Reserva de informática: como o Brasil promoveu o atraso
por Pedro Paulo Rocha
"Prezados amigos,
Esta semana houve um almoço de confraternização de ex-alunos do ITA, ao qual compareci. Um dos assuntos abordados, na ocasião, foi a reserva de mercado de informática.
Um dos presentes fora diretor da SID, que naquela época era credenciado para fabricar PCs. Revelou-nos ele que até os seus preços eram controlados, para que não fizessem concorrência à COBRA, que era a estatal da área e, segundo a CAPRE e a SEI - órgãos que implementavam a Reserva de Mercado - , tinha que ser protegida. Por esta razão os preços deles (SID) bem como da ECISA, que poderiam ser muito menores, tinham que ser mantidos em nível muito alto, dificultando a concorrência e o acesso aos consumidores de menor renda. Com o que, só aumentava o lucro dos contrabandistas que então proliferavam.
Naquela época, a DIGIPONTO era a única fabricante autorizada de teclados. Os donos eram também dois colegas do ITA - o Mesquita e o Tomangui - que gozavam de completa proteção, sendo-lhes assegurado que 80% da sua produção seria adquirida pelo SERPRO, a estatal que operava no setor de Informática. Para fechar o preço de compra dos teclados era feita uma análise de custo global de toda a produção, que era coberta integralmente pelo SERPRO, de forma que os 20% excedentes constituíam lucro livre e desimpedido. Uma indústria protegida, portanto, como costuma ser nos sistemas estatizados, sem preocupação alguma de produtividade e lucratividade.
Naquela época a COBRA fabricava HDs sob licença, pagando royalties, bem como um Disk Drive para disquetes de 8 pol. cuja licença de fabricação adquirira, numa ocasião que este tipo de disquete já estava saindo do mercado. A COBRA se proclamou autora de um projeto de Microcomputador que ficou conhecido como "patinho feio", sob a supervisão do eng. Latgé, um outro iteano, que aliás nunca trabalhara na área digital e nada entendia do assunto. Projeto? Os PCs eram todos cópias do IBM PC, cuja estrutura fora aberta pela IBM. Poder-se-ia adquirir tais "projetos" nas ruas de Hong Kong, onde se encontrava até os silk-screens para produzir as placas de circuito impresso. Seria possível apenas mudanças de lay-out ou integração de chips, que cada vez se reduziam em número, devido a crescente escala de integração dos circuitos integrados. Mas se fosse efetuada qualquer mudança na estrutura, seria perdida a capacidade de rodar os programas desenvolvidos para os PCs, tornando o produto inútil para o mercado. Pois sem software um PC não roda.
E, note bem, qualquer projeto logo se tornava obsoleto, devido à velocidade com que se criavam chips com escala de integração cada vez maior, o que permitia redução considerável do tamanho das placas, que naquela época eram enormes. A "fabricação" só era autorizada mediante o aval da SEI, que dispunha de inúmeros engenheiros para analisar os projetos e vistoriar as instalações fabris.
Estes técnicos eram, na sua totalidade, protegidos que conseguiam gordos empregos ao se formarem, sem nenhuma experiência prática. Eram meros burocratas, cheios de arrogância, pois deles dependíamos. Na Bondwell, por exemplo, onde eu era gerente de engenharia, a vistoria foi adredemente preparada, reunindo um batalhão de engenheiros amigos, que eram apresentados como "líderes" dos vários projetos de desenvolvimento, num show montado, que funcionava como um picadeiro de circo, cada um representando o seu personagem fictício. Após o show, cada um tomava o seu destino, depois de deixarem os representantes da SEI com a boca aberta e repletos de orgulho da "portentosa" produção nacional, toda ela made in Taiwan.
A mesma ardilosa representação foi realizada, por exemplo, na COFAVI - Cia Ferro e Aço de Vitória - uma empresa que se criou mediante fartos subsídios do BNDS, sob falsas estruturas, e que por esta razão acabou, obviamente, sendo estatizada. Naquela empresa, na qual eu fui o chefe da manutenção durante quatro anos, a ineficiência era assombrosa e os cabides de emprego vicejavam, como em todas as estatais. Só deu prejuízos consideráveis até a sua privatização, feita sem muito alarde, logo no início do governo FHC.
E como a esquerda odeia o lucro, enveredamos na pesquisa e desenvolvimento de produtos fantasmagóricos, como o submarino nuclear, os lançadores de foguetes e os aviões de caça, ao invés de acompanharmos a inteligente senda da Coréia do Sul, que sempre se empenhou em desenvolver e produzir o que se vende e o que dá lucro. Graças a esta falta de visão, enquanto gastamos bilhões para desenvolver um submarino nuclear para uma guerra que não nos ameaça, eles fabricam e vendem para o mundo todo os seus monitores, televisões, vídeo cassetes, DVDs, aparelhos de som e toda a parafernália que o consumidor quer adquirir, conquistando um elevado nível de vida, que era inferior ao nosso há poucas décadas, e que agora é simplesmente DEZ vezes maior do que o nosso.
Contudo, os nossos orgulhosos defensores da estatização ainda sonham com a justiça social sob o manto de um estado forte e miraculosamente produtor de benesses para o nosso espoliado povo, que só as vê sob forma de promessas. Quando acordaremos para a triste realidade?
Pedro Paulo Rocha"
de Curitiba
Texto enviado: terça-feira, 2 de dezembro de 2003 14:35:37)
Obs.
Atraso
do Pró-Álcool; Reserva de Mercado de Informática
“O desenvolvimento foi
extraordinário, e talvez não tenha sido melhor, porque o próprio General
Geisel, com aquele espírito dele, não digo nacionalista, mas corporativista,
atrasou muito algumas coisas; estou numa área, hoje ligada ao álcool como
combustível, que atrasou demais, porque não se quis mexer como se devia, para
não se mexer com a estrutura da Petrobras, à qual ele era ligado por uma série
de motivos.
Então, são problemas... Essa
reserva que se fez da informática, por exemplo, atrasou muito o nosso
desenvolvimento” (Coronel Carlos Alberto Guedes, História Oral do Exército/1964, Tomo 9, pg. 267).
A
Reserva de Mercado de Informática foi praticamente esquecida pelos
entrevistadores da "História Oral do Exército - 31 de Março de 1964". Atrasou em pelo menos 20 anos o desenvolvimento tecnológico
brasileiro.
Os
produtos oferecidos, na época, especialmente da Itautec, eram caixotes
embutidos por peças pirateadas dos “tigres asiáticos”, inclusive seu sistema
operacional, com preços exorbitantes e que chegavam nas prateleiras já
defasados tecnologicamente em relação aos produtos externos.
No
texto “Nacionalismo e Esquerdismo nas Forças Armadas”, de minha autoria – link https://felixmaier1950.blogspot.com/2020/04/nacionalismo-e-esquerdismo-nas-forcas.html,
consta:
“Em 1978, o Governo Geisel criou a Secretaria
Especial de Informática (SEI), que instituiu a política de reserva de
informática no País, que tinha por objetivo inventar a roda, ou seja, o
computador, que seria genuinamente nacional. Propostas de instalações de
fábricas da IBM e da Hewlett Packard no Brasil foram rejeitadas; não foi sequer
permitida a produção desses equipamentos no Brasil, que seriam destinados exclusivamente
para a exportação. Agradecem, até hoje, o Japão, a Coréia do Sul e a China, que
estão pelo menos a duas décadas na nossa frente - os três países, em termos de
produção de hardware e software; os dois primeiros, em termos de inclusão
digital de sua população. [Hoje, a China supera os outros dois,
exponencialmente.]
A xenofobia informática não era exclusiva dos
militares retrógrados: ‘personalidades e associações profissionais e culturais
de todo o país formavam um grande bloco com os cidadãos fardados, imitando a
campanha do petróleo dos anos 50’ (PAIM, 2002: 81).
Os talibãs da SEI ‘declararam que o 'Sisne 3.000',
da brasileira Scopus, era funcionalmente equivalente ao DOS, da Microsoft. E o
programa dito brasileiro era mera cópia do DOS, cópia autorizada e legalizada
pela SEI’ (PAIM, 2002: 86). O industrial Ricardo Semler ‘descrevia a indústria
de informática como sendo um CCP - misto de cartório, contrabando e pirataria
(PAIM, 2002: 86).”
F.
M.
PAIM, Gilberto. O Filósofo do Pragmatismo - Atualidade de
Roberto Campos. Editorial Escrita, Rio 2002.
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