sábado, 14 de setembro de 2013
O fim da inocência da ONU
O Iraque é um país jovem. 40% da população tem menos de 15 anos de idade. As crianças iraquianas sofrem duplamente: os agentes químicos (urânio empobrecido) dos sucessivos bombardeios norte-americanos e ingleses aumentam a incidência de câncer, como por exemplo a leucemia; ao mesmo tempo o embargo econômico imposto pela ONU influencia na limitação do uso de quimioterápicos nos hospitais infantis. Pacientes podem esperar até dois meses para receberem radiações de aparelhos obsoletos e insuficientes.
As fotos exclusivas que seguem abaixo foram cedidas pela irmã iraquiana Sherine, que veio ao Brasil participar do III Fórum Social Mundial para mostrar quem realmente sofre nos conflitos como o que assola o Iraque desde a Guerra do Golfo, de 1991. As imagens são recentes e foram obtidas pela irmã Eva OP, que trabalha no Hospital Das Crianças com Câncer de Bagdá.
Veja as fotos clicando em:
Câncer Como Arma: A Guerra Radioativa De Poppy Bush Contra O Iraque
As Crianças da "Hiroshima Iraquiana"
A poeira do Iraque invade as longas estradas que são os dedos do deserto. Ela entra pelos olhos, nariz e garganta; rodopia em mercados e pátios escolares, contaminando crianças a chutarem uma bola; e transporta, segundo o Dr. Jawad Al-Ali, "as sementes da nossa morte". Um especialista em câncer reputado internacionalmente que trabalha no Sadr Teaching Hospital, em Bassorá, o Dr. Ali disse-me isso em 1999 – e hoje a sua advertência é irrefutável. "Antes da Guerra do Golfo", disse ele, "tínhamos dois ou três pacientes de câncer por mês. Agora temos 30 s 35 a morrerem a cada mês. Nossos estudos indicam que 40 a 49 por cento da população nesta área contrairá câncer: num período de tempo de cinco anos para começar, a seguir pouco mais. Isso é quase a metade da população. A maior parte da minha própria família contraiu e nós não temos historial da doença. Aqui é como em Chernobil; os efeitos genéticos são novos para nós; os cogumelos crescem enormemente; mesmo as uvas no meu jardim sofreram mutações e não podem ser comidas".
Ao longo do corredor, a Dra. Ginan Ghalib Hassen, uma pediatra, mantém uma colecção de fotos das crianças que estava tentar a salvar. Muitas têm neuroplastoma. "Antes da guerra, em dois anos vimos apenas um caso deste tumor inabitual", disse ela. "Agora temos muitos casos, sobretudo sem historial familiar. Estudei o que aconteceu em Hiroshima. O aumento súbito de malformações congénitas é o mesmo".
Entre os médicos que entrevistei havia pouca dúvida de que as munições de urânio empobrecido (depleted uranium, DU) utilizadas pelos americanos e britânicos na Guerra do Golfo fossem a causa. Um médico militar dos EUA designado para limpar o campo de batalha da Guerra do Golfo ao longo da fronteira no Kuwait afirmou: "Cada rajada disparada por um ataque de avião A-10 Warthog transportava mais de 4.500 gramas de urânio sólido. Bem mais de 300 toneladas de DU foram utilizadas. Foi uma forma de guerra nuclear".
Embora a ligação com o câncer seja sempre difícil de provar absolutamente, os médicos iraquianos argumentam que "a epidemia fala por si mesma". O oncologista britânico Karol Sikora, chefe do programa de câncer da Organização Mundial de Saúde (OMS) na década de 1990, escreveu no British Medical Journal: "Equipamentos de radioterapia, drogas de quimioterapia e analgésicos são sistematicamente bloqueados pelos conselheiros dos Estados Unidos e Grã-Bretanha [no Comité de Sanções ao Iraque]". Ele acrescentou: "Disseram-nos especificamente [por parte da OMS] para não falar acerca de todo o assunto do Iraque. A OMS não é uma organização que goste de se envolver em política".
Recentemente, Hans von Sponeck, o antigo assistente do secretário-geral das Nações Unidas e alto responsável humanitário da ONU no Iraque, escreveu-me: "O governo dos EUA procurou impedir a OMS de inspecionar áreas no Sul do Iraque onde foi utilizado urânio empobrecido e provocou graves perigos de saúde e ambientais".
Hoje, relata a OMS, o resultado de um estudo fundamental efectuado em conjunto com o Ministério da Saúde do Iraque foi "adiado". Cobrindo 10.800 famílias, ele contém "evidência incriminatória", diz um responsável do ministério e, segundo um dos seus investigadores, permanece "top secret". O relatório diz que defeitos de nascimento ascenderam até uma "crise" por toda a sociedade iraquiana onde DU e outros metais pesados tóxicos foram utilizados pelos estado-unidenses e britânicos. Catorze anos depois de soar o alarme, o Dr. Jawad Al-Ali relata "fenomenais" casos de câncer múltiplo em famílias inteiras.
O Iraque já não é notícia. Na semana passada, a morte de 57 iraquianos num dia foi um não acontecimento em comparação com o assassínio de um soldados britânico em Londres. Mas as duas atrocidades estão conectadas. O seu emblema pode ser um dispendioso novo filme de "The Great Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Dois dos principais personagens, como escreveu Fitzgerald, "destroem coisas e criatura e retiram-se de volta para o refúgio do seu dinheiro ou para a sua ampla indiferença... e deixam outras pessoas limparem a sujeira".
A "sujeira" deixada por George Bush e Tony Blair no Iraque é uma guerra sectária, as bombas de 7/7 e agora um homem a agitar um sangrento cutelo de carne em Woolwich. Bush retirou-se para a sua "biblioteca e museu presidencial" Mickey Mouse e Tony Blair para as suas viagens de gralha e o seu dinheiro.
A sua "sujeira" é um crime de proporções monstruosas, escreveu Von Sponeck, referindo-se à estimativa do Ministério de Assuntos Sociais iraquiano de 4,5 milhões de crianças que perderam ambos os pais. "Isto significa que uma horrenda proporção de 14,5 por cento da população do Iraque é constituída por órfãos", escreveu. "Estima-se que um milhão da famílias são dirigida por mulheres, a maior parte delas viúva". A violência doméstica e o abuso de crianças são certamente questões urgentes na Grã-Bretanha; no Iraque a catástrofe inflamada ela Grã-Bretanha trouxe violência e abuso a milhões de lares.
No seu livro "Telegramas do lado escuro" ("'Dispatches from the Dark Side"), Gareth Peirce, a grande advogada britânica de direitos humanos, aplica a regra da lei a Blair, ao seu propagandista Alastair Campbel e ao seu gabinete de ministros coniventes. Para Blair, escreveu ela, "seres humanos que se presume possuírem pontos de vista [islâmicos] deviam ser incapacitados por quaisquer meios possíveis e permanentemente... na linguagem de Blair um "vírus" a ser "eliminado" e exigindo "uma miríade de intervenções [sic] profunda nos assuntos de outras nações". O próprio conceito de guerra sofreu mutação para "nossos valores versus os seus". E ainda assim, afirma Peirce, "as séries de emails, comunicados internos do governo, não revelam dissenção".
Para o secretário dos Negócios Estrangeiros Jack Straw, enviar cidadãos britânicos inocentes para Guantanamo era "o melhor meio de cumprir nosso objectivo contra o terrorismo". Estes crimes, sua iniquidade a par com o de Woolwich, aguardam processo. Mas quem os exigirá? No teatro kabuki da política de Westminster, a violência distante dos "nossos valores" não tem interesse. Será que nós os restantes também viraremos as costas?
O original encontra-se em http://johnpilger.com/articles/from-iraq-a-tragic-reminder
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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URÂNIO EMPOBRECIDO
Médico iraquiano diz que casos da doença quadruplicaram em região bombardeada na Guerra do Golfo
Câncer dispara em área atacada no Iraque
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"
As crianças sorriam antes de morrer, lentamente. Uma menina, internada no hospital de Basra, até colocou um vestido para ser fotografada. Ela viveu apenas mais três meses.
Todos eles brincaram com fragmentos de explosivos que foram deixados para trás por norte-americanos e britânicos ou eram filhos de pessoas que viviam perto das áreas bombardeadas no sul do Iraque. E todos conheciam o significado da expressão "urânio empobrecido".
Os leitores do "The Independent" se preocuparam com o assunto e doaram mais de US$ 250 mil para que remédios fossem comprados. Os políticos britânicos, por outro lado, preocuparam-se pouco com a tragédia e acabaram perdendo uma ótima chance de evitar o sofrimento de seus próprios soldados que serviriam nos Bálcãs mais tarde.
Em março de 1998, Jawad Khadim al Ali, um médico iraquiano que viveu no Reino Unido, mostrou mapas de Basra e de seus arredores, nos quais assinalou os locais onde havia casos de câncer. Nos últimos dias da Guerra do Golfo, Basra ficou coberta de poeira radiativa vinda dos mísseis antitanques norte-americanos.
Os mapas mostravam que os casos de câncer haviam quadruplicado nas áreas bombardeadas. Homens e mulheres apresentavam tumores terríveis, famílias inteiras sofriam de uma leucemia inexplicável.
Todos queriam contar suas histórias, sorridentes. Seus relatos eram tragicamente parecidos. Eles viviam em áreas em que ocorreram batalhas ou bombardeios aéreos. As crianças haviam brincado com restos de mísseis.
Uma comparação, feita em todo o território iraquiano, entre os locais bombardeados e a localização das vítimas de câncer é exata demais para deixar dúvidas.
Ali Hillal tinha 8 anos em março de 1998 e vivia perto de várias fábricas, em Diala, que foram repetidamente bombardeadas em fevereiro de 1991. Viveu apenas mais dois meses. Nunca houvera um caso de câncer em sua família, mas ele tinha um tumor no cérebro. Sua mãe, Fátima, ainda se lembra dos bombardeios: "Havia um cheiro estranho, parecido com o de inseticida".
O menino Youssef Abdul Mohammed veio de Kerbala, cidade próxima a bases militares iraquianas, que foram bombardeadas durante o conflito. Sangrou durante duas semanas até morrer.
As primeiras vítimas britânicas da "síndrome da Guerra do Golfo" começaram, então, a contar suas histórias de sofrimento. Eram quase iguais às histórias contadas pelos iraquianos. Algo terrível aconteceu no sul do Iraque no final da Guerra do Golfo, mas o governo britânico, preocupado com o medo gerado pelos problemas sanitários que afligem os soldados que serviram nos Bálcãs, diz que não há provas concretas de que o urânio empobrecido tenha causado as doenças.
Logicamente, as doenças foram usadas como propaganda pelo regime de Saddam Hussein. As lágrimas de um médico de Bagdá, porém, não eram propaganda. A leucemia realmente existia -e ainda existe.
Na sociedade iraquiana, admitir a existência de um caso de câncer na família é visto como um estigma social. Ora, por que tantos iraquianos -particularmente crianças- tiveram leucemia depois da Guerra do Golfo?
As vítimas, obviamente, eram iraquianas. Elas eram muçulmanas. Não eram caucasianas nem soldados da Otan (aliança militar ocidental).
Mas será que teremos de visitar as crianças bósnias ou sérvias, doentes de câncer, nos próximos anos? Nos Bálcãs, teremos de testemunhar as mesmas cenas que vimos no Iraque?
Ou, talvez, tenhamos de visitar hospitais militares em países europeus. É por isso que pedimos, logo após os bombardeios de 1999, ocorridos nos Bálcãs, que a aliança militar ocidental divulgasse os locais exatos nos quais armas contendo urânio empobrecido haviam sido utilizadas.
Como resposta, funcionários da Otan nos disseram que os detalhes sobre os bombardeios "não podiam ser divulgados".
Marie-Claude Dubin, jornalista francesa que cobriu a Guerra do Golfo e sofre da síndrome que leva o nome do conflito, acusou ontem as Forças Armadas dos EUA de não terem alertado os interessados sobre o perigo do urânio, apesar de saberem que ele existia.
A Otan, por sua vez, prometeu investigar os efeitos do urânio empobrecido utilizado em mísseis antitanques, mas insistiu que os riscos sanitários são mínimos.
A aliança concordou em colocar em prática um plano de ação para estudar os efeitos do uso da substância, que tem sido ligada a dezenas de casos de leucemia, que atinge militares ocidentais que serviram nos Bálcãs. George Robertson, secretário-geral da Otan, disse que a aliança "não tem nada a esconder". A controvérsia em torno de mísseis antitanques utilizados pela Otan nos Bálcãs teve início depois que oito soldados italianos morreram de câncer.
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