar Mendes, solicitou que ele fosse alojado no Centro de Internamento e Reeducação do Distrito Federal.
As coisas estavam assim arranjadas, quando o procurador Luiz Francisco de Souza, que nada tinha a ver com o caso, entrou em ação e pediu à Justiça do Distrito Federal que o colombiano fosse devolvido à Polícia Federal. Sem dar ciência ao STF, o pedido foi encampado pelas autoridades interessadas do Distrito Federal — Ministério Público, Polícia Civil e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Nelson Ferreira Junior.
“O Procurador Regional da República vislumbrando situação prisional supostamente irregular de extraditando resolveu atuar na defesa do extraditando. O aludido pleito encontrou a absurda acolhida do Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e, o mais grave, de Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal”, relata o ministro Gilmar Mendes em seu despacho.
Além de reconhecer o “cenário de patente desrespeito à autoridade e competência deste Tribunal”, o ministro recomenda a “apuração dessa lamentável corrente de afronta a garantias institucionais, perpetrada por agentes manifestamente incompetentes para a prática dos atos adequados para resguardar a autoridade desta Corte e o devido processo extradicional (...)”.
Dois meses depois do episódio, o guerrilheiro colombiano obteve asilo político do governo brasileiro. Diante disso, não restou outra alternativa ao Supremo senão expedir alvará de soltura em seu favor.
Luiz Francisco de Souza foi procurado pela ConJur, por telefone, por volta das 18 horas desta quinta, na Procuradoria Regional da República do Distrito Federal. Não foi encontrado. A assessoria de imprensa informa que ele só poderá dar entrevistas na tarde de sexta-feira (1/8).
Prestigioso juiz
De acordo mensagem publicada pela revista colombiana, não só o procurador teve contatos com as Farc, mas também um desembargador do Rio Grande do Sul. Ele é citado em mensagem escrita durante o processo de paz da Colômbia entre 1998 e 2002 em San Vicente del Caguán. Segundo a revista, “envolvem um prestigioso juiz e um alto ex-oficial das Forças Armadas brasileiras”.
Em mensagem de e-mail de 19 de abril de 2001, um homem chamado Mauricio Malverde informa Reyes: “O juiz Rui Portanova, nosso amigo, nos explicou que queria ir aos acampamentos, receber lições e conhecer a vida das Farc. Ele paga a viagem”. Portonova é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Entre os nomes de autoridades citados pela revista colombiana estão o do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o chefe de gabinete da Presidência da República Gilberto Carvalho, o ministro de Relações Exteriores Celso Amorim, o assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência Marco Aurélio Garcia, o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, entre outros.
Segundo as mensagens transcritas pela revista colombiana, o intermediário entre o então ministro José Dirceu e o porta-voz das Farc era o jornalista Breno Altman. "Breno Altman (dirigente do PT) me disse que vinha da parte do ministro José Dirceu e que, por motivos de segurança, eles tinham combinado que as relações não passarão mais pela Secretaria de Relações Internacionais, mas que serão feitas diretamente através do ministro com a representação de Breno", diz um dos e-mails do padre Medina.
Antes de intermediar as relações do ex-guerrilheiro com o governo petista, Breno Altman já tivera seus 15 minutos de fama revolucionária como porta-voz de uma campanha para libertar os canadenses David Spencer e Christine Lamont e um grupo de companheiros chilenos e argentino, presos no Brasil pelo seqüestro do empresário Abílio Diniz em 1989.
Outro fato que indica relações do ex-padre com o governo Lula é a nomeação da mulher de Medina para um cargo no Ministério da Pesca, cujo titular é Altemir Gregolin. Segundo revelou recentemente o colunista Diogo Mainardi, da Veja, em 29 de dezembro de 2006 Angela Maria Slongo foi nomeada para o cargo de oficial de gabinete II. Quando Angela foi nomeada pelo Palácio do Planalto, Medina estava preso em Brasília.
Um e-mail de 17 de janeiro de 2007, de Medina para Raul Reyes, revelado agora pela revista Cambio, confirma o mimo do governo petista à mulher do padre: "Na segunda-feira, 15, 'a Mona' começou em seu emprego novo, e para assegurá-lo e fechar a passagem da direita que em algum momento resolva molestá-la, colocaram-na na Secretaria de Pesca, trabalhando no que aqui chamam um cargo de confiança ligado à Presidência da República".
Rodrigo Haidar é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Daniel Roncaglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2008, 18h51
Fonte: https://www.conjur.com.br/2008-jul-31/revista_confirma_ligacao_luiz_francisco_farc
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Era pior do que se pensava
A divulgação de um pacote com 5700 documentos dos arquivos dos computadores do narcoterrorista Raúl Reyes, na semana passada, é de deixar um Julian Assange, australiano fundador do site WikiLeaks, dedicado a revelar segredos de estado, verde de inveja.
O colombiano Reyes, cujo nome verdadeiro era Luis Edgar Devía, coordenava a Cominter, a rede internacional de representantes e colaboradores das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Ele foi morto em 2008 em um ataque do governo democrático colombiano contra seu acampamento, no Equador, onde foram encontrados três laptops, dois discos rígidos e três cartões de memória - ou seja, um arquivo completo sobre as atividades da guerrilha que, no passado, aspirava a tomar o poder para instalar na Colômbia uma ditadura comunista e hoje não passa de um bando criminoso que sobrevive de sequestros e tráfico de cocaína e armas.
Uma pequena parcela dos documentos de Reyes vazou para a imprensa desde então, entre os quais algumas dezenas que davam indícios das ligações das Farc com o Brasil e, em especial, com militantes e políticos de esquerda.
Após ter sua autenticidade certificada pela Interpol, a íntegra do material foi entregue pelo governo do presidente Alvaro Uribe ao Instituto de Estudos Internacionais Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), uma entidade de credibilidade inabalável com sede em Londres.
Na semana passada, o IISS divulgou um relatório com uma análise dos documentos. Há revelações devastadoras, como as de que o governo Hugo Chávez encomendou às Farc o treinamento de milícias e o assassinato de opositores venezuelanos e prometeu ao grupo 300 milhões de dólares para comprar armas.
Também vieram à tona indícios de que o presidente do Equador, Rafael Correa, recebeu 400 000 dólares das Farc para financiar sua campanha eleitoral, em 2006, Possivelmente para evitar as cobranças que receberia de jornalistas ou de sua colega Dilma Rousseff, Chávez cancelou sua visita ao Brasil poucas horas antes da divulgação do relatório, na semana passada. As revelações são, em tese, suficientes para justificar uma ação penal contra Chávez em um tribunal internacional.
“Há dois crimes em suas ações: conspiração e formação de quadrilha para delinqüir”, diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo.
Os pesquisadores ingleses concentraram-se em analisar as relações das Farc com a Venezuela e o Equador. Junto com seu relatório, contudo, divulgaram um CD com grande parte dos e-mails, das transcrições de gravações e das prestações de contas encontradas no computador de Reyes, num total de 1 500 páginas de documentos em estado bruto.
VEJA passou um pente fino nesse vasto material e cruzou-o com sete dezenas de documentos sobre as Farc entregues por Uribe ao governo Lula, em 2008. Há, no conjunto da obra, muitas informações que confirmam velhas suspeitas sobre os tentáculos das Farc no Brasil .
Os e-mails do arquivo de Reyes mostram que as Farc agem com bastante liberdade em território brasileiro. Aqui, os narcoterroristas conseguem documentos falsos (frequentemente, com a ajuda de diplomatas venezuelanos), recebem o apoio de políticos e militantes de partidos de esquerda para arrecadar dinheiro, compram armas e fazem proselitismo para conquistar simpatizantes e, quem sabe, novos recrutas.
Esse fato, aliás, foi confirmado por Marli Machado Bittar, de São Paulo. Marli tem um filho, Vladimir, que se tornou guerrilheiro das Farc, com o codinome Rafael Spindola. Ela disse em depoimento à Polícia Federal ter ouvido de um amigo comum que foi o colombiano Olivério Medina quem o recrutou.
Medina foi preso a pedido da Colômbia em 2005 e no ano seguinte recebeu status de refugiado político do governo brasileiro e foi solto. Ele era um dos principais interlocutores de Reyes e os e-mails mostram que continuou defendendo os interesses das Farc no Brasil até a morte do chefe, em 2008.
Os e-mails das Farc mostram que, até ser preso, Medina contava com a ajuda providencial da diplomata Eloisa Lagonell da embaixada da Venezuela em Brasília, e do artista plástico Pavel Égüez, adido cultural do Equador no Brasil .
Em uma correspondência, Medina chega a relatar informações sobre um encontro entre Chávez e Lula, que teriam sido repassadas por Lagonell.
O episódio revela o grau de intimidade das Farc com a burocracia venezuelana e quando o governo Chávez estava disposto a intermediar os interesses do grupo na região - fato comprovado por inúmeros outros e-mails do arquivo.
Outro personagem que servia de conexão entre as Farc no Brasil e na Venezuela era o deputado chavista Amilcar Figueroa Salazar, codinome Tino. Em uma mensagem de 27 de janeiro de 2006, portanto escrita na cadeia, Medina conta a Reyes sobre um trambique que estava planejando para conseguir uns trocados para as Farc.
O conteúdo era: “Por meio de Viana (o bancário Antônio Carlos Viana, que em 2002 esteve presente ao churrasco em Brasília em que Medina supostamente prometeu 5 milhões de dólares para ajudar a eleger Lula), Tino ficou sabendo sobre os Telecentros montados no MST e nos povoados de pescadores artesanais, que funcionam via satélite.
Em Caracas gostaram da ideia. Tino ligou para Viana para contar-lhe e propor que faça um projeto. Quando Viana me comentou sobre isso, propus que o façamos por meio do Cela, para ver se sobra algum centavo. Te manterei informado”.
Tudo indica que o núcleo brasileiro da guerrilha movimentava altas somas em dinheiro. Em uma mensagem de outubro de 2003, o chanceler das Farc, Rodrigo Granda, baseado em Caracas e posteriormente também envolvido no sequestro de Cecilia Cubas, conta que Tino cruzou a fronteira com 60 000 (possivelmente dólares), enquanto, “no cofre, 150 ficaram com Albertão”.
Trata-se aqui de Edson Antônio Albertão, ex-vereador petista de Guarulhos. No mesmo e-mail, Granda conta que Tino, Camilo (outro codinome de Medina) e um terceiro companheiro chamado Zé Maria foram assaltados no centro de São Paulo. O trio de terroristas perdeu 250 reais e um celular. Ficaram indignados pelo fato de tudo ter ocorrido “em plena luz do dia, às 10 horas”. Ladrão malvado.
Albertão não era o único petista que se relacionava com as Farc. No CD divulgado pelo IISS, há uma menção reveladora ao ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira. Em mensagem de 19 de junho de 2003, Granda descreve o encontro que teve com Ferreira em Quito, no Equador. “Conversamos muito com ele”, escreveu Granda.
Ferreira era secretário de relações internacionais do PT, portanto tinha autoridade para falar em nome do partido do recém-empossado Lula. Em março de 2005, Ferreira disse a VEJA que, se havia ligações entre membros do PT e as Farc, ocorriam à revelia do partido. “Posso dizer que são até criminosas”, declarou.
Na sexta-feira passada, perguntado sobre o encontro citado nos e-mails, Ferreira adequou o discurso. Disse que a reunião aconteceu no Foro de São Paulo, um encontro de organizações esquerdistas da América Latina, em Quito, e que só depois ele ficou sabendo que Granda era das Farc.
Granda, é bom lembrar, era então a face mais conhecida das Farc no exterior e um ano antes havia sido incluído na lista de criminosos procurados pela Interpol. A seu favor, Ferreira tem o fato de que enganar brasileiros parecia ser especialidade de Granda. O relatório do IISS destaca uma mensagem eletrônica em que ele diz ter sido interrogado pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, em 2002.
Granda conta que conseguiu esconder um arquivo que o incriminaria antes de ser levado para a sala da PF e explica como, por fim, se safou da encrenca com uma solução sui generis: “Liguei para Caracas”, diz ele.
Em outro e-mail, o chanceler das Farc revela que o cônsul da Venezuela em Manaus deu “vistos de cortesia” para alguns guerrilheiros viajarem do Brasil para a Venezuela, em 2003, e até indicou o contato de um chefe de imigração que poderia resolver problemas com documentação.
Está comprovado: os interesses das Farc estendiam-se pelo território brasileiro como os muitos e longos tentáculos de um molusco pegajoso.
16/05/2011
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