MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O fim da inocência da ONU - por Félix Maier

 


Crianças nasceram deformadas no Iraque devido a bombas dos EUA com urânio depletado


sábado, 14 de setembro de 2013

O fim da inocência da ONU

Por Félix Maier

Vários textos foram escritos para lembrar os 10 anos sem o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que faleceu no dia 19 de agosto de 2003, junto com mais 21 funcionários da ONU, após explosão da sede da entidade que ele comandava em Bagdá.

Vieira de Mello havia realizado trabalhos importantes na Organização, como as atividades para imposição da paz nos Bálcãs e no Timor Leste. Por isso, seu nome era certo para ser aclamado futuro secretário-geral da ONU.

No dia 25 de agosto de 2013, o Ph.D. José Flávio Sombra Saraiva, professor da Universidade de Brasília (UnB), escreveu para o Correio Braziliense um texto sobre Vieira de Mello, cujo título é “O dia do fim da inocência da ONU”. Chamou minha atenção a palavra “inocência”, justamente na semana em que eu estava lendo o livro de Robert Fisk, A grande guerra pela civilização - A conquista do Oriente Médio, um calhamaço de 1495 pág. lançado pela Planeta em 2007. E o livro de Fisk, um veterano correspondente de guerra, que chegou a entrevistar Osama bin Laden, apresenta fatos envolvendo a ONU que não são nada inocentes.

Refiro-me às sanções feitas pela Organização ao Iraque após a I Guerra do Golfo (1991), conduzida pelos EUA e aliados, quando centenas de milhares de crianças e adultos morreram por inanição e por falta de medicamentos - um verdadeiro crime contra a humanidade.

Antes das sanções propriamente ditas da ONU, a I Guerra do Golfo destruiu centros vitais do Iraque, ocasionando um verdadeiro genocídio: “Em 1991, os aliados haviam inutilizado as centrais elétricas e bombardeado intencionalmente as instalações de tratamento de águas potáveis e residuais, uma decisão que causaria uma catástrofe humanitária na população civil. (...) O índice de mortalidade havia quase quintuplicado entre as crianças menores de cinco anos, que aproximadamente um milhão de crianças sofria de desnutrição e que cerca de 100 mil morriam de inanição. A investigação descobriu que 46.700 crianças menores de cinco anos haviam falecido pelos efeitos combinados da guerra e das sanções nos sete primeiros meses de 1991” (FISK, 2007: 961).

Vale lembrar que a I Guerra do Golfo teve como objetivo libertar o Kuwait, invadido pelas tropas de Saddam Hussein - além de defender os verdadeiros interesses americanos no Oriente Médio: o petróleo. No entanto, os ataques não se restringiram ao território do Kuwait e entorno, mas atingiram todo o Iraque. A destruição da infraestrutura desse país - além das instalações militares - foi quase total, provocando um atraso que levará décadas ou séculos para o país vencer. 

Mal comparando, é como se o Brasil tivesse tido um litígio com a “República Ianomâmi” - perfeitamente possível depois que o Brasil assinou a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas -, e a ONU autorizasse os EUA a atacar e destruir toda a infraestrutura brasileira, como as refinarias e as plataformas de petróleo, instalações militares, centrais elétricas, a Embraer, a Base de Lançamentos de Alcântara e outros ativos estratégicos. Afinal, se ontem o ataque da “polícia do mundo” foi contra o Iraque (em 1991 e 2003) e a Líbia (2011), se hoje pode ser contra a Síria, por que amanhã não pode ser contra o Brasil, um país sem nenhuma estrutura de defesa?

Como a I Guerra do Golfo ficou pelo meio do caminho, pois o regime de Saddam não foi deposto, uma intifada contra o ditador foi fomentada pela CIA, através do rádio, e houve rebeliões dos curdos no Norte e dos xiitas no Sul, porém não houve suporte bélico dos países aliados. O resultado foi um massacre ainda maior do que havia ocorrido antes, quando Saddam utilizou até armas químicas contra vilarejos curdos. A ONU, não contente com a desgraça iraquiana, aprovou sanções extremas ao país, proibindo a venda de petróleo e a compra de alimentos e medicamentos. Foi uma catástrofe humanitária como nunca havia ocorrido no país. “Em 1996, estima-se que meio milhão de crianças havia falecido como resultado das sanções” (FISK, 2007: 961). “Se a substancial redução da taxa de mortalidade infantil observada no Iraque durante a década de 1980 houvesse se prolongado durante a década de 1990, teria havido meio milhão de falecimentos a menos de crianças menores de cinco anos de idade no intervalo de oito anos compreendido entre 1991 e 1998” (idem, pág. 966).

Na mesma época, muitos iraquianos, que haviam sobrevivido à fome, morreram devido à irradiação ocasionada pelas bombas americanas e inglesas que utilizavam urânio depletado (enfraquecido). “Esse tipo de projétil era fabricado a partir de dejetos da indústria militar; são de uma liga mais resistente que o tungstênio, que se inflama e forma uma ‘nuvem’ incandescente de urânio depois que o projétil perfura a blindagem dos tanques e veículos” (pág. 995). “Era cada vez mais evidente que uma praga química desconhecida estava se difundindo pelo sul da Mesopotâmia, uma trilha angustiante de leucemias e cânceres de estômago que ceifava a vida de milhares de crianças e adultos iraquianos que viviam perto das áreas de guerra do conflito de 1991” (pág. 995). Segundo dados do Ministério da Saúde do Iraque, confirmados pela ONU, 50 a 75% dos casos de leucemia ocorreram com crianças.

A utilização de mísseis com urânio depletado também foi feita pela OTAN - vale dizer “o cérebro inglês e o músculo americano” - contra a Bósnia (1995) e o Kosovo (1998). Mais de 300 refugiados de um bairro de Sarajevo atacado por aviões da OTAN em 1995 morreram de câncer. Segundo a revista alemã Der Spiegel, também foi usado urânio depletado pelos EUA em sua intervenção na Somália, em 1993, sob o comando da ONU. E tem gente que fica surpresa com ataques “terroristas” islâmicos contra alvos americanos, como o visto em Boston, em 2012.

Atualmente, Barack Obama ameaça atacar a Síria, devido a denúncias ainda não comprovadas de que o governo de Bashar al-Assad tenha usado armas químicas contra sua população. É muito cinismo do comandante das Forças Armadas do país que enterrou, com equipamentos pesados de engenharia, entre 8.000 e 10.000 soldados iraquianos vivos, que estavam abrigados em trincheiras durante a I Guerra do Golfo, e matou milhares de pessoas utilizando as tais armas radiológicas com urânio depletado.

Obviamente, a ONU já realizou importantes missões de paz ao redor do mundo. No entanto, essa Organização não perdeu sua inocência com a morte de Vieira de Mello, como afirma aquele professor da UnB. Vale lembrar que a criação da ONU, em substituição à Liga das Nações, é uma tentativa de estabelecimento de um “governo mundial”, limitando a soberania das nações, “tendo a Fundação Rockefeller, então dirigida por Raymond Fosdick, doado o terreno e 8,5 milhões de dólares, em dezembro de 1946, para o estabelecimento da sede da organização, em Nova York” (CARRASCO, 2013: 69).

E nada foi dito por mim sobre a II Guerra do Golfo, o covarde ataque americano contra o Iraque, em 2003, com a desculpa esfarrapada da procura por armas de destruição de massa, que nunca foram encontradas. Precisa ser dito?

Notas:

CARRASCO, Lorenzo; PALACIOS, Silvia. Quem manipula os povos indígenas contra o desenvolvimento do Brasil - Um olhar nos porões do Conselho Mundial de Igrejas. Capax Dei, Rio, 2013.

FISK, Robert. A Grande Guerra pela Civilização - A Conquista do Oriente Médio. Planeta, São Paulo, 2007 (Tradução de Sandra Martha Dolinsky).



Criança da "Hiroshima Iraquiana"


AS VÍTIMAS DAS ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA


O Iraque é um país jovem. 40% da população tem menos de 15 anos de idade. As crianças iraquianas sofrem duplamente: os agentes químicos (urânio empobrecido) dos sucessivos bombardeios norte-americanos e ingleses aumentam a incidência de câncer, como por exemplo a leucemia; ao mesmo tempo o embargo econômico imposto pela ONU influencia na limitação do uso de quimioterápicos nos hospitais infantis. Pacientes podem esperar até dois meses para receberem radiações de aparelhos obsoletos e insuficientes.

As fotos exclusivas que seguem abaixo foram cedidas pela irmã iraquiana Sherine, que veio ao Brasil participar do III Fórum Social Mundial para mostrar quem realmente sofre nos conflitos como o que assola o Iraque desde a Guerra do Golfo, de 1991. As imagens são recentes e foram obtidas pela irmã Eva OP, que trabalha no Hospital Das Crianças com Câncer de Bagdá.

Veja as fotos clicando em:



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Câncer Como Arma: A Guerra Radioativa De Poppy Bush Contra O Iraque

15/01/2019

No final da Primeira Guerra do Golfo, Saddam Hussein foi denunciado como um vilão feroz por ordenar que suas tropas em retirada destruíssem os campos petrolíferos do Kuwait, poluindo o ar com venenosas nuvens de fumaça negra e saturando o solo com pântanos de petróleo cru. Foi chamado justamente como um crime ambiental de guerra.

Porém meses de bombardeios no Iraque por aviões e mísseis de cruzeiro norte-americanos e britânicos deixaram para trás um legado ainda mais mortal e insidioso: toneladas de cartuchos, balas e fragmentos de bomba com urânio empobrecido. Ao todo, os EUA atingiram o Iraque com mais de 970 bombas e mísseis radioativos.

Levou menos de uma década para que as consequências na saúde vindas desta campanha de bombardeio radioativo surgissem. E elas são terríveis, de fato. Médicos iraquianos chamam de “a morte branca”- leucemia. Desde 1990, a taxa de incidência de leucemia no Iraque cresceu mais de 600%. A situação é agravada pelos isolamentos forçados do Iraque e o regime sádico de sanções, recentemente descrita pelo secretário geral da ONU, Kofi Annan, como uma “crise humanitária”, que torna a detecção e tratamento dos cânceres ainda mais difícil.

“Nós temos provas de traços de urânio empobrecido presentes em amostras para análises e isto é realmente ruim para aqueles que afirmam que os casos de câncer têm crescido por outras razões”, disse o Dr. Umid Bubarak, Ministro da Saúde do Iraque.

Mubarak sustenta que o medo dos EUA em enfrentar as consequências ambientais e de saúde da sua campanha de bombardeio com urânio empobrecido se dá em parte por não cumprirem seus compromissos sob um acordo que permitiria o Iraque vender parte de suas vastas reservas de petróleo em troca de alimentos e suprimentos médicos.

“A poeira do deserto carrega a morte”, dise o Dr. Jawad Al-Ali, oncologista e membro da England’s Royal Society of Physicians. “Nossos estudos indicam que mais de 40% da população em torno de Basra terá câncer. Estamos vivendo outra Hiroshima”.

A maior parte das vítimas de leucemia e câncer não são soldados. São civis. E muitos deles são crianças. O comitê de Sanções Iraquianas, dominado pelos EUA em Nova Iorque, negou repetidos pedidos do Iraque para remédios e equipamentos para tratamento do câncer, até mesmo analgésicos como a morfina. Como resultado, hospitais superlotados em cidades como Basra são obrigados a tratar os pacientes com aspirina.

Isto é apenas parte de um horror ainda maior infligido a um Iraque que tem 180 crianças morrendo todos os dias, de acordo com os dados de mortalidade compilados pela UNICEF, de um catálogo de doenças do século XIX : Cólera, disenteria, tubercolose, E. coli, caxumba, sarampo e influenza.

Iraquianos e kuwaitianos não são os únicos que apresentam sinais de contaminação e doenças pelo urânio. Foram também encontrados nos veteranos da Guerra do Golfo, afetados por uma série de doenças, traços de urânio no seu sangue, fezes, urina e sêmen.

Urânio empobrecido é um nome um tanto benigno para Urânio-238, subproduto de elementos residuais deixados para trás quando o material fissionável é extraído do Urânio-235 para o uso em reatores e armas nucleares. Por décadas, este resíduo fora um incômodo radioativo, acumulando-se em fábricas de processamento de plutônio ao longo dos EUA. No final dos anos 1980, existia por volta de 1 bilhão de toneladas do material.

Então os projetistas de armas do Pentágono vieram com uma ideia para o uso destes resíduos: eles poderiam ser moldados em munições e bombas. O material estava livre e abundante. O urânio também é um metal pesado, mais denso que o chumbo, e isto teria o uso perfeito em armas que penetrassem blindagem, projetadas para destruir tanques, veículos blindados e bunkers.

Quando bombas anti-tanque explodem, o urânio empobrecido se oxida em fragmentos microscópios que flutuam pelo ar como poeira cancerígena, carregada pelos ventos do deserto por décadas. A poeira letal é inalada, adere às fibras dos pulmões e, por fim, começa a destruir o corpo: tumores, hemorragias, sistema imunológico devastado e leucemia.

Em 1943, os homens do juízo final associados ao Projeto Manhattan especularam que urânio e outros materiais radioativos poderiam se espalhar por largas faixas de terra para conter exércitos inimigos. General Lesli Grove, líder do projeto, afirmou que armas de urânio poderiam causar “danos pulmonares permanentes”. No final dos anos 1950, o pai de Al Gore, senador do Tennesse, propôs encharcar a zona desmilitarizada da Coreia com urânio como uma defesa barata e à prova de falhas contra um ataque dos norte-coreanos.

Após a  Guerra do Golfo, os planejadores de guerra do Pentágono estavam tão satisfeitos com o desempenho de suas armas radioativas que encomendaram um novo arsenal, e sob as ordens de Bill Clinton foram usadas nas posições sérvias na Bósnia, Kosovo e Sérvia. Mais de 100 bombas de urânio empobrecido foram utilizadas nos Balcãs nos últimos seis anos.

Equipes médicas na região detectaram grupos de câncer próximo dos locais das bombas. A taxa de leucemia em Saravejo, atingidas por bombas norte-americanas em 1996, triplicou nos últimos 5 anos. Mas não são apenas os sérvios que estão adoecendo e morrendo. Forças de paz da ONU e da OTAN na região também estão com câncer. Em 23 de Janeiro, 8 soldados italianos que serviram na região morreram de leucemia.

O Pentágono fez uma variedade de justificativas e desculpas. Na primeira, o Departamento de Defesa desmereceu preocupações a respeito do uso de urânio empobrecido como teoria da conspiração de ativistas da paz, ambientalistas e propagandistas do Iraque. Quando os aliados da OTAN exigiram que os EUA divulgassem as propriedades químicas e metálicas de suas munições, o Pentágono recusou. Também foi negada a realização de testes em soldados dos EUA baseados no Golfo e nos Balcãs.

Se os EUA mantiveram o silêncio, os britânicos não. Em 1991, um estudo da Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido previu que se menos de 10% das partículas liberadas pelas armas de urânio empobrecido usadas no Iraque e no Kuwait fossem inaladas, poderiam resultar em prováveis “300.000 mortes”.

A estimativa dos britânicos supunha que o único ingrediente radioativo das bombas lançadas no Iraque era o urânio. E não foi. Um novo estudo dos materiais de dentro dessas armas as descreve como um “coquetel nuclear”, contendo um misto de materiais radioativos, incluindo plutônio e outros altamente radioativos isótopos de urânio-236. Esses elementos são 100 mil vezes mais perigosos que o urânio empobrecido.

Tipicamente, o Pentágono tentou jogar para escanteio a culpa no manuseio desleixado do Departamento de Energia de suas fábricas de produção de armas. Foi assim que o porta-voz do Pentágono, Craig Quingley, descreveu a situação de forma pedante, digna de uma história de Joseph Heller: “A fonte da contaminação que melhor podemos entender agora, foi de que as próprias plantas produziram o urânio empobrecido durante 20 anos, período de tempo que o urânio empobrecido foi produzido.”

Na verdade, os problemas nas instalações nucleares do Departamento de Defesa e a contaminação de seus trabalhadores e contratados são bem conhecidos desde os anos 1980. Um memorando do Departamento de Energia de 1991 relata que “durante o processo de fabricação de combustível para reatores nucleares e elementos para armas nucleares, a instalação de difusão gasosa de Paducah…criou urânio empobrecido contendo potencialmente neptúnio e plutônio”.

Mas tais desculpas, na ausência de qualquer ação para resolver a situação, estão se tornando cada vez mais pueris. Doug Rokke, o físico de saúde do Exército dos EUA que supervisionou a limpeza parcial de fragmentos de bombas de urânio empobrecido no Kuwait, agora está doente. Seu corpo registra 5000 vezes o nível de radiação considerado “seguro”. Ele sabe onde colocar a culpa. “Não há dúvida sobre isso”, disse Rokke ao jornalista australiano John Pilger. “Como resultado do metal pesado e do veneno radiológico do urânio empobrecido, as pessoas no sul do Iraque estão passando por problemas respiratórios, problemas renais, cânceres. Membros da minha própria equipe morreram ou estão morrendo de câncer.”

O urânio empobrecido tem a meia-vida de mais de 4 bilhões de anos, aproximadamente a vida do planeta Terra. Milhares de acres de terra nos Balcãs, Kuwait e no sul do Iraque foram contaminados para sempre. Se George H. W. Bush, Dick Cheney, Colin Powell e Bill Clinton ainda então buscando um legado, há um sombrio que permanecerá por toda a eternidade.

*Este artigo foi adaptado do livro Been Brown So Long, It Looked Like Green to Me. 

**Nota da tradução: Poppy é uma referência a papoula, apelido de George H. W. Bush. Também é um trocadilho em inglês com “Papai Bush.”

Fonte: Ópera

Fonte: http://www.baixadadefato.com.br/cancer-como-arma-guerra-radioativa-de-poppy-bush-contra-o-iraque/


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As Crianças da "Hiroshima Iraquiana"

Conversamos com o Karlos Zurutuza sobre as partículas radiativas da Guerra do Iraque e seus efeitos nas crianças de Falluja.
Fonte: https://www.vice.com/pt_br/article/wne75m/as-criancas-da-hiroshima-iraquiana
Veja fotos clicando aqui.

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Vindo do Iraque, um trágico apelo ao processo dos criminosos de guerra
Por John Pilger

A poeira do Iraque invade as longas estradas que são os dedos do deserto. Ela entra pelos olhos, nariz e garganta; rodopia em mercados e pátios escolares, contaminando crianças a chutarem uma bola; e transporta, segundo o Dr. Jawad Al-Ali, "as sementes da nossa morte". Um especialista em câncer reputado internacionalmente que trabalha no Sadr Teaching Hospital, em Bassorá, o Dr. Ali disse-me isso em 1999 – e hoje a sua advertência é irrefutável. "Antes da Guerra do Golfo", disse ele, "tínhamos dois ou três pacientes de câncer por mês. Agora temos 30 s 35 a morrerem a cada mês. Nossos estudos indicam que 40 a 49 por cento da população nesta área contrairá câncer: num período de tempo de cinco anos para começar, a seguir pouco mais. Isso é quase a metade da população. A maior parte da minha própria família contraiu e nós não temos historial da doença. Aqui é como em Chernobil; os efeitos genéticos são novos para nós; os cogumelos crescem enormemente; mesmo as uvas no meu jardim sofreram mutações e não podem ser comidas".

Ao longo do corredor, a Dra. Ginan Ghalib Hassen, uma pediatra, mantém uma colecção de fotos das crianças que estava tentar a salvar. Muitas têm neuroplastoma. "Antes da guerra, em dois anos vimos apenas um caso deste tumor inabitual", disse ela. "Agora temos muitos casos, sobretudo sem historial familiar. Estudei o que aconteceu em Hiroshima. O aumento súbito de malformações congénitas é o mesmo".

Entre os médicos que entrevistei havia pouca dúvida de que as munições de urânio empobrecido (depleted uranium, DU) utilizadas pelos americanos e britânicos na Guerra do Golfo fossem a causa. Um médico militar dos EUA designado para limpar o campo de batalha da Guerra do Golfo ao longo da fronteira no Kuwait afirmou: "Cada rajada disparada por um ataque de avião A-10 Warthog transportava mais de 4.500 gramas de urânio sólido. Bem mais de 300 toneladas de DU foram utilizadas. Foi uma forma de guerra nuclear".

Embora a ligação com o câncer seja sempre difícil de provar absolutamente, os médicos iraquianos argumentam que "a epidemia fala por si mesma". O oncologista britânico Karol Sikora, chefe do programa de câncer da Organização Mundial de Saúde (OMS) na década de 1990, escreveu no British Medical Journal: "Equipamentos de radioterapia, drogas de quimioterapia e analgésicos são sistematicamente bloqueados pelos conselheiros dos Estados Unidos e Grã-Bretanha [no Comité de Sanções ao Iraque]". Ele acrescentou: "Disseram-nos especificamente [por parte da OMS] para não falar acerca de todo o assunto do Iraque. A OMS não é uma organização que goste de se envolver em política".

Recentemente, Hans von Sponeck, o antigo assistente do secretário-geral das Nações Unidas e alto responsável humanitário da ONU no Iraque, escreveu-me: "O governo dos EUA procurou impedir a OMS de inspecionar áreas no Sul do Iraque onde foi utilizado urânio empobrecido e provocou graves perigos de saúde e ambientais".

Hoje, relata a OMS, o resultado de um estudo fundamental efectuado em conjunto com o Ministério da Saúde do Iraque foi "adiado". Cobrindo 10.800 famílias, ele contém "evidência incriminatória", diz um responsável do ministério e, segundo um dos seus investigadores, permanece "top secret". O relatório diz que defeitos de nascimento ascenderam até uma "crise" por toda a sociedade iraquiana onde DU e outros metais pesados tóxicos foram utilizados pelos estado-unidenses e britânicos. Catorze anos depois de soar o alarme, o Dr. Jawad Al-Ali relata "fenomenais" casos de câncer múltiplo em famílias inteiras.

O Iraque já não é notícia. Na semana passada, a morte de 57 iraquianos num dia foi um não acontecimento em comparação com o assassínio de um soldados britânico em Londres. Mas as duas atrocidades estão conectadas. O seu emblema pode ser um dispendioso novo filme de "The Great Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Dois dos principais personagens, como escreveu Fitzgerald, "destroem coisas e criatura e retiram-se de volta para o refúgio do seu dinheiro ou para a sua ampla indiferença... e deixam outras pessoas limparem a sujeira".

A "sujeira" deixada por George Bush e Tony Blair no Iraque é uma guerra sectária, as bombas de 7/7 e agora um homem a agitar um sangrento cutelo de carne em Woolwich. Bush retirou-se para a sua "biblioteca e museu presidencial" Mickey Mouse e Tony Blair para as suas viagens de gralha e o seu dinheiro.

A sua "sujeira" é um crime de proporções monstruosas, escreveu Von Sponeck, referindo-se à estimativa do Ministério de Assuntos Sociais iraquiano de 4,5 milhões de crianças que perderam ambos os pais. "Isto significa que uma horrenda proporção de 14,5 por cento da população do Iraque é constituída por órfãos", escreveu. "Estima-se que um milhão da famílias são dirigida por mulheres, a maior parte delas viúva". A violência doméstica e o abuso de crianças são certamente questões urgentes na Grã-Bretanha; no Iraque a catástrofe inflamada ela Grã-Bretanha trouxe violência e abuso a milhões de lares.

No seu livro "Telegramas do lado escuro" ("'Dispatches from the Dark Side"), Gareth Peirce, a grande advogada britânica de direitos humanos, aplica a regra da lei a Blair, ao seu propagandista Alastair Campbel e ao seu gabinete de ministros coniventes. Para Blair, escreveu ela, "seres humanos que se presume possuírem pontos de vista [islâmicos] deviam ser incapacitados por quaisquer meios possíveis e permanentemente... na linguagem de Blair um "vírus" a ser "eliminado" e exigindo "uma miríade de intervenções [sic] profunda nos assuntos de outras nações". O próprio conceito de guerra sofreu mutação para "nossos valores versus os seus". E ainda assim, afirma Peirce, "as séries de emails, comunicados internos do governo, não revelam dissenção".

Para o secretário dos Negócios Estrangeiros Jack Straw, enviar cidadãos britânicos inocentes para Guantanamo era "o melhor meio de cumprir nosso objectivo contra o terrorismo". Estes crimes, sua iniquidade a par com o de Woolwich, aguardam processo. Mas quem os exigirá? No teatro kabuki da política de Westminster, a violência distante dos "nossos valores" não tem interesse. Será que nós os restantes também viraremos as costas?

27/Maio/2013
Ver também:
  • Association des Victimes civiles et militaires de la guerre du Golfe

    O original encontra-se em http://johnpilger.com/articles/from-iraq-a-tragic-reminder


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • Fonte: https://resistir.info/pilger/pilger_27mai13.html


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    URÂNIO EMPOBRECIDO

    Médico iraquiano diz que casos da doença quadruplicaram em região bombardeada na Guerra do Golfo


    Câncer dispara em área atacada no Iraque

    ROBERT FISK
    DO "THE INDEPENDENT"

    As crianças sorriam antes de morrer, lentamente. Uma menina, internada no hospital de Basra, até colocou um vestido para ser fotografada. Ela viveu apenas mais três meses.
    Todos eles brincaram com fragmentos de explosivos que foram deixados para trás por norte-americanos e britânicos ou eram filhos de pessoas que viviam perto das áreas bombardeadas no sul do Iraque. E todos conheciam o significado da expressão "urânio empobrecido".
    Os leitores do "The Independent" se preocuparam com o assunto e doaram mais de US$ 250 mil para que remédios fossem comprados. Os políticos britânicos, por outro lado, preocuparam-se pouco com a tragédia e acabaram perdendo uma ótima chance de evitar o sofrimento de seus próprios soldados que serviriam nos Bálcãs mais tarde.
    Em março de 1998, Jawad Khadim al Ali, um médico iraquiano que viveu no Reino Unido, mostrou mapas de Basra e de seus arredores, nos quais assinalou os locais onde havia casos de câncer. Nos últimos dias da Guerra do Golfo, Basra ficou coberta de poeira radiativa vinda dos mísseis antitanques norte-americanos.
    Os mapas mostravam que os casos de câncer haviam quadruplicado nas áreas bombardeadas. Homens e mulheres apresentavam tumores terríveis, famílias inteiras sofriam de uma leucemia inexplicável.
    Todos queriam contar suas histórias, sorridentes. Seus relatos eram tragicamente parecidos. Eles viviam em áreas em que ocorreram batalhas ou bombardeios aéreos. As crianças haviam brincado com restos de mísseis.
    Uma comparação, feita em todo o território iraquiano, entre os locais bombardeados e a localização das vítimas de câncer é exata demais para deixar dúvidas.
    Ali Hillal tinha 8 anos em março de 1998 e vivia perto de várias fábricas, em Diala, que foram repetidamente bombardeadas em fevereiro de 1991. Viveu apenas mais dois meses. Nunca houvera um caso de câncer em sua família, mas ele tinha um tumor no cérebro. Sua mãe, Fátima, ainda se lembra dos bombardeios: "Havia um cheiro estranho, parecido com o de inseticida".
    O menino Youssef Abdul Mohammed veio de Kerbala, cidade próxima a bases militares iraquianas, que foram bombardeadas durante o conflito. Sangrou durante duas semanas até morrer.
    As primeiras vítimas britânicas da "síndrome da Guerra do Golfo" começaram, então, a contar suas histórias de sofrimento. Eram quase iguais às histórias contadas pelos iraquianos. Algo terrível aconteceu no sul do Iraque no final da Guerra do Golfo, mas o governo britânico, preocupado com o medo gerado pelos problemas sanitários que afligem os soldados que serviram nos Bálcãs, diz que não há provas concretas de que o urânio empobrecido tenha causado as doenças.
    Logicamente, as doenças foram usadas como propaganda pelo regime de Saddam Hussein. As lágrimas de um médico de Bagdá, porém, não eram propaganda. A leucemia realmente existia -e ainda existe.
    Na sociedade iraquiana, admitir a existência de um caso de câncer na família é visto como um estigma social. Ora, por que tantos iraquianos -particularmente crianças- tiveram leucemia depois da Guerra do Golfo?
    As vítimas, obviamente, eram iraquianas. Elas eram muçulmanas. Não eram caucasianas nem soldados da Otan (aliança militar ocidental).
    Mas será que teremos de visitar as crianças bósnias ou sérvias, doentes de câncer, nos próximos anos? Nos Bálcãs, teremos de testemunhar as mesmas cenas que vimos no Iraque?
    Ou, talvez, tenhamos de visitar hospitais militares em países europeus. É por isso que pedimos, logo após os bombardeios de 1999, ocorridos nos Bálcãs, que a aliança militar ocidental divulgasse os locais exatos nos quais armas contendo urânio empobrecido haviam sido utilizadas.
    Como resposta, funcionários da Otan nos disseram que os detalhes sobre os bombardeios "não podiam ser divulgados".
    Marie-Claude Dubin, jornalista francesa que cobriu a Guerra do Golfo e sofre da síndrome que leva o nome do conflito, acusou ontem as Forças Armadas dos EUA de não terem alertado os interessados sobre o perigo do urânio, apesar de saberem que ele existia.
    A Otan, por sua vez, prometeu investigar os efeitos do urânio empobrecido utilizado em mísseis antitanques, mas insistiu que os riscos sanitários são mínimos.
    A aliança concordou em colocar em prática um plano de ação para estudar os efeitos do uso da substância, que tem sido ligada a dezenas de casos de leucemia, que atinge militares ocidentais que serviram nos Bálcãs. George Robertson, secretário-geral da Otan, disse que a aliança "não tem nada a esconder". A controvérsia em torno de mísseis antitanques utilizados pela Otan nos Bálcãs teve início depois que oito soldados italianos morreram de câncer.

    Fonte:  

    https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1101200112.htm

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