MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964

MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
Avião que passou no dia 31 de março de 2014 pela orla carioca, com a seguinte mensagem: "PARABÉNS MILITARES: 31/MARÇO/64. GRAÇAS A VOCÊS, O BRASIL NÃO É CUBA." Clique na imagem para abrir MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial - Samuel P. Huntington

 


Full text of "HUNTINGTON, Samuel. O Choque De Civilizacoes"

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Samuel P. Huntington 


O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES 
E A RECOMPOSIÇÃO 
DA ORDEM MUNDIAL 


Tradução de 
M. H. C. Cortes 


SBD-FFLCH-USP 



245806 



OBJETIVA 





SUMÁRIO 


Prefácio 


11 


I 

UM MUNDO DE CIVILIZAÇÕES 

1. A Nova Era da Política Mundial . . * .. 17 

Bandeiras e Identidade Cultural. 17 

Um Mundo Multipolar e Multicivilizacional. 19 

Outros Mundos? . .. 29 

A Comparação de Mundos: Realismo, Parcimônia e Previsões 38 

2. As Civilizações na História e na Atualidade. 44 

A Natureza das Civilizações. 44 

As Relações entre as Civilizações . .. 55 

3. Uma Civilização Universal? Modernização e 

Ocidentalização . 65 

Civilização Universal: Significados .. 65 

Civilização Universal: Fontes. 78 

O Ocidente e a Modernização. 81 

Reações ao Ocidente e à Modernização. 86 


n 

A ALTERAÇÃO DO EQUILÍBRIO ENTRE AS CIVILIZAÇÕES 


4.0 Desvanecimento do Ocidente: Poder, Cultura e 

Indigenização. 97 

Poder Ocidental: Predomínio e Declínio . .. 97 

Indigenização: o Ressurgimento das Culturas Não-ocidentais . 110 

La Revanche de Dieu .115 


5- Economia, Demografia e as Civilizações Desafiadoras . . 125 


A Afirmação Asiática.126 

O Ressurgimento Islâmico.134 

Desafios em Mutação ..149 




III 

A ORDEM EMERGENTE DAS CIVILIZAÇÕES 

6. A Reconfiguração Cultural da Política Mundial. 153 

Em Busca de Agrupamentos: a Política da Identificação . . . 153 

A Cultura e a Cooperação Econômica.l60 

A Estrutura das Civilizações.. . 166 

Países Divididos: o Fracasso da Mudança de Civilização . . . 172 

7. Estados-núcleos, Círculos Concêntricos e Ordem 

Civilizacional .. 193 

Civilizações e Ordem.193 

Demarcando o Ocidente ..195 

>^sA Rússia e o seu Exterior Próximo ..204 

A Grande China e sua Esfera de Co-prosperidade.. 210 

O Islã: Percepção sem Coesão. 218 


IV 

OS CHOQUES DAS CIVILIZAÇÕES 


8.0 Ocidente e o Resto: Questões Intercivilizacionais . . . 227 

Universalismo Ocidental. 227 

Proliferação de Armas.231 

Direitos Humanos e Democracia. 240 

Imigração. 247 

9- A Política Mundial das Civilizações . ..259 

Estado-núcleo e Conflitos de Linha de Fratura.259 

O Islã e o Ocidente.262 

Ásia, China e Estados Unidos.273 

Civilizações e Estados-núcleos: Alinhamentos que Surgem . . 302 

10. Das Guerras de Transição às Guerras de linha de Fratura 312 

Guerras de Transição: Afeganistão e o Golfo .312 

Características das Guerras de Linha de Fratura ....... 320 

Incidência: as Fronteiras Ensangüentadas do Islã .324 

Causas: História, Demografia, Política .. 329 

11. A Dinâmica das Guerras de linha de Fratura.338 

Identidade: o Aumento da Consciência Civilizacional .... 338 

Civilizações que se Congregam: Países Afins e Diãsporas . . . 346 

Como se Param as Guerras de Linha de Fratura.371 


V 

O FUTURO DAS CIVILIZAÇÕES 


12. O Ocidente, as Civilizações e a Civilização.383 

A Renovação do Ocidente?.383 

O Ocidente e o Mundo.392 

'XGuerra e Ordem Civilizacional.398 

Civilização: os Aspectos em Comum..405 


LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
QUADROS 

2.1 Uso dos Termos: “Mundo Livre” e “o Ocidente”, p. 63 

3.1 Pessoas que Falam os Idiomas Principais, p. 71 

3.2 Pessoas que Falam os Principais Idiomas Chineses e 
Ocidentais, p. 71 

3.3 Proporção da População Mundial que Segue as Principais Tradições 
Religiosas, p. 76 

4.1 Territórios sob o Controle Político das Civilizações / 1990-1993, 

p. 101 

4.2 População dos Países Pertencentes às Principais Civilizações 
do Mundo / 1993, p. 102 

4.3 Parcelas da População Mundial sob o Controle Político 
das Civilizações / 1900-2025, p. 103 

4.4 Parcelas do Total da Produção Manufatureira Mundial 
por Civilização ou País / 1750-1980, p. 104 

4.5 Parcelas por Civilização do Produto Econômico Bruto Mundial / 
1950-1992, p. 105 

4.6 Parcelas por Civilização do Total dos Efetivos Militares 
Mundiais, p. 106 

5-1 Bolsão de Jovens nos Países Islâmicos, p. 147 

8.1 Transferências de Armas pela China / 1980-1991 (dados 
selecionados), p. 236 

8.2 População dos Estados Unidos por Raça e Etnia, p. 257 

10.1 Conflitos Etnopolíticos / 1993-1994, p. 327 

10.2 Conflitos Étnicos / 1993, p. 327 

10.3 Militarismo em Países Muçulmanos e Cristãos, p. 328 

10.4 Possíveis Causas da Propensão Muçulmana para o Conflito, p. 335 



FIGURAS 

2.1 Civilizações do Hemisfério Oriental, p. 57 

3.1 Reações Alternativas ao Impacto do Ocidente, p. 90 

3.2 Modernização e Ressurgimento Cultural, p. 91 

5.1 O Desafio Econômico: a Ásia e o Ocidente, p. 127 

5.2 O Desafio Demográfico: o Islã, a Rússia e o Ocidente, p. 146 

5.3 Bolsões de Jovens Muçulmanos por Região, p. 148 
9-1 A Política Mundial das Civilizações: Alinhamentos 

Emergentes, p. 310 

10.1 Sri Lanka: Bolsões de Jovens Cingaleses e Tâmiles, p. 330 

11.1 A Estrutura de uma Complexa Guerra de Linha de Fratura, p. 348 

MAPAS 

4.1 O Ocidente e o Resto: 1920, pp. 22-23 

1.2 O Mundo da Guerra Fria: Anos 60, pp. 24-25 

1.3 O Mundo das Civilizações: Pós-1990, pp. 26-27 

7.1 A Fronteira Oriental da Civilização Ocidental, p. 198 

7.2 Ucrânia: um País Rachado, p. 208 

8.1 Os Estados Unidos em 2020: um País Rachado?, p. 258 


Prefácio 


No verão de 1993, a revista Foreign Affairs publicou um artigo meu 
intitulado “O Choque de Civilizações?”, Segundo os editores da Foreign 
Affairs , nos últimos três anos esse artigo provocou mais debates do que 
qualquer outro por eles publicado desde a década de 40. Não há dúvida de 
que ele foi por três anos um motivo de discussão mais forte do que qualquer 
outro artigo que jã escrevi. As reações e os comentários sobre ele vieram 
de todos os continentes e de dezenas de países. As pessoas ficaram 
impressionadas, intrigadas, indignadas, amedrontadas ou perplexas por meu 
argumento de que a dimensão central e mais perigosa da política mundial 
que estava emergindo seria o conflito entre grupos de civilizações 
diferentes. À parte qualquer outro efeito, o artigo abalou os nervos de 
pessoas de todas as civilizações. 

Dados o interesse pelo artigo, sua deturpação e a controvérsia em 
torno dele, pareceu-me desejável explorar mais além as questões por ele 
suscitadas. Um modo construtivo de colocar uma questão é apresentá-la 
como uma hipótese. O artigo, que continha um ponto de interrogação 
que foi de forma geral ignorado, representava uma tentativa nesse 
sentido. Este livro é uma tentativa de proporcionar uma resposta mais 
ampla, mais profunda e mais minuciosamente documentada à questão 
proposta no artigo. Procuro aqui elaborar, refinar, suplementar e, oca¬ 
sionalmente, qualificar os temas expostos no artigo, bem como desen¬ 
volver muitas idéias e cobrir muitos tópicos que, no artigo, não foram 
tratados ou foram apenas citados. Dentre eles estão os seguintes: o 
conceito de civilizações; a questão de uma civilização universal; o 
relacionamento entre poder e cultura; o deslocamento do equilíbrio de 
poder entre civilizações; a indigenização cultural nas sociedades não-oci- 
dentais; a estrutura política das civilizações; os conflitos gerados pelo 
universalismo ocidental, a militância muçulmana e a disposição de 
afirmação chinesa; as reações de compensação e de adesão ao cresci¬ 
mento do poder chinês; as causas e a dinâmica das guerras de linhas de 
fratura e os futuros do Ocidente e de um mundo de civilizações. Um 
tema importante que não constava do artigo refere-se ao impacto crucial 
do crescimento populacional sobre a instabilidade e o equilíbrio de 
poder. Um segundo tema muito importante também ausente do artigo 
está sintetizado no título do livro e na frase final: “(...) os choques das 
civilizações são a maior ameaça à paz mundial, e uma ordem internacio¬ 
nal baseada nas civilizações é a melhor salvaguarda contra a guerra 
mundial.” 

Este livro não é, nem pretende ser, uma obra de ciência social. Ao 
contrário, ele visa ser uma interpretação da evolução da política mundial 
depois da Guerra Fria, Ele almeja apresentar uma moldura, um paradig¬ 
ma, para o exame da política mundial que tenha significado para os 
estudiosos e seja de utilidade para os formuladores de políticas. O teste 
de seu significado e de sua utilidade não está em se ele explica tudo que 
está acontecendo na política mundial. Evidentemente ele não faz isso. O 
teste está em se ele fornece uma lente significativa e útil através da qual 
se possa examinar os acontecimentos internacionais melhor do que 
através de qualquer outra lente paradigmática. Além disso, nenhum 
paradigma tem validade eterna. Conquanto um enfoque civilizacional 
possa ajudar a compreender a política mundial no final do século XX e 
no começo do século XXI, isso não significa que ele teria ajudado da 
mesma maneira em meados do século XX ou que será de ajuda em 
meados do século XXI. 

As idéias que se transformaram no artigo e depois neste livro foram 
expressas pela primeira vez numa conferência na série das Palestras 
Bradley, no American Enterprise Institute , em Washington, em outubro 
de 1992. Posteriormente, foram expostas numa monografia avulsa pre¬ 
parada para o projeto do Instituto Olin sobre “O Ambiente de Segurança 
em Mutação e os Interesses Nacipnais Norte-americanos”, tornada pos¬ 
sível pela Fundação Smith Richardson. Após a publicação do artigo, 
envolvi-me em inúmeros seminários e encontros centrados no “choque” 
com acadêmicos, autoridades governamentais, homens de negócios e 
outros grupos, através dos Estados Unidos. Além disso, tive a satisfação 
de poder participar de debates sobre o artigo e a tese nele apresentada 
em muitos outros países, incluindo a África do Sul, Alemanha, Arábia 
Saudita, Argentina, Bélgica, China, Coréia, 7 Espanha, Formosa, França, 
Grã-Bretanha, Japão, Luxemburgo, Rússia, Singapura, Suécia e Suíça. Esses 
debates me colocaram em contato com todas as principais civilizações, com 
exceção do Hinduísmo, e me beneficiei imensamente das percepções e 
perspectivas dos que participaram dos mesmos. Em 1994 e 1995, ministrei um 
seminário em Harvard sobre a natureza do pós-Guerra Fria e os comentários 
sempre vigorosos e às vezes bastante críticos que os alunos fizeram sobre 
minhas idéias constituíram um estímulo adicional. Meu trabalho neste livro 
também se beneficiou muito do ambiente de apoio e coleguismo no 
Instituto John M. Olin para Estudos Estratégicos e no Centro para Relações 
Internacionais, ambos em Harvard. 

O original foi lido na sua íntegra por Michael C. Desch, Robert O. 
Keohane, Fareed Zakaria e R. Scott Zimmerman, cujos comentários 
levaram a melhoramentos significativos tanto na sua substância como na 
sua organização. Durante todo o tempo de elaboração deste livro, Scott 
Zimmerman proporcionou-me também uma assistência indispensável em 
termos de pesquisa e, sem seu auxílio dedicado, entusiástico e calcado 
em amplas informações, este livro jamais poderia ter sido concluído com 
a mesma rapidez. Nossos assistentes universitários, Peter Jun e Christiana 
Briggs, também contribuíram de forma construtiva. Grace de Magistris 
datilografou as partes iniciais do manuscrito e Carol Edwards, com grande 
empenho e magnífica eficiência, refez o original tantas vezes que ela 
deve saber quase de cor grandes trechos do mesmo. Denise Shannon e 
Lynn Cox, na Georges Borchardt, e Robert Asahina, Robert Bender e 
Johanna Li, na Simon & Schuster, encaminharam o manuscrito original, 
de modo alegre e profissional, através do processo de publicação. Fico 
imensamente grato a todas essas pessoas por sua ajuda em tornar este 
livro uma realidade. Elas o fizeram muito melhor do que ele seria de 
outra forma; as deficiências que restaram são responsabilidade minha. 

Meu trabalho neste livro foi possibilitado pelo apoio financeiro da 
Fundação John M. Olin e da Fundação Smith. Richardson. Sem a assistência 
de ambas a conclusão deste livro teria sofrido alguns anos de atraso e 
fico-lhes muito agradecido pelo generoso endosso que deram aos meus 
esforços. Enquanto outras fundações têm-se concentrado cada vez mais em 
questões domésticas, a Olin e a Smith Richardson merecem aplausos por 
manterem seu interesse em trabalhos sobre a guerra, a paz e a segurança 
nacional e internacional e por darem seu apoio a eles. 

S. P. H. 


Capítulo 1 

A Nova Era da Política Mundial 

Bandeiras e Identidade Cultural 

E m 3 de janeiro de 1992, realizou-se no auditório de um edifício 
público em Moscou um encontro de estudiosos russos e norte- 
americanos. Duas semanas antes a União Soviética tinha deixado 
de existir e a Federação Russa se tornara um país independente. Como 
resultado disso, tinha desaparecido a estátua de Lênin que anteriormente 
ornava o palco do auditório e, em vez dela, exibia-se agora a bandeira 
da Federação Russa na parede da frente. Um dos norte-americanos notou 
que o único problema estava em que a bandeira tinha sido pendurada 
de cabeça para baixo. Depois que isso foi mencionado aos anfitriões 
russos, eles rápida e discretamente retificaram o erro durante o primeiro 
intervalo. 

Nos anos que se seguiram à Guerra Fria, constatou-se o começo de 
mudanças espetaculares nas identidades dos povos, nos símbolos dessas 
identidades e, conseqüentemente, na política mundial. Bandeiras de cabeça 
para baixo foram um sinal da transição, mas as bandeiras estão sendo 
hasteadas cada vez mais alto e com autenticidade cada vez maior. Os 
russos e outros povos estão-se mobilizando e caminham sob esses e 
outros símbolos de suas novas identidades culturais. 

Em 18 de abril de 1994, duas mil pessoas se concentraram em 
Sarajevo, agitando as bandeiras da Arábia Saudita e da Turquia. Ao 
desfraldarem essas bandeiras, em vez das da ONU, da OTAN ou dos 
Estados Unidos, esses habitantes de Sarajevo se identificavam com seus 
companheiros muçulmanos e indicavam ao mundo quem eram seus 
verdadeiros amigos, bem como os não muito verdadeiros. 

Em 16 de outubro de 1994, em Los Angeles, 70 mil pessoas 
desfilaram debaixo de “um mar de bandeiras mexicanas”, em protesto 
contra a Proposta 187, uma disposição submetida a plebiscito que negaria 
muitos benefícios estaduais aos imigrantes ilegais e a seus filhos. Os 
observadores se perguntaram por que estavam “indo pela rua com a 
bandeira mexicana e exigindo que este país lhes dê ensino gratuito? 
Deviam estar agitando a bandeira norte-americana”. Duas semanas 
depois, mais manifestantes de fato desfilaram pela rua levando uma 
bandeira norte-americana — de cabeça para baixo. A exibição dessas 
bandeiras assegurou a vitória da Proposta 187, que foi aprovada por 59 
por cento dos eleitores da Califórnia. 

No mundo pós-Guerra Fria, as bandeiras são importantes e o mesmo 
ocorre com outros símbolos de identidade cultural, incluindo cruzes, luas 
crescentes e até mesmo coberturas de cabeça, porque a cultura conta e 
a identidade cultural é o que há de mais significativo para a maioria das 
pessoas. As pessoas estão descobrindo identidades novas, e no entanto 
antigas, e desfilando sob bandeiras novas, mas freqüentemente antigas, 
que conduzem a guerras contra inimigos novos, mas freqüentemente 
antigos. 

Uma Weltanschauung sinistra dessa nova era foi muito bem 
expressada pelo demagogo nacionalista veneziano no romance de 
Michael Dibdin, Dead Lagoon : “Não é possível haver amigos verdadeiros 
sem inimigos verdadeiros. A menos que odiemos o que não somos, não 
podemos amar o que somos. Essas são as verdades antigas que estamos 
penosamente redescobrindo depois de mais de um século de cantilenas 
sentimentais. Aqueles que as negam, negam sua família, sua herança, sua 
cultura, seu direito inato, seus próprios seres! Eles não serão perdoados.” 
A lamentável verdade contida nessas verdades antigas não pode ser 
ignorada por estadistas e estudiosos. Os inimigos são essenciais para os 
povos que estão buscando sua identidade e reinventando sua etnia e as 
inimizades que têm um potencial mais perigoso estão situadas cruzando 
as linhas de fratura entre as principais civilizações. 

O tema central deste livro é o de que a cultura e as identidades 
culturais — que, em nível mais amplo, são as identidades das civilizações 
estão moldando os padrões de coesão, desintegração e conflito no 
mundo pós-Guerra Fria. Nas cinco partes deste livro elaboram-se os 
corolários dessa proposição principal. 

ParteI: Pela primeira vez na História, a política mundial é, ao mesmo 
tempo, multipolar e multicivilizacional. A modernização econômica e 
social não está produzindo nem uma civilização universal de qualquer 
modo significativo, nem a ocidentalização das sociedades não-ocidentais. 

Parte II: O equilíbrio de poder entre as civilizações está-se deslocan¬ 
do: a influência relativa do Ocidente está em declínio, com as civilizações 
asiáticas expandindo seu poderio econômico, militar e político; com o 
Islã explodindo demograficamente, o que gera conseqüências deses- 
tabilizadoras para os países islâmicos e seus vizinhos; e com as civiliza¬ 
ções não-ocidentais, de forma geral, reafirmando o valor de suas próprias 
culturas. 

Parte IIP Uma ordem mundial baseada na civilização está emergindo 
— as sociedades que compartilham afinidades culturais cooperam umas 
com as outras, os esforços para transferir sociedades de uma civilização 
para outra não têm êxito e os países se agrupam em torno de Estados 
líderes ou núcleos de suas civilizações. 

Parte IV: As pretensões universalistas do Ocidente o levam cada vez 
mais para o conflito com outras civilizações, de forma mais grave com o 
Islã e a China. Enquanto isso, em nível local, guerras de linha de fratura, 
precipuamente entre muçulmanos e não-muçulmanos, geram “o agrupa¬ 
mento de países afins”, a ameaça de uma escalada mais ampla e, por 
conseguinte, os esforços dos Estados-núcleos para deter essas guerras. 

Parte V: A sobrevivência do Ocidente depende de os norte-ameri¬ 
canos reafirmarem sua identidade ocidental e de os ocidentais aceitarem 
que sua civilização é singular e não universal, e se unirem para renová-la 
e preservá-la diante de desafios por parte das sociedades não-ocidentais. 
Evitar uma guerra global das civilizações depende de os líderes mundiais 
aceitarem a natureza multicivilizacional da política mundial e cooperarem 
para mantê-la. 

Um Mundo Multipolar e Multicivilizacional 

No mundo pós-Guerra Fria, pela primeira vez na História, a política mundial 
se tomou multipolar ^multicivilizacional. Durante a maior parte da existência 
da humanidade, os contatos entre as civilizações foram intermitentes ou 
inexistentes. Depois, com o começo da Idade Moderna, por volta de 1500 
d.C, a política mundial assumiu duas dimensões. Durante mais de 400 anos, 
os Estados-nações do Ocidente — Grã-Bretanha, França, Espanha, 
Áustria, Prússia, Alemanha, Estados Unidos e outros — constituíram um 
sistema internacional multipolar dentro da civilização ocidental e intera¬ 
giram, competiram e travaram guerras uns com os outros. Ao mesmo 
tempo, as nações ocidentais também se expandiram, conquistaram, 
colonizaram outras civilizações ou nelas influíram de forma decisiva (Mapa 
1.1). Durante a Guerra Fria, a política mundial tomou-se bipolar e o mundo 
foi dividido em três partes. Um grupo de sociedades em sua maioria ricas 
e democráticas, lideradas pelos Estados Unidos, engajou-se numa compe¬ 
tição ideológica, política, econômica e, às vezes, militar, com um grupo de 
sociedades comunistas um tanto mais pobres associadas com a União 
Soviética e por ela lideradas. Grande parte desse conflito ocorreu no 
Terceiro Mundo, fora daqueles dois campos, composto por países que, 
na maioria dos casos, eram pobres, careciam de estabilidade política, 
tinham recentemente se tornado independentes e se diziam não-ali- 
nhados (Mapa 1.2). 

No final da década de 80, o mundo comunista desmoronou e o 
sistema internacional da Guerra Fria virou história passada. No mundo 
pós-Guerra Fria, as distinções mais importantes entre os povos não são 
ideológicas, políticas ou econômicas. Elas são culturais. Os povos e as 
nações estão tentando responder à pergunta mais elementar que os seres 
humanos podem encarar: quem somos nós? E estão respondendo a essa 
pergunta da maneira pela qual tradicionalmente a responderam — 
fazendo referência às coisas que mais lhes importam. As pessoas se 
definem em termos de antepassados, religião, idioma, história, valores, 
costumes e instituições. Elas se identificam com grupos culturais: tribos, 
grupos étnicos, comunidades religiosas, nações e, em nível mais amplo, 
civilizações. As pessoas utilizam a política não só para servir aos seus 
interesses, mas também para definir suas identidades. Nós só sabemos 
quem somos quando sabemos quem não somos e, muitas vezes, quando 
sabemos contra quem estamos. 

Os Estados-nações continuam sendo os principais atores no rela¬ 
cionamento mundial. Seu comportamento é moldado, como no passado, 
pela busca de poder e riqueza, mas é moldado também por preferências 
culturais, aspectos comuns e diferenças. Os agrupamentos mais impor¬ 
tantes de Estados não são mais os três blocos da Guerra Fria, mas sim as 
sete ou oito civilizações principais do mundo (Mapa 1.3). As sociedades 
não-ocidentais, especialmente na Ásia Oriental, estão desenvolvendo sua 
riqueza econômica e criando as bases para um poder militar e uma 
influência política maiores. À medida que aumenta seu poder e autocon¬ 
fiança, as sociedades não-ocidentais cada vez mais afirmam seus próprios 
valores culturais e repudiam aqueles que lhes foram impostos pelo 
Ocidente. Henry Kissinger observou que “o sistema internacional do 
século XXI (...) conterá pelo menos seis potências principais — os 
Estados Unidos, a Europa, a China, o Japão, a Rússia e, provavelmente, 
a índia — bem como uma multiplicidade de países de tamanho médio 
e menor”. 1 Os seis países principais a que se refere Kissinger pertencem 
a cinco civilizações diferentes e, além disso, existem importantes Estados 
islâmicos cujas localização estratégica, grande população e/ou reservas 
de petróleo lhes conferem influência nos assuntos mundiais. Nesse 
mundo novo, a política local é a política da etnia e a política mundial é 
a política das civilizações. A rivalidade das superpotências é substituída 
pelo choque das civilizações. 

A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas cultu¬ 
rais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, 
importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, 
ou entre outros grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre 
povos pertencentes a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e 
os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações. Entretanto, a 
violência entre Estados e grupos de civilizações diferentes carrega 
consigo o potencial para uma escalada na medida em que outros Estados 
e grupos dessas civilizações acorrem em apoio a seus “países afins”. 2 O 
sangrento choque de clãs na Somália não apresenta nenhuma ameaça 
de um conflito mais amplo. O sangrento choque de tribos em Ruanda 
tem conseqüências para Uganda, Zaire e Burundi, mas não muito além 
desses países. Os sangrentos choques de civilizações na Bósnia, no 
Cáucaso, na Ásia Central e na Caxemira poderiam se transformar em 
guerras maiores. Nos conflitos iugoslavos, a Rússia proporcionou apoio 
diplomático aos sérvios, enquanto a Arábia Saudita, a Turquia, o Irã e a 
Líbia forneceram fundos e armas para os bósnios, não por motivos de 
ideologia, de política de poder ou de interesse econômico, mas devido 
à afinidade cultural. Václav Havei assinalou que “os conflitos culturais 
estão aumentando e são mais perigosos hoje em dia do que em qualquer 
momento da História”, e Jacques Delors concordou que “os futuros 
conflitos serão deflagrados mais por fatores culturais do que pela 
economia ou pela ideologia”. 3 E os conflitos culturais mais perigosos são 
aqueles que ocorrem ao longo das linhas de fratura entre as civilizações. 


O Ocidente e o Resto: 1920 

O Mundo da Guerra Fria: 1960 

Países não-alinhados 

O Mundo das Civilizações pós-1990 

Ocidental 

Africana 

Islâmica 

Hindu 
Sínica [China e países afins]

Ortodoxa 

Latino-Americana 

Budista 

Japonesa 

No mundo pós-Guerra Fria, a cultura é, ao mesmo tempo, uma força 
unificadora e divisiva. Os povos separados pela ideologia mas unidos 
pela cultura se juntam, como fizeram as duas Alemanhas, e como as duas 
Coréias e as diversas Chinas estão começando a fazer. As sociedades 
unidas pela ideologia ou por circunstâncias históricas, porém divididas 
pela civilização, ou se partem, como aconteceu na União Soviética, na 
Iugoslávia e na Bósnia, ou ficam sujeitas a fortes tensões, como é o caso 
da Ucrânia, Nigéria, Sudão, índia, Sri Lanka e muitos outros. Os países 
que têm afinidades culturais cooperam em termos econômicos e políticos. 
As organizações internacionais baseadas em Estados com aspectos 
culturais em comum, tais como os da União Européia, têm muito mais 
êxito do que aquelas que tentam transcender as culturas. Durante 45 
anos, a Cortina de Ferro foi a linha divisória central na Europa. Essa linha 
se moveu varias centenas de quilômetros para o Leste. Ela é agora uma 
linha que separa os povos da Cristandade ocidental, de um lado, dos 
povos muçulmanos e ortodoxos, do outro. Embora culturalmente partes 
do Ocidente, a Áustria, a Suécia e a Finlândia tiveram que se manter 
neutras e ficar separadas do Ocidente na Guerra Fria. Na nova era, elas 
estão-se juntando a seus afins culturais na União Européia, e a Polônia, 
a Hungria e a República Checa as estão seguindo. 

Os pressupostos filosóficos, os valores subjacentes, as relações 
sociais, os costumes e as formas de ver a vida de forma geral se 
diferenciam de modo significativo entre as civilizações. A revitalização 
da religião em grande parte do mundo está reforçando essas diferenças 
culturais. As culturas podem se modificar e a natureza de seu impacto sobre 
a política e a economia pode variar de um período para outro. Contudo, as 
principais diferenças em desenvolvimento político e econômico entre as 
civilizações estão nitidamente enraizadas em suas culturas diferentes. O êxito 
econômico da Ásia Oriental tem sua origem na cultura asiática oriental, da 
mesma maneira que as sociedades asiáticas orientais têm tido dificuldades 
em estabelecer sistemas políticos democráticos estáveis. A cultura islâmica 
explica em grande parte por que a democracia deixou de emergir na maior 
parte do mundo muçulmano. A evolução dos acontecimentos nas socie¬ 
dades pós-comunistas da Europa Oriental e na ex-União Soviética é 
moldada por suas identidades civilizacionais. Aquelas que têm uma 
herança cristã ocidental estão fazendo progresso na direção do desen¬ 
volvimento econômico e da política democrática. Nos países ortodoxos 
as perspectivas de desenvolvimento econômico e político são incertas. 
Nas repúblicas muçulmanas, as perspectivas são sombrias. 


28 


O Ocidente é e continuará a ser por muitos anos a civilização mais 
poderosa. Contudo, seu poder em relação ao de outras civilizações está 
declinando. À medida que o Ocidente tenta impor seus valores e proteger 
seus interesses, as sociedades não-ocidentais se defrontam com uma 
escolha. Algumas tentam emular o Ocidente e a ele se juntar ou “atrelar-se” 
a ele. Outras sociedades confucianas e islâmicas tentam expandir seu próprio 
poder econômico e militar para resistir e para “contrabalançar” o Ocidente. 
Desse modo, um eixo central da política mundial pós-Guerra Fria é a 
interação do poder e da cultura ocidentais com o poder e a cultura de 
civilizações não-ocidentais. 

Em suma, o mundo pós-Guerra Fria é um mundo de sete ou oito 
civilizações principais. Os aspectos comuns e as diferenças moldam os 
interesses, os antagonismos e as associações dos Estados. Os países mais 
importantes do mundo provêm, em sua maioria, de civilizações diferen¬ 
tes. Os conflitos locais que têm maior probabilidade de se transformarem 
em guerras mais amplas são os que existem entre grupos e Estados de 
civilizações diferentes. Os padrões predominantes de desenvolvimento 
político e econômico diferem de uma civilização para outra. As questões- 
chave do cenário internacional envolvem diferenças entre civilizações. 
O poder está-se deslocando da civilização ocidental que há tanto tempo 
predomina para civilizações não-ocidentais. A política mundial tornou-se 
multipolar e multicivilizacional. 

OUTROS MUNDOS? 

Mapas e paradigmas . Esse quadro da política mundial do mundo 
pós-Guerra Fria, moldado por fatores culturais e envolvendo as interações 
entre Estados e grupos de civilizações diferentes , está altamente simpli¬ 
ficado. Ele omite muitas coisas, deturpa algumas e torna outras obscuras. 
No entanto, se formos pensar seriamente sobre o mundo e nele atuarmos 
de forma eficaz, faz-se necessário algum tipo de mapa simplificado da 
realidade, alguma teoria, conceito, modelo ou paradigma. Sem tal 
construção intelectual, existe apenas, como diz William James, “uma 
monumental e sonora confusão”. Thomas Kühn mostrou no seu clássico 
The Stmcture of Scientific Revolutions que o avanço intelectual e científico 
consiste no deslocamento de um paradigma, que se tomou cada vez mais 
incapaz de explicar fatos novos ou recém-descobertos, por um novo 
paradigma, que de fato trata desses fatos de um modo mais satisfatório. 
“Para ser aceita como um paradigma”, escreveu Kühn, “uma teoria precisa 
parecer melhor do que suas competidoras, mas não precisa — e, na 


29 


verdade, nunca o faz — explicar todos os fatos com os quais ela se 
defronta.” 4 John Lewis Gaddis também observou inteligentemente que 
“encontrar o seu próprio caminho num terreno pouco conhecido geral¬ 
mente requer algum tipo de mapa. A cartografia, como a própria 
cognição, é uma simplificação necessária que nos permite ver onde 
estamos e para onde podemos estar indo”. A imagem, durante a Guerra 
Fria, da competição entre as superpotências era, como ele assinala, um 
modelo desse tipo, articulado pela primeira vez por Harry Truman como 
“um exercício de cartografia geopolítica que representava o panorama 
internacional em termos que qualquer um podia compreender e, dessa 
forma, preparava o caminho para a sofisticada estratégia de contenção 
que logo iria se seguir”. As percepções do mundo e as teorias causais 
são guias indispensáveis da política internacional. 5 

Durante 40 anos, os estudiosos e os profissionais das relações 
internacionais pensaram e atuaram nos termos desse quadro altamente 
simplificado, mas muito útil, dos assuntos mundiais — o paradigma da 
Guerra Fria. Esse paradigma não podia explicar tudo que se passava na 
política mundial. Havia muitas anomalias — para usar o termo de Kühn 
e, às vezes, o paradigma impedia que estudiosos e estadistas enxergas¬ 
sem os desdobramentos principais, como por exemplo a ruptura sino- 
soviética. Entretanto, como um modelo simples de política global, ele 
explicava uma quantidade maior de fenômenos do que seus rivais, 
chegou a ser aceito quase universalmente e moldou o pensamento sobre 
política mundial durante duas gerações. 

Os paradigmas ou mapas simplificados são indispensáveis para o 
pensamento e para a ação do Homem. Por um lado, podemos formular 
explicitamente tais teorias ou modelos e utilizá-los conscientemente para 
guiar nosso comportamento. Por outro lado, podemos negar a neces¬ 
sidade de tais guias e pressupor que agiremos apenas em termos de fatos 
“objetivos” específicos, lidando com cada caso “em função de seus 
méritos”. Contudo, se aceitarmos isso, estaremos nos enganando, pois, 
no fundo de nossas mentes, estão ocultas pressuposições, vieses e 
preconceitos que determinam a forma pela qual nós percebemos a 
realidade, para que fatos olhamos e como julgamos sua importância e 
seus méritos. Necessitamos de modelos explícitos ou implícitos a fim de 
sermos capazes de: 

1. ordenar a realidade e sobre ela tecer generalizações; 

2. compreender as relações causais entre os fenômenos; 

3. antecipar e, se tivermos sorte, predizer desdobramentos futuros; 

4. distinguir entre o que é importante e o que não é; e 

5. ver os caminhos que devemos tomar para atingir nossos objetivos. 

Cada modelo ou mapa é uma abstração e será mais útil para 
determinadas finalidades do que para outras. Um mapa rodoviário nos 
mostra como ir de carro de A para B, mas não será muito útíl se estivermos 
pilotando um avião, caso em que necessitaremos de um mapa que 
destaque aeroportos, rádios-faróis, aerovias e a topografia. Entretanto, 
sem mapa algum estaremos perdidos. Quanto mais detalhado for o mapa, 
de forma mais completa refletirá a realidade. Porém, para muitos 
propósitos, um mapa extremamente detalhado não será útil. Se deseja¬ 
mos ir de uma cidade grande a outra numa auto-estrada principal, não 
é preciso e podemos mesmo achar confuso um mapa que inclua muitas 
informações não relacionadas com o transporte automotor e no qual as 
rodovias principais se percam numa massa complexa de estradas secun¬ 
dárias. Por outro lado, um mapa que só contivesse uma auto-estrada 
eliminaria muito da realidade e limitaria nossa capacidade de encontrar 
rotas alternativas se a auto-estrada estivesse bloqueada por um acidente 
grande. Em resumo, precisamos de um mapa que, ao mesmo tempo, 
reproduza a realidade e a simplifique de tal modo que melhor atenda 
aos nossos propósitos. No final da Guerra Fria foram apresentados vários 
mapas ou paradigmas da política mundial. 

Um Só Mundo: Euforia e Harmonia. Um paradigma amplamente 
articulado se baseava na pressuposição de que o fim da Guerra Fria 
representava o fim de conflitos significativos na política global e o 
surgimento de um mundo relativamente harmônico. A formulação mais 
amplamente debatida de tal modelo foi a tese do “fim da História 
apresentada por Francis Fukuyama.* “Podemos estar testemunhando , 
argumentava Fukuyama, “(...) o fim da História como tal, ou seja, o ponto 
final da evolução ideológica da Humanidade e a universalização da 
democracia liberal ocidental como a forma final de governo humano.” 
Sem dúvida, dizia ele, podem ocorrer alguns conflitos em lugares do 
Terceiro Mundo, mas o conflito global está terminado e não apenas na 

* No Capítulo 3, examina-se uma linha paralela de argumentação, baseada não no fim da Guerra 
Fria mas nas tendências econômicas e sociais de longo prazo que venham a produzir uma 
“civilização universal”. 


30 


31 


Europa. “Foi precisamente no mundo não-europeu” que ocorreram as 
grandes mudanças, especialmente na China e na União Soviética. A 
guerra de idéias chegou ao fim. Ainda podem existir os que acreditam 
no marxismo-leninismo “em lugares como Manágua, Pyongyang e Cam- 
bridge, estado de Massachusetts”, porém, de forma geral, a democracia 
liberal triunfou. O futuro será dedicado não a grandes lutas estimulantes 
sobre idéias mas sim à solução de mundanos problemas econômicos e 
técnicos. E, concluía ele com certa tristeza, vai ser tudo bastante 
enfadonho.^ 

A expectativa de harmonia era largamente partilhada. Líderes 
políticos e intelectuais elaboraram opiniões similares. O Muro de 
Berlim tinha caído, os regimes comunistas tinham desmoronado, as 
Nações Unidas iriam assumir uma nova importância, os antigos rivais 
da Guerra Fria se engajariam em “parceria” e numa “grande negocia¬ 
ção”, a ordem do dia seria a manutenção da paz e a imposição da paz. 
O presidente do país líder mundial proclamou a “nova ordem mundial”; 
o decano da que talvez se possa chamar a universidade mais importante 
do mundo vetou a nomeação de um professor de estudos de segurança 
porque sua necessidade havia desaparecido; “Aleluia! Não estudamos 
mais a guerra porque a guerra não existe mais.” 

O momento de euforia no fim da Guerra Fria gerou uma ilusão de 
harmonia, que logo se viu não passar disso. O mundo ficou diferente no 
início dos anos 90, mas não necessariamente mais pacífico. As mudanças 
eram inevitáveis, o progresso não. Ilusões semelhantes ocorreram, por 
breves períodos, ao final de cada um dos outros grandes conflitos do 
século XX. A I Guerra Mundial foi “a guerra para acabar com todas as 
guerras” e para tornar o mundo seguro para a democracia. A II Guerra 
Mundial, na colocação de Franklin Roosevelt, iria “pôr fim ao sistema de 
ações unilaterais, às alianças exclusivas, aos equilíbrios de poder e a 
todos os outros expedientes que tinham sido tentados durante séculos 
e tinham fracassado sempre”. Em vez disso, teríamos “uma organiza¬ 
ção universal” de “Nações amantes da paz” e o começo de uma “estrutura 
permanente de paz”.^ 7 No entanto, a I Guerra Mundial gerou o comunis¬ 
mo, o fascismo e a inversão de uma tendência de mais de um século 
rumo à democracia. A II Guerra Mundial produziu uma Guerra Fria que 
foi realmente global. A ilusão de harmonia no fim da Guerra Fria logo 
foi dissipada pela multiplicação de conflitos étnicos e de “limpeza étnica”, 
pela ruptura da lei e da ordem, pelo surgimento de novos padrões de 
alianças e conflitos entre os Estados, pelo ressurgimento de movimentos 
neocomunistas e neofascistas, pela intensificação do fundamentalismo 
religioso, pelo fim da “diplomacia de sorrisos” e da “política do sim” nas 
relações da Rússia com o Ocidente, pela incapacidade das Nações Unidas 
e dos Estados Unidos de acabarem com sangrentos conflitos locais e pela 
crescente disposição de afirmação de uma China emergente. Nos cinco 
anos seguintes à queda do Muro de Berlim, a palavra “genocídio foi 
ouvida muito mais vezes do que em quaisquer cinco anos durante a 
Guerra Fria. O paradigma de um só mundo harmônico está claramente 
divorciado demais da realidade para ser um guia útil no mundo pós- 
Guerra Fria. 

Dois Mundos: Nós e Eles. Enquanto as expectativas de um mundo 
único aparecem ao final de grandes conflitos, a tendência para pensar 
em termos de dois mundos se repete através da história da Humanidade. 
As pessoas ficam sempre tentadas a dividir as pessoas em nós e eles, o 
grupo que está na onda e o outro, nossa civilização e aqueles bárbaros. 
Os estudiosos analisaram o mundo em termos de Oriente e Ocidente, 
Norte e Sul, centro e periferia. Os muçulmanos tradicionalmente dividem 
o mundo em Dar al-Islam e Dar al-Harb , o reino da paz e o reino da 
guerra. Essa distinção se refletiu — e, num certo sentido, se inverteu — 
ao fim da Guerra Fria por estudiosos norte-americanos que dividiram o 
mundo em “zonas de paz” e “zonas de agitação”. As primeiras abrangiam 
o Ocidente e o Japão, com cerca de 15 por cento da população mundial, 
e as últimas compreendiam todos os demais. 8 

Dependendo de como se definam as partes, um quadro de um 
mundo em duas partes pode, até certo ponto, corresponder à realidade. 
A divisão mais comum, que aparece sob diversos nomes, é entre os países 
ricos (modernos, desenvolvidos) e os países pobres (tradicionais, nâo- 
desenvolvidos ou em desenvolvimento). Numa correlação histórica com 
essa divisão econômica está a divisão cultural entre Leste e Oeste, na 
qual a ênfase incide menos sobre as diferenças em termos de bem-estar 
econômico e mais sobre as diferenças em filosofia subjacente, valores e 
estilo de vida. 9 Cada uma dessas imagens reflete alguns elementos da 
realidade, porém também padece de limitações. Os países ricos moder¬ 
nos compartilham características que os diferenciam dos países pobres 
tradicionalistas, que também compartilham características entre si. As 
diferenças em riqueza podem levar a conflitos entre as sociedades, porém 
os dados concretos, indicam que isso ocorre sobretudo quando socieda¬ 
des ricas e mais poderosas tentam conquistar e colonizar sociedades 
pobres e mais tradicionais. O Ocidente fez isso durante 400 anos e então 
algumas das colônias se rebelaram e travaram guerras de libertação contra 
as potências coloniais, que possivelmente tinham perdido o gosto pelo 
império. No mundo atual, já se deu a descolonização e as guerras coloniais 
de libertação foram substituídas por conflitos entre os povos libertados. 

Num nível mais geral, os conflitos entre ricos e pobres são impro¬ 
váveis porque, a não ser em circunstâncias especiais, os países pobres 
carecem da unidade política, do poder econômico e da capacidade militar 
para desafiar os países ricos. O desenvolvimento econômico na Ásia e 
na América Latina está tomando menos nítida a dicotomia simples dos 
que “têm” e dos que “não têm”. Os países ricos podem travar guerras de 
comércio uns com os outros, os Estados pobres podem travar guerras 
violentas uns com os outros, porém uma guerra internacional de classes 
entre o Sul pobre e o Norte rico está quase tão distante da realidade 
quanto um único mundo feliz e harmônico. 

A bifurcação cultural da divisão do mundo tem utilidade ainda 
menor. Em algum nível, o Ocidente é uma entidade. O que, entretanto, 
as sociedades não-ocidentais têm em comum além do fato de que são 
não-ocidentais? As civilizações japonesa, chinesa, hindu, muçulmana e 
africana pouco compartilham em termos de religião, estrutura social, 
instituições, valores predominantes. A unidade do não-Ocidente e a 
dicotomia Leste-Oeste são mitos criados pelo Ocidente. Esse mitos sofrem 
os defeitos do orientalismo, acertadamente criticado por Edward Said por 
promover “a diferença entre o conhecido (Europa, o Ocidente, ‘nós’) e 
o estranho (o Oriente, o Leste, ‘eles’)” e por pressupor a superioridade 
inerente do primeiro sobre o segundo. 10 Durante a Guerra Fria, o mundo 
estava, em grau considerável, polarizado de acordo com um espectro 
ideológico. Não existe, porém, nenhum espectro cultural. A polarização 
de “Leste” e “Oeste” em termos culturais é, em parte, uma outra porém 
infeliz conseqüência da prática universal de chamar a civilização européia 
de civilização ocidental. Em vez de “Leste e Oeste”, é mais apropriado 
falar-se de “o Ocidente e o resto”, que, pelo menos, implica a existência 
de muitos não-Ocidentes. O mundo é demasiado complexo para ser 
visualizado de forma útil, para a maioria dos propósitos, como simples¬ 
mente dividido, em termos econômicos, entre Norte e Sul ou, em termos 
culturais, entre Leste e Oeste. 

184 Estados, Mais ou Menos. Um terceiro mapa do mundo 
pós-Guerra Fria se deriva da que é freqüentemente chamada teoria 
“realista” das relações internacionais. De acordo com essa teoria, os 
Estados são os atores principais — na verdade, os únicos atores impor¬ 
tantes — dos assuntos mundiais, o relacionamento entre os Estados é de 
anarquia e, por conseguinte, para assegurar sua sobrevivência e segu¬ 
rança, os Estados invariavelmente tentam maximizar seu poder. Quando 
um Estado vê outro Estado aumentando seu poder e, desse modo, se 
tornando uma ameaça em potencial, ele tenta proteger sua própria 
segurança fortalecendo seu poder e/ou aliando-se com outros Estados. 
Os interesses e as ações dos mais ou menos 184 Estados do mundo 
pós-Guerra Fria podem ser previstos a partir dessas pressuposições. 11 

Esse quadro “realista” do mundo é um ponto de partida muito útil 
para se analisar as relações internacionais e explicar grande parte do 
comportamento dos Estados. Os Estados são e continuarão sendo as 
entidades predominantes nos assuntos mundiais. Eles mantêm exércitos, 
praticam diplomacia, negociam tratados, travam guerras, controlam os 
organismos internacionais, influenciam e, em grau considerável, moldam 
a produção e o comércio. Os governos dos Estados atribuem prioridade 
a garantir a segurança externa dos seus Estados (embora, muitas vezes, 
eles tenham que dar prioridade maior a garantir sua segurança como 
governo contra ameaças internas). De forma ampla, esse paradigma 
estatista de fato proporciona um quadro e um guia da política global mais 
realista do que os paradigmas de um só mundo e de dois mundos. 

Entretanto, também ele padece de sérias limitações. 

Ele pressupõe que todos os Estados percebem seus interesses da 
mesma maneira e agem do mesmo modo. Sua pressuposição simples de 
que o poder é tudo constitui um ponto de partida para compreender o 
comportamento dos Estados, mas não nos leva muito adiante. Os Estados 
definem os seus interesses em termos de poder, mas também em termos 
de muito mais. É claro que os Estados freqüentemente tentam conseguir 
o equilíbrio de poder, porém se isso fosse tudo o que fizessem, os países 
da Europa Ocidental teriam se coligado com a União Soviética contra os 
Estados Unidos no final da década de 40. Os Estados reagem precipua- 
mente às ameaças que percebem e os Estados da Europa Ocidental 
naquela época viam uma ameaça política, ideológica e militar vindo do 
Leste. Viam seus interesses de uma forma que não seria prevista pela 
teoria realista clássica. Os valores, a cultura e as instituições influenciam 
de forma ampla e profunda o modo pelo qual os Estados definem os 
seus interesses. Os interesses dos Estados também são moldados não 
apenas por seus valores e instituições domésticos, mas por normas e 
instituições internacionais. Acima e além da sua preocupação primária 
com a segurança, diferentes tipos de Estados definem seus interesses de 
maneiras diferentes. Os Estados com culturas e instituições semelhantes 
verão um interesse comum. Os Estados democráticos têm aspectos 
comuns com outros Estados democráticos e, por conseguinte, não lutam 
uns com os outros. O Canadá não precisa se aliar com outra potência 
para desestimular uma invasão pelos Estados Unidos. 

Num nível básico, as pressuposições do paradigma estatista têm-se 
confirmado através da História. Assim sendo, elas não nos ajudam a 
compreender como a política mundial após a Guerra Fria diferirá da 
política mundial durante a Guerra Fria e antes dela. No entanto, é evidente 
que há diferenças e os Estados perseguem os seus interesses de forma 
diferente de um período histórico para outro. No mundo pós-Guerra Fria, 
os Estados cada vez mais definem os seus interesses em termos civiliza- 
cionais. Eles cooperam e se aliam com Estados que têm culturas 
semelhantes ou em comum e entram em conflito com maior freqüência 
com países de culturas diferentes. Os Estados definem as ameaças em 
termos das intenções dos outros Estados, e essas intenções e o modo 
como elas são percebidas são profundamente moldados por considera¬ 
ções de ordem cultural. Há menor probabilidade de que o público e os 
estadistas vejam ameaças surgindo da parte de povos que eles acham 
que compreendem e nos quais podem confiar devido a idioma, religião, 
valores, instituições e cultura compartilhados. É muito mais provável que 
vejam ameaças provindo de Estados cujas sociedades têm culturas 
diferentes e que, por isso, não compreendem e nos quais sentem que 
não podem confiar. Agora que uma União Soviética marxista-leninista 
não mais representa uma ameaça para o Mundo Livre e que os Estados 
Unidos não mais representam para o mundo comunista uma ameaça 
contraposta, os países de ambos esses mundos cada vez mais vêem as 
ameaças provindo de sociedades que são culturalmente diferentes. 

Conquanto os Estados continuem sendo os atores principais nos 
assuntos mundiais, eles também estão sofrendo perdas de soberania, 
funções e poder. As instituições internacionais agora afirmam seu direito 
de julgar e de impor limitações ao que os Estados fazem em seus próprios 
territórios. Em alguns casos, sobretudo na Europa, as instituições inter¬ 
nacionais assumiram funções importantes que anteriormente eram 
desempenhadas pelos Estados, e foram criadas poderosas burocracias 
que operam diretamente sobre os cidadãos num plano individual. De 
forma global, vem se verificando uma tendência para que os governos 
dos Estados também percam poder através da devolução de poder para 
entidades políticas abaixo do nível de Estado e nos âmbitos regionais, 
provinciais e locais. Em muitos Estados, inclusive nos do mundo desen¬ 
volvido, há movimentos regionais que estão promovendo uma autono¬ 
mia substancial ou a secessão. Em grau considerável, os governos dos 
Estados perderam a capacidade de controlar o fluxo de dinheiro que 
entra em seus países e deles sai, e estão tendo dificuldade cada vez maior 
para controlar o fluxo de idéias, de tecnologia, de bens e de pessoas. Em 
resumo, as fronteiras dos Estados se tomaram cada vez mais permeáveis. 
Todos esses desdobramentos levaram muitos a ver o fim progressivo do 
Estado sólido, tipo “bola de bilhar”, que supostamente foi a regra desde 
o Tratado de Westfália de 1648 12 , e o surgimento de uma ordem 
internacional complexa, de múltiplos níveis, que se parece mais com a 
da Idade Média. 

Puro Caos. O enfraquecimento dos Estados e a aparição de “Estados 
fracassados” contribuem para uma quarta imagem de um mundo em 
anarquia. Esse paradigma ressalta a quebra da autoridade governamental, 
o esfacelamento dos Estados, a intensificação dos conflitos tribais, étnicos 
e religiosos, o surgimento de máfias criminosas internacionais, o aumento 
do número de refugiados para dezenas de milhões, a proliferação das 
armas nucleares e outras de destruição em massa, a expansão do 
terrorismo, a prevalência de massacres e de limpezas étnicas. Esse quadro 
de um mundo caótico foi exposto de forma convincente e resumida nos 
títulos de dois trabalhos penetrantes publicados em 1993: Out of Controls 
de Zbigniew Brzezinski, e Pandaemonium, de Daniel Patrick Moynihan. 1 ^ 

Tal como o paradigma estatista, o paradigma do caos está próximo 
da realidade. Ele fornece um quadro gráfico e preciso de muito do que 
está acontecendo no mundo e, ao contrário do paradigma estatista, realça 
as mudanças significativas que ocorreram na política mundial com o fim 
da Guerra Fria. Assim, por exemplo, já em 1993 estimava-se que havia 
cerca de 48 guerras étnicas em andamento pelo mundo afora e que havia 
164 “reivindicações e conflitos étnico-territoriais a respeito de fronteiras” 
na ex-União Soviética, dos quais 30 envolviam alguma forma de conflito 
armado. 14 Entretanto, o paradigma do caos é prejudicado ainda mais do 
que o paradigma estatista por estar demasiado próximo da realidade. O 
mundo pode ser caótico, mas não está inteiramente desprovido de 
ordem. Uma imagem de anarquia universal e sem diferenciações propor¬ 
ciona poucas indicações para se compreender o mundo, para se ordenar 
os acontecimentos e avaliar sua importância, para predizer tendências na 
anarquia, para distinguir entre tipos de caos e suas causas e conseqüên- 
cias possivelmente diferentes e, finalmente, para desenvolver linhas de 
orientação para os elaboradores de diretrizes governamentais. 

í 


de diretrizes. Ela também amplia e incorpora elementos dos outros 
paradigmas. Ela é mais compatível com eles do que eles o são uns com 
os outros. Por exemplo, um enfoque civilizacional sustenta que: 

A Comparação de Mundos: Realismo, 

Parcimônia e Previsões 

Cada um desses quatro paradigmas oferece uma combinação um tanto 
diferente de realismo e parcimônia. No entanto, cada um tem suas 
deficiências e limitações. É possível que elas pudessem ser neutralizadas 
combinando-se paradigmas e pressupondo-se, por exemplo, que o 
mundo está engajado em processos simultâneos de fragmentação e 
integração. 15 Ambas essas tendências de fato existem e um modelo mais 
complexo se aproximará mais da realidade do que um modelo mais 
simples. Contudo, isso sacrifica a parcimônia em troca do realismo e, se 
levado muito longe, conduz à rejeição de todos os paradigmas ou teorias. 
Além disso, ao abraçar simultaneamente duas tendências opostas, o 
modelo de fragmentação-integração deixa de estabelecer sob que cir¬ 
cunstâncias uma tendência prevalecerá e sob quais a outra é que 
prevalecerá. O desafio está em desenvolver um paradigma que dê conta 
de maior número de acontecimentos cruciais e forneça uma melhor 
compreensão de tendências do que outros paradigmas num nível equi¬ 
valente de abstração intelectual. 

Esses quatro paradigmas também são incompatíveis uns com os 
outros. O mundo não pode ser, ao mesmo tempo, um só e dividido de 
maneira fundamental entre Leste e Oeste ou entre Norte e Sul. Nem o 
Estado-nação pode ser a base sólida dos assuntos internacionais se estiver 
se fragmentando e sendo dilacerado por lutas civis em proliferação. O 
mundo é um ou dois ou 184 Estados, ou um número teoricamente infinito 
de tribos, grupos étnicos e nacionalidades. 

Visualizar o mundo em termos de sete ou oito civilizações evita 
muitas dessas dificuldades. Com isso não se sacrifica a realidade em favor 
da parcimônia, como ocorre com os paradigmas de um só mundo e de 
dois mundos e, por outro lado, também não se sacrifica a parcimônia em 
favor da realidade, como o fazem os paradigmas estatista e do caos. Essa 
visualização proporciona uma moldura de apreensão fácil e facilmente 
inteligível para se compreender o mundo, distinguindo dentre os confli¬ 
tos os que são importantes dos que não o são, predizendo desdobra¬ 
mentos futuros e fornecendo linhas de orientação para os elaboradores 


• As forças de integração no mundo são reais e são precisamente 
o que está gerando forças contrárias de afirmação cultural e 
consciência civilizacional. 

• O mundo é, em certo sentido, duplo, mas a distinção fun¬ 
damental se dá entre o Ocidente, como a civilização até aqui 
dominante, e todas as demais, as quais, entretanto, têm pouco 
ou nada em comum entre si. Em suma, o mundo está dividido 
entre um ocidental e muitos não-ocidentais. 

• Os Estados-nações são e continuarão a ser os atores mais 
importantes nos assuntos mundiais, porém seus interesses, as¬ 
sociações e conflitos são cada vez mais moldados por fatores 
culturais e civilizacionais. 

• O mundo é, de fato, anárquico, pleno de conflitos tribais e de 
nacionalidade, porém os conflitos que representam os maiores 
perigos para a estabilidade são aqueles entre Estados ou grupos 
de diferentes civilizações. 

Desse modo, um enfoque civilizacional apresenta um mapa relati¬ 
vamente simples, mas não demasiado simples, para se compreender o 
que está acontecendo no mundo. Ele fornece alguma base para se 
distinguir entre o que é mais importante e o que é menos importante. 
Pouco menos da metade dos 48 conflitos étnicos do mundo no início de 
1993, por exemplo, era entre grupos de civilizações diferentes. A 
perspectiva civilizacional levaria o secretário-geral da ONU e o secretário 
de Estado dos Estados Unidos a concentrarem seus esforços pacificadores 
em relação àqueles dentre esses conflitos que tivessem um potencial 
muito maior do que outros de evoluírem para guerras mais amplas. Os 
paradigmas também geram previsões, e um teste crucial da validade e 
utilidade de um paradigma é o grau em que as previsões dele derivadas 
se revelam mais corretas do que as de paradigmas alternativos. Um 
paradigma estatista, por exemplo, leva John Mearsheimer a prever que 
“a situação entre a Ucrânia e a Rússia está madura para o surto de uma 
competição de segurança entre elas. Grandes potências que comparti¬ 
lham uma fronteira comum longa e desprotegida, como a que corre entre 
a Rússia e a Ucrânia, freqüentemente descambam para uma competição 
movida por receios de segurança. A Rússia e a Ucrânia poderiam superar 
essa dinâmica e aprender a conviver em harmonia, mas seria surpreen¬ 
dente se o fizessem”.*6 Por outro lado, um enfoque civilizacional enfatiza 
os estreitos laços culturais, pessoais e históricos entre a Rússia e a Ucrânia 
e a miscigenação de russos e ucranianos em ambos os países, concentran¬ 
do-se na linha de fratura civilizacional que divide a Ucrânia oriental 
ortodoxa da Ucrânia ocidental uniata, um fato histórico central, que vem 
de longa data, e que Mearsheimer despreza inteiramente, em conformi¬ 
dade com o conceito “realista” dos Estados como entidades unificadas e 
com uma só identidade. Enquanto um enfoque estatista ressalta a 
possibilidade de uma guerra russo : ucraniana, um enfoque civilizacional 
a minimiza e, em vez disso, ressalta a possibilidade de a Ucrânia se partir 
ao meio numa separação que fatores culturais levariam a que se 
predissesse ser mais violenta do que a da Checoslováquia e muito menos 
sangrenta do que a da Iugoslávia. Essas previsões diferentes, por seu 
turno, suscitam diferentes prioridades de diretrizes. A previsão de Mears¬ 
heimer de uma possível guerra e da conquista da Ucrânia pela Rússia 
leva-o a apoiar a opção de que a Ucrânia tenha armas nucleares. Um 
enfoque civilizacional encorajaria a cooperação entre a Rússia e a 
Ucrânia, instaria a Ucrânia a abandonar suas armas nucleares, promoveria 
uma substanciosa assistência econômica e outras medidas para ajudar a 
manter a unidade e a independência da Ucrânia, e endossaria um 
planejamento de contingência para a possível desagregação da Ucrânia. 

Muitos acontecimentos posteriores ao fim da Guerra Fria foram 
compatíveis com o paradigma civilizacional e poderiam ter sido previstos 
por ele. Dentre eles estão os seguintes: a desagregação da União Soviética 
e da Iugoslávia, as guerras que prosseguiram em seus antigos territórios, 
o crescimento do fundamentalismo pelo mundo afora, as lutas dentro da 
Rússia, da Turquia e do México por questões de identidade, a intensidade 
dos conflitos por comércio entre os Estados Unidos e o Japão, os esforços 
de Estados islâmicos e confucianos para adquirir armas nucleares e os 
meios para lançá-las, a continuação do papel da China como uma grande 
potência de fora”, a consolidação dos novos regimes democráticos em 
alguns países e não em outros e a crescente corrida armamentista na Ásia 
Oriental. 

A relevância do paradigma civilizacional para o mundo que está 
surgindo é ilustrada pelos acontecimentos que se encaixam nesse 
paradigma e que ocorreram durante um período de seis meses em 1993: 
a continuação e a intensificação dos combates entre croatas, 
muçulmanos e sérvios na antiga Iugoslávia; 
a omissão do Ocidente em proporcionar apoio significativo aos 
muçulmanos da Bósnia ou em denunciar as atrocidades croatas 
do mesmo modo como as atrocidades sérvias foram denunciadas; 
a falta de disposição da Rússia para se juntar a outros membros 
do Conselho de Segurança da ONU a fim de fazer com que os 
sérvios da Croácia estabelecessem a paz com o governo croata 
e o oferecimento do Irã e de outras nações muçulmanas de 
fornecer 18 mil soldados para proteger os muçulmanos da 
Bósnia; 
a intensificação da guerra entre os armênios e os azeris, as 
exigências turcas e iranianas de que os armênios abandonassem 
as áreas conquistadas, o deslocamento de tropas turcas para a 
fronteira com o Azerbaijão e de tropas iranianas através da 
fronteira para o território do Azerbaijão e a advertência da Rússia 
de que a ação iraniana contribuía para “a escalada do conflito” 
e de que ela “o impelia para os limites perigosos da internacio¬ 
nalização”; 
a continuação dos combates na Ásia Central entre tropas russas 
e guerrilheiros mujahedins\ 
a confrontação, na Conferência de Direitos Humanos em Viena, 
entre o Ocidente, liderado pelo secretário de Estado Warren 
Christopher, denunciando o “relativismo cultural”, e uma coliga¬ 
ção de Estados islâmicos e confucianos rejeitando o “universalis¬ 
mo ocidental”; 
o redirecionamento, de modo paralelo, dos planejadores milita¬ 
res da Rússia e da OTAN para “a ameaça do Sul”; 
a votação, aparentemente seguindo quase que inteiramente 
linhas civilizacionais, que designou Sydney em vez de Pequim 
para sede das Olimpíadas do ano 2000; 
a venda de componentes de mísseis pela China para o Paquistão, 
a resultante imposição de sanções pelos Estados Unidos contra 
a China e a confrontação entre a China e os Estados Unidos por 
causa da alegada transferência de tecnologia nuclear para o Irã; 
o rompimento da moratória e a realização de prova com um 
artefato nuclear pela China, a despeito dos enérgicos protestos 
dos Estados Unidos, e a recusa da Coréia do Norte de continuar 
participando de conversações sobre o seu próprio programa de 
armas nucleares; 
• a revelação de que o Departamento de Defesa dos Estados 
Unidos estava seguindo uma política de “contenção dupla” 
dirigida contra o Irã e o Iraque; 
• o anúncio pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos de 
uma nova estratégia de se preparar para dois “conflitos regionais 
principais”, um contra a Coréia do Norte e o outro contra o Irã 
ou o Iraque; 
• o apelo do presidente do Irã para que fossem feitas alianças com 
a China e a índia, a fim de que “nós possamos ter a última palavra 
em acontecimentos internacionais”; 
• a nova legislação alemã que reduziu drasticamente a admissão 
de refugiados; 
• o acordo entre o presidente russo Boris Yeltsin e o presidente 
ucraniano Leonid Kravchuk sobre o destino a ser dado à 
esquadra do Mar Negro e outras questões; 
• o bombardeio de Bagdá pelos Estados Unidos, o apoio virtual¬ 
mente unânime dado pelos governos ocidentais e a condenação 
do mesmo por quase todos os governos muçulmanos, como mais 
um exemplo de “dois pesos e duas medidas” do Ocidente; 
• a qualificação do Sudão pelos Estados Unidos como um país 
terrorista e o julgamento do xeque Ornar Abdel Rahman e seus 
seguidores por conspirarem para “empreender uma guerra de 
terrorismo urbano contra os Estados Unidos”; 
• as maiores perspectivas para o futuro ingresso da Polônia, 
Hungria, República Checa e Eslováquia na OTAN; 
• a eleição parlamentar russa, que demonstrou que a Rússia era, 
de fato, um país “dividido”, com o povo e as elites incertas quanto 
a se deviam juntar-se ao Ocidente ou desafiá-lo. 

Poder-se-ia compilar uma lista comparável de acontecimentos que 
demonstrariam a relevância do paradigma civilizacional para praticamen¬ 
te qualquer período de seis meses no início da década de 90. 

Nos primeiros anos da Guerra Fria, o estadista canadense Lester 
Pearson, de modo presciente, destacou o ressurgimento e vitalidade das 
sociedades não-ocidentais. Ele alertou que “seria absurdo imaginar-se 
que essas novas sociedades políticas que estão vindo à luz no Oriente 
serão réplicas daquelas que conhecemos bem no Ocidente. O renasci¬ 
mento dessas antigas civilizações assumirá novas formas”. Assinalando 
que as relações internacionais “durante muitos séculos” tinham sido as 
relações entre os Estados da Europa, ele argumentou que “os problemas 
de maior alcance surgem não mais entre nações no seio de uma única 
civilização, mas sim entre as próprias civilizações”. 17 A prolongada 
bipolaridade da Guerra Fria retardou os desdobramentos que Pearson 
via a caminho. O fim da Guerra Fria liberou as forças culturais e 
civilizacionais que ele identificou na década de 50, e uma ampla gama 
de estudiosos e observadores identificou e ressaltou o novo papel desses 
fatores na política mundial. 18 Femand Braudel fez a sábia advertência 
de que, “no que se refere a qualquer pessoa interessada no mundo 
contemporâneo e, mais ainda, qualquer pessoa que queira nele atuar, 
Vale a pena 1 saber como identificar, num mapa do mundo, quais são as 
civilizações que existem hoje em dia, ser capaz de definir seus limites, 
seus centros e periferias, suas províncias e o tipo de ar que nelas se 
respira, os formatos’ gerais e particulares que existem e que se associam 
em seu âmbito. Do contrário, nem pensar nos equívocos catastróficos 
que se poderiam produzir!”. 19 


Capítulo 2 

As Civilizações na História e na Atualidade 


1 


A NATUREZA DAS CIVILIZAÇÕES 

A História da humanidade é a História das civilizações. É impossível 
pensar-se no desenvolvimento da Humanidade em quaisquer 
outros termos. A narrativa se estende através de gerações de 
civilizações, desde as antigas civilizações sumeriana e egípcia, passando 
pela clássica e mesoamericana, até a ocidental e islâmica e através de 
sucessivas manifestações de civilizações sínicas e hindus. Através da 
História, as civilizações proporcionaram as identificações mais amplas 
para os povos. Como resultado, as causas, o aparecimento, o crescimento, 
as interações, as realizações, o declínio e a queda das civilizações foram 
extensamente explorados por destacados historiadores, sociólogos e 
antropólogos, incluindo, dentre outros, Max Weber, Emile Durkheim, 
Oswald Spengler, Pitrim Sorokin , Arnold Toynbee, Alfred Weber, A. L. 
Kroeber, Philip Bagby, Carroll Quigley, Rushton Coulborn, Christopher 
Dawson, S. N. Eisenstadt, Fernand Braudel, William H. McNeill, Adda 
Bozeman, Immanuel Wallerstein e Felipe Fernández-Armesto. 1 Esses e 
outros escritores produziram uma literatura volumosa, culta e sofisticada, 
dedicada à análise comparativa das civilizações. Essa literatura está cheia 
de diferenças de perspectiva, metodologia, enfoque e conceitos. No 
entanto, existe também uma concordância generalizada sobre as propo¬ 
sições fundamentais a respeito de natureza, identidade e dinâmica das 
civilizações. 

Em primeiro lugar, há uma distinção entre civilização, no singular, 
e civilizações, no plural. A idéia de civilização foi desenvolvida pelos 
pensadores franceses do século XVIII, em oposição ao conceito de 
“barbarismo”. A sociedade civilizada diferia da sociedade primitiva 
porque era estabelecida, urbana e alfabetizada. Ser civilizado era bom, 
não ser civilizado era ruim. O conceito de civilização fornecia um padrão 
pelo qual as sociedades podiam ser julgadas, e durante o século XIX os 
europeus dedicaram muita energia intelectual, diplomática e política à 
elaboração dos critérios pelos quais as sociedades não-européias pode¬ 
riam ser julgadas suficientemente “civilizadas” para serem aceitas como 
membros do sistema internacional dominado pelos europeus. Ao mesmo 
tempo, porém, as pessoas cada vez mais falavam de civilizações, no 
plural. Isso significava “renunciar à civilização definida como um ideal, 
ou melhor, como o ideal”, e um afastamento da pressuposição de que 
havia um único padrão para o que era civilizado, “confinado a umas 
poucas pessoas ou grupos privilegiados, a ‘elite’ da humanidade”, na 
frase de Braudel. Em vez disso, havia muitas civilizações, cada uma das 
quais era civilizada à sua própria maneira. Em suma, a civilização, no 
singular, “perdeu um pouco do seu encanto”, e uma civilização no 
sentido plural podia na realidade ser bastante não-civilizada no sentido 
singular. 2 

Este livro se ocupa das civilizações no plural. Contudo, a distinção 
entre o sentido singular e o plural continua sendo relevante e a idéia de 
civilização no singular reapareceu no argumento de que existe uma 
civilização mundial universal. Esse argumento não pode ser sustentado, 
e é útil examinar, como será feito no último capítulo deste livro, se as 
civilizações estão ou não ficando mais civilizadas. 

Em segundo lugar, uma civilização é uma entidade cultural, com 
exceção do que se pensa na Alemanha. Os pensadores alemães do século 
XIX traçaram uma nítida distinção entre civilização, que envolvia mec⬠
nica, tecnologia e fatores materiais, e cultura, que envolvia valores, ideais 
e as qualidades intelectuais, artísticas e morais de uma sociedade, 
consideradas mais elevadas. Essa distinção persistiu no pensamento 
alemão, mas não foi aceita em outros lugares. Alguns antropólogos 
chegaram até a inverter a relação e conceberam as culturas como 
características de sociedades primitivas, estáticas e não-urbanas, enquan¬ 
to que as sociedades mais complexas, desenvolvidas, urbanas e dinâmi¬ 
cas são civilizações. Entretanto, essas tentativas para distinguir entre 
cultura e civilização não tiveram aceitação e, fora da Alemanha, existe 
uma concordância generalizada com a colocação de Braudel de que é 
“ilusório desejar, à maneira alemã, separar a cultura de seus alicerces, a 
civilização ”3 

Civilização e cultura se referem, ambas, ao estilo de vida em geral 
de um povo, e uma civilização é uma cultura em escrita maior. As duas 
envolvem “os valores, as normas, as instituições e os modos de pensar 
aos quais sucessivas gerações numa determinada sociedade atribuíram 
uma importância fundamental”. 4 Para Braudel, uma civilização é “um 
espaço, uma ‘área cultural', (...) uma coletânea de características e 
fenômenos culturais”. Wallerstein a define como “uma concatenação 
especial de visão do mundo, de costumes, de estruturas e de cultura 
(tanto a cultura material como a alta cultura), que forma alguma espécie 
de totalidade histórica e que coexiste (ainda que nem sempre de forma 
simultânea) com outras variedades desse fenômeno”. Segundo Dawson, 
uma civilização é o produto de “um processo especialmente original de 
criatividade cultural que é o trabalho de um povo em particular”, 
enquanto que para Durkheim e Mauss ela é “uma espécie de ambiente 
moral que abrange um certo número de nações, sendo cada cultura 
nacional apenas uma forma especial do todo”. Para Spengler, uma 
civilização é “o destino inevitável da cultura (...) os estados mais 
exteriores e artificiais dos quais é capaz uma espécie de humanidade 
desenvolvida (...) uma conclusão, a coisa-que-é se sucedendo à coisa- 
que-está-sendo”. A cultura é o tema comum em praticamente todas as 
definições de civilização.^ 

Os elementos culturais chave que definem uma civilização foram 
expostos de forma clássica pelos atenienses, quando tranqüilizaram os 
espartanos no sentido de que não os trairiam com os persas: 

Pois há muitas e poderosas considerações que nos proíbem de assim 
fazer, mesmo que a tanto estivéssemos inclinados. Primeiro e mais 
importante que tudo, as imagens e as moradas dos deuses, queimadas 
e deixadas em ruínas: isso requer de nós vingança no mais alto grau, 
em vez de chegar a acordo com o homem que perpetrou tais atos. Em 
segundo lugar, a raça grega, tendo o mesmo sangue e a mesma língua, 
e em comum os templos dos deuses e os sacrifícios, e sendo nossos 
costumes semelhantes, não estaria bem que os atenienses se tomassem 
traidores disso. 

Sangue, língua, religião, estilo de vida era o que os gregos tinham 
em comum e o que os distinguia dos persas e dos outros não-gregos. 6 
Entretanto, de todos os elementos objetivos que definem as civilizações, 

Á& 

o mais importante geralmente é a religião, como enfatizaram os atenien¬ 
ses. Em larga medida, as principais civilizações na História da Humani¬ 
dade se identificaram intimamente com as grandes religiões do mundo, 
e povos que compartilham etnia e idioma podem, como no Líbano, na 
antiga Iugoslávia e no Subcontinente indiano, massacrar-se uns aos 
outros porque acreditam em deuses diferentes. 7 

Existe uma correspondência significativa entre a divisão dos povos 
por características culturais em civilizações e sua divisão por caracterís¬ 
ticas físicas em raças. No entanto, civilização e raça não são a mesma 
coisa. Povos da mesma raça podem estar profundamente divididos pela 
civilização e povos de raças diferentes podem estar unidos pela civiliza¬ 
ção. Em especial as grandes religiões missionárias, o Cristianismo e o 
Islã, abrangem sociedades com variedade de raças. As distinções cruciais 
entre os grupos humanos se referem a seus valores, crenças, instituições 
e estruturas sociais, não a seu tamanho físico, formato da cabeça e cor 
da pele. 

Em terceiro lugar, as civilizações são abrangentes, isto é, nenhuma 
de suas unidades constituintes pode ser plenamente compreendida sem 
alguma referência à civilização que a abrange. Toynbee argumentou que 
as civilizações “compreendem sem serem compreendidas por outras”. 
Uma civilização é uma “totalidade”. Melko prossegue dizendo que as 
civilizações têm um certo grau de integração. Suas partes são definidas por seu 
relacionamento umas com as outras e com o conjunto delas. Se a 
civilização se compõe de Estados, esses Estados guardarão mais relação 
uns com os outros do que com Estados fora da sua civilização. Eles 
podem lutar mais e se engajar com maior freqüência num relacionamen¬ 
to diplomático. Eles terão maior interdependência econômica. Haverá 
correntes estéticas e filosóficas profundas . 8 

Uma civilização é a entidade cultural mais ampla. As aldeias, as 
regiões, os grupos étnicos, as nacionalidades, os grupos religiosos, todos 
têm culturas distintas em diferentes níveis de heterogeneidade cultural. 
A cultura de um vilarejo no sul da Itália pode ser diferente da de um 
vilarejo no norte da Itália, mas ambos compartilharão uma cultura italiana 
comum, que os distingue de vilarejos alemães. As comunidades euro¬ 
péias, por sua vez, compartilharão aspectos culturais que as distinguem 
de comunidades chinesas ou hindus. Os chineses, os hindus e os 
ocidentais, entretanto, não são parte de nenhuma entidade cultural mais 
ampla. Eles constituem civilizações. Uma civilização é assim o mais alto 

A-J 

agrupamento cultural de pessoas e o mais amplo nível de identidade 
cultural que as pessoas têm aquém daquilo que distingue os seres 
humanos das demais espécies. Ela é definida por elementos objetivos 
comuns, tais como língua, história, religião, costumes, instituições e pela 
auto-identificação subjetiva das pessoas. As pessoas têm níveis de 
identidade: um morador de Roma pode se definir em graus variáveis de 
intensidade como um romano, um italiano, um católico, um cristão, um 
europeu, um ocidental. A civilização à qual ele pertence é o nível mais 
amplo de identificação com o qual ele se identifica de forma intensa. As 
civilizações são o maior “nós” dentro do qual nos sentimos culturalmente 
à vontade, em contraste com todos os outros “eles” por aí afora. As 
civilizações podem envolver um grande número de pessoas, tal como a 
civilização chinesa, ou um número muito pequeno de pessoas, tal como 
os caribenhos anglófonos. Através da História, existiram muitos grupos 
pequenos de pessoas que possuíam uma cultura distinta e que careciam 
de qualquer identificação cultural mais ampla. Têm-se feito distinções 
em termos de tamanho e importância entre civilizações principais e 
periféricas (Bagby), ou civilizações principais e paradas no tempo ou 
abortivas (Toynbee). Este livro se ocupa das que são geralmente consi¬ 
deradas como as principais civilizações da História humana. 

As civilizações não têm fronteiras nitidamente definidas nem come¬ 
ços e fins precisos. Os povos podem redefinir — e de fato o fazem — 
suas identidades e, em conseqüência, a composição e as formas das 
civilizações mudam com o tempo. As culturas dos povos interagem e se 
superpõem. Também varia muito o grau em que as culturas das civiliza¬ 
ções se assemelham ou diferem umas das oütras. Não obstante, as 
civilizações são entidades que têm um sentido e, conquanto as linhas 
entre elas raramente sejam nítidas, elas são reais. 

Em quarto lugar, as civilizações são mortais, porém duram muito 
tempo. Elas evoluem, se adaptam e são as mais duradouras dentre as 
associações humanas, “realidades de uma extrema longue duréé\ Sua 
“essência única e particular” é “a sua longa continuidade histórica. A 
civilização é, na verdade, a história mais comprida de todas.” Os impérios 
ascendem e caem, os governos vêm e vão, as civilizações perduram e 
sobrevivem às convulsões políticas, sociais, econômicas, até mesmo 
ideológicas”. 9 Bozeman conclui que “a história internacional documenta 
com acerto a tese de que os sistemas políticos são expedientes transitórios 
na superfície da civilização e de que o destino de cada comunidade 
unificada lingüística e moralmente depende, em última análise, da 
sobrevivência de certas idéias fundamentais de estruturação, em tomo 
das quais gerações sucessivas se congregaram e que assim simbolizam 
a continuidade da sociedade”. 10 Praticamente todas as principais civili¬ 
zações do mundo no século XX ou já existem há um milênio ou, como 
ocorre na América Latina, são o fruto imediato de uma outra civilização 
de longa duração. 

Ao mesmo tempo em que as civilizações perduram, elas também 
evoluem. Elas são dinâmicas, ascendem e caem, se fundem e se dividem 
e, como todo aluno de História sabe, elas também desaparecem e são 
enterradas nas areias do tempo. As fases de sua evolução podem ser 
especificadas de diversas maneiras. Quigley vê as civilizações passando 
por sete estágios: mescla, gestação, expansão, era de conflito, império 
universal, decadência e invasão. Melko generaliza um modelo de 
mudanças a partir de um sistema feudal cristalizado para um sistema 
feudal em transição, para um sistema de Estado cristalizado, para um 
sistema de Estado em transição, para um sistema imperial cristalizado. 
Toynbee vê uma civilização surgindo como uma resposta a desafios 
e passando então por um período de crescimento que envolve um 
crescente controle sobre seu ambiente produzido por uma minoria 
criativa, seguido por um tempo de dificuldades, a ascensão de um Estado 
universal e depois a desintegração. Conquanto existam diferenças signi¬ 
ficativas, todas essas teorias vêem as civilizações evoluindo através de 
um tempo de dificuldades ou conflito para um Estado universal e daí 
para a decadência e a desintegração. 11 

Em quinto lugar, como as civilizações são entidades culturais e não 
políticas, elas, como tal, não mantêm a ordem, não estabelecem a justiça, 
não arrecadam impostos, não travam guerras, não negociam tratados nem 
fazem quaisquer das coisas que fazem os governos. A composição 
política das civilizações varia entre elas e, dentro de uma mesma 
civilização, varia com o tempo. Uma civilização pode assim conter uma 
ou mais unidades políticas. Essas unidades podem ser cidades-Estados, 
impérios, federações, confederações, Estados-nações, Estados multina¬ 
cionais, todos eles podendo ter formas várias de governo. À medida que 
uma civilização evolui, normalmente ocorrem mudanças na quantidade 
e na natureza das unidades políticas que a constituem. Num extremo, 
pode haver coincidência entre uma civilização e uma entidade política. 
Lucian Pye comentou que a China é “uma civilização que pretende ser 
um Estado”. 12 O Japão é uma civilização que éum Estado. Entretanto, a 
maioria das civilizações contém mais de um Estado ou outra entidade 
política. No mundo moderno, as civilizações ocidental, ortodoxa, latino- 
americana, islâmica, hindu e até a chinesa contêm dois ou mais Estados, 
embora em várias delas haja um Estado-núcleo ou líder: China, índia, 
Rússia. Historicamente, o Ocidente conteve um número grande de 
Estados, mas também um número reduzido de Estados-núcleos (por 
exemplo, França, Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos) cuja in¬ 
fluência variou com o tempo. Nos seus grandes dias, o Império Otomano 
era o Estado-núcleo da civilização islâmica; nos tempos modernos, 
porém, não houve um Estado-núcleo islâmico, situação que também 
ocorre na América Latina e na África. 

Por último, de forma geral os estudiosos estão de acordo quanto à 
identificação que fazem das principais civilizações da História e quanto 
às que existem no mundo moderno. Entretanto, eles freqüentemente 
discordam quanto ao número total de civilizações que existiram na 
História. Quigley sustenta 16 nítidos casos históricos e muito provavel¬ 
mente oito adicionais. Toynbee primeiramente colocou a cifra em 21, 
depois em 23- Spengler especifica oito culturas principais. McNeill 
examina nove civilizações na História toda. Bagby também vê nove 
civilizações principais, ou 11, caso o Japão e a Ortodoxia sejam dis¬ 
tinguidas da China e do Ocidente. Braudel identifica nove e Rostovanyi, 
sete civilizações principais contemporâneas. 13 Essas diferenças depen¬ 
dem em parte de se grupos culturais como os chineses e os indianos são 
considerados como tendo tido uma única civilização ao longo da História 
ou duas ou mais civilizações intimamente relacionadas, uma das quais é 
fruto da outra. Apesar dessas diferenças, a identidade das civilizações 
principais não é contestada. Após examinar trabalhos sobre o assunto, 
Melko concluiu que existe uma “concordância razoável” a respeito de 
pelo menos 12 civilizações principais, sete das quais não mais existem 
(mesopotâmica, egípcia, cretense, clássica, bizantina, mesoamericana e 
andina) e cinco ainda existentes (chinesa, japonesa, indiana, islâmica e 
ocidental). ^ Para nossos propósitos, no mundo contemporâneo é útil 
acrescentar a essas seis civilizações a latino-americana e, possivelmente, 
a africana. 

Assim, as principais civilizações contemporâneas são as seguintes: 

Sínica. Todos os estudiosos reconhecem a existência ou de uma 
única e distinta civilização chinesa que vem pelo menos de 1500 a.C., e 
talvez de mil anos antes, ou de duas civilizações chinesas, uma sucedendo 
à outra nos primeiros séculos da era cristã. No meu artigo na Foreign 
Affdirs, rotulei essa civilização de confuciana. Entretanto, é mais correto 
usar o termo “sínica”. Conquanto o Confucionismo seja um dos compo¬ 
nentes principais da civilização chinesa, ela é mais do que o Confucio¬ 
nismo e também transcende a China como entidade política. O termo 
“sínica”, que foi usado por muitos estudiosos, descreve de forma 
apropriada a cultura comum da China e das comunidades chinesas do 
Sudeste Asiático e em outros lugares fora da China, bem como as culturas 
com ela relacionadas do Vietnã e da Coréia. 

Japonesa . Alguns estudiosos combinam as culturas japonesa e 
chinesa sob o título de uma única civilização extremo-oriental. A maioria, 
porém, não o faz e, ao contrário, reconhece o Japão como uma civilização 
distinta que foi fruto da civilização chinesa, emergindo durante o período 
entre 100 e 400 d.C. 

Hindu . Reconhece-se de forma universal que existiram uma ou mais 
civilizações sucessivas no Subcontinente desde pelo menos 1500 a.C. De 
modo geral, elas são chamadas de indiana, índica ou hindu, sendo este 
último termo preferido para se referir à civilização mais recente. De uma 
ou de outra forma, o Hinduísmo foi fundamental para a cultura do 
Subcontinente desde o segundo milênio antes da era Cristã. “Mais do que 
uma religião ou um sistema social, ele é o núcleo da civilização indiana.” 15 
Ele continuou a desempenhar esse papel através dos tempos modernos, 
embora a própria índia tenha uma substanciosa comunidade muçulmana, 
bem como várias minorias culturais mais reduzidas. Tal como sínica, o 
termo “hindu” também separa o nome da civilização do nome do seu 
Estado-núcleo, o que é desejável quando, como nesses casos, a cultura 
da civilização se estende para além do Estado. 

Islâmica. Todos os principais estudiosos reconhecem a existência 
de uma civilização islâmica distinta. Originando-se na Península Arábica 
no século VII d.C., o Islã se espalhou rapidamente através do norte da 
África e da Península Ibérica, bem como, na direção do leste, pela Ásia 
Central, pelo Subcontinente e pelo Sudeste Asiático. Em conseqüência, 
existem dentro do Islã muitas culturas distintas, inclusive árabe, turca, 
persa e malaia. 

Ortodoxa. Alguns estudiosos distinguem uma civilização Ortodoxa, 
centrada na Rússia e separada da Cristandade Ocidental, como resultado 
de sua ascendência Bizantina, religião distinta, 200 anos de leis Tártaras, 
despotismo burocrático e exposição limitada ao Renascimento, Iluminis- 
mo e outras experiências fundamentais do Ocidente 



Ocidental A civilização ocidental é geralmente dada como tendo 
surgido por volta de 700 ou 800 d.C. De forma geral, ela é vista pelos 
estudiosos como tendo três componentes principais na Europa, América 
do Norte e América Latina. 

Latino-americana. A América Latina, entretanto, evoluiu por um 
caminho bastante diferente dos da Europa e da América do Norte. Um 
produto da civilização européia, ela também incorpora, em graus varia¬ 
dos, elementos de civilizações indígenas americanas que não se encon¬ 
tram na América do Norte e na Europa. Ela teve uma cultura corporativis- 
ta, autoritária, que existiu em muito menor grau na Europa e não existiu 
em absoluto na América do Norte. A Europa e a América do Norte 
sentiram, ambas, os efeitos da Reforma e combinaram as culturas católica 
e protestante. Historicamente, embora isso possa estar mudando, a 
América Latina sempre foi católica. A civilização latino-americana incor¬ 
pora culturas indígenas, que não existiram na Europa, foram efetivamente 
eliminadas na América do Norte e que variam de importância no México, 
América Central, Peru e Bolívia, de um lado, até a Argentina e o Chile, 
de outro. A evolução política e o desenvolvimento econômico latino- 
americanos se diferenciaram muito dos padrões que prevaleceram nos 
países do Atlântico Norte. Do ponto de vista subjetivo, os próprios 
latino-americanos se encontram divididos no que se refere à sua auto- 
identificação. Alguns dizem: “É, fazemos parte do Ocidente.” Outros 
afirmam: “Não, temos nossa própria cultura singular.” E uma vasta 
literatura de autores latino-americanos e norte-americanos desenvolve 
suas diferenças culturais. 1 ^ A América Latina poderia ser considerada ou 
uma subcivilização dentro da civilização ocidental ou uma civilização 
separada, intimamente afiliada ao Ocidente e dividida quanto a se seu 
lugar é ou não no Ocidente. Esta última é a designação mais apropriada 
e útil para uma análise que se concentre nas implicações políticas 
internacionais das civilizações, inclusive as relações entre a América 
Latina, de um lado, e a América do Norte e a Europa, do outro. 

Dessa forma, o Ocidente inclui a Europa e a América do Norte, e 
também outros países de colonização européia como a Austrália e a Nova 
Zelândia. Contudo, a relação entre os dois componentes principais do 
Ocidente se modificou com o tempo. Durante grande parte de sua 
História, os norte-americanos definiram sua sociedade em oposição à 
Europa. A América do Norte era a terra da liberdade, da igualdade, da 
oportunidade, do futuro; a Europa representava a opressão, os conflitos 
de classe, a hierarquia, o atraso. Dizia-se até que a América do Norte era 


uma civilização distinta. Essa postulação de uma oposição entre a 
América do Norte e a Europa era, em larga medida, resultante do fato de 
que, pelo menos até o final do século XIX, a América do Norte tinha 
apenas contatos limitados com civilizações não-ocidentais. Porém, depois 
que os Estados Unidos saíram para o cenário mundial, desenvolveu-se 
uma sensação de uma identidade mais ampla com a Europa. 17 Enquanto 
a América do Norte do século XIX definia a si própria como diferente da 
Europa e oposta a ela, a América do Norte do século XX se definiu como 
parte e, na verdade, líder de uma entidade mais ampla, o Ocidente, que 
inclui a Europa. 

O termo “o Ocidente” é agora usado universalmente para se referir 
ao que se costumava chamar de Cristandade Ocidental. O Ocidente é 
assim a única civilização identificada por uma direção da bússola e não 
pelo nome de um povo, religião ou área geográfica em particular.* Essa 
identificação retira a civilização do seu contexto histórico, geográfico e 
cultural. Historicamente, a civilização ocidental é a civilização européia. 
Na era moderna, a civilização ocidental é a civilização euro-americana 
ou do AÜântico Norte. A Europa, a América do Norte e o Atlântico Norte 
podem ser localizados num mapa; o Ocidente não. O termo “o Ocidente” 
também deu lugar ao conceito de “ocidentalização” e promoveu uma 
fusão de ocidentalização e modernização: é mais fácil pensar no Japão 
“ocidentalizando-se” do que “se euro-americanizando”. Entretanto, a 
civilização européia-americana é universalmente mencionada como civi¬ 
lização ocidental e esta expressão, apesar de suas sérias deficiências, será 
utilizada aqui. 

Africana (possivelmente). Os principais estudiosos de civilização, 
com exceção de Braudel, não reconhecem uma civilização africana 
distinta. O norte do continente africano e sua costa leste pertencem à 
civilização islâmica. Historicamente, a Etiópia, com suas instituições 
distintas, igreja monofisista e língua escrita, constituiu uma civilização 

* O uso de “Leste” e “Oeste” para identificar áreas geográficas causa confusão e é etnocêntrico. 
“Norte” e “Sul” têm pontos de referência fixos, aceitos universalmente, nos pólos. “Leste” e 
“Oeste” não dispõem de tais pontos de referência. A questão é: a leste e a oeste de quê? Tudo 
depende de onde se está. Pode-se presumir que, origina riamente, “Oeste” e “Leste” se referiam 
às partes ocidental e oriental da Eurásía. Entretanto, de um ponto de vista norte-americano, 
o Extremo Oriente é, na realidade, o Extremo Ocidente. Durante a maior parte da história 
chinesa, o Ocidente significava a índia, enquanto que, “no Japão, ‘o Ocidente’ geralmente 
significava a China”. William E. Naff, “Reflections on the Question of ‘East and West’ from the 
Point of View of Japan” [Reflexões sobre a Questão de ‘Leste e Oeste’ do Ponto de Vista do 
Japão], Comparativo Civilizations Review, 13-14 {Outono de 1985 e Primavera de 1986), 228. 


própria. Em outros pontos, o imperialismo e os colonizadores europeus 
trouxeram elementos da civilização ocidental. Na África do Sul, coloni¬ 
zadores holandeses, franceses e, depois, ingleses, criaram uma cultura 
européia multifragmentada. 18 Mais importante ainda, o imperialismo 
europeu levou o Cristianismo para a maior parte do continente ao sul do 
Saara. Contudo, pela África afora, as identidades tribais são profundas e 
intensas, embora os africanos estejam também desenvolvendo cada vez 
mais uma noção de identidade africana, sendo possível que a África 
subsaárica se junte numa civilização distinta, sendo possivelmente a 
África do Sul seu Estado-núcleo. 

A religião é uma característica central definidora das civilizações e, 
como disse Christopher Dawson, “as grandes religiões são os alicerces 
sobre os quais repousam as civilizações”. 1 ^ Das cinco “religiões mundiais” 
de Weber, quatro — Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo e Confucionis- 
mo — estão associadas com civilizações principais. A quinta, o Budismo, 
não está. Por quê? Tal como o Islamismo e o Cristianismo, o Budismo 
cedo se separou em duas subdivisões principais e, como o Cristianismo, 
não sobreviveu na sua terra natal. A partir do século I d.C., o Budismo 
maaiano foi exportado para a China e subseqüentemente para a Coréia, 
Vietnã e Japão. Nessas sociedades, o Budismo foi adaptado de formas 
diversas, assimilado à cultura indígena (na China, por exemplo, ao 
Confucionismo e ao Taoísmo) e eliminado. Em conseqüência, embora o 
Budismo continue sendo um componente importante de suas culturas, 
essas sociedades não constituem parte de uma civilização budista nem 
como tal se identificariam. Entretanto, o que pode ser descrito legitima¬ 
mente como uma civilização budista therevada de fato existe em Sri 
Lanka, Birmânia, Tailândia, Laos e Cambódia. Além disso, as populações 
do Tibete, Mongólia e Butào historicamente se filiaram à variante lamaísta 
do Budismo maaiano, e essas sociedades constituem uma segunda área 
da civilização budista. De forma geral, porém, a virtual extinção do 
Budismo na índia e sua adaptação e incorporação às culturas existentes 
na China e no Japão significam que o Budismo, embora sendo uma 
religião importante, não foi a base de uma civilização importante.* 20 

E a civilização judaica? A maioria dos estudiosos de civilização mal a mencionam. Em termos 
de quantidade de pessoas, obviamente o Judaísmo não é uma civilização importante. Toynbee 
a descreve como uma civilização parada no tempo, que evoluiu a partir da anterior civilização 
siríaca. Historicamente ela está associada tanto com o Cristianismo como com o Islã, e durante 
séculos os judeus preservaram sua identidade cultural no seio das civilizações ocidental, 
ortodoxa e islâmica. Com a criação de Israel, os judeus têm todos os atributos de uma 


As Relações Entre as Civilizações 


; Encontros: as Civilizações antes de 1500 d.C. As relações entre as 
civilizações evoluíram através de duas fases e estão agora numa terceira. 
Durante mais de três mil anos depois que as civilizações emergiram pela 
primeira vez, com algumas exceções, não houve contatos entre elas ou 
os contatos foram limitados ou intermitentes e intensos. A natureza desses 
contatos está bem expressa pela palavra que os historiadores utilizam 
para descrevê-los : “encontros”. 21 As civilizações estiveram separadas pelo 
tempo e pelo espaço. Apenas um pequeno número delas existiu a um 
mesmo tempo determinado e há uma distinção significativa, como 
apontaram Benjamin Schwartz e Shmuel Eisenstadt, entre as civilizações 
da Era Axial e da Era Pré-axial em termos de se elas reconheciam ou não 
uma distinção entre as “ordens mundanas e transcendentais”. As civiliza¬ 
ções da Era Axial, ao contrário das suas predecessoras, tinham mitos 
transcendentais propagados por uma classe intelectual definida: “os 
profetas e sacerdotes judeus, os filósofos e sofistas gregos, os literatos 
chineses, os brâmanes hindus, os sangha budistas e os ulemás islâmi¬ 
cos”. 22 Algumas regiões testemunharam duas ou três gerações de civili¬ 
zações afins, com o desaparecimento de uma civilização e um interregno 
seguido pela ascensão de outra geração sucessora. A Figura 2.1 é uma 
tabela simplificada (reproduzida de obra de Carroll Quigley) das relações 
entre as principais civilizações eurasianas através dos tempos. 

As civilizações também estavam separadas geograficamente. Até 
1500 d.C., as civilizações andina e mesoamericana não tinham contato 
algum com outras civilizações ou uma com a outra. As primeiras 
civilizações nos vales dos rios Nilo, Tigre-Eufrates, Indus e Amarelo 
também não interagiram. Os contatos acabaram de fato por se multiplicar 
no Mediterrâneo oriental, no Sudoeste Asiático e na índia setentrional. 
Entretanto as comunicações e as relações comerciais eram restringidas 
pelas distâncias que separavam as civilizações e pelos limitados meios 
de transporte disponíveis para superar as distâncias. Conquanto houvesse 

civilização: religião, idioma, costumes, literatura, instituições e um lar territorial e político. 
Mas e no que se refere à identificação subjetiva? Os judeus que vivem em outras culturas se 
distribuíram ao longo de uma continuidade que se estende desde a identificação total com o 
Judaísmo e Israel até um Judaísmo nominal e plena identificação com a civilização dentro da 
qual residem, estes últimos, contudo, ocorrendo precipuamente dentre os que vivem no 
Ocidente. Ver Mordechai M. Kaplan, Judaism as a Civilization [O Judaísmo como uma 
Civilização] (Filadélfia: Reconstructionist Press, 1981; originalmente publicado em 1934), 
especialmente pp. 173-208. 




algum comércio por mar no Mediterrâneo e no Oceano índico, “os 
cavalos que atravessavam as estepes, não os navios à vela que cruzavam 
oceanos, foram os meios de locomoção pelos quais as civilizações 
isoladas do mundo de antes de 1500 d.C. se ligaram entre si — na 
escassa medida em que efetivamente mantiveram contatos umas com 
as outras”. 25 As idéias e a tecnologia passaram de civilização para 
civilização, mas isso freqüentemente demandou séculos. Talvez a 
difusão cultural mais importante que não resultou de conquista tenha 
sido a disseminação do Budismo para a China, que ocorreu cerca de 
600 anos após sua origem na índia setentrional. A imprensa foi inventada 
na China no século VIII d.C. e os tipos móveis no século XI, porém essa 
tecnologia só chegou à Europa no século XV. O papel foi introduzido 
na China no século II d.C., chegou ao Japão no século VII e se difundiu, 
na direção oeste, para a Ásia Central no século VIII, para o Norte da 
África no X, para a Espanha no XI e para a Europa Setentrional no XIII. 
Outra invenção chinesa, a pólvora, que ocorreu no século IX, dis¬ 
seminou-se para os árabes algumas centenas de anos depois e atingiu a 
Europa no século XIV. 24 

Os contatos mais espetaculares e significativos entre as civilizações 
se deram quando povos de uma civilização conquistaram e eliminaram 
ou subjugaram os povos de outra. Normalmente, esses contatos foram 
não só violentos como breves, e ocorreram apenas de modo intermitente. 
A partir do século XVII d.C., contatos intercivilizacionais relativamente 
continuados e às vezes intensos se desenvolveram entre o Islã e o 
Ocidente e entre o Islã e a índia. Entretanto, a maioria das interações 
comerciais, culturais e militares se deram dentro de uma mesma civiliza¬ 
ção. Embora a índia e a China, por exemplo, tenham sido, ocasional¬ 
mente, invadidas e subjugadas por outços povos (mogóis, mongóis), 
ambas as civilizações também tiveram longos períodos de “Estados em 
guerra” dentro de cada civilização. Analogamente, os gregos guerrearam 
e comercializaram uns com os outros muito mais do que o fizeram com 
os persas ou outros não-gregos. 



Impacto : a Ascensão do Ocidente . A Cristandade européia começou 
a emergir como uma civilização distinta nos séculos VIII e IX. Entretanto, 
por várias centenas de anos, ela ficou atrás de muitas outras civilizações 
no que se refere ao seu nível de civilização. A China sob as dinastias 
Tang, Sung e Ming, o mundo islâmico do século VIII ao XII e Bizâncio 
do século VIII ao XI ultrapassavam de muito a Europa em riqueza, 
território, poder militar e realizações artísticas, literárias e científicas. 25 


Figura 2.1 

Civilizações do Hemisfério Oriental 


[Culturas Neolíticas de Cultivo] 



Fonte: Carroll Quigley, The Evolution of Civilizations: An Introduction to HistóricaI Analysis [A Evolução das 
Civilizações: Uma Introdução à Análise Histórica] (Indianápolis: Liberty Press, 2 § ed., 1979), p. 83. 


Entre os séculos XI e XIII, a cultura européia começou a se desenvolver, 
num processo facilitado pela “apropriação sequiosa e sistemática dos 
elementos adequados de civilizações mais elevadas do Islã e de Bizâncio, 
junto com a adaptação dessa herança às condições e interesses especiais 
do Ocidente”. Durante esse mesmo período, a Hungria, a Polônia, a 
Escandinávia e a costa do Báltico foram convertidas ao Cristianismo 
ocidental, com o Direito Romano e outros aspectos da civilização 
ocidental vindo atrás, e os limites orientais da civilização ocidental foram 
estabilizados onde iriam permanecer daí por diante, sem modificações 
significativas. Durante os séculos XII e XIII, os ocidentais porfiaram por 
expandir seu controle na Espanha e lograram estabelecer o efetivo 
domínio do Mediterrâneo. Posteriormente, porém, a ascensão do poder 
turco causou o colapso do “primeiro império ultramarino ocidental”. 26 E, 
no entanto, por volta de 1500, o Renascimento da cultura européia estava 
bem adiantado e o pluralismo social, a expansão do comércio e as 
realizações tecnológicas proporcionavam a base para uma nova era na 
política mundial. 

Encontros intermitentes ou limitados entre as civilizações cederam 
lugar ao impacto continuado, avassalador e unidirecional do Ocidente 




sobre todas as outras civilizações. O final do século XV testemunhou a 
reconquista final da Península Ibérica aos mouros, os primórdios da 
penetração portuguesa na Ásia e a penetração espanhola nas Américas. 
Durante os 250 anos subseqüentes, todo o Hemisfério Ocidental e 
porções significativas da Ásia foram postas sob o governo ou a domina¬ 
ção européia. O fim do século XVIII viu uma retração do controle direto 
europeu, quando primeiro os Estados Unidos, logo o Haiti e depois a 
maior parte da América Latina se rebelaram contra o domínio europeu e 
conseguiram a independência. Contudo, na última parte do século XIX, 
um renovado imperialismo ocidental estendeu o domínio ocidental por 
quase toda a África, consolidou o controle ocidental no Subcontinente e 
em outras partes da Ásia e, no início do século XX, submeteu virtualmente 
todo o Oriente Médio, com exceção da Turquia, ao controle ocidental 
direto ou indireto. Países europeus ou ex-colônias européias (nas 
Américas) controlavam 35 por cento da superfície terrestre do planeta 
em 1800, 67 por cento em 1878 e 84 por cento em 1914. Ao se chegar a 
1920, a porcentagem era ainda maior, quando o Império Otomano foi 
dividido entre a Grã-Bretanha, a França e a Itália. Em 1800, o Império 
Britânico consistia de 3,9 milhões de quilômetros quadrados e de 20 
milhões de pessoas. Em 1900, o Império Vitoriano, sobre o qual o sol 
nunca se punha, abrangia 28,5 milhões de quilômetros quadrados e 390 
milhões de pessoas. 27 Durante a expansão européia, as civilizações 
andina e mesoamericana foram eliminadas, as civilizações indiana e 
islâmica, juntamente com a África, foram subjugadas, e a China foi 
invadida e subordinada à influência ocidental. Somente as civilizações 
russa, japonesa e etíope, todas três governadas por autoridades imperiais 
altamente centralizadas, foram capazes de resistir ao ataque do Ocidente 
e manter uma autêntica existência independente. Durante 400 anos, as 
relações intercivilizacionais consistiram na subordinação de outras socie¬ 
dades à civilização ocidental. 

As causas desse desdobramento único e espetacular abrangeram a 
estrutura social e as relações de classes do Ocidente; a ascensão das 
cidades e do comércio; a relativa dispersão do poder nas sociedades 
ocidentais entre assembléias, monarcas e autoridades seculares e religio¬ 
sas; a nascente noção de consciência nacional entre os povos ocidentais 
e o desenvolvimento de burocracias de Estado. Entretanto, a fonte 
imediata da expansão ocidental foi tecnológica: a invenção dos meios 
de navegação oceânica para atingir povos distantes e o desenvolvimento 
da capacidade militar para conquistar esses povos. Como Geoffrey Parker 


rn 




assinalou, “numa larga medida ‘a ascensão do Ocidente’ dependeu do 
uso da força, do fato de que o equilíbrio militar entre os europeus e seus 
adversários no ultramar estava se inclinando de forma constante em favor 
dos europeus; (...) a chave para o êxito dos ocidentais para criarem, 
entre 1500 e 1750, os primeiros impérios verdadeiramente globais 
dependeu precisamente daqueles avanços na capacidade de empreender 
a guerra que foram denominados ‘a revolução militar’”. A expansão do 
Ocidente também foi facilitada pela superioridade de suas tropas em 
organização, disciplina e treinamento e, posteriormente, por armas, 
meios de transporte, logística e serviços médicos superiores como 
conseqüência de sua liderança na Revolução Industrial. 28 O Ocidente 
conquistou o mundo não pela superioridade de suas idéias, valores ou 
religião (para a qual poucos membros das outras civilizações se conver¬ 
teram), mas sim por sua superioridade em aplicar a violência organizada. 
Os ocidentais freqüentemente se esquecem desse fato, mas os não-oci¬ 
dentais nunca. 

Ao se chegar a 1910, o mundo era mais integrado política e 
economicamente do que em qualquer outro momento da História da 
Humanidade. O comércio internacional correspondia a 33 por cento do 
produto mundial bruto, mais do que jamais fora ou veio a ser desde 
então, não se chegando sequer perto desse nível até as décadas de 70 e 
80. Os investimentos internacionais foram, como porcentagem do total 
de investimentos, mais elevados do que em qualquer outra época. 29 
Civilização queria dizer civilização ocidental, e o Ocidente controlava ou 
dominava a maior parte do mundo. O Direito Internacional era o Direito 
Internacional ocidental, oriundo da tradição de Grotius. O sistema 
internacional era o sistema ocidental westfaliano de Estados-nações 
soberanos porém “civilizados” e dos territórios coloniais por eles contro¬ 
lados. 

O surgimento desse sistema internacional definido pelo Ocidente 
foi o segundo desdobramento principal na política mundial nos séculos 
a contar de 1500. Além de interagirem numa modalidade de dominação- 
subordinação com as sociedades não-ocidentais, as sociedades ocidentais 
também interagiam entre si numa base mais eqüitativa. Essas interações 
entre entidades políticas dentro de uma única civilização se pareciam 
muito com as que ocorreram no seio das civilizações chinesa, indiana e 
grega. Elas estavam baseadas numa homogeneidade cultural que envol¬ 
via “idioma, leis, religião, práticas administrativas, agricultura, proprieda¬ 
de da terra, bem como, talvez, relacionamento familiar”. Os povos 

<;q 




europeus “partilhavam de uma cultura comum e mantinham amplos 
contatos através de uma rede de comércio, um movimento constante de 
pessoas e um notável entrelaçamento das famílias dominantes”. Eles 
também lutavam uns com os outros praticamente de forma incessante. 
Entre os Estados europeus, a paz era a exceção, não a regra. 30 Embora 
durante grande parte desse período o Império Otomano controlasse até 
um quarto do que freqüentemente se considerava como sendo a Europa, 
ele não era considerado um membro do sistema internacional europeu. 

Durante 150 anos, a política intracivilizacional do Ocidente foi 
dominada pelo grande cisma religioso e por guerras religiosas e dinás¬ 
ticas. Durante outro século e meio, após o Tratado de Westfália, os 
conflitos do mundo ocidental se deram sobretudo entre príncipes — 
imperadores, monarcas absolutos e monarcas constitucionais que tenta¬ 
vam expandir suas burocracias, seus exércitos, sua força econômica 
mercantilista e, o mais importante, o território sobre o qual reinavam. 
Nesse processo criaram os Estados-nações, e a partir da Revolução 
Francesa, as principais linhas de conflito passaram a ocorrer entre nações 
em vez de entre príncipes. No dizer de R. R. Palmer, em 1793 “as guerras 
dos reis tinham terminado e as guerras dos povos tinham começado”. 31 
Esse padrão do século XIX durou até a I Guerra Mundial. 

Em 1917, como resultado da Revolução Russa, o conflito de 
Estados-nações foi substituído pelo conflito de ideologias, primeiro entre 
o fascismo, o comunismo e a democracia liberal, e depois entre estes 
dois últimos. Na Guerra Fria, essas ideologias foram personificadas pelas 
duas superpotências, cada uma das quais definia a sua identidade por 
sua ideologia e nenhuma das quais era um Estado-nação no sentido 
europeu tradicional. A chegada do marxismo ao poder, primeiro na 
Rússia e depois na China e no Vietnã, representou uma fase de transição 
do sistema internacional europeu para um sistema multicivilizacional 
pós-europeu. O marasmo foi um produto da civilização européia, mas 
ele nem assentou raízes nem teve êxito nela. Em vez disso, elites 
modernizadoras e revolucionárias importaram-no para a Rússia, China e 
Vietnã: Lênin, Mao e Ho o adaptaram aos seus propósitos e o utilizaram 
para desafiar o poderio ocidental, para mobilizar seus povos e para 
afirmar a identidade e a autonomia nacionais de seus países contra o 
Ocidente. Contudo, o desmoronamento dessa ideologia na União Sovié¬ 
tica e a sua substanciosa adaptação na China e no Vietnã não significa 
necessariamente que essas sociedades irão importar a outra ideologia 
ocidental, a da democracia liberal. Os ocidentais que pressupõem que 






assim será provavelmente serão surpreendidos pela criatividade, resiliên- 
cia e individualismo das culturas não-ocidentais. 

Interações: um Sistema Multicivilizacional No século XX, as rela¬ 
ções entre as civilizações passaram, portanto, de uma fase dominada pelo 
impacto unidirecional de uma civilização sobre todas as demais para 
outra, de interações intensas, continuadas e multidirecionais entre todas 
as civilizações. Ambas as características centrais da era anterior de 
relações intercivilizacionais começaram a desaparecer. 

Em primeiro lugar, para usar as expressões favoritas dos his¬ 
toriadores, “a expansão do Ocidente” terminou e começou “a revolta 
contra o Ocidente”. De forma irregular e com pausas e inversões, o poder 
ocidental declinou em relação ao poder de outras civilizações. O mapa 
do mundo em 1990 guardava pouca semelhança com o mapa do mundo 
em 1920. O equilíbrio de poder militar e econômico e de influência 
política se deslocou (como será examinado em maior detalhe num 
capítulo mais adiante). O Ocidente continuou a produzir impactos 
significativos em outras sociedades, porém cada vez mais as relações 
entre o Ocidente e as outras civilizações ficaram dominadas pelas reações 
do Ocidente aos desdobramentos nessas civilizações. Longe de serem 
simplesmente os objetos da História feita pelo Ocidente, as sociedades 
não-ocidentais passaram cada vez mais a ser agentes de sua própria 
História e da História do Ocidente. 

Em segundo lugar, como resultado desses desdobramentos, o 
sistema internacional se expandiu para além do Ocidente e se tornou 
multicivilizacional. Simultaneamente, o conflito entre os Estados ociden¬ 
tais — que dominara esse sistema durante séculos — foi desaparecendo. 
Ao se chegar à parte final do século XX, o Ocidente tinha saído de sua 
fase de “Estados em guerra” de seu desenvolvimento como uma civiliza¬ 
ção e passado para sua fase de “Estado universal”. No final do século, 
essa fase ainda estava inconclusa, enquanto os Estados-nações do 
Ocidente se congregavam em dois Estados se mi-universais na Europa e 
na América do Norte. Essas duas entidades e as unidades que as 
constituem estão, contudo, ligadas por uma rede extraordinariamente 
complexa de vínculos institucionais formais e informais. Os Estados 
universais das civilizações anteriores eram impérios. Porém, como a 
democracia é o formato político da civilização ocidental, o Estado 
universal que está emergindo na civilização ocidental não é um império 
mas sim uma composição de federações, confederações e regimes e 
organismos internacionais. 


61 




As grandes ideologias políticas do século XX incluem o liberalismo, 
o socialismo, o anarquismo, o corporativismo, o marxismo, o comunismo, 
a social-democracia, o conservadorismo, o nacionalismo, o fascismo, a 
democracia cristã. Todos eles partilham de um ponto comum: são pro¬ 
duto da civilização ocidental. Nenhuma outra civilização gerou uma 
ideologia política importante. O Ocidente, contudo, nunca gerou uma re¬ 
ligião importante. As grandes religiões do mundo são todas produto de 
civilizações não-ocidentais e, na maioria dos casos, antecedem a civili¬ 
zação ocidental. À medida que o mundo sai da sua fase ocidental, as 
ideologias que tipificaram a etapa final da civilização ocidental entram 
em declínio, e seu lugar é tomado por religiões e outras formas de base 
cultural de identidade e engajamento. A separação westfaliana da religião 
e da política internacional, produto idiossincrático da civilização ociden¬ 
tal, está chegando ao fim, e a religião, como sugere Edward Mortimer, 
“tem probabilidade cada vez maior de se imiscuir nos assuntos interna¬ 
cionais”. 32 O choque intracivilizacional de idéias políticas gerado pelo 
Ocidente está sendo substituído por um choque intracivilizacional de 
cultura e religião. 

Desse modo, um sistema multipolar ocidental de relações interna¬ 
cionais cedeu lugar a um sistema bipolar semi-ocidental e, depois, a um 
sistema multipolar e multicivilizacional. A geografia política mundial 
deslocou-se do mundo único de 1920 para os três mundos dos anos 60 
e para a meia dúzia de mundos dos anos 90. Concomitantemente, os 
impérios mundiais ocidentais de 1920 se encolheram para o muito mais 
limitado “Mundo Livre” dos anos 60 (que abrangia muitos Estados 
não-ocidentais que se opunham ao comunismo) e depois para o ainda 
mais restrito “Ocidente” dos anos 90. Esse deslocamento refletiu-se 
semanticamente, entre 1988 e 1993, no declínio do uso do termo 
ideológico “Mundo Livre” e no aumento do uso do termo civilizacional 
“o Ocidente” (ver Quadro 2.1). Ele também é visível no aumento das 
referências ao Islã como um fenômeno político-cultural, à “China Maior”, 
à Rússia e seu “exterior próximo” e à União Européia, todos termos com 
um conteúdo civilizacional. As relações intercivilizacionais nessa terceira 
fase são muito mais freqüentes e intensas do que na primeira fase e muito 
mais equivalentes e recíprocas do que na segunda fase. Além disso, ao 
contrário do que houve durante a Guerra Fria, não há uma dissensão 
única que predomine, e existem múltiplas dissensões entre o Ocidente 
e outras civilizações, bem como entre muitas das civilizações não-oci¬ 
dentais. 


62 




Quadro 2.1 

Uso dos T ermos “Mundo Livre” e“o Ocidente" ____ 

Número de referências % de alteração nas 

1988 1993 referências 


New York Times 

Mundo Livre 

71 

44 

-38 

o Ocidente 

46 

144 

+ 213 

Washington Post 

Mundo Livre 

112 

67 

-40 

o Ocidente 

36 

87 

+ 142 

Congressional Record 

Mundo Livre 

356 

114 

-68 

o Ocidente 

7 

10 

+ 43 


Fonte: Lexis/Nexte. 0 número de referências é o número de matérias que contêm os termos “Mundo Livre” e “o 
Ocidente” ou deles tratam. As referências a “ocidente” foram examinadas quanto à sua aplicação contextuai a 
fim de garantir que o termo se referia a “ocidente” como uma civilização ou entidade política. 

Hedley Buli sustentou que um sistema internacional existe “quando 
dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si e produzem suficiente 
impacto um nas decisões do outro para levá-los a se comportarem — 
pelo menos até certo ponto — como partes de um todo”. Entretanto, 
uma sociedade internacional só existe quando os Estados de um sistema 
internacional têm “interesses comuns e valores comuns”, “se consideram 
obrigados por um conjunto comum de normas”, “partilham do funciona¬ 
mento de instituições comuns” e possuem “uma cultura ou civilização 
comum”. 33 Como seus predecessores sumeriano, grego, helénico, chinês, 
indiano e islâmico, o sistema internacional europeu do século XVII até 
o século XIX era também uma sociedade internacional. Durante os 
séculos XIX e XX, o sistema internacional europeu se expandiu e passou 
a abranger praticamente todas as sociedades de outras civilizações. 
Algumas instituições e práticas européias também foram exportadas para 
esses países. Não obstante, essas sociedades ainda carecem da cultura 
comum que é subjacente à sociedade internacional européia. Nos termos 
da teoria britânica das relações internacionais, o mundo é, portanto, um 
sistema internacional bem desenvolvido, porém, na melhor das hipóte¬ 
ses, não passa de uma sociedade internacional muito primitiva. 

Toda civilização se considera o centro do mundo e escreve sua 
História como a peça central da História da Humanidade. Isso talvez se 
aplique ainda mais ao Ocidente do que a outras culturas. Entretanto, 
esses pontos de vista monocivilizacionais têm relevância e utilidade 
decrescentes num mundo multicivilizacional. Os estudiosos das civiliza- 

63 



ções há muito tempo reconheceram esse truísmo. Em 1918, Spengler 
condenou a visão míope da História que prevalecia no Ocidente, com 
sua cômoda divisão em fases antiga, medieval e moderna, que só eram 
relevantes para o Ocidente. É necessário, disse ele, substituir esse 
“enfoque ptolemaico da História” por um enfoque copérnico e substituir 
“a ficção vazia de uma história linear pelo enredo espetacular de uma 
quantidade de culturas poderosas”. 34 Algumas décadas depois, Toynbee 
criticou o “provincianismo e a impertinência” do Ocidente, manifestados 
nas “ilusões egocêntricas” de que o mundo girava ao seu redor, de que 
havia um “Oriente estagnado” e de que “o progresso” era inevitável. Tal' 
como Spengler, ele não encontrava lugar para a pressuposição da 
unidade da História, a pressuposição de que “só existe um rio de 
civilização, o nosso próprio, e de que todos os demais são tributários 
dele ou se perdem nas areias do deserto”. 35 Cinco anos depois de 
Toynbee, Braudel insistiu, de forma análoga, na necessidade de se buscar 
uma perspectiva mais ampla e de se compreenderem “os grandes 
conflitos culturais do mundo e a multiplicidade de suas civilizações”. 3(5 
Entretanto, as ilusões e os preconceitos contra os quais esses estudiosos 
alertaram continuam vigentes e, na parte final do século XX, desabrocha¬ 
ram na pretensão provinciana e muito difundida de que a civilização 
européia do Ocidente é agora a civilização universal do mundo. 


64 


Capítulo 3 


Uma Civilização Universal? 
Modernização e Ocidentalização 


Civilização Universal: Significados 


A lgumas pessoas sustentam que esta era está testemunhando o 
surgimento do que V. S. Naipaul chamou de uma “civilização 
universal”. 1 O que se quer dizer com esse termo? Em geral, a idéia 
implica a conjunção cultural da Humanidade e a crescente aceitação de 
valores, crenças, orientações, práticas e instituições comuns por povos 
pelo mundo afora. Mais especificamente, a idéia pode significar algumas 
coisas que são profundas, porém irrelevantes, algumas que são relevantes 
mas não profundas e algumas que são irrelevantes e superficiais. 

Em primeiro lugar, os seres humanos em praticamente todas as 
sociedades compartilham certos valores básicos, tais como o assassinato 
ser uma perversidade, e certas instituições básicas, tais como alguma 
forma de família. A maioria das pessoas na maioria das sociedades tem 
um “sentido moral” parecido, uma “tênue” moralidade mínima de 
conceitos básicos do que é certo e errado. 2 Se é isso que se quer dizer 
com civilização universal, é ao mesmo tempo profundo e profundamente 
importante, mas também não é nem novo nem relevante. Se as pessoas 
partilharam de uns poucos valores e instituições fundamentais através da 
História, isso pode explicar algumas constantes do comportamento 
humano, porém não pode iluminar ou explicar a História, que consiste 
de mudanças do comportamento humano. Além disso, se existe uma 



civilização universal comum a toda a humanidade, então que termo 
vamos usar para identificar os principais agrupamentos culturais de seres 
humanos que ficam aquém da raça humana toda? A Humanidade está 
dividida em subgrupos — tribos, nações e entidades culturais mais 
amplas normalmente chamadas de civilizações. Se o termo “civilização” 
for elevado e restringido àquilo que for comum à Humanidade como um 
todo, ou ter-se-á que inventar um novo termo para fazer referência aos 
maiores agrupamentos culturais de pessoas aquém da Humanidade como 
um todo ou ter-se-á que pressupor que esses agrupamentos grandes, mas 
que não compreendem toda a Humanidade, se evaporarão. Václav Havei, 
por exemplo, argumentou que “nós agora vivemos numa única civiliza¬ 
ção global”, a qual, entretanto, “não é mais do que um fino verniz” que 
“cobre ou esconde a imensa variedade de culturas, de povos, de mundos 
religiosos, de tradições históricas e de atitudes formadas historicamente, 
tudo isso que, num certo sentido, está ‘por debaixo’ dele”. 3 Entretanto, 
só se consegue uma confusão semântica ao se restringir “civilização” a 
um nível global e ao se designarem como “culturas” ou “subcivilizações” 
aquelas entidades culturais maiores que historicamente sempre foram 
chamadas de civilizações.* 

Em segundo lugar, o termo “civilização universal” poderia ser 
empregado para se fazer referência àquilo que as sociedades civilizadas 
têm em comum, como as cidades e a alfabetização, e que as distingue 
das sociedades primitivas e dos bárbaros. Obviamente, este é o signifi¬ 
cado singular do termo no século XVIII e, neste sentido, uma civilização 
universal está emergindo, para grande horror de diversos antropólogos 
e outros que encaram com lástima o desaparecimento dos povos 
primitivos. A civilização, neste sentido, vem se expandindo gradativa¬ 
mente através da História da Humanidade, e a disseminação da civiliza¬ 
ção, no singular, tem sido perfeitamente compatível com a existência de 
muitas civilizações, no plural. 

Em terceiro lugar, o termo “civilização universal” pode se referir aos 
pressupostos, valores e doutrinas atualmente mantidos por muitos povos 


* Hayward Alker assinalou com exatidão que, no meu artigo na Foreign Affairs ; foi “descartada 
em termos de definição” a idéia de uma civilização mundial, ao se definir civilização como 
“o mais elevado agrupamento cultural de pessoas e o mais amplo nível de identidade cultural 
que as pessoas têm aquém daquilo que distingue os seres humanos das outras espécies”. Isso 
é, claro está, o modo pelo qual o termo tem sido usado pela maioria dos estudiosos das 
civilizações. Neste capítulo, entretanto, eu flexiono essa definição para permitir a possibilidade 
de povos que se identificam, através da História, com uma cultura global distinta, que substitui 
ou suplanta as civilizações no sentido ocidental, islâmico ou sínico. 


66 


I 



da civilização ocidental e por alguns povos de outras civilizações. Isso 
poderia ser chamado de a Cultura de Da vos. Todos os anos, cerca de mil 
homens de negócios, banqueiros, funcionários de governos, intelectuais 
e jornalistas, de dezenas de países, se encontram no Foro Econômico 
Mundial em Davos, na Suíça. Quase todas essas pessoas têm diplomas 
universitários em ciências exatas, em ciências sociais, em administração 
ou em ciências jurídicas, trabalham com palavras e/ou números, são 
razoavelmente fluentes em inglês, são empregadas por governos, empre¬ 
sas e instituições acadêmicas com extenso envolvimento internacional e 
viajam com freqüência para fora de seus próprios países. De forma geral, 
partilham de crenças no individualismo, na economia de mercado e na 
democracia política, que também são comuns entre os povos da civilização 
ocidental. As pessoas de Davos controlam virtualmente todas as instituições 
internacionais, muitos dos governos do mundo e o grosso da capacidade 
econômica e militar do mundo. A Cultura de Davos tem, portanto, uma 
tremenda importância. Entretanto, em escala mundial, quantas pessoas 
partilham dessa cultura? Fora do Ocidente, provavelmente ela é comparti¬ 
lhada por menos de 50 milhões de pessoas, ou seja, um por cento da 
população mundial e, talvez, por não mais de um décimo de um por 
cento da população mundial. Ela está longe de ser uma cultura universal, 
e os líderes que partilham da Cultura de Davos não têm, necessariamente, 
um controle firme do poder em suas próprias sociedades. Como aponta 
Hedley Buli, “essa cultura intelectual comum existe somente no nível da 
elite: suas raízes são, em muitas sociedades, superficiais (...) [e] é duvidoso 
se, mesmo no nível diplomático, ela abarca o que era chamado de uma 
cultura moral comum ou de um conjunto de valores comuns, diferente 
de uma cultura intelectual comum”. 4 

Em quarto lugar, propõe-se a noção de que a disseminação dos 
padrões de consumo e da cultura popular ocidentais pelo mundo afora 
está criando uma civilização universal. Essa argumentação não é nem 
profunda nem relevante. Através da História, modas culturais foram 
transmitidas de uma civilização a outra. As inovações de uma civilização 
são regularmente adotadas por outras civilizações. Trata-se, porém, ou 
de técnicas que carecem de quaisquer conseqüências culturais importan¬ 
tes ou de modas que vêm e vão sem alterar a cultura subjacente da 
civilização recipiente. Essas importações “pegam” na civilização recipien¬ 
te, quer porque são exóticas quer porque lhes são impostas. Em séculos 
anteriores, o mundo ocidental foi periodicamente varrido por entusias¬ 
mos por diversos itens da cultura chinesa ou hindu. No século XIX, as 







importações culturais do Ocidente tornaram-se populares na China e na 
índia porque pareciam refletir o poderio ocidental. A argumentação feita 
agora de que a disseminação da cultura pop e dos bens de consumo ao 
redor do mundo representa o triunfo da civilização ocidental trivializa a 
cultura ocidental. A essência da civilização ocidental é a Magna Carta e 
não o Magno Mac. O fato de que não-ocidentais possam abocanhar este 
último não tem quaisquer implicações de que possam aceitar a primeira. 

Isso tampouco tem implicações nas suas atitudes em relação ao 
Ocidente. Em algum ponto do Oriente Médio, uma meia dúzia de rapazes 
bem poderia estar vestindo calças jeans, bebendo Coca-Cola, escutando 
rap e, entre suas reverências na direção de Meca, estar montando uma 
bomba para explodir um avião comercial norte-americano. Durante os 
anos 70 e 80, os norte-americanos consumiram milhões de carros, 
aparelhos de TV, máquinas fotográficas e aparelhos eletrônicos japoneses 
sem ficarem “japanizados”; na verdade, nesse período se tornaram 
consideravelmente mais antagônicos em relação ao Japão. Somente a 
arrogância ingênua pode levar os ocidentais a pressupor que os não-oci- 
dentais ficaram “ocidentalizados” por adquirirem artigos ocidentais. Na 
realidade, o que é que se diz ao mundo sobre o Ocidente quando os 
ocidentais estabelecem uma identidade entre a sua civilização e as 
bebidas gasosas, as calças desbotadas e as comidas gordurosas? 

Uma versão ligeiramente mais sofisticada da argumentação da 
cultura popular universal se concentra não nos bens de consumo em 
geral, mas na mídia, em Hollywood mais do que na Coca-Cola. O controle 
norte-americano em escala mundial das indústrias de cinema, televisão 
e vídeo excede até seu predomínio na indústria aeronáutica. Oitenta e 
oito dos 100 filmes mais vistos em todo o mundo em 1993 eram 
norte-americanos, e duas organizações norte-americanas e duas euro¬ 
péias dominam a coleta e a disseminação de notícias em bases globais. 5 
Esta situação reflete dois fenômenos. O primeiro é a universalidade do 
interesse humano por amor, sexo, violência, mistério, heroísmo e riqueza, 
e a capacidade das companhias motivadas pelo lucro, basicamente 
norte-americanas, de explorar esses interesses em proveito próprio. 
Entretanto, há pouca ou nenhuma prova que apoie a pressuposição de 
que o surgimento das comunicações abrangentes em escala global está 
produzindo uma convergência significativa de atitudes e crenças. Como 
disse Michael Vlahos, “o entretenimento não equivale à conversão 
cultural”. O segundo é que as pessoas interpretam as comunicações em 



termos de seus próprios valores e perspectivas preexistentes. Kishore 
Mahbubani observou que “as mesmas imagens visuais transmitidas 
simultaneamente às salas de estar pelo mundo afora desencadeiam 
percepções opostas. As salas de estar ocidentais aplaudem quando 
mísseis cruzeiro atingem Bagdá. A maioria dos que vivem fora dessas 
salas vêem que o Ocidente aplicará castigo rápido a iraquianos e somalis 
não-brancos, porém não a sérvios brancos, um sinal perigoso por 
qualquer critério”. 6 

As comunicações globais são uma das mais importantes manifes¬ 
tações contemporâneas do poderio ocidental. Contudo, essa hegemonia 
ocidental estimula políticos populistas em sociedades não-ocidentais a 
condenar o imperialismo cultural ocidental e a convocar seus públicos a 
preservarem a sobrevivência e integridade de suas culturas autóctones. 
Desse modo, o grau em que as comunicações globais são dominadas 
pelo Ocidente é uma das principais fontes de ressentimento e hostilidade 
dos povos não-ocidentais contra o Ocidente. Além disso, no início da 
década de 90, a modernização e o desenvolvimento econômico das 
sociedades não-ocidentais estavam levando ao surgimento de indústrias 
de mídia locais e regionais que se dirigiam aos gostos diferentes dessas 
sociedades. 7 Em 1994, por exemplo, a CNN International estimava que 
tinha uma audiência de 55 milhões de espectadores em potencial, ou 
seja, cerca de um por cento da população mundial (notavelmente 
equivalente em número e indubitavelmente idêntico, em larga escala, às 
pessoas da Cultura de Davos), e seu presidente predizia que suas 
transmissões em inglês poderiam eventualmente atrair de dois a quatro 
por cento do mercado. Em conseqüência, iriam surgir redes regionais 
(isto é, civilizacionais) transmitindo em espanhol, japonês, árabe, francês 
(para a África Ocidental) e outros idiomas. Três estudiosos concluíram 
que “a Sala de Notícias Global ainda se defronta com uma Torre de 
Babel”. 8 Ronald Dore desenvolve uma argumentação impressionante 
para apontar o surgimento de uma cultura intelectual mundial entre 
diplomatas e funcionários públicos. Mesmo ele, entretanto, chega a uma 
conclusão profundamente condicionada a respeito do impacto das 
comunicações intensificadas: 11 tudo o mais sendo igual [grifo dele], uma 
densidade crescente de comunicações deveria assegurar uma base 
crescente de sentimento de camaradagem entre as nações ou, pelo 
menos, entre as classes médias, ou ainda, na pior das hipóteses, entre os 
diplomatas do mundo”, porém, acrescenta ele, “algumas das coisas que 
podem não ser iguais podem de fato ser muito importantes”. 9 





Idioma . Os elementos centrais de qualquer cultura ou civilização 
são o idioma e a religião. Se uma civilização universal está emergindo, 
deveria haver tendências em direção ao surgimento de um idioma 
universal e de uma religião universal. Essa alegação é freqüentemente 
feita com relação ao idioma. Como colocou o editor do Wall Street 
Journal, “o idioma do mundo é o inglês”. 10 Isso pode significar duas 
coisas, das quais só uma daria apoio à tese de uma civilização universal. 
Poderia significar que uma proporção crescente da população mundial 
fala inglês. Não há prova alguma que endosse esta proposição e as 
indicações mais confiáveis que de fato existem, que reconhecidamente 
não podem ser muito precisas, mostram exatamente o contrário. Os 
dados disponíveis cobrindo mais de três décadas (1958-1992) sugerem 
que o padrão geral de utilização de idiomas no mundo não mudou 
drasticamente, que ocorreram diminuições significativas na proporção de 
pessoas que falam inglês, francês, alemão, russo e japonês, que uma 
diminuição menor ocorreu na proporção dos que falam mandarim, e que 
houve aumentos na proporção de pessoas que falam hindi, malaio-in- 
donésio, árabe, bengalês, espanhol, português e outros idiomas. Os 
anglófonos do mundo caíram de 9,8 por cento do total de pessoas que, 
em 1958, falavam idiomas que eram falados por pelo menos um milhão 
de pessoas, para 7,6 por cento em 1992 (ver Quadro 3-1). A proporção 
da população mundial que fala os cinco idiomas principais (inglês, 
francês, alemão, português, espanhol) declinou de 24,1 por cento em 
1958 para 20,8 por cento em 1992. Em 1992, o número de pessoas que 
falavam mandarim, 15,2 por cento da população mundial, era aproxima¬ 
damente o dobro das que falavam inglês, e mais 3,6 por cento falavam 
outras versões de chinês (ver Quadro 3.2). 

Em certo sentido, um idioma que é estranho a 92 por cento das 
pessoas do mundo não pode ser o idioma mundial. Entretanto, num outro 
sentido, ele poderá ser descrito assim se for o idioma empregado por 
pessoas de grupos lingüísticos e culturas diferentes para se comunicarem 
entre si, se for a língua franca do mundo ou, em termos lingüísticos, a 
Língua de Comunicação Mais Ampla (LCMA) principal do mundo. 11 As 
pessoas que precisam se comunicar umas com as outras têm que 
encontrar o meio de fazê-lo. Em certo nível, elas podem confiar em 
profissionais especialmente treinados, que se tornaram fluentes em dois 
ou mais idiomas a fim de servir como intérpretes e tradutores. Isso, 
porém, é incômodo, toma tempo e custa caro. Por isso, através da 
História, emergiu sempre uma língua franca: o latim nos mundos clássico 


Quadro 3.1 

Pessoas que Falam os Idiomas Principais 
(Porcentagens da População Mundial*) 


Idioma 

1958 

1970 

1980 

1992 

Árabe 

2,7 

2,9 

3,3 

3,5 

Bengalês 

2,7 

2,9 

3,2 

3,2 

Espanhol 

5,0 

5,2 

5,5 

6,1 

Hindi 

5,2 

5,3 

5,3 

6,4 

inglês 

9,8 

9,1 

8,7 

7,6 

Mandarim 

15,6 

16,6 

15,8 

15,2 

Russo 

5,5 

5,6 

6,0 

4,9 


* Número total de pessoas que falam idiomas falados por um milhão ou mais de pessoas. 


Fonte: Porcentagens calculadas a partir de dados compilados pelo professor Sidney S. Culbert, Departamento 
de Psicologia, Universidade de Washington, Seattle, sobre o número de pessoas que falam idiomas falados por 
um milhão ou mais de pessoas e constantes anualmente do World Almanac and Book ofFacts [Almanaque e 
Livro de Fatos do Mundo]. Suas estimativas incluem tanto os que falam o Idioma materno" como os que falam 
o “idioma não-materno" e foram derivadas de recenseamentos nacionais, levantamentos por amostragem de 
população, levantamentos de transmissões de rádio e de televisão, dados sobre crescimento populacional, 
estudos secundários e outras fontes. 


Quadro 3.2 

Pessoas que Falam os Principais Idiomas Chineses e Ocidentais 


Idioma 

Número de 
Pessoas 
(em milhões) 

1958 

Porcentagem da 
Pop. Mundial 

Número de 
Pessoas 
(em milhões) 

1992 

Porcentagem da 
Pop. Mundial 

Mandarim 

444 

15,6 

907 

15,2 

Cantonês 

43 

1,5 

65 

1.1 

Wu 

39 

1,4 

64 

1,1 

Min 

36 

1,3 

50 

0,8 

Hakka 

19 

0,7 

33 

0,6 

Idiomas chineses 

581 

20,5 

1.119 

18,8 

Inglês 

278 

9,8 

456 

7,6 

Espanhol 

142 

5,0 

362 

6,1 

Português 

74 

2,6 

177 

3,0 

Alemão 

120 

4,2 

119 

2,0 

Francês 

70 

2,5 

123 

2,1 

Idiomas ocidentais 

684 

24,1 

1.237 

20,8 

Total mundial 

2.845 

44,5 

5.979 

39,4 


Fonte: Porcentagens calculadas a partir de dados sobre idiomas compilados pelo professor Sidney S. Culbert, 
Departamento de Psicologia, Universidade de Washington, Seattle, e constantes anuaímente do World Almanac 
and Book ofFacts [Almanaque e Livro de Fatos do Mundo] dos anos de 1959 e 1993. 



e medieval; o francês, durante séculos, no Ocidente; o suaíle em muitas 
partes da África e o inglês em grande parte do mundo na segunda metade 
do século XX. Os diplomatas, os homens de negócios, os cientistas, os 
turistas e os serviços que os atendem, os pilotos comerciais e os 
controladores de tráfego aéreo precisam de algum meio de comunicações 
eficientes entre si e atualmente usam sobretudo o inglês. 

Nesse sentido, o inglês é o meio mundial de comunicação intercul- 
tural, do mesmo modo que o calendário cristão é o meio mundial 
de acompanhar o tempo, os algarismos arábicos são o meio mundial de 
contar e o sistema métrico é, para a maior parte, o meio mundial de medir. 
Entretanto, o uso do inglês dessa maneira é a comunicação intercultuml 
e pressupõe a existência de culturas separadas. Uma língua franca é um 
modo de lidar com as diferenças lingüísticas e culturais, não um modo 
de eliminá-las. É uma ferramenta para comunicações, não uma fonte de 
identidade e comunidade. Só porque um banqueiro japonês e um homem 
de negócios indonésio falam um com o outro em inglês não quer dizer 
que qualquer dos dois esteja inglesado ou ocidentalizado. O mesmo pode 
ser dito de suíços que falam alemão e francês e que têm tanta proba¬ 
bilidade de se comunicar entre si em inglês como em qualquer dos seus 
idiomas nacionais. Analogamente, a manutenção do inglês como um 
idioma nacional suplementar da índia, apesar dos planos em contrário 
de Nehru, demonstra o forte desejo dos povos da índia que não falam 
hindi de preservar seus próprios idiomas e culturas nacionais, e a 
necessidade de a índia continuar sendo uma sociedade multilíngüe. 

Como observou o destacado filólogo Joshua Fishman, um idioma 
tem maior probabilidade de ser aceito como língua franca ou LCMA se 
não for identificado com nenhum grupo étnico, religião ou ideologia em 
particular. No passado, o inglês padecia de muitas dessas identificações. 
Mais recentemente, o inglês foi “desetnicizado” (ou ficou minimamente 
“etnicizado”), como ocorreu no passado histórico com o acadiano, o 
aramaico, o grego e o latim. “Faz parte da relativa sorte que tem o inglês 
como uma segunda língua que suas fontes originais britânica ou norte- 
americana, durante mais ou menos o último quartel de século, não tenham 
sido consideradas de forma ampla ou profunda num contexto étnico ou 
ideológico.” 1 ^ Assim sendo, o uso do inglês para a comunicação inter- 
cultural ajuda a manter — e, na verdade, reforça — as distintas identida¬ 
des culturais dos povos. Precisamente porque as pessoas querem preser¬ 
var sua própria identidade cultural, elas utilizam o inglês para se 
comunicar com povos de outras culturas. 


■70 


Além disso, as pessoas que falam inglês pelo mundo afora estão 
cada vez mais falando diferentes “ingleses”. O inglês fica indigenizado e 
assume colorações locais que o distinguem do inglês britânico ou 
norte-americano e que, em casos extremos, tornam esses “ingleses” quase 
ininteligíveis entre si, como também ocorre com variantes do chinês. O 
inglês pidgin nigeriano, o inglês indiano e outras formas de inglês estão 
sendo incorporados em suas respectivas culturas anfitriãs, e é de se 
presumir que continuarão a se diferenciar de modo a se tornarem idiomas 
aparentados mas distintos, do mesmo modo que as línguas latinas 
evoluíram a partir do latim. Contudo, ao contrário do italiano, do francês 
e do espanhol, esses idiomas derivados do inglês serão falados apenas 
por uma pequena porção das pessoas de uma sociedade ou serão usados 
precipuamente para a comunicação entre grupos lingüísticos especiais. 

Todos esses processos podem ser vistos em funcionamento na 
índia. Por exemplo, consta que, em 1983, havia 18 milhões de pessoas 
que falavam inglês numa população de 733 milhões e, em 1991, havia 
20 milhões numa população de 867 milhões. Por conseguinte, a propor¬ 
ção de pessoas que falam inglês no total da população indiana se manteve 
relativamente estável em cerca de dois a quatro por cento. 13 Afora uma 
elite relativamente reduzida, o inglês não serve sequer como língua 
franca. Dois professores de inglês na Universidade de Nova Delhi alegam 
que “a realidade prática é que, quando se viaja de Caxemira até a ponta 
meridional do país, em Kanyakumari, o elo de comunicação se mantém 
melhor através de uma forma de hindi do que através do inglês”. Além 
disso, o inglês indiano está assumindo muitas características diferentes 
próprias: está sendo indianizado, ou melhor, está ficando localizado à 
medida que se desenvolvem diferenças entre as diversas pessoas que 
falam inglês e que têm idiomas locais diferentes. 14 O inglês está sendo 
absorvido na cultura indiana do mesmo modo como o foram anterior¬ 
mente o sânscrito e o persa. 

Através da História, a distribuição dos idiomas pelo mundo refletiu 
a distribuição do poder no mundo. Os idiomas mais falados — inglês, 
mandarim, espanhol, francês, árabe, russo — são ou foram os idiomas 
de Estados imperiais, que promoveram ativamente o uso de seus idiomas 
por outros povos. Mudanças na distribuição do poder produziram 
mudanças no uso de idiomas. “Dois séculos de poder britânico e 
norte-americano em termos coloniais, comerciais, industriais, científicos 
e financeiros deixaram um legado substancioso no ensino superior, na 
administração pública, no comércio internacional e na tecnologia” pelo 


7a 




mundo afora. 15 A Grã-Bretanha e a França insistiam no uso de seus 
idiomas nas suas colônias. Entretanto, após a independência, a maioria 
das ex-colônias tentou, com graus diferentes de empenho e de êxito, 
substituir o idioma imperial por idiomas autóctones. Durante o apogeu 
da União Soviética, o russo era a língua franca de Praga a Hanói. O 
declínio do poder russo foi acompanhado por um declínio paralelo no 
uso do russo como segunda língua. Como acontece com outras formas 
de cultura, o poder maior gera tanto uma maior afirmação lingüística por 
parte dos que têm o idioma como língua materna, como mais incentivos 
para aprender esse idioma por parte de outros. Nos dias inebriantes logo 
após a queda do Muro de Berlim e quando parecia que uma Alemanha 
unida era o novo gigante, registrou-se uma tendência perceptível para 
que alemães que eram fluentes em inglês falassem em alemão em 
reuniões internacionais. O poder econômico japonês estimulou o apren¬ 
dizado do japonês por não-japoneses, e o desenvolvimento econômico 
da China está produzindo um surto semelhante em relação ao chinês. 
Este idioma está rapidamente superando o inglês como a língua predo¬ 
minante em Hong Kong 16 e, dado o papel dos chineses de ultramar no 
Sudeste Asiático, o chinês tomou-se o idioma no qual é conduzida grande 
parte dos negócios internacionais nessa área. À medida que vai gradual¬ 
mente declinando o poder do Ocidente em relação ao de outras 
civilizações, o uso do inglês e de outros idiomas ocidentais em outras 
sociedades e para a comunicação entre sociedades também irá se 
erodindo lentamente. Se, em algum ponto do futuro distante, a China 
substituir o Ocidente como a civilização predominante no mundo, o 
inglês cederá lugar ao mandarim como língua franca mundial. 

A medida que as antigas colônias se moviam no rumo da indepen¬ 
dência e se tornavam independentes, a promoção ou o uso dos idiomas 
nativos e a supressão dos idiomas imperiais eram uma forma pela qual 
as elites nacionalistas se distinguiam dos colonizadores ocidentais e 
definiam sua própria identidade. Entretanto, após a independência, as 
elites dessas sociedades precisavam se distinguir das pessoas comuns das 
mesmas sociedades. Isso era conseguido pela fluência em inglês, francês 
ou outro idioma ocidental. Em conseqüência, as elites das sociedades 
não-ocidentais freqüentemente têm maior capacidade para se comunica¬ 
rem com os ocidentais e entre si do que com as pessoas de suas próprias 
sociedades (numa situação semelhante à que se deu no Ocidente nos 
séculos XVII e XVIII, quando os aristocratas de diferentes países podiam 
se comunicar facilmente entre si em francês, mas não conseguiam falar 


o vernáculo de seus próprios países). Duas tendências opostas parecem 
estar em andamento nas sociedades não-ocidentais. Por um lado, o inglês 
está sendo cada vez mais utilizado no nível universitário para habilitar 
os diplomados a atuarem de modo eficiente na competição global por 
capitais e fregueses. Por outro lado, as pressões sociais e políticas levam 
cada vez mais ao uso mais generalizado dos idiomas autóctones, com o 
árabe substituindo o francês no norte da África, o urdu substituindo o 
inglês como o idioma do governo e do ensino no Paquistão, e a mídia 
no idioma nativo substituindo a mídia em inglês na índia. Esse desdo¬ 
bramento foi previsto pela Comissão de Educação indiana em 1948, 
quando ela sustentou que “o uso do inglês (...) divide o povo em duas 
nações, os poucos que governam e os muitos que são governados, uns 
incapazes de falar o idioma dos outros e sem se compreenderem 
mutuamente”. Quarenta anos depois, a persistência do inglês como o 
idioma da elite confirmou essa previsão e criou “uma situação antinatural 
numa democracia em funcionamento, baseada no sufrágio adulto (...). A 
índia que fala inglês e a índia politicamente consciente divergem cada 
vez mais”, estimulando “tensões entre a minoria no topo, que sabe inglês, 
e os muitos milhões — armados com o voto —, que não o sabem”. 17 Na 
medida em que as sociedades não-ocidentais implantem instituições 
democráticas e as pessoas dessas sociedades participem de forma mais 
ampla do governo, o uso de idiomas ocidentais declinará e os idiomas 
autóctones irão predominar. 

O fim do império soviético e da Guerra Fria promoveu a proliferação 
e o rejuvenescimento de idiomas que tinham sido suprimidos ou 
esquecidos. Na maioria das ex-repúblicas soviéticas, vêm sendo envida¬ 
dos grandes esforços por ressuscitar os idiomas tradicionais. O estoniano, 
o letão, o lituano, o ucraniano, o georgiano e o armênio são atualmente 
os idiomas nacionais de Estados independentes. Entre as repúblicas 
muçulmanas ocorreu uma afirmação lingüística análoga e o azerbaijano, 
o quirguízio, o turcomano e o uzbeque passaram dos caracteres cirílicos 
dos seus antigos senhores russos para os caracteres ocidentais de seus 
parentes turcos, enquanto que no Tadjiquistão, onde se fala persa, 
adotaram-se os caracteres árabes. Os sérvios, por outro lado, agora 
denominam seu idioma de sérvio em vez de servo-croata, e passaram 
dos caracteres ocidentais de seus inimigos católicos para os caracteres 
cirílicos de seus parentes russos. Em ações paralelas, os croatas agora 
chamam seu idioma de croata e estão tentando expurgá-lo das palavras 
turcas e de outras palavras estrangeiras, enquanto que “os mesmos 


empréstimos turcos e árabes, um sedimento lingüístico deixado pela 
presença de 450 anos do Império Otomano nos Bálcãs, voltaram a ser 
moda” na Bósnia. 18 O idioma é realinhado e reconstruído a fim de ficar 
de acordo com as identidades e os perfis das civilizações. À medida que 
o poder se difunde, o mesmo ocorre com a Babelização. 


Religião . O surgimento de uma religião universal tem uma proba¬ 
bilidade apenas ligeiramente maior do que o de um idioma universal Na 
parte final do século XX constatou-se um ressurgimento global de 
religiões em todo o mundo (ver pp. 115-124). Esse ressurgimento implicou 
a intensificação da consciência religiosa e a ascensão de movimentos 
fundamentalistas. Reforçaram-se assim as diferenças entre as religiões. 
Isso não envolve, necessariamente, mudanças significativas nas propor¬ 
ções da população mundial que seguem as diferentes religiões. Os dados 
disponíveis sobre os seguidores das religiões são ainda mais fragmentᬠ
rios e menos confiáveis do que os dados disponíveis sobre os que falam 
determinados idiomas. O Quadro 3-3 apresenta cifras extraídas de uma 
fonte amplamente usada. Esses e outros dados sugerem que a força 
numérica relativa das religiões ao redor do mundo não mudou de forma 
espetacular neste século. A maior mudança registrada por essa fonte foi 
o aumento da proporção de pessoas classificadas como “sem religião” e 
ateus , de 0,2 por cento em 1900 para 20,9 por cento em 1980. Pode-se 
supor que isso reflete um afastamento importante da religião e o fato de 


Quadro 3.3 

Proporção da População Mundial que Segue as Principais Tradições Religiosas 
(em porcentagens) 


Religião 


1900 


1970 


1980 1985(e$t.) 2000(est.) 


Cristã ocidental 
Cristã ortodoxa 
Muçulmana 
Sem religião 
Hindu 
Budista 

Chinesa popular 

Tribal 

Ateus 


26,9 

7.5 

12.4 

0,2 

12.5 
7,8 

23.5 

6.6 
0,0 


30.6 
3,1 

15,3 

15,0 

12,8 

6.4 
5,9 

2.4 

4.6 


30,0 

2,8 

16.5 
16,4 
13,3 

6,3 

4.5 
2,1 
4,5 


29,7 

2,7 

17,1 

16.9 
13,5 

6,2 

3.9 
19 
4,4 


29,9 

2.4 

19.2 
17,1 
13,7 

5,7 

2.5 

1.6 

4.2 


j.Z%^n hrt f' ían /^ yd ? P ?? ía; A com P ara,ive slud y ofchurchesandreligions in the modem world /A.D. 

1900 ?ooo 1 ' oped . ia í nsla ^ und ! al: um es,ud0 comparativo de igrejas e religiões no mundo moderno / 
1900 2000 d.C.J, organizado por David B. Barret (Oxford: Oxford University Press, 1982). 


que, em 1980, o ressurgimento religioso estava apenas começando a 
tomar ímpeto. No entanto, esse aumento de 20,7 por cento de não-crentes 
é acompanhado de perto por um decréscimo de 19 por cento daqueles 
classificados como seguidores de “religiões populares chinesas , de 23,5 
por cento em 1900 para 4,5 por cento em 1980. Esse aumento e esse 
decréscimo, praticamente iguais, sugerem que, com o advento do 
comunismo, o grosso da população da China foi simplesmente reclas- 
sificado de seguidores de religiões populares para não-crentes. 

Os dados mostram aumentos nas proporções da população mundial 
dos que seguem as duas maiores religiões proselitistas, o Islamismo e o 
Cristianismo, durante 80 anos. Estimava-se que os cristãos ocidentais 
eram 26,9 por cento da população mundial em 1900 e 30 por cento em 
1980. Os muçulmanos aumentaram de forma mais notável, de 12,4 por 
cento em 1900 para 16,5 por cento — ou, segundo outras estimativas, 18 
por cento — em 1980. Durante as últimas décadas do século XX, tanto 
o Islã como o Cristianismo expandiram de modo significativo o número 
de fiéis na África, e na Coréia do Sul ocorreu um grande deslocamento 
na direção do Cristianismo. Nas sociedades que se estão modernizando 
rapidamente, nas quais a religião tradicional não foi capaz de se adaptar 
às exigências da modernização, há um potencial para a disseminação do 
Cristianismo ocidental e do Islã. Nessas sociedades, os protagonistas da 
cultura ocidental mais bem-sucedidos não são os economistas neoclás¬ 
sicos, nem os pregadores democratas, nem os dirigentes de empresas 
multinacionais. São, e muito provavelmente continuarão sendo, os 
missionários cristãos. Nem Adam Smith nem Thomas Jefferson satisfarão 
as necessidades psicológicas, emocionais, morais e sociais dos migrantes 
urbanos e da primeira geração de formados do 2 S Grau. É possível que 
Jesus Cristo tampouco as satisfaça, mas Ele tenderá a ter maiores 
possibilidades. 

A longo prazo, entretanto, Maomé sai ganhando. O Cristianismo se 
difunde precipuamente pela conversão, o Islamismo pela conversão e 
pela reprodução. A porcentagem de cristãos no mundo chegou ao seu 
auge — em tomo de 30 por cento — na década de 80, se estabilizou e 
agora está declinando, devendo provavelmente se aproximar de uns 25 
por cento da população mundial ao se chegar a 2025- Em conseqüência 
de suas elevadíssimas taxas de crescimento populacional (ver Capítulo 
9), a proporção de muçulmanos no mundo continuará a aumentar de 
forma notável, devendo totalizar 20 por cento da população mundial 
perto da virada do século, ultrapassando o número de cristãos alguns 


anos depois e provavelmente respondendo por cerca de 30 por cento da 
população mundial por volta de 2025. 19 

Civilização Universal: Fontes 

O conceito de uma civilização universal é um nítido produto da civiliza¬ 
ção ocidental. No século XIX, a idéia do “fardo do homem branco” ajudou 
a justificar a expansão do domínio político e econômico ocidental sobre 
as sociedades não-ocidentais. No final do século XX, o conceito de uma 
civilização universal ajuda a justificar o predomínio cultural do Ocidente 
sobre outras sociedades e a necessidade para essas sociedades de imitar 
as práticas e as instituições ocidentais. O universalismo é a ideologia do 
Ocidente para confrontações com culturas não-ocidentais. Como cos¬ 
tuma acontecer com elementos fronteiriços e convertidos, dentre os 
proponentes mais entusiásticos da idéia de uma civilização única estão 
os imigrantes intelectuais do Ocidente, tais como Naipaul e Fouad Ajami, 
para quem o conceito proporciona uma resposta altamente satisfatória 
para a pergunta central: quem sou eu? Entretanto, um intelectual que não 
abandonou seu legado não-ocidental denominou aqueles que o fizeram 
de “o tipo de negro predileto do homem branco”. 20 Além disso, a noção 
de uma civilização universal encontra pouco apoio em outras civilizações. 
Os não-ocidentais vêem como ocidental o que ó Ocidente vê como 
universal. Aquilo que os ocidentais alardeiam como uma benfazeja 
integração global, tal como a proliferação da mídia em escala mundial, 
os não-ocidentais condenam como pernicioso imperialismo ocidental. 
Na medida em que não-ocidentais vêem o mundo como um só, eles o 
consideram uma ameaça. 

Os argumentos de que algum tipo de civilização universal está 
emergindo se baseiam em uma ou mais pressuposições sobre por que 
deve ser assim. Inicialmente, existe a pressuposição, examinada no 
Capítulo 1, de que o desmoronamento do comunismo soviético significou 
o fim da História e a vitória universal da democracia liberal no mundo 
todo. Esta colocação padece da Falácia da Alternativa Única. Ela tem suas 
raízes na perspectiva da Guerra Fria de que a única alternativa para o 
comunismo é a democracia liberal, e que o fracasso do primeiro produz 
a universalidade da segunda. Obviamente, porém, há muitas formas de 
autoritarismo, de nacionalismo, de corporativismo e de comunismo de 
mercado (como na China) que estão indo muito bem no mundo atual. 
Mais importante ainda, há todas aquelas alternativas religiosas que se 


situam fora do mundo que é percebido em termos de ideologias 
seculares. No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a 
força central, que motiva e mobiliza as pessoas. É pura arrogância pensar 
que, porque o comunismo soviético desmoronou, o Ocidente ganhou o 
mundo para sempre e que os muçulmanos, os chineses, os indianos e 
outros vão se precipitar para abraçar o liberalismo ocidental como a única 
alternativa. A divisão da Humanidade em termos de Guerra Fria acabou. 
As divisões mais fundamentais da Humanidade em termos de etnias, 
religiões e civilizações permanecem e geram novos conflitos. 

Em segundo lugar, existe a pressuposição de que uma maior 
interação entre os povos — de forma geral, o comércio exterior, os 
investimentos, o turismo, a mídia, as comunicações eletrônicas está 
gerando uma cultura mundial comum. Os avanços na tecnologia de 
transportes e comunicações de fato tomaram mais fácil e mais barato 
movimentar dinheiro, bens, pessoas, conhecimento, idéias e imagens ao 
redor do mundo. Não há dúvida alguma quanto ao aumento do tráfego 
internacional desses itens. Entretanto, existem muitas dúvidas quanto ao 
impacto desse tráfego mais intenso. O comércio exterior aumenta ou 
diminui a probabilidade de conflito? A pressuposição de que ele reduz 
a probabilidade de guerra, no mínimo, ainda não está provada, e existem 
muitos indícios no sentido contrário. O comércio internacional se expan¬ 
diu de forma significativa nos anos 60 e 70 e, ao se chegar a 1980, 
representava 15 por cento do produto bruto internacional. Na década 
seguinte, a Guerra Fria acabou. Em 1913, porém, o comércio internacional 
representava 33 por cento do produto bruto internacional, e, nos anos 
imediatamente posteriores, as nações cometeram carnificinas umas con¬ 
tra as outras, atingindo cifras sem precedentes. 21 Se o comércio interna¬ 
cional nesse nível de intensidade não pode impedir a guerra, então 
quando poderá? As provas simplesmente não confirmam a pressuposição 
liberal, intemacionalista, de que o comércio promove a paz. Análises 
realizadas nos anos 90 ainda aumentam as dúvidas quanto a essa 
pressuposição. Um estudo concluiu que “o aumento dos níveis de 
comércio exterior pode constituir uma força altamente divisionista (...) 
para a política internacional” e que “o aumento do comércio no sistema 
internacional tem, por si só, pouca probabilidade de aliviar as tensões 
internacionais ou promover maior estabilidade internacional”. 22 Um 
outro estudo sustenta que níveis elevados de interdependência econô¬ 
mica “tanto podem induzir à paz como podem induzir à guerra, depen¬ 
dendo das expectativas do comércio futuro”. A interdependência econô- 







mica só propicia a paz “quando os Estados esperam que os altos níveis 
de comércio exterior sejam mantidos no futuro previsível”. Se os Estados 
não esperam que elevados níveis de interdependência sejam mantidos, 
é provável que se termine numa guerra. 23 

O fato de que o comércio exterior e as comunicações não foram 
capazes de produzir a paz ou um sentimento comum está acorde com 
as constatações a que chegaram as ciências sociais. Na psicologia social, 
a teoria da diferenciação sustenta que as pessoas se definem por aquilo 
que as torna diferentes das demais num contexto em especial: “Uma 
pessoa tem uma percepção de si mesma em termos das características 
que a distinguem de outros seres humanos, principalmente dos demais 
no círculo social habitual dessa pessoa (...) uma psicóloga, na companhia 
de uma dezena de mulheres que trabalham em outros ramos de atividade, 
pensará em si mesma como uma psicóloga; se estiver junto com uma 
dezena de psicólogos (todos do sexo masculino), ela pensará em si como 
uma mulher”. 24 As pessoas definem sua identidade pelo que não são. À 
medida que uma maior intensificação das comunicações, do comércio 
exterior e das viagens internacionais multiplicam as interações entre as 
civilizações, as pessoas atribuem uma importância cada vez maior à sua 
identidade civilizacional. Dois europeus — um alemão e um francês —, 
interagindo um com o outro, identificarão um ao outro como alemão e 
francês. Dois europeus — um alemão e um francês —, interagindo com 
dois árabes — um saudita e um egípcio —, se definirão como europeus 
e árabes. A emigração de pessoas do Norte da África para a França gera 
hostilidade dos franceses e, ao mesmo tempo, uma maior receptividade 
à imigração de europeus poloneses católicos. Os norte-americanos 
reagem de forma muito mais negativa aos investimentos japoneses do 
que aos investimentos maiores do Canadá e de países europeus. Analo¬ 
gamente, como ressaltou Donald Horowitz, “um Ibo pode ser (...) um 
Ibo Owerri ou um Ibo Onitsha no que era a região oriental da Nigéria. 
Em Lagos, ele é simplesmente um Ibo. Em Londres, ele é um nigeriano. 
Em Nova York, ele é um africano”. 25 Na sociologia, a teoria da globali¬ 
zação chega a uma conclusão semelhante: “num mundo crescentemente 
globalizado — caracterizado por graus historicamente excepcionais de 
interdependência civilizacional, societária e de outras modalidades, e de 
uma ampla percepção delas —, há uma exacerbação da autoconsciência 
civilizacional, societária e étnica”. O renascimento religioso em escala 
mundial, “a volta ao que é sagrado”, é uma resposta à percepção popular 
do mundo como “um único lugar”. 26 


O Ocidente e a Modernização 

O terceiro e mais generalizado argumento em apoio da tese do surgi¬ 
mento de uma civilização universal a vê como resultante dos amplos 
processos de modernização que estão se desenvolvendo desde o século 
XVIII. A modernização envolve industrialização, urbanização, níveis 
crescentes de alfabetização, educação, riqueza e mobilidade social e 
estruturas ocupacionais mais complexas e diversificadas. A modernização 
é um produto da tremenda expansão do conhecimento científico e de 
engenharia que começou no século XVIII e que habilitou os seres 
humanos a controlar e moldar seu meio ambiente de modos inteiramente 
sem precedentes. A modernização é um processo revolucionário somente 
comparável à mudança das sociedades primitivas para as civilizadas, ou 
seja, o surgimento da civilização (no singular), que começou nos vales 
do Tigre e do Eufrates, do Nilo e do Indus por volta de 5000 a.C. 27 As 
atitudes, os valores, o conhecimento e a cultura das pessoas numa 
sociedade moderna diferem enormemente dos de uma sociedade tradi¬ 
cional. Na condição de primeira civilização a se modernizar, o Ocidente 
lidera a aquisição da cultura da modernidade. À medida que outras 
sociedades adquirirem padrões semelhantes de educação, trabalho, 
riqueza e estrutura de classes, prossegue a argumentação, essa moderna 
cultura ocidental se transformará na cultura universal do mundo. 

É indiscutível que existem diferenças significativas entre as culturas 
modernas e tradicionais. Isso, entretanto, não quer necessariamente dizer 
que as sociedades com culturas modernas se parecem mais umas com 
as outras do que com as sociedades tradicionais. Obviamente, um mundo 
em que algumas sociedades sejam altamente modernas e outras ainda 
sejam tradicionais será um mundo menos homogêneo do que um mundo 
no qual todas as sociedades se encontrem em níveis de modernidade 
comparativamente altos. Porém, o que dizer de um mundo no qual todas 
as sociedades fossem tradicionais? Esse mundo existiu há algumas 
centenas de anos. Seria ele algo menos homogêneo do que poderá ser 
um futuro mundo de modernidade universal? Possivelmente não. Braudel 
sustenta que “a China da dinastia Ming (...) certamente estava mais perto 
da França dos reis Valois do que a China de Mao Tsé-tung está da França 
da Quinta República”. 28 

No entanto, as sociedades modernas poderiam se parecer umas com 
as outras mais do que as sociedades tradicionais, por duas razões. A 
primeira é que uma maior interação entre sociedades modernas pode 




não gerar uma cultura comum, porém ela de fato facilita a transferência 
de técnicas, invenções e práticas de uma sociedade para outra com uma 
velocidade e num grau impossíveis num mundo tradicional. A segunda 
é que a sociedade tradicional estava baseada na agricultura, enquanto 
que a sociedade moderna está baseada na indústria, a qual pode evoluir 
de manufaturas para a indústria pesada clássica e, depois, para a indústria 
baseada no conhecimento. Os padrões da agricultura e a estrutura social 
que os acompanha dependem muito mais do ambiente natural do que 
os padrões da indústria. Eles variam com o solo e o clima e podem assim 
dar origem a formas diferentes de propriedade da terra, de estrutura social 
e de governo. Quaisquer que sejam os méritos gerais da tese de Wittfogel 
da civilização hidráulica, a agricultura dependente da construção e 
operação de extensos sistemas de irrigação de fato propicia o surgimento 
de autoridades burocráticas e centralizadas. Dificilmente poderia ser de 
outro modo. Solos férteis e clima bom têm a probabilidade de estimular 
o desenvolvimento da agricultura de plantio em larga escala e uma 
conseqüente estrutüra social que envolva uma pequena classe de ricos 
proprietários de terras e uma grande classe de camponeses, escravos ou 
servos que trabalham nas plantações. Condições adversas para a agricul¬ 
tura em larga escala podem estimular o surgimento de uma sociedade 
de fazendeiros independentes. Em suma, nas sociedades agrícolas, a 
estrutura social é moldada pela geografia. A indústria, aò contrário, 
depende muito menos do meio ambiente natural do lugar. As diferenças 
da organização industrial provavelmente decorrerão das diferenças de 
cultura e de estrutura social em vez da geografia, sendo que as primeiras 
têm a possibilidade de convergir, enquanto que a segunda não. 

As sociedades modernas têm portanto muito em comum. Mas será 
que elas necessariamente se fundem na homogeneidade? O argumento de 
que assim é se apoia na pressuposição de que a sociedade moderna deve 
se aproximar de um tipo único, o tipo ocidental, de que a civilização moderna 
é a civilização ocidental e de que a civilização ocidental é a sociedade moderna. 
Isso, porém, é uma identificação totalmente falsa. A civilização ocidental 
emergiu nos séculos VIII e IX e desenvolveu suas características diferencia- 
doras nos séculos que se seguiram. Ela só começou a se modernizar nos 
séculos XVII e XVIII. O Ocidente era o Ocidente muito antes de ser moderno. 
As características fundamentais do Ocidente, aquelas que o distinguem 
das demais civilizações, antecedem a modernização do Ocidente. 

Quais eram essas características diferenciadoras da sociedade oci¬ 
dental durante as centenas de anos anteriores à sua modernização? 


Diversos estudiosos apresentaram a essa pergunta respostas que diferem 
em alguns pontos específicos, mas coincidem a respeito de umas quantas 
instituições, práticas e crenças que podem legitimamente ser identificadas 
como o cerne da civilização ocidental. Dentre elas estão as expostas a 
seguir. 29 

O legado clássico . Na condição de uma civilização de terceira 
geração, o Ocidente herdou muito de civilizações anteriores, dentre elas 
sobretudo da civilização clássica. São muitos os legados recebidos pelo 
Ocidente da civilização clássica, inclusive a filosofia e o racionalismo 
gregos, o Direito Romano, o latim e o Cristianismo. As civilizações 
islâmica e ortodoxa também herdaram da civilização clássica, porém 
longe do grau herdado pelo Ocidente. 

Catolicismo e Protestantismo. O Cristianismo ocidental, primeiro 
Catolicismo e depois Catolicismo e Protestantismo, é, do ponto de vista 
histórico, a característica isolada mais importante da civilização ocidental. 
De fato, durante a maior parte do primeiro milênio, o que é atualmente 
conhecido como civilização ocidental era chamado de Cristandade 
ocidental. Nela havia um sentimento bem desenvolvido de comunidade 
entre os povos cristãos ocidentais, de que eram diferentes dos turcos, 
mouros, bizantinos e outros, e foi tanto por Deus como pelo ouro que 
os ocidentais partiram para conquistar o mundo no século XVI. A Reforma 
e a Contra-Reforma, bem como a divisão da Cristandade ocidental num 
norte protestante e num sul católico, são também aspectos característicos 
da história ocidental, inteiramente inexistentes na Ortodoxia oriental e 
em larga margem distanciados da experiência latino-americana. 

Idiomas europeus. O idioma só fica em segundo lugar para a religião 
como um fator que distingue as pessoas de uma cultura das de outra. O 
Ocidente se diferencia da maioria das outras civilizações por sua multi¬ 
plicidade de idiomas. O japonês, o hindi, o mandarim, o russo e até 
mesmo o árabe são reconhecidos como os idiomas-núcleos de suas 
civilizações. O Ocidente herdou o latim, porém surgiu uma variedade de 
nações e com elas os idiomas nacionais, agrupados de forma ampla nas 
grandes categorias de línguas latinas e línguas germânicas. Ao se chegar 
ao século XVI, esses idiomas haviam, de maneira geral, assumido sua 
forma contemporânea. Na qualidade de idioma internacional comum ao 
Ocidente, o latim cedeu lugar ao francês, o qual, por sua vez, foi no 
século XX superado pelo inglês. 

Separação da autoridade espiritual e temporal. Através de toda a 
História ocidental, primeiro a Igreja e depois as muitas igrejas viveram 


oo 







separadas do Estado. Deus e César, Igreja e Estado, autoridade espiritual 
e autoridade temporal foram um dualismo que prevaleceu na cultura 
ocidental. Somente na civilização hindu a religião e a política estavam 
também separadas de forma tão nítida. No Islã, Deus é César; na China 
e no Japão, César é Deus; na Ortodoxia, Deus é o sócio menor de César. 
A separação e os repetidos choques entre Igreja e Estado, que tipificaram 
a civilização ocidental, jamais ocorreram em qualquer outra civilização. 
Essa divisão da autoridade contribuiu de forma incomensurável para o 
desenvolvimento da liberdade no Ocidente. 

Império da lei. A noção de que a lei é um elemento essencial da 
existência civilizada foi herdada dos romanos. Os pensadores medievais 
elaboraram a idéia do direito natural, segundo o qual os monarcas deviam 
exercer seu poder, e uma tradição de direito comum se desenvolveu na 
Inglaterra. Durante a fase do Absolutismo, nos séculos XVI e XVII, o 
império da lei foi mais violado do que respeitado, porém persistiu a idéia 
da subordinação do poder dos homens a algum controle externo: “ Non 
sub homine sed sub Deo et lege" A tradição do império da lei assentou 
as bases para o constitucionalismo e a proteção dos direitos humanos, 
inclusive os direitos de propriedade, e também contra o exercício do 
poder arbitrário. Na maioria das civilizações, a lei foi um fator muito 
menos importante na formação do pensamento e do comportamento. 

Pluralismo social Historicamente, a sociedade ocidental tem sido 
altamente pluralista. Como observa Deutsch, o que é específico do 
Ocidente “é a ascensão e persistência de diversos grupos autônomos não 
baseados em relações de sangue ou casamento”. 30 A partir dos séculos 
VI e VIII, esses grupos inicialmente incluíam mosteiros, ordens monás¬ 
ticas e ligas, porém depois se expandiram para incluir, em muitas áreas 
da Europa, uma variedade de outras associações e sociedades. 31 O 
pluralismo associativo foi suplementado pelo pluralismo de classes. A 
maioria das sociedades européias ocidentais incluiu uma aristocracia 
relativamente forte e autônoma, um campesinato substancioso e uma 
classe pequena porém importante de mercadores e comerciantes. A força 
da aristocracia feudal foi especialmente importante para a limitação do 
grau com que o Absolutismo conseguiu firmar raízes na maioria das 
nações européias. Esse pluralismo europeu contrasta de forma aguda 
com a pobreza da sociedade civil, a debilidade da aristocracia e a força 
dos impérios burocráticos centralizados que existiram simultaneamente 
na Rússia, na China, em terras otomanas e em outras sociedades 
não-ocidentais. 


QÀ 


Corpos representativos . O pluralismo social logo levou ao surgimen¬ 
to de assembléias, parlamentos e outras instituições para representar os 
interesses da aristocracia, do clero, dos comerciantes e outros grupos. 
Esses órgãos proporcionavam formas de representação que, no curso 
do processo de modernização, evoluíram para as instituições da 
democracia moderna. Em alguns casos, esses órgãos foram abolidos 
ou seus poderes ficaram muito limitados durante o período do 
Absolutismo. Contudo, mesmo quando isso aconteceu, eles puderam, 
como na França, ser ressuscitados para proporcionar o meio para uma 
participação política ampliada. Nenhuma outra civilização contempor⬠
nea tem um legado comparável de corpos representativos que exista há 
um milênio. Também em nível local, a partir do século IX, nas cidades 
italianas desenvolveram-se movimentos no sentido do estabelecimento 
de governo próprio, que depois se estenderam para o norte, “forçando 
bispos, barões locais e outros grandes nobres a partilhar o poder com os 
burgueses e, no final, muitas vezes acabaram por entregá-lo por comple¬ 
to”. 32 A representação em nível nacional foi assim suplementada por uma 
dose de autonomia em nível local que não se repetiu em outras partes 
do mundo. 

Individualismo. Muitos dos aspectos da civilização ocidental men¬ 
cionados acima contribuíram para o surgimento de uma noção de 
individualismo e uma tradição de direitos e liberdades individuais únicos 
dentre as sociedades civilizadas. O individualismo se desenvolveu nos 
séculos X3V e XV e a aceitação do direito de escolha individual — aquilo 
que Deutsch denomina de “a revolução de Romeu e Julieta” — se impôs 
no Ocidente ao se chegar ao século XVII. Até mesmo as reivindicações 
de direitos iguais para todos os indivíduos — “o homem mais pobre da 
Inglaterra tem uma vida a viver tanto quanto o homem mais rico” — 
foram enunciadas, ainda que não aceitas universalmente. O indivi¬ 
dualismo continua sendo uma marca típica do Ocidente dentre as 
civilizações do século XX. Numa análise que envolve amostragens 
semelhantes em 50 países, os 20 primeiros em que se registrou o índice 
de individualismo mais alto incluíram todos os países ocidentais, com 
exceção de Portugal e o acréscimo de Israel. 33 O autor de outro 
levantamento, em diferentes culturas, de individualismo e coletivismo 
também sublinhou, de modo análogo, o predomínio do individualismo 
no Ocidente, em comparação com a prevalência do coletivismo em outras 
áreas, e chegou à conclusão de que “os valores que são mais importantes 
no Ocidente são menos importantes no resto do mundo”. De forma 


nr 



reiterada, tanto os ocidentais como os não-ocidentais apontam o in¬ 
dividualismo como a principal marca típica do Ocidente. 34 

A listagem feita acima não pretende ser uma enumeração exaustiva 
das características próprias da civilização ocidental. Nem pretende impli¬ 
car que essas características estejam presentes sempre e de modo 
universal na sociedade ocidental. É evidente que não estão: os muitos 
déspotas da História ocidental ignoraram sistematicamente o império da 
lei e suspenderam o funcionamento de órgãos representativos. Nem 
pretende ela sugerir que nenhuma dessas características apareceu em 
outras civilizações. É claro que aparecem: o Corão e a shari’a constituem 
a lei básica nas sociedades islâmicas; o Japão e a índia têm sistemas de 
classes paralelos aos do Ocidente (e talvez, como resultado disso, sejam 
as duas únicas grandes sociedades não-ocidentais que mantiveram 
governos democráticos por algum tempo). Individualmente, quase ne¬ 
nhum desses fatores foi exclusivo do Ocidente. Entretanto, a combinação 
deles, sim, e foi isso que atribuiu ao Ocidente sua condição singular. 
Essas concepções, práticas e instituições simplesmente foram mais pre¬ 
dominantes no Ocidente do que em outras civilizações. Elas formam pelo 
menos parte do núcleo ininterrupto essencial da civilização ocidental. 
Elas são o que é ocidental porém não moderno no Ocidente. Elas são 
também, em grande medida, os fatores que habilitaram o Ocidente a 
assumir a liderança no processo de modernizar a si próprio e ao mundo. 


Reações ao Ocidente e à Modernização 

A expansão do Ocidente promoveu ao mesmo tempo a modernização e 
a ocidentalização das sociedades não-ocidentais. Os líderes políticos e 
intelectuais dessas sociedades reagiram ao impacto ocidental de uma 
dessas três formas: rejeitando tanto a modernização como a ocidentali¬ 
zação, abraçando ambas ou abraçando a primeira e rejeitando a segun¬ 
da. 35 

Rejeicionismo. O Japão seguiu um curso substancialmente rejei- 
cionista desde os seus primeiros contatos com o Ocidente, em 1542, até 
meados do século XIX. Só foram permitidas formas limitadas de moder¬ 
nização, tais como a aquisição de armas de fogo, e foi severamente 
restringida a importação da cultura ocidental, inclusive e principalmente 
o Cristianismo. Os ocidentais foram todos expulsos em meados do século 
XVII. Essa postura rejeicionista chegou ao fim com a abertura forçada do 
Japão pelo comodoro Perry em 1854 e com os notáveis esforços para 

RA 


f 


I 



aprender com o Ocidente após a Restauração Meiji em 1868. Durante 
vários séculos, também a China tentou barrar qualquer modernização ou 
ocidentalização de monta. Embora tivesse sido permitido o ingresso na 
China de emissários cristãos em 1601, eles foram depois excluídos de 
forma efetiva em 1722. Ao contrário do Japão, a política rejeicionista da 
China estava em grande parte fundada na imagem que a China fazia de 
si própria como o Reino do Meio e na firme crença da superioridade da 
cultura chinesa em relação à de todos os outros povos. O isolamento 
chinês, tal como o isolamento japonês, foi encerrado pelas armas 
ocidentais, usadas na China pelos britânicos durante a Guerra do Ópio 
de 1839-1842. Como esses casos indicam, durante o século XEX, o poderio 
ocidental tornou cada vez mais difícil e acabou por tornar impossível 
para as sociedades não-ocidentais manter estratégias puramente exclu- 
sionistas. 

No século XX, os avanços em transportes e comunicações e a 
interdependência global aumentaram tremendamente o custo da exclu¬ 
são. Com exceção de comunidades rurais pequenas e isoladas, dispostas 
a viver num nível de subsistência, a rejeição total da modernização, bem 
como da ocidentalização, mal chega a ser possível num mundo que se 
está tomando predominantemente moderno e profundamente interliga¬ 
do. Daniel Pipes escreve, referindo-se ao Islã, que “somente os fun- 
damentalistas mais extremados rejeitam a modernização, bem como a 
ocidentalização. Eles atiram aparelhos de televisão nos rios, proíbem 
relógios de pulso e rejeitam o motor de combustão interna. Entretanto, 
a impraticabilidade de seu programa limita enormemente a capacidade 
de atração desses grupos e, em vários casos — tais como os Yen Izala 
de Kano, os assassinos de Sadat, os atacantes da mesquita em Meca e 
alguns grupos dakwah na Malásia —, suas derrotas em confrontos 
violentos com as autoridades fizeram com que eles desaparecessem 
deixando poucos vestígios”. 36 O desaparecimento com poucos vestígios 
resume, de forma geral, o destino das políticas puramente rejeicionistas 
ao se chegar ao final do século XX. O fanatismo, para usar o termo de 
Toynbee, simplesmente não é uma opção viável. 

Kemalismo . Uma segunda possível reação ao Ocidente é o hero- 
dianismo a que se refere Toynbee, ou seja, abraçar tanto a modernização 
como a ocidentalização. Essa reação está baseada nas pressuposições de 
que a modernização é desejável e necessária, de que a cultura autóctone 
deve ser abandonada ou abolida e de que a sociedade deve se ociden- 


0*1 





talizar por completo, a fim de ter êxito na sua modernização. A moderni¬ 
zação e a ocidentalização se reforçam mutuamente e têm que ir juntas. 
Esse enfoque foi sintetizado na argumentação de alguns intelectuais 
japoneses e chineses do final do século XIX no sentido de que, a fim de 
se modernizarem, suas sociedades deviam abandonar seus idiomas 
históricos e adotar o inglês como idioma nacional. Não é de surpreender 
que esse ponto de vista tenha sido mais popular entre as elites ocidentais 
do que entre as não-ocidentais. Sua mensagem é; ‘Tara serem bem-su¬ 
cedidos, vocês têm que ser como nós; nosso modo é o único modo.” O 
argumento é de que “os valores religiosos, os pressupostos morais e as 
estruturas sociais dessas sociedades [não-ocidentais] são, na melhor das 
hipóteses, estranhas, e por vezes hostis, aos valores e às práticas do 
industrialismo.” Por conseguinte, o desenvolvimento econômico irá 
“exigir uma reformulação radical e destrutiva da vida e da sociedade e, 
muitas vezes, uma reinterpretação do significado da própria existência 
tal como foi entendida pelas pessoas que vivem nessas civilizações”. 57 
Pipes faz o mesmo raciocínio referindo-se explicitamente ao Islã: 

Para escapar à anomia, os muçulmanos só têm uma escolha, pois a 
modernização requer a ocidentalização (...). O Islamismo não oferece 
um meio alternativo para se modernizar (...). O secularismo não pode 
ser evitado. A ciência e a tecnologia modernas exigem uma absorção 
dos processos de raciocínio que as devem acompanhar; o mesmo se dá 
com as instituições políticas. Como é preciso emular o conteúdo tanto 
quanto a forma, o predomínio da civilização ocidental deve ser reco¬ 
nhecido para que se possa aprender com ela. Os idiomas europeus e os 
estabelecimentos de ensino ocidentais não podem ser evitados, mesmo 
que esses últimos encorajem o livre pensamento e a vida fácil. Só quando 
os muçulmanos aceitarem explicitamente o modelo ocidental, estarão 
em posição de se tecnicalizar e, então, se desenvolver .^ 8 



i 


Sessenta anos antes de que essas palavras fossem escritas, Mustafá 
Kemal Ataturk chegou a conclusões semelhantes, criou uma nova 
Turquia das ruínas do Império Otomano e desencadeou um esforço 
maciço tanto para ocidentalizá-la como para modernizá-la. Ao embarcar 
nessa rota e rejeitar o passado islâmico, Ataturk fez da Turquia um “país 
dividido”, uma sociedade que era muçulmana na sua religião, na sua 
herança, nos seus costumes e nas suas instituições, porém com uma elite 
dirigente decidida a torná-la moderna, ocidental e em sintonia com o 
Ocidente. No final do século XX, vários países estão perseguindo a opção 
kemalista e tentando substituir uma identidade não-ocidental por uma 
ocidental. Seus esforços serão examinados no Capítulo 6. 

OQ 



Reformismo. A rejeição envolve a tarefa impossível de isolar uma 
sociedade do mundo moderno que está encolhendo. O kemalismo 
envolve a tarefa difícil e traumática de destruir uma cultura que existira 
durante séculos e colocar em seu lugar uma cultura inteiramente nova, 
importada de outra civilização. Uma terceira opção é tentar combinar a 
modernização com a preservação dos valores, práticas e instituições 
centrais da cultura autóctone dessa sociedade. Essa opção, como se pode 
compreender, tem sido a mais popular entre as elites não-ocidentais. Na 
China, nas últimas etapas da dinastia Ching, o slogan era Ti-Yong : “Ensino 
chinês para os princípios fundamentais, ensino ocidental para uso 
prático.” No Japão era Wakon, Yosei : “Espírito japonês, técnica ocidental.” 
No Egito, na década de 1830, Muhammad Ali “tentou a modernização 
técnica sem uma ocidentalização cultural excessiva”. Entretanto, essa 
tentativa fracassou quando os britânicos o forçaram a abandonar a 
maioria de suas reformas modernizadoras. Em conseqüência, observa Ali 
Mazrui, “o destino do Egito não foi um destino japonês de modernização 
sem a ocidentalização cultural, nem foi um destino tipo Ataturk de 
modernização técnica através da ocidentalização cultural”. 59 Na parte 
final do século XIX, porém, Jamal al-Din al-Afghani, Muhammad AJbduh 
e outros reformadores tentaram uma nova reconciliação do Islã com a 
modernidade, sustentando “a compatibilidade do Islã com a ciência 
moderna e o que há de melhor no pensamento ocidental”, e oferecendo 
as “razões do Islã para aceitar idéias e instituições modernas, sejam 
científicas, tecnológicas ou políticas (constitucionalismo e governo repre¬ 
sentativo)”. 40 Tratava-se de um reformismo de grande amplitude, tenden¬ 
do para o kemalismo, que aceitava não só a modernidade, como também 
algumas das instituições ocidentais. O reformismo desse tipo foi a reação 
ao Ocidente que predominou entre as elites muçulmanas durante 50 
anos, da década de 1870 até a de 1920, quando ela foi contestada pela 
ascensão do kemalismo e, posteriormente, a de um reformismo muito 
mais puro, sob a forma do fundamentalismo. 

O rejeicionismo, o kemalismo e o reformismo se baseiam em 
pressupostos diferentes quanto ao que é possível e o que é desejável. 
Para o rejeicionismo, tanto a modernização quanto a ocidentalização são 
indesejáveis, e é possível rejeitar ambas. Para o kemalismo, tanto a 
modernização quanto a ocidentalização são desejáveis, a segunda porque 
é indispensável para lograr a primeira, e ambas são possíveis. Para o 
reformismo, a modernização é desejável e possível sem uma ocidentali¬ 
zação substancial, que é indesejável. Existem portanto conflitos entre o 

GQ 




rejeicionismo e o kemalismo quanto à desejabilidade da modernização 
e da ocidentalização, e entre o kemalismo e o reformismo quanto a se a 
modernização pode ocorrer sem a ocidentalização. 

A Figura 3-1 apresenta um diagrama desses três cursos de ação. O 
rejeicionista permaneceria no Ponto A; o kemalista se deslocaria ao longo 
da diagonal para o Ponto B; o reformista se moveria horizontalmente 
para o Ponto C. Entretanto, ao longo de que caminho as 'sociedades de 
fato se moveram? Obviamente, cada sociedade não-ocidental seguiu o 
seu próprio curso, que pode diferir de modo substancial desses três 
caminhos prototípicos. Mazrui chega até a sustentar que o Egito e a África 
se moveram em direção ao Ponto D através de um “penoso processo de 
ocidentalização cultural sem a modernização técnica”. Na medida em que 
exista qualquer padrão generalizado de modernização e ocidentalização 
nas reações das sociedades não-ocidentais ao Ocidente, ele pareceria 
estar ao longo da curva A — E. No princípio, a ocidentalização e a 

Figura 3.1 

Reações Alternativas ao Impacto do Ocidente 



O A 


modernização estão intimamente ligadas, com a sociedade não-ocidental 
absorvendo elementos substanciais da cultura ocidental e progredindo 
lentamente rumo à modernização. Entretanto, à medida que o ritmo de 
modernização aumenta, a taxa de ocidentalização diminui e a cultura 
autóctone passa por um período de renascimento. Modernização adicio¬ 
nal então altera o equilíbrio de poder civilizacional entre o Ocidente e a 
sociedade não-ocidental, revigora o poder e a autoconfiança dessa 
sociedade e reforça o compromisso com a cultura autóctone. 

Assim sendo, nas fases iniciais da mudança, a ocidentalização 
promove a modernização. Nas fases posteriores, a modernização promo¬ 
ve a desocidentalização e o ressurgimento da cultura autóctone de duas 
maneiras. No nível societário, a modernização amplia o poder econômi¬ 
co, militar e político da sociedade como um todo e incentiva as pessoas 
dessa sociedade a terem confiança na sua cultura e se tornarem cultural¬ 
mente afirmativas. No nível individual, a modernização gera sentimentos 
de alienação e anomia, à medida que laços tradicionais e relações sociais 
são rompidos, e conduz a crises de identidade, para as quais a religião 
dá uma resposta. Esse fluxo causal está apresentado de uma forma 
simples na Figura 3-2. 

Esse modelo geral hipotético é congruente tanto com as teorias das 
ciências sociais como com a experiência histórica. Examinando em 
profundidade as indicações disponíveis relativas à “hipótese da invaria- 
bilidade”, Rainer Baum chega à conclusão de que “a contínua busca pelo 
Homem de uma autoridade efetiva e de uma autonomia pessoal efetiva 
se dá de maneiras culturalmente distintas. Nessas matérias não há 
convergência na direção de um mundo homogeneizante das culturas. 
Em vez disso, parece haver uma invariabilidade nos padrões que foram 
desenvolvidos em formas distintas durante a etapa histórica e o início da 
etapa moderna do desenvolvimento”. 41 Tal como comentaram Frobenius, 


Figura 3.2 

Modernização e Ressurgimento Cultural 



Ressurgimento cultural 
e religioso 





Spengler e Bozeman, entre outros, o tomar emprestada uma teoria 
acentua o grau em que as civilizações recipientes tomam emprestados, 
de forma seletiva, elementos de outras civilizações e os adaptam, 
transformam e assimilam, de modo a reforçar e assegurar a sobrevivência 
dos valores-núcleos ou “paideuma” de sua cultura. 42 Quase todas as 
civilizações não-ocidentais do mundo existem há pelo menos um milênio 
e, em alguns casos, há vários milênios. Elas demonstraram um índice de 
empréstimos tomados de outras civilizações cujo objetivo é melhorar suas 
próprias condições de sobrevivência. Os estudiosos concordam em que 
a absorção pela China do Budismo vindo da índia não produziu a 
“indianização” da China. Os chineses adaptaram o Budismo aos propó¬ 
sitos e necessidades chineses. A cultura chinesa continua chinesa. Até 
hoje os chineses derrotaram de modo consistente os intensos esforços 
ocidentais para cristianizá-los. Se, em algum momento, eles de fato 
importarem o Cristianismo, é de se esperar que ele será adaptado e 
absorvido de uma maneira que reforce o ininterrupto paideuma chinês. 
Analogamente, os árabes muçulmanos receberam seu “legado helénico, 
a ele deram valor e dele se serviram por motivos essencialmente 
utilitários. Estando sobretudo interessados em tomar emprestadas certas 
formas exteriores ou aspectos técnicos, eles sabiam como descartar todos 
os elementos no corpo do pensamento grego que entrariam em conflito 
com ‘a verdade 1 tal como estabelecida pelas normas e preceitos fun¬ 
damentais corânicos”. 45 O Japão seguiu o mesmo padrão. No século VII, 
o Japão importou a cultura chinesa e promoveu a “transformação por 
sua própria iniciativa, isenta de pressões econômicas e militares”, para 
uma alta civilização. “Durante os séculos que se seguiram, houve uma 
alternância entre períodos de relativo isolamento das influências conti¬ 
nentais, durante os quais o que havia sido tomado de empréstimo era 
processado e assimilado ao que era útil, e períodos de novos contatos e 
novos empréstimos culturais.” 44 Através de todas essas fases, a cultura 
japonesa permaneceu nitidamente japonesa. 

A forma moderada da argumentação kemalista de que as sociedades 
não-ocidentais podem se modernizar ao se ocidentalizar continua sem 
ter sido provada. A argumentação extremada de que as sociedades 
não-ocidentais têm que se ocidentalizar a fim de se modernizar não se 
sustenta como uma proposição de alcance universal. Contudo, ela de 
fato suscita a indagação: existem algumas sociedades não-ocidentais nas 
quais os obstáculos que a cultura autóctone opõe à modernização são 
tão grandes que é preciso substituir essa cultura de forma significativa 


pela cultura ocidental para que a modernização possa se dar? Em teoria, 
isso deveria ser mais provável em culturas consumistas do que em 
culturas instrumentais. As culturas instrumentais são caracterizadas por 
um grande setor de fins intermediários, separada e independentemente 
dos fins últimos”. Esses sistemas “inovam com facilidade estendendo o 
manto da tradição por cima da própria mudança. (...) Esses sistemas 
podem inovar sem parecer que estejam alterando de maneira fun¬ 
damental suas instituições sociais. Na verdade, faz-se com que a inovação 
sirva à imemorialidade”. Os sistemas consumistas, ao contrário, “se 
caracterizam por uma estreita relação entre fins intermediários e últimos. 
(...) a sociedade, o Estado, a autoridade e coisas semelhantes são todos 
parte de um sistema de alta solidariedade, mantida de forma elaborada, 
no qual é profunda a função da religião como guia cognitivo. Esses 
sistemas têm sido infensos à inovação”. 45 Apter emprega essas categorias 
para analisar as mudanças em tribos africanas. Eisenstadt aplica uma análise 
paralela às grandes civilizações asiáticas e chega a conclusão semelhante. As 
transformações internas são “grandemente facilitadas pela autonomia das 
instituições sociais, culturais e políticas”. 46 Por essa razão, as sociedades 
japonesa e hindu moveram-se mais cedo e com maior facilidade para a 
modernização do que as sociedades confuciana e islâmica. Elas tiveram mais 
capacidade para importar a tecnologia moderna e utilizá-la para aprimorar 
sua cultura preexistente. Isso quer dizer que as sociedades chinesa e islâmica 
têm que abandonar tanto a modernização como a ocidentalização ou 
abraçar ambas? Não parece que as opções sejam assim tão limitadas, Além 
do Japão, também Singapura, Taiwan, Arábia Saudita e, em menor grau, o 
Irã se tomaram sociedades modernas sem se tomar ocidentais. Na realidade, 
os esforços do xá por seguir um curso kemalista e fazer ambas as coisas 
gerou uma reação intensamente antiocidental mas não antimoderna. A 
China está visivelmente engajada num caminho reformador. 

As sociedades islâmicas têm tido dificuldades com a modernização, 
e Pipes, em apoio à sua afirmação de que a ocidentalização é um 
pré-requisito, aponta para os conflitos entre o Islã e a modernidade em 
questões econômicas como os juros, o jejum, as leis sobre herança e a 
participação da mulher na força de trabalho. Contudo, mesmo ele cita 
de forma aprobatória Maxine Rodinson no sentido de que “não há nada 
que indique, de forma convincente, que a religião muçulmana impediu 
que o mundo muçulmano se desenvolvesse pela estrada do capitalismo 
moderno”, e argumenta que, na maioria das questões fora do campo 
econômico, 






o klã e a modernidade não se chocam. Muçulmanos praticantes podem 
cultivar as ciências, trabalhar com eficiência em fábricas ou empregar 
armas sofisticadas. A modernização não exige nenhuma ideologia 
polinca específica nem um conjunto de instituições determinadas. 
Eleições, fronteiras nacionais, associações cívicas e outras marcas regis¬ 
tradas da vida ocidental nâo são necessárias para o crescimento econô¬ 
mico. Na condição de um credo, o Islã satisfaz tanto os consultores de 
gerenciamento quanto os camponeses. A shari’a nada tem a dizer quanto 
as mudanças que acompanham a modernização, tais como a mudança 
da agricultura para a indústria, do campo para a cidade ou da estabilidade 
social para a mobilidade social, nem ela interfere em assuntos como 

educaçao de massa comunicações rápidas, novas formas de transporte 

ou saude publica . 47 K 

Analogamente, até mesmo proponentes extremados do antiocidentalis- 
mo e da revitalização das culturas autóctones não hesitam em utilizar 
técnicas modernas de correio eletrônico, cassetes e televisão para pro- 
mover sua causa. K 

Em resumo, modernização não quer necessariamente dizer ocidenta- 
ízaçao. As sociedades não-ocidentais podem se modernizar, e têm se 
modernizado, sem abandonar suas próprias culturas e sem adotar de fornia 
generalizada os valores, as instituições e as práticas ocidentais. Na verdade 

oStánT Pr0p0S1Ça0 P° de ser ^ uase impossível: quaisquer que sejam os 
^culos que as culturas não-ocidentais opõem à modernização, são 

za Jn r Se k COmparados com 05 obstáculos que opõem à oddentali- 
zaçao. Como observa Braudel, seria quase “infantil” pensar-se que a 

emizaçao ou o “tnunfo da civilização (no singular)” levaria ao fim 
da pluralidade das culturas históricas corporificadas durante séculos nas 
grandes civilizações do mundo.^ Ao contrário, a modernização reforça 
essas culturas e reduz o poder relativo do Ocidente. De modos fun¬ 
damentais, o mundo está ficando mais moderno e menos ocidental 


94 


A Alteração do Equilíbrio 
Entre as Civilizações 






Capítulo 4 


O Desvanecimento do Ocidente: 
Poder, Cultura e Indigenização 


O PODER OCIDENTAL: PREDOMÍNIO E DECLÍNIO 


H á duas imagens do poderio do Ocidente em relação às outras 
civilizações. A primeira é a de um predomínio ocidental avas¬ 
salador, triunfante, quase total. A desintegração da União Sovié¬ 
tica afastou o único desafiante sério do Ocidente e, como conseqüência, 
o mundo está . sendo e será moldado pelos objetivos, prioridades e 
I interesses das principais nações ocidentais, com talvez uma participação 
ocasional do Japão. Na condição da única superpotência que restou, os 
Estados Unidos, junto com a Grã-Bretanha e a França, tomam as decisões * 
cruciais sobre questões políticas e de segurança, os Estados Unidos junto 
com a Alemanha e o Japão tomam as decisões cruciais sobre questões 
econômicas. O Ocidente é a única civilização que tem interesses subs¬ 
tanciais em todas as outras civilizações ou regiões e tem a capacidade de 
afetar a política, a economia e a segurança de todas as outras civilizações 
ou regiões. As sociedades das outras civilizações geralmente precisam de 
ajuda ocidéntal para atingir os seus objetivos e proteger os seus interesses. 
Como foi resumido por um autor, as nações ocidentais: 


São donas e operadoras do sistema bancário internacional. 


• Controlam todas as moedas fortes. 


• São o principal cliente do mundo. 


97 





• Fornecem a maioria dos bens acabados do mundo. 

• Dominam os mercados internacionais de capitais. 

• Exercem considerável liderança moral dentro de muitas so¬ 
ciedades. 

• São capazes de maciça intervenção militar. 

• Controlam as rotas marítimas. 

• Realizam a maior parte da pesquisa e desenvolvimento 
de tecnologia de ponta. 

• Controlam o ensino técnico de ponta. 

• Dominam o acesso ao espaço. 

• Dominam a indústria aeroespacial. 

• Dominam as comunicações internacionais. 

• Dominam a indústria de armamentos de alta tecnologia. 1 

A segunda imagem do Ocidente é muito diferente. É a de uma 
civilização em declínio, com sua parcela de poder político, econômico e 
militar mundial baixando em relação ao de outras civilizações. A vitória 
do Ocidente na Guerra Fria produziu não o triunfo, mas a exaustão.J3 
Ocidente está cada vez mais preocupado com seus problemas e neces¬ 
sidades internos, ao mesmo tempo em que enfrenta um lento crescimento 
econômico, o desemprego, enormes déficits públicos, uma ética de trabalho 
em declínio, baixas taxas de poupança e, em muitos países, inclusive nos 
Estados Unidos, desintegração social, drogas e criminalidade. Q poder 
Wonômico está se deslocando rapidamente para a Ásia Oriental e o poder 
militar e a influência política estão começando a ir pelo mesmo caminho. 
A índia está na iminência de uma decolagem econômica e o mundo 
islâmico está cada vez mais hostil para com o Ocidente. Está se 
evaporando rapidamente a disposição de outras sociedades de aceitar os 
ditames do Ocidente ou de acatar seus sermões, bem como a autocon¬ 
fiança e a vontade de dominar do Ocidente. O final da década de 80 viu 
muitos debates sobre a tese do declínio no que se refere aos Estados 
Unidos e, em meados da década de 90, Aaron Fridberg concluiu que, 

em muitos aspectos importantes, seu [dos Estados Unidos] poder relativo 
irá declinar num ritmo crescente. Em termos de sua capacidade econô¬ 
mica pura, a posição dos Estados Unidos em relação ao Japão e, 
finalmente, à China provavelmente irá se deteriorar ainda mais. No 
campo militar, o equilíbrio da capacidade real entre os Estados Unidos 
e um número cada vez maior de potências regionais (incluindo, talvez, 
o Irã, a índia e a China) se deslocará do centro para a periferia. Uma 
parcela do poder estrutural dos Estados Unidos fluirá para outras nações; 


98 


outra (bem como uma parcela do seu poder aparente) passará para as 
mãos de agentes não-estatais, como as empresas multinacionais. 2 

Qual dessas duas imagens contrastantes do lugar que o Ocidente 
ocupa no mundo corresponde à realidade? É claro que a resposta é: 
ambas. Atualmente, o Ocidente tem um predomínio absoluto e continua¬ 
rá a ser o número um em termos de poder e de influência até bem adiante 
no século XXI. Entretanto, mudanças graduais, inexoráveis e fundamen¬ 
tais também estão ocorrendo nos equilíbrios de poder entre as civiliza¬ 
ções, e o poder do Ocidente em relação ao das outras civilizações 
continuará a declinar. À medida que a primazia do Ocidente se deteriora, 
muito do seu poder irá simplesmente se evaporar e o resto dele será 
difundido numa base regional entre as várias civilizações principais e 
seus Estados-núcleos. Os aumentos de poder mais significativos estão se 
dando e continuarão a se dar nas civilizações asiáticas, com a China 
emergindo gradualmente como a sociedade com maior probabilidade de 
desafiar o Ocidente pela influência mundial. Esses deslocamentos de 
poder entre as civilizações estão levando e irão levar à revitalização e a 
uma maior afirmação cultural das sociedades não-ocidentais e à sua 
rejeição cada vez maior da cultura ocidental. 

O declínio do Ocid ent e tem três car acterísticas prin cipais. 

A primeira é que se trata de um processo lento. A ascensão do 
poderio ocidental levou 400 anos. Sua retroversão poderia levar o mesmo 
tempo. Na década de 80, o insigne estudioso britânico Hedley Buli 
sustentou que “pode-se dizer que o predomínio europeu ou ocidental 
da sociedade internacional universal atingiu seu apogeu por volta de 
1900”. 5 o primeiro volume da obra de Spengler apareceu em 1918 e o 
“declínio do Ocidente” constituiu um tema central da História do século 
XX. O próprio processo se estendeu durante a maior parte deste século. 
Entretanto, é concebível que ele possa se acelerar. O crescimento 
econômico e outros aumentos da capacidade de um país freqüentemente 
seguem uma curva em S: um começo lento, depois uma aceleração 
rápida, seguida por taxas reduzidas de expansão, e se estabilizando. O 
declínio dos países pode também seguir uma curva em S no sentido 
inverso, como aconteceu com a União Soviética: moderado a princípio, 
depois se acelerando rapidamente, antes de se nivelar no fundo. O 
declínio do Ocidente ainda está na lenta primeira fase, porém ele poderia, 
em algum momento, acelerar de forma dramática. 

|f A^segunda é que o declínio não segue uma linha reta. Ele é 
altamente irregular, com pausas, inversões e reafirmações do poderio 


oo 






ocidental, depois de manifestações de fraqueza ocidental. As sociedades 
democráticas abertas do Ocidente têm uma grande capacidade de 
renovação. Além disso, ao contrário de muitas civilizações, o Ocidente 
teve dois centros principais de poder. O declínio que Buli viu começando 
por volta de 1900 era essencialmente o declínio do componente europeu 
da civilização ocidental. De 1910 a 1945, a Europa ficou dividida contra 
si mesma e preocupada com os seus problemas econômicos, sociais e 
políticos internos. Na década de 40, contudo, os Estados Unidos, por um 
curto período, quase dominaram o mundo num grau comparável ao 
domínio conjunto das Potências Aliadas em 1918. A descolonização no 
pós-guerra reduziu ainda mais a influência européia, mas não a dos 
Estados Unidos, que substituíram o tradicional império territorial por um 
novo imperialismo transnacional. Durante a Guerra Fria, entretanto, o 
poder militar norte-americano ficou equiparado ao dos soviéticos e o 
poder econômico norte-americano declinou em relação ao do Japão. 
Contudo, verificaram-se esforços periódicos de renovação militar e 
econômica. De fato, em 1991, um outro destacado estudioso britânico, 
Barry Buzan, sustentou que “a realidade mais profunda é a de que o 
centro é atualmente mais predominante e a periferia mais subordinada 
do que em qualquer momento desde que começou a descolonização”. 4 
Entretanto, a exatidão dessa percepção se desvanece na medida em que 
a vitória militar que lhe deu lugar também se desvanece na História. 

A terceira é a capacidade de uma pessoa ou de um grupo de mudar 
o comportamento de outra pessoa ou de outro grupo. O comportamento 
pode ser mudado por meio de indução, coerção ou exortação, que exige 
que quem detém o poder possua recursos econômicos, institucionais, 
demográficos, políticos, tecnológicos, sociais ou de outro tipo. O poder 
de um Estado ou de um grupo é, por conseguinte, normalmente avaliado 
medindo-se os recursos de que dispõe contra os de que dispõem os 
outros Estados ou grupos que ele está tentando influenciar. A parcela 
que o Ocidente detém da maioria, porém não de todos, os recursos de 
poder importantes, chegou ao seu ápice no século XX e então começou 
a declinar em relação aos de outras civilizações. 

Território epopulação. Em 1490, as sociedades ocidentais controla¬ 
vam a maior parte da península européia, com exceção dos Bálcãs, ou 
cerca de 3,8 milhões de quilômetros quadrados de uma área terrestre 
global (afora a Antártica) de 136 milhões de quilômetros quadrados. No 
auge de sua expansão territorial, em 1920, o Ocidente governava de 


forma direta cerca de 66 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 
metade de todas as terras da Terra. Ao se chegar a 1993, esse controle 
territorial tinha sido reduzido à metade, para cerca de 32,8 milhões de 
quilômetros quadrados. O Ocidente tinha revertido ao seu núcleo 
europeu original, mais suas vastas terras povoadas por colonizadores na 
América do Norte, Austrália e Nova Zelândia. Em contraste, o território 
das sociedades islâmicas independentes elevou-se de 4,6 milhões de 
quilômetros quadrados em 1920 para mais de 28,5 milhões de quilôme¬ 
tros quadrados em 1933- Mudanças semelhantes ocorreram no controle 
de populações. Em 1900, os ocidentais representavam aproximadamente 
30 por cento da população mundial e os governos ocidentais exerciam 
sua autoridade sobre quase 45 por cento dessa mesma população então 
e sobre 48 por cento em 1920. Em 1993, com exceção de uns poucos e 
pequenos remanescentes imperiais, como Hong Kong, os governos 
ocidentais não exerciam sua autoridade sobre ninguém além dos próprios 
ocidentais. Estes somavam pouco mais de 13 por cento da Humanidade, 
total que deve cair para cerca de 11 por cento no princípio do próximo 
século e para 10 por cento em 2025. 5 Em termos de população total, em 
1993 o Ocidente estava em quarto lugar, atrás das civilizações sínica, 
islâmica e hindu. 

Assim sendo, quantitativamente os ocidentais constituem uma 
minoria, em decréscimo constante, da população mundial. Também 
Quadro 4.1 


Territórios sob o Controle Político das Civilizações / 1900-1993 


Estimativa de Territórios Agregados das Civilizações em Milhares de Quilômetros Quadrados 

Ano 

Ocidental 

Africana 

Sínica 

Hindu 

Islâmica 

Japonesa 

Latino- 

americana 

Ortodoxa 

Outras 

1900 

52.551,10 

424,76 

11.181,03 

139,86 

9.303,28 

416,99 

19.997,39 

22.618,47 

19.342,12 

1920 

65.907,73 

1.036,00 

10.134,67 

139,86 

4.690,49 

675,99 

20.973,82 

26.568,22 

5.848,22 

1971 

33.167,54 

12.007,24 

5.014,24 

3.408,44 

23.783,97 

367,78 

20.287,47 

26.796,14 

5.962,18 

1993 

32.921,49 

14.716,38 

10.160,57 

3.312,61 

28.629,86 

375,55 

20.251,21 

18.567,71 

7.039,62 

Estimativa de Porcentagens do Território Mundial* 

1900 

38,7 

0,3 

8,2 

0,1 

6,8 

0,3 

14,7 

16,6 

16,6 

1920 

48,5 

0,8 

7,5 

0,1 

3,5 

0,5 

15,4 

19,5 

4,3 

1971 

24,4 

8,8 

7,5 

2,5 

17,5 

0,3 

14,9 

19,7 

4,4 

1993 

24,2 

10,8 

7,5 

2,4 

21,1 

0,3 

14,9 

13,7 

5,2 


Nota: As parcelas do território mundial foram baseadas nas fronteiras internacionais vigentes no ano indicado. 


* 0 território mundial foi estimado em 164,68 km 2 e não inclui a Antártica. 

Fontes: Statesman’$ Year-Book( Nova York: St. Martin s Press, 1901-1927); World Book Atlas (Chicago: Field 
Enterprises Educational Corp., 1970); Britannica Book of the Year (Chicago: Encyclopaedía Britannica Inc., 
1992-1994). 




Quadro 4.2 

População dos Países Pertencentes às Principais Civilizações do Mundo /1993 
(em milhares de pessoas)_ 



qualitativamente está mudando o equilíbrio entre os ocidentais e outras 
populações. Os povos não-ocidentais estão ficando mais saudáveis, mais 
urbanizados, mais alfabetizados, mais instruídos. No início da década de 
90, as taxas de mortalidade infantil na América Latina, África, Oriente 
Médio, Ásia Meridional, Ásia Oriental e Sudeste Asiático tinham caído 
para um terço ou um quarto do que eram 30 anos antes. A expectativa 
de vida nessas regiões tinha aumentado de modo significativo, com 
ganhos que variavam de 11 anos na África para 23 na Ásia Oriental. No 
princípio da década .de 60, na maior parte do Terceiro Mundo, menos 
de um terço da população adulta era alfabetizada. No começo da década 
de 90, em poucos países, com exceção da África, o número de alfabeti¬ 
zados era inferior à metade da população. Cinqüenta por cento dos 
indianos e quase 75 por cento dos chineses sabiam ler e escrever. Em 
1970, as taxas de alfabetização nos países em desenvolvimento eram, em 
média, 41 por cento das taxas dos países desenvolvidos; em 1992, essa 
média era de 71 por cento. No começo dos anos 90, em todas as regiões, 
salvo na África, praticamente todo o grupo etário correspondente estava 
matriculado no ensino primário. Mais importante ainda, no começo dos 
anos 60, na Ásia, América Latina, Oriente Médio e África, menos de um 
terço do grupo etário correspondente estava matriculado no ensino 
secundário; ao se chegar ao início da década de 90, metade desse grupo 
etário estava matriculado, exceto na África. Em 1960, os moradores 
urbanos compunham menos de um quarto da população do mundo 
menos desenvolvido. Entre 1960 e 1992, entretanto, a porcentagem 
urbana da população cresceu de 49 por cento para 73 por cento na 
América Latina, de 34 para 55 por cento nos países árabes, de 14 para 
29 por cento na África, de 18 para 27 por cento na China e de 19 para 
26 por cento na índia. 6 

Essas alterações em alfabetização, ensino e urbanização criaram 
populações socialmente mobilizadas, com capacidade aumentada e 
maiores expectativas, que podiam ser mobilizadas para fins políticos de 


i no 


Quadro 4.3 

Parcelas da População Mundial sob o Controle Político das Civilizações /1900-2025* (em 

porcentagens) __ 

Ano Total Ocidental Africana Sínica Hindu Islâmica Japo- Latino- Ortodoxa Outras 


Nota: As estimativas da população mundial relativa estão baseadas nas fronteiras internacionais vigentes no ano 
indicado. As estimativas para os anos de 1995 a 2025 pressupõem as fronteiras de 1994. 

* Estimativa da população mundial em bilhões de pessoas. 

t — As estimativas não incluem os membros da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) nem a Bósnia. 
t — As estimativas incluem a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), a Geórgia e a antiga Iugoslávia. 
Fontes: Nações Unidas, Divisão de População, Departamento de Informação Econômica e Social e de Análise 
de Políticas. World Population Prospects. The 1992 Revision (Nova York: United Nations, 1992). Statesman’$ 
Year-Book( Nova York: St. Martin’s Press, 1901-1927); World Aimanac and Book of Facts (Nova York: Press Pub. 
Co., 1970-1993). 

modos em que não era possível mobilizar camponeses analfabetos. 
Sociedades socialmente mobilizadas são sociedades mais poderosas. Em 
1953, quando menos de 15 por cento dos iranianos eram alfabetizados 
e menos de 17 por cento urbanizados, Kermit Roosevelt e uns poucos 
operadores da CIA acabaram com uma insurreição com relativa facilidade 
e restauraram o xá no trono. Em 1979, quando 50 por cento dos iranianos 
eram alfabetizados e 47 por cento viviam nas cidades, não havia dose de 
poder militar norte-americano que pudesse ter mantido o xá no trono. 
Ainda existe um hiato significativo que separa chineses, indianos, árabes 
e africanos dos ocidentais, japoneses e russos. Porém esse hiato está 
diminuindo rapidamente. Ao mesmo tempo, um hiato diferente está se 
abrindo. A média de idade de ocidentais, japoneses e russos está 
aumentando sistematicamente e a proporção maior da população que 
não mais trabalha impõe uma carga crescente sobre aqueles que ainda 
estão empregados produtivamente. Outras civilizações têm a carga de 
grande número de crianças, mas as crianças são futuros trabalhadores e 
soldados. 


Produto econômico. A parcela ocidental do produto econômico 
mundial também pode ter atingido seu ápice na década de 20 e vem 
declinando visivelmente desde a II Guerra Mundial. Em 1750, a China 
respondia por quase um terço da produção manufatureira do mundo, a 
índia por quase um quarto e o Ocidente por menos de um quinto. Ao 


1 AO 




Quadro 4.4 

Parcelas do Total da Produção Manufatureira Mundial por Civilização ou País /1750-1980 
(em porcentagens. Mundo = 100%) 


Região ou 
País(es) 

1750 

1800 

1830 

1860 

1880 

1900 

1913 

1928 

1938 

1953 

1963 

1973 

1980 

Ocidente 

18,2 

23,3 

31,1 

53,7 

68,8 

77,4 

81,6 

84,2 

78,6 

74,6 

65,4 

61,2 

57,8 

China 

32,8 

33,3 

29,8 

19,7 

12,5 

6,2 

3,6 

3,4 

3,1 

2,3 

3,5 

3,9 

5,0 

Japão 

3,8 

3,5 

2,8 

2,6 

2,4 

2,4 

2,7 

3,3 

5,2 

2,9 

5,1 

8,8 

9,1 

índia / Paquistão 

24,5 

19,7 

17,6 

8,6 

2,8 

1.7 

1,4 

1,9 

2,4 

1,7 

1,8 

2,1 

2,3 

Rússia/URSS* 

5,0 

5,6 

5,6 

7,0 

7,6 

8,8 

8,2 

5,3 

9,0 

16,0 

20,9 

20,1 

21,1 

Brasil & México 

- 

- 

- 

0,8 

0,6 

0,7 

0,8 

0,8 

0,8 

0,9 

1,2 

1,6 

2,2 

Outros 

15,7 

14,6 

13,1 

7.6 

5,3 

2,8 

1,7 

1,1 

0,9 

1,6 

2,1 

2,3 

2,5 


* Inclui os países do Pacto de Varsóvia durante os anos da Guerra Fria. 

Fonte: Paul Bairoch, “International Industrialization Leveis from 1750 to 1980”, Journal of European Economic 
History , 11 (Outono de 1982), pp. 269-334. 

se chegar a 1830, o Ocidente tinha passado ligeiramente à frente da China. 
Nas décadas seguintes, como assinala Paul Bairoch, a industrialização do 
Ocidente levou à desindustrialização do resto do mundo. Em 1913, a 
produção manufatureira de países não-ocidentais representava aproxi¬ 
madamente dois terços do que fora em 1800. A partir de meados do 
século XIX, a participação do Ocidente cresceu de forma espetacular, 
chegando ao seu ápice em 1928, com 84,2 por cento da produção 
manufatureira mundial. Daí por diante, a parcela do Ocidente declinou, 
na medida em que sua taxa de crescimento permaneceu modesta, e 
países menos industrializados expandiram rapidamente sua produção 
depois da II Guerra Mundial. Ao se chegar a 1980, o ocidental respondia 
por 57,8 por cento da produção manufatureira mundial, aproximadamen¬ 
te a parcela que tivera 120 anos antes, na década de 18Ó0. 7 

Não se dispõe de dados confiáveis sobre o produto econômico 
bruto para o período anterior à II Guerra Mundial. Entretanto, em 1950, 
o Ocidente respondia por aproximadamente 64 por cento do produto 
bruto mundial; nos anos 80, essa proporção tinha caído para 49 por cento 
(ver Quadro 4.5). Em 1991, segundo uma estimativa, quatro das sete 
maiores economias do mundo eram de nações não-ocidentais: Japão (em 
segundo lugar), China (terceiro), Rússia (sexto) e índia (sétimo). Em 1992, 
os Estados Unidos tinham a maior economia do mundo e as maiores 
economias incluíam as de cinco países ocidentais, mais os Estados mais 
adiantados de cinco outras civilizações: China, Japão, índia, Rússia e 
Brasil. Projeções plausíveis indicam que a China, em 2020, terá a maior 
economia do mundo, as cinco maiores economias estarão em cinco 





i na 


Quadro 4.5 

Parcelas por Civilização do Produto Econômico Bruto Mundial /1950-1992 
(em porcentagens) __ 


Ano 

Ocidental 

Africana 

Sínica 

Hindu 

Islâmica 

Japonesa 

Latino- 

americana 

Ortodoxa* 

Outrast 

1950 

64,1 

0,2 

3,3 

3,8 

2,9 

3,1 

5,6 

16,0 

1,0 

1970 

53,4 

17 

4,8 

3,0 

4,6 

7,8 

6,2 

17,4 

1,1 

1980 

48,6 

2,0 

6,4 

27 

6,3 

8,5 

77 

16,4 

1,4 

1992 

48,9 

2,1 

10,0 

3,5 

11,0 

8,0 

8,3 

6,2 

2,0 


* As estimativas para a civilização ortodoxa no ano de 1992 incluem a antiga União Soviética e a antiga Iugoslávia, 
t Em Outras estão incluídas outras civilizações e arredondamento de cifras. 

Fontes: As percentagens para 1950,1970 e 1980 foram calculadas a partir de dados de valor constante do dólar 
por Herbert Block. The Píanetary Product in 1980: A Creative Pause? [ 0 Produto Planetário em 1980: Uma Pausa 
Criadora? ] (Washington, D.C.: Bureau of Public Affairs, U.S. Dept. of State, 1981), pp. 30-45. As percentagens 
para 1992 foram calculadas pelas estimativas do Banco Mundial da paridade do poder aquisitivo, no Quadro 30 
do World Development Report 1994 (Nova York: Oxford University Press, 1994). 

civilizações diferentes e as 10 maiores economias incluirão três socieda¬ 
des sínicas (China, Coréia do Sul e Taiwan), três sociedades ocidentais 
(Estados Unidos, Alemanha e França) e mais Japão, índia, Indonésia e 
Tailândia. Sete das maiores economias do mundo estarão na Ásia, seis 
delas na Ásia Oriental. Em 1960, a Ásia Oriental respondia por quatro 
por cento e a América do Norte por 37 por cento do produto bruto 
mundial; em 1995, cada uma delas respondia por cerca de 24 por cento. 
Segundo uma estimativa, ao se chegar a 2013 o Ocidente responderá por 
30 por cento e as sociedades asiáticas por 40 por cento do produto 
econômico global. 8 

As cifras brutas sobre produção econômica ocultam parcialmente a 
vantagem qualitativa do Ocidente. O Ocidente e o Japão dominam quase 
por completo as indústrias de tecnologia de ponta. Entretanto, as' 
tecnologias estão sendo disseminadas e, se o Ocidente deseja manter sua j 
superioridade, fará o que puder para minimizar essa disseminação. 
Graças ao mundo interconectado que o Ocidente criou, porém, é cada 
vez mais difícil retardar a difusão de tecnologias para outras civilizações. y 
Isso é complicado ainda mais pela ausência de uma ameaça única, 
absoluta e aceita por todos, como existia durante a Guerra Fria, o que 
dava às medidas de controle de tecnologias uma modesta eficácia. 

Parece provável que, durante a maior parte da História, a China 
tenha tido a maior economia do mundo. A difusão de tecnologias e o 
desenvolvimento econômico das sociedades não-ocidentais na segunda 


inç 




metade do século XX estão produzindo atualmente uma volta ao padrão 
histórico. Esse processo será lento; porém, por volta de meados do século 
XXI, se não antes, a distribuição do produto econômico e da produção 
manufatureira pelas principais civilizações provavelmente lembrará a de 
1800. O blip ocidental de 200 anos na economia mundial terá terminado. 


Capacidade militar. O poder militar tem quatro dimensçies^ji-' 
quantitativa — a quantidade de homens, armas, equipamentos e recursos; 
a tecnológica — a eficácia e sofisticação de armas e equipamentos; a 
organizacional — a coerência, disciplina, treinamento e moral da tropa, 
e a eficácia dos relacionamentos de comando e controle; e a societária 
— a capacidade e disposição da sociedade de empregar a força militar 
de modo efetivo. Na década de 20, o Ocidente estava muito à frente de 
todos os demais em todas essas dimensões. Nos anos subseqüentes, o poder 
militar do Ocidente declinou em relação ao de outras civilizações, declínio 
esse que se reflete na mudança do equilíbrio em termos de efetivos militares, 
uma das medidas, embora obviamente não a mais importante, da capaci¬ 
dade militar.^ modernização e o desenvolvimento econômico geram os 
recursos e o desejo para que os Estados desenvolvam sua capacidade militar, 
e poucos são os Estados que deixam de fazê-lo.Wos anos 30, o Japão e a 
União Soviética criaram forças armadas muito poderosas, como ficou 
demonstrado na II Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, a União Soviética 
possuía uma das duas forças armadas mais poderosas do mundo. Atual¬ 
mente, o Ocidente monopoliza a capacidade de dispor de quantidade 
considerável de forças convencionais em qualquer parte do mundo. Não 
há certeza se ele continuará tendo essa capacidade. O que parece certo, 


Quadro 4.6 

Parcelas por Civilização do Total dos Efetivos Militares Mundiais (em porcentagens) 


Ano [Total Ocidental Africana Sínica Hindu Islâmica Japonesa Latino- 


Ortodoxa Outras 


_>■ ,, — -- —rwv-v. i-wiiMv wiwvjyAa i/uuao 

mundia| 1 __ americana _ 

1900 [10.086] 43,7 1,6 10,0 0,4 16,7 1,8 9,4 16,6 0,1 

1920 [ 8.645) 48,5 3,8 17,4 0,4 3,6 2,9 10,2 12,8* 0 5 

1970 [23.991] 26,8 2,1 24,7 6,6 10,4 0,3 4,0 25,1 2 ’ 3 

—I 991 _ 125.7971 21,1 3,4 25 ,7 4,8 20,0 1,0 6,3 14,3 3 ' 5 

Notas: As estimativas foram baseadas nas fronteiras nacionais vigentes no ano indicado. 

£“2 c 5? é uma es,ima,iva P ara ° ano de 1924 feita por J. M. Mackintosh, em B.H. 
RedAmy: ^ RedArm y 1918 >01945, TheSovietArmy 1946topresent( Nova York: Harcourt, 


and Disarmament Agency, World Military Expenditures and Arms Transfers 
(Washington, D.C.: The Agency, 1971-1994); Statesman's Tear-fiookfNovaYork: St. Martirfs Press, 1901-1927). 


contudo, é que nenhum Estado ou grupo de Estados ocidentais criará 
uma capacidade comparável durante as próximas décadas. 

De forma geral, os anos depois da Guerra Fria foram dominados p or 
cinco tendências principais na evol ução da capa cidade militar nomundo. 

^Primeira: as forças armadas da União Soviética deixaram de existir 
pouco depois que a União Soviética deixou de existir. Afora a Rússia, 
somente a Ucrânia herdou capacidade milita r significat i va. As forças russas 
foram muito reduzidas em tamanho e foram retiradas da Europa Central e 
dos países bálticos. O Pacto de Varsóvia acabou. A meta de desafiar a 
marinha dos Estados Unidos foi abandonada. O equipamento militar foi 
vendido ou deixou-se que se deteriorasse e se tomasse não-operacional. As 
verbas orçamentárias para as forças armadas foram reduzidas drasticamente. 
A desmoralização se espalhou pelas fileiras, tanto no nível de oficiais como 
no de graduados e soldados. Ao mesmo tempo, os militares russos estavam 
tratando de redefinir suas missões e doutrina, bem como se reestruturando 
para seu novo papel de proteger os russos e lidar com conflitos regionais 
no “exterior próximo”. 

Segunda: a redução vertiginosa da capacidade militar.jussa l es¬ 
timulou um declínio mais Iéritã^ré m s ignifica tivo, do s gastos milita res, 
das forças armadas e da capacidade militar do Oc i dente . De acordo com 
os planos dos governos Bush e Clinton. os gastos militar ei dos Estados 
Unidos deviam cair em 35 por cento, de US$ 342.3 b ilhões (dólares com 
valor constante de 1994) em 1990 para US$ 222,3 bilhões em 1998^C 
estrutura das forças nesse ano seria a metadé õú' dõlsterços do que era 
no fim da Guerra Fria. O total de efetivos militares desceria de 2,1 milhões 
para 1,4 milhão. Muitos programas im portantes de armamentos foram ou 
estão sendo cancelados. (^ntrê~T985 e 1993^ as compras anuais de 
armamentos principais caíram de 29^pãra seis navios, de 943 para 127 
aviões, de 720 tanques para zero e de 48 para 18 mísseis estratégicos. A 
partir do final dos anos 80, a Grã-Bretanha, a Alemanha e, em menor 
grau, a França passaram por reduções análogas em gastos com forças 
armadas e capacidade militar. Em meados da década de 90, estava 
programado que as forças armadas alemãs diminuiriam de 370 mil para 
340 mil e, provavelmente, para 320 mil homens; o exército francês devia 
reduzir seus efetivos de 290 mil em 1990 para 225 mil em 1997. O pessoal 
militar britânico caiu de 377.100 em 1985 para 274.800 em 1993. Além 
disso, países membros da OTAN no continente europeu encurtaram o 
tempo de serviço militar obrigatório e examinaram a possibilidade de 
aboli-lo por completo. 













Terceira: as tendências na Ásia Oriental foram significativamente 
diferentes das observadas na Rússia e no Ocidente. Maiores gastos 
militares e melhoramentos nas forças estavam na ordem do dia. A China 
marcou o compasso, concentrando-se na criação da capacidade de 
projeção de poder, de acordo com sua nova doutrina militar que acentua 
a probabilidade de instabilidade regional e guerras limitadas. Estimuladas 
tanto por sua crescente riqueza econômica como pelo rearmamento 
chinês, outras nações da Ásia Oriental estão modernizando e expandindo 
suas forças armadas. Taiwan, Coréia do Sul, Tailândia, Malásia, Singapura 
e Indonésia estão todas despendendo mais com seus militares e adquirin¬ 
do aviões, tanques e navios na Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, 
França, Alemanha e outros paíseslEnquanto os gastos militares da OTAN 
diminuíram em cerca de 10 por cènto entre 1985 e 1993 (de US$ 539,6 
bilhões para US$ 485,0 bilhões) (dólares com valor constante de 1993), 
os gastos na Ásia Oriental aumentaram em 50 por cento, de US$ 89,8 
bilhões para US$ 134,8 bilhões durante o mesmo período.^i 

'^Quarta: a capacidade militar, inclusive no tocante a armas de 
destruição em massa, está-se espalhando de forma ampla pelo mundo. 
ÍA medida que os países se desenvolvem economicamente, eles geram a 
^capacidade de produzir armamentos. Entre os anos 60 e os anos 80, por 
exemplo, o número de países do Terceiro Mundo que produziam aviões 
de caça aumentou de um para oito; tanques, de um para seis; helicóp¬ 
teros, de um para seis; e mísseis táticos, de nenhum para sete. Os anos 
90 viram, no rumo da globalização da indústria de equipamento militar, 
uma tendência importante, que deverá provavelmente reduzir ainda mais 
as vantagens militares do O cidente.10 Muitas sociedades não-ocidentais 
possuem armas nucleares (Rússia, China, Israel, índia, Paquistão e, 
possivelmente, Coréia do Norte), vêm desenvolvendo grandes esforços 
para obtê-las (Irã, Iraque, Líbia e, possivelmente, Argélia) ou estão-se 
colocando em posição para obtê-las rapidamente caso vejam necessidade 
disso ^JapãoyÁrmas nucleares e os sistemas para lançá-las, bem como 
armas químicas e biológicas, são os meios pelos quais os Estados que 
sa° muito inferiores aos Estados Unidos e ao Ocidente em termós~"dé 
poder militar convencionai podem, a custos relatívamenté bãíxõs, ficar 
em i gualdade de condições. ..~ - 

Por último: todos esses desdobramentos fazem da regionalização a 
tendência central no que se rèfere~âisrratégia e ao poder militar na 
mundo pós-Guerra Fria. A regionalização dá a justificativa pai? a s 
reduções das forças armadas russas e ocidentais e para os aumentos das 


forças armadas de outros Estados. A Rússia já não dispõe de uma 
capacidade "militar global, mas está concentrando sua estratégia e suas 
forças no exterior próximo. A China redirecionou sua estratégia e suas 
forças para enfatizar a projeção de poder local e a defesa dos interesses 
chineses na Asia Orientâl—Os países europeus estão, de forma analoga, 
redirecionando suas forças, tanto através da OTAN como da União 
Européia Ocidental, a fim de lidar com a instabilidade na periferia da 
Europa Ocidental., Os Estados Unidos explicitamente alteraram sua 
diretriz militar de conter e combater a União Soviética em termos globais 
para se preparar a fim de lidar simultaneamente com contingências 
regionais no Golfo Pérsico e no Noroeste Asiático. Entretanto, não é 
provável que os Estados Unidos consigam ter a capacidade de atingir 
essa meta. Para derrotar o Iraque, os Estados Unidos dispuseram no Golfo 
Pérsico de 75 por cento de seus aviões táticos em serviço, 42 por cento 
de seus tanques pesados modernos, 46 por cento de seus porta-aviões, 
37 por cento dos efetivos do exército e 46 por cento dos de fuzileiros 
navais. No futuro, com forças significativamente reduzidas, os Estados 
Unidos terão muita dificuldade para levar a cabo uma intervenção, muito 
menos duas, contra potências regionais de peso fora do Hemisfério 
Ocidental.^ segurança militar em todo o mundo depende cada vez mais 
não da distribuição mundial de poder e das ações de superpotências, 
mas sim da distribuição de poder dentro de cada região do mun do e das 
ações dos Estados-núcleos das civilizações./ 

%m resumo, de forma geral, o Ocidente continuará sendo a civili¬ 
zação mais poderosa até bem adiante nas primeiras décadas do século 
XXI. Além de então, é provável que ele continue a ter uma dianteira 
substancial em talento, pesquisa e capacidade de desenvolvimento 
científicos, bem como na inovação tecnológica civil e militar. Entretanto, 
o controle de outros meios de poder está ficando cada vez mais difundido 
entre Estados-núcleos e países avançados de civilizações nãp-pçidentais. 
O controle desses meios pelo Ocidente chegou ao auge na década de 
20 e desde então vem declinando de forma irregular, porém significativa. 
Na década de 2020, 100 anos depois daquele apogeu, o Ocidente 
provavelmente controlará cerca de 24 por cento do território do mundo 
(baixando de um auge de 49 por cento), 10 por cento do total da 
população mundial (baixando de 48 por cento) e talvez 15 a 20 por cento 
da população mobilizada socialmente, cerca de 30 por cento do produto 
econômico mundial (baixando de um auge de provavelmente 70 por 


108 


mo 





cento), talvez 25 por cento da produção manufatureira (baixando de um 
apogeu de 84 por cento) e menos de 10 por cento dos efetivos militares 
mundiais (baixando de 45 por cento). 

Em 1919, Woodrow Wilson, Lloyd George e Georges Clemenceau 
juntos praticamente controlavam o mundo. Sentados em Paris, eles 
determinaram quais países iriam existir e quais não, quais novos países 
seriam criados, quais iriam ser suas fronteiras e quem os governaria, e 
como o Oriente Médio e outras partes do mundo seriam divididos entre 
as potências vitoriosas. Eles também decidiram sobre a intervenção militar 
na Rússia e as concessões econômicas a serem extraídas da China. Cem 
anos depois, nenhum pequeno grupo de estadistas será capaz de exercer 
poder comparável e, na medida em que algum grupo o consiga, ele não 
será composto por três ocidentais, mas sim pelos líderes dos Estados-nú- 
cleos das sete ou oito civilizações principais do mundo. Os sucessores 
de Reagan, Thatcher, Mitterrand e Kohl serão rivalizados pelos de Deng 
Xiaoping, Nakasone, Gandhi, Yeltsin, Khomeini e Suharto.|k era do 
predomínio do Ocidente terá acabado. Nesse meio tempo, o declínio do 
Ocidente e a ascensão de outros centros de poder está promovendo os 
processos globais de indigenização e do ressurgimento das culturas 
não-ocidentaisy) 

INDIGENIZAÇÃO: O RESSURGIMENTO DAS CULTURAS 
NÃO-OCIDENTAIS 

A distribuição das culturas pelo mundo reflete a distribuição do poder. 
O comércio pode ou não seguir a bandeira, mas a cultura quase sempre 
segue o poder. Através da História, a expansão do poder de uma 
civilização geralmente ocorreu ao mesmo tempo que o florescimento de 
sua cultura e quase sempre requereu dela usar seu poder para estender 
seus valores, práticas e instituições a outras sociedades. Uma civilização 
universal requer um poder universal. O poder romano criou uma 
civilização quase universal dentro dos espaços limitados do mundo 
clássico. O poder ocidental, sob a forma do colonialismo europeu do 
século XIX e da hegemonia norte-americana do século XX, estendeu a 
cultura ocidental por grande parte do mundo contemporâneo. O colo¬ 
nialismo europeu terminou; a hegemonia norte-americana está retro¬ 
cedendo. Segue-se a erosão da cultura ocidental, enquanto se reafirmam 
costumes, idiomas, crenças e instituições indígenas com raízes históricas. 
O crescente poder das sociedades não-ocidentais produzido pela moder¬ 


nização está gerando um renascimento das culturas não-ocidentais pelo 
mundo afora.* 

Joseph Nye sustentou que existe uma distinção entre “poder duro”, 
que é o poder de comandar apoiado na força econômica e militar, e o 
“poder suave”, que é a capacidade de um Estado de conseguir com que 
“outros países queiram o que ele quer” através de um apelo à sua cultura 
e ideologia. Como reconhece Nye, está ocorrendo no mundo uma ampla 
difusão de poder duro, e as principais nações “têm atualmente menos 
capacidade do que no passado para empregar seus meios de poder 
tradicionais a fim de atingir seus objetivos”. Nye prossegue dizendo que, 
se “a cultura e a ideologia [de um Estado] são atraentes, outros estarão 
mais do que dispostos a seguir” sua liderança e, assim sendo, o poder 
suave é “exatamente tão importante quanto o poder duro de comando”. 11 
Mas o que toma uma cultura e uma ideologia atraentes? Elas ficam 
atraentes quando são vistas como fundamentadas no sucesso material e 
na influência. O poder suave só é poder quando se apóia numa base de 
poder duro. Aumentos no poder duro econômico e militar produzem 
maior autoconfiança, arrogância e crença na superioridade da cultura 
própria ou do poder suave próprio, em comparação com os de outros 
povos, e aumentam grandemente a atração que exerce sobre outros 
povos. Decréscimos de poder econômico e militar conduzem à dúvida 
sobre si mesmo, a crises de identidade e a tentativas de encontrar em 
outras culturas as chaves para o êxito econômico, militar e político. À 
medida que sociedades não-ocidentais aumentam sua capacidade eco¬ 
nômica, militar e política, elas cada vez mais trombeteiam as virtudes de 
seus próprios valores, instituições e cultura. 

A ideologia comunista atraiu pessoas em todo o mundo nas décadas 
de 50 e 60, quando estava associada com o êxito econômico e o poderio 
militar da União Soviética. Essa atração se evaporou quando a economia 
soviética estagnou e se tornou incapaz de sustentar o poderio militar 
soviético. Os valores e as instituições ocidentais atraíram pessoas de 

* O vínculo entre poder e cultura é ignorado de modo quase universal por aqueles que 
sustentam que uma civilização universal está emergindo, como devia ser, e também por 
aqueles que sustentam que a ocidentalização é um pré-requisito para a modernização. Eles 
se recusam a admitir que a lógica de sua argumentação exige que eles apoiem a expansão e 
a consolidação do domínio ocidental do mundo, bem como que, se outras sociedades forem 
deixadas em liberdade para traçar seus próprios destinos, elas revigorarão seus velhos credos, 
hábitos e práticas, os quais, segundo os universalistas, são avessos ao progresso. Entretanto, 
as pessoas que defendem as virtudes de uma civilização universal geralmente não defendem 
as virtudes de um império universal. 






outras culturas porque eram vistos como a fonte do poder e da riqueza 
ocidentais. Esse processo vem se repetindo há séculos. Como assinala 
William McNeill, entre os anos 1000 e 1300, o Cristianismo, o Direito 
Romano e outros elementos da cultura ocidental foram adotados por 
húngaros, poloneses e lituanos, e essa “aceitação da civilização ocidental 
foi estimulada por um misto de medo e admiração da eficiência militar 
dos príncipes ocidentais”. 12 À medida que for declinando o poder 
ocidental, também irá declinando a capacidade do Ocidente de impor a 
outras civilizações as concepções ocidentais de direitos humanos, libe¬ 
ralismo e democracia, bem como declinará o poder de atração desses 
valores para outras civilizações. 

Isso já aconteceu. Durante vários séculos, os povos não-ocidentais 
invejaram a prosperidade econômica, a sofisticação tecnológica, o pode¬ 
rio militar e a coesão política das sociedades ocidentais. Eles buscaram 
o segredo desse sucesso nos valores e instituições ocidentais e, quando 
identificaram o que acharam que seria a chave, tentaram aplicá-lo em 
suas próprias sociedades. Para ficar ricos e poderosos, teriam que ficar 
como o Ocidente. Atualmente, porém, essas atitudes kemalistas desapa¬ 
receram na Ásia Oriental. Os asiáticos orientais atribuem seu estupendo 
desenvolvimento econômico não à importação por eles da cultura 
ocidental, mas sim à fidelidade à sua própria cultura. Eles argumentam 
que estão tendo êxito porque são diferentes do Ocidente. Analogamente, 
quando as sociedades não-ocidentais se sentiam fracas em relação ao 
Ocidente, invocavam os valores ocidentais de autodeterminação, de 
liberalismo, de democracia e de independência para justificar sua oposi¬ 
ção à dominação ocidental. Agora que não mais são fracos e sim cada 
vez mais poderosos, não hesitam em atacar esses mesmos valores que 
anteriormente usavam para promover seus interesses. A revolta contra o 
Ocidente era inicialmente legitimada através da afirmação da universali¬ 
dade dos valores ocidentais, mas agora ela é legitimada pela afirmação 
da superioridade dos valores não-ocidentais. 

O surgimento dessas atitudes é uma manifestação daquilo que 
Ronald Dore denominou de “o fenômeno da indigenização da segunda 
geração”. Tanto nas ex-colônias ocidentais como em países indepen¬ 
dentes como a China e o Japão, “a primeira geração ‘modernizadora’ ou 
‘pós-independência’ muitas vezes foi treinada em universidades es¬ 
trangeiras (ocidentais), num idioma ocidental cosmopolita. Em parte 
porque eles foram pela primeira vez ao exterior como adolescentes muito 
impressionáveis, sua absorção de valores e estilos de vida ocidentais pode 


» 


ser profunda”. A segunda geração, muito maior do que a primeira, ao 
contrário dessa, em sua maioria recebe sua educação em seus países de 
origem, em universidades criadas pela primeira geração, e o idioma local 
em vez do idioma colonial é cada vez mais utilizado no ensino. Essas 
universidades “proporcionam um contato muito mais diluído com a 
cultura mundial metropolitana” e “o conhecimento é indigenizado por 
meio de traduções — geralmente de amplitude limitada e de baixa 
qualidade”. Os formados por essas universidades têm ressentimento do 
predomínio da geração anterior, de formação ocidental e, em conseqüên- 
cia, freqüentemente “sucumbem aos chamamentos de movimentos de 
oposição nativistas”. 1 ^ À medida que a influência ocidental se reduz, 
jovens líderes com aspirações não podem voltar-se para o Ocidente em 
busca de poder e riqueza. Eles têm que encontrar os meios de ter êxito 
dentro de sua própria sociedade e, por conseguinte, têm que se acomodar 
aos valores e à cultura dessa sociedade. 

O processo de indigenização não precisa esperar pela segunda 
geração. Líderes da primeira geração que sejam capazes, com dons de 
percepção e de adaptação, se indigenizam por iniciativa própria. Três 
exemplos notáveis são Mohammad Ali Jinnah, Harry Lee e Solomon 
Bandaranaike. Eles se formaram com brilho em Oxford, Cambridge e 
Lincoln’s Inn, respectivamente, foram excelentes advogados e membros 
completamente ocidentalizados das elites de suas sociedades. Jinnah era 
um secularista convicto. Lee era, nas palavras de um ministro de um 
Gabinete britânico, “o melhor danado dum inglês a leste de Suez”. 
Bandaranaike foi criado como cristão. No entanto, para liderar suas 
nações rumo à independência e depois dela, eles tinham que se 
indigenizar. Eles reverteram para suas culturas ancestrais e, nesse proces¬ 
so, em algumas ocasiões mudaram de identidades, nomes, forma de vestir 
e crenças. O advogado inglês M. A. Jinnah tomou-se Quaid-i-Azam do 
Paquistão, Harry Lee passou a ser Lee Kuan Yew. O secularista Jinnah 
tomou-se o apóstolo fervoroso do Islã como a base para o Estado 
paquistanês. O anglicizado Lee aprendeu mandarim e tomou-se um 
propagandista articulado do Confucionismo. O cristão Bandaranaike se 
converteu ao Budismo e invocou o nacionalismo cingalês. 

A indigenização passou a ser a ordem do dia em todo o mundo 
não-ocidental nas décadas de 80 e 90. O ressurgimento do Islã e a 
“reislamização” são os temas centrais das sociedades muçulmanas. Na 
índia, prevalece a tendência à rejeição das formas e valores ocidentais e 
à “hinduização” da política e da sociedade. Na Ásia Oriental, os governos 


estão promovendo o Confucionismo, e líderes políticos e intelectuais 
falam da “asianização” de seus países. Em meados da década de 80, o 
Japão ficou obcecado com a “Nihonjinron, ou a teoria do Japão e os 
japoneses”. Posteriormente, um intelectual japonês argumentou que, 
historicamente, o Japão passou por "ciclos de importação de culturas 
externas” e "de ‘indigenização’ dessas culturas através da reprodução e 
do refinamento, com um inevitável tumulto resultante da exaustão do 
impulso importado e criativo, e acabando por reabrir-se para o mundo 
exterior”. Atualmente, o Japão está “embarcando na segunda fase desse 
ciclo”. 14 

Com o fim da Guerra Fria, a Rússia tornou-se novamente um país 
"dividido”, com o ressurgimento da clássica luta entre os ocidentalizado- 
res e o eslavófilos. Durante uma década, porém, a tendência foi dos 
primeiros para os últimos, com o ocidentalizado Gorbachev cedendo 
lugar para Yeltsin, russo pelo estilo, ocidental nas suas crenças articuladas 
e que, por sua vez, era ameaçado por Zhirinovsky e outros nacionalistas, 
que personificavam a síntese da indigenização russa ortodoxa. 

A indigenização é beneficiada pelo paradoxo da democracia: a 
adoção pelas sociedades não-ocidentais das instituições democráticas 
incentiva e dá acesso ao poder a movimentos nativistas e antiocidentais. 
Nas décadas de 60 e 70, governos ocidentalizados e pró-Ocidente em 
países em desenvolvimento foram ameaçados por golpes e revoluções; 
nas décadas de 80 e 90, o perigo cada vez maior para eles é o de serem 
afastados através de eleições. A democratização entra em conflito com a 
ocidentalização e a democracia é, de forma inerente, um processo de 
provincianização e não de cosmopolitização. Nas sociedades não-oci¬ 
dentais, os políticos não ganham eleições demonstrando o quanto são 
ocidentais. Pelo contrário, a competição eleitoral os incentiva a compor 
sua plataforma com os elementos que eles acham que serão mais 
populares, e estes geralmente são de natureza étnica, nacionalista e 
religiosa. 

O resultado disso é uma mobilização popular contra as elites de 
formação e orientação ocidentais. Os grupos fundamentalistas islâmicos 
saíram-se bem nas poucas eleições que foram realizadas em países 
muçulmanos e teriam chegado ao poder na Argélia se os militares não 
tivessem cancelado as eleições de 1992. Na índia, pode-se considerar 
que a disputa pelo apoio eleitoral estimulou apelos comunitários e 
violência comunitária. 15 Em Sri Lanka, a democracia possibilitou ao 
Partido da Liberdade de Sri Lanka afastar, em 1956, o Partido Nacional 


i 


Unido, elitista e de orientação ocidental, e criou a oportunidade para a 
ascensão, na década de 80, do movimento nacionalista cingalês Pathika 
Chintanaya. Antes de 1949, as elites tanto sul-africanas como ocidentais 
viam a África do Sul como um Estado ocidental. Depois da implantação 
do regime do apartheid , as elites ocidentais passaram, pouco a pouco, 
a enxergar a África do Sul como estando fora do campo ocidental, 
enquanto que os sul-africanos brancos continuaram a se considerar como 
ocidentais. Entretanto, para reassumirem seu lugar na ordem internacio¬ 
nal ocidental, tiveram que introduzir instituições democráticas ocidentais, 
que resultaram na chegada ao poder de uma elite negra altamente 
ocidentalizada. Contudo, se funcionar o fator da indigenização da 
segunda geração, seus sucessores terão uma visão muito mais xossa, zulu 
e africana, e a África do Sul irá cada vez mais definir-se como um Estado 
africano. 

Em diversas épocas antes do século XIX, os bizantinos, os árabes, 
os chineses, os mogóis e os russos tinham enorme confiança no seu 
poderio e nas suas realizações em comparação com o Ocidente. Nessas 
épocas, eles também sentiam desprezo pela inferioridade cultural, atraso 
institucional, corrupção e decadência do Ocidente. À medida que os 
êxitos do Ocidente se desvanecerem em termos relativos, essas atitudes 
tenderão a aparecer. O aumento de poder traz o aumento da confiança 
cultural. As pessoas sentem que “não precisam mais agüentar isso”. O 
Irã é um caso extremo, porém, como assinalou um observador, “os 
valores ocidentais são rejeitados de maneiras diferentes, mas com a 
mesma firmeza, na Malásia, Indonésia, Singapura, China e Japão”.^ Nós 
estamos testemunhando “o fim da era progressista”, dominada pelas 
ideologias ocidentais, e estamos ingressando numa era na qual civiliza¬ 
ções múltiplas e diversas irão interagir, competir, coexistir e se acomodar 
umas com as outras. 17 Esse processo global de indigenização se manifesta 
de forma ampla no renascimento de religiões que está ocorrendo em 
tantas partes do mundo e, de modo mais específico, no ressurgimento 
cultural nos países asiáticos e islâmicos, gerado em parte por seu 
dinamismo econômico e demográfico. 


La Revanche de Dieu 

Na primeira metade do século XX, as elites intelectuais pressupunham, 
de forma geral, que a modernização econômica e social estava levando 
ao fenecimento da religião como elemento importante da existência 




humana. Essa pressuposição era partilhada pelos que viam essa tendência 
com agrado e pelos que a deploravam. Os secularistas modernizadores 
aplaudiam o grau com que a ciência, o racionalismo e o pragmatismo 
estavam eliminando as superstições, os mitos, as irracionalidades e os 
rituais que constituíam o cerne das religiões existentes. A sociedade que 
estava emergindo iria ser tolerante, racional, pragmática, progressista, 
humanística e secular. Os conservadores preocupados, por seu lado, 
alertavam sobre as graves conseqüências do desaparecimento das cren¬ 
ças religiosas, das instituições religiosas e da orientação moral que a 
religião dava para o comportamento humano individual e coletivo. O 
resultado final seria a anarquia, a depravação e o solapamento da vida 
civilizada. T. S. Elliot disse: “Se você não quiser ter Deus (e Ele é um 
Deus ciumento); você terá de render homenagens a Hitler ou a Stalin.” 18 

A segunda metade do século XX provou que essas esperanças e 
esses receios não tinham fundamento. A modernização econômica e 
social assumiu uma amplitude global e, ao mesmo tempo, produziu-se 
uma revitalização global da religião. Essa revitalização, que Gilles Kepel 
chamou de la revanche de Dieu , espalhou-se por todos os continentes, 
todas as civilizações e praticamente todos os países. Em meados da 
década de 70, como observa Kepel, a tendência à secularização e a um 
direcionamento rumo à acomodação da religião com o secularismo 
“passou a andar de marcha à ré. Formou-se um novo enfoque religioso, 
que visava não mais a se adaptar aos valores seculares, mas sim a 
recompor alicerces sagrados para a organização da sociedade — mudan¬ 
do ela própria se fosse preciso. Expresso numa variedade de formas, esse 
enfoque advogava o afastamento de um modernismo que tinha fracas¬ 
sado, atribuindo seus reveses e becos sem saída ao distanciamento de 
Deus. O tema não era mais o aggiomamento , mas sim uma ‘segunda 
evangelização da Europa’, a meta não era mais modernizar o Islã, mas 
sim ‘islamizar a modernidade’”. 19 

Essa revitalização religiosa envolveu em parte a expansão de 
algumas religiões, que conquistaram novos recrutas em sociedades nas 
quais não os tinham tido anteriormente. Entretanto, num grau muito 
maior, o ressurgimento religioso redundou em que as pessoas voltassem 
para as religiões tradicionais de suas comunidades, revigorando e dando 
novo significado a essas mesmas religiões. O Cristianismo, o Islamismo, 
o Judaísmo, o Hinduísmo, o Budismo, a Ortodoxia, todos tiveram novos 
surtos de engajamento, de relevância e de prática por fiéis que, até então, 
eram apenas praticantes ocasionais. Em todas essas religiões, surgiram 


i 




movimentos fundamentalistas dedicados à purificação militante das 
doutrinas e das instituições religiosas, bem como à reformulação do 
comportamento pessoal, social e governamental de acordo com os 
preceitos religiosos. Os movimentos fundamentalistas são espetaculares 
e podem ter um impacto político significativo. Não obstante, eles são 
apenas ondas da maré religiosa, muito mais ampla e mais fundamental, 
que está dando um formato diferente à vida humana no final do século 
XX. A renovação da religião pelo mundo afora transcende em muito as 
atividades dos extremistas fundamentalistas. Ela se manifesta, em todas 
as sociedades, na vida e no trabalho quotidiano das pessoas e nas 
preocupações e projetos dos governos. O ressurgimento cultural, que na 
cultura secular confuciana assume a forma da afirmação dos valores 
asiáticos, no resto do mundo se manifesta pela afirmação dos valores 
religiosos. Como observou George Weigel, a “dessecularização do mun¬ 
do é um dos fatores sociais preponderantes na parte final do século XX”. 20 

A ubiqüidade e relevância da religião ficaram evidenciadas de forma 
impressionante nos ex-Estados comunistas. Esses países, da Albânia ao 
Vietnã, foram varridos por uma revitalização religiosa, que preencheu o 
vácuo deixado pelo desmoronamento da ideologia. Na Rússia, a Orto¬ 
doxia passou por um grande ressurgimento. Em 1994, 30 por cento dos 
russos com menos de 25 anos de idade disseram que tinham passado do 
ateísmo para a fé em Deus. O número de igrejas em funcionamento na 
área de Moscou aumentou de 50 em 1988 para 250 em 1993. Os líderes 
políticos passaram, de modo uniforme, a demonstrar respeito pela 
religião, e o governo passou a dar-lhe apoio. Como um observador arguto 
relatou em 1993, nas cidades russas “o som dos sinos das igrejas voltou 
a encher o ar. Cúpulas recém-pintadas de dourado brilham sob a luz do 
sol. Igrejas que até há pouco tempo estavam em ruínas voltam a 
reverberar com cânticos magníficos. As igrejas são os locais mais movi¬ 
mentados da cidade”. 21 Simultaneamente com a revitalização da Ortodo¬ 
xia nas repúblicas eslavas, uma revitalização islâmica varreu a Ásia 
Central. Em 1989, havia na Ásia Central 160 mesquitas e um medressah 
(seminário islâmico); ao começar o ano de 1993, havia cerca de 10 mil 
mesquitas e 10 medressahs. Embora essa revitalização envolvesse alguns 
movimentos políticos fundamentalistas e fosse estimulada de fora pela 
Arábia Saudita, Irã e Paquistão, ela consistiu essencialmente de um 
movimento cultural de maiorias, com uma base extremamente ampla. 22 

Como se pode explicar esse ressurgimento religioso mundial? 
Obviamente, houve causas especiais em países e civilizações considera- 






dos individualmente. Entretanto, é esperar demais achar que um número 
elevado de causas diferentes tivesse produzido desdobramentos simul¬ 
tâneos e análogos na maioria das partes do mundo. Um fenômeno global 
exige uma explicação global. Por mais que os acontecimentos em países 
determinados possam ter sido influenciados por fatores únicos, deve ter 
havido algumas causas gerais. Quais foram elas? 

A causa mais óbvia, mais visível e mais poderosa do ressurgimento 
religioso global é precisamente aquilo que deveria ter causado a morte 
da religião: os processos de modernização social, econômica e cultural 
que cobriram o mundo na segunda metade do século XX. Antigas fontes 
de identidade e antigos sistemas de autoridade foram destroçados. As 
pessoas se transferiram do campo para a cidade, ficaram separadas de 
suas raízes e assumiram novos empregos ou ficaram desempregadas. Elas 
interagiram com grande número de estranhos e ficaram expostas a novos 
conjuntos de relacionamentos. Precisaram de novas fontes de identidade, 
novas formas de comunidade estável e novos conjuntos de preceitos 
morais para dar-lhes alguma sensação de relevância e de propósitos. A 
religião, tanto a da corrente principal como a fundamentalista, atende a 
essas necessidades. Como explicou Lee Kuan Yew referindo-se à Ásia 
Central: 

Nós somos sociedades agrícolas que se industrializaram no espaço de 
uma ou duas gerações. O que aconteceu no Ocidente no curso de 200 
anos ou mais, está acontecendo aqui em cerca de 50 anos ou menos. 

Está tudo apertado e comprimido numa moldura cronológica muito 
estreita, de modo que se tenderá a ter perturbações e disfunções. 
Quando se olha para os países que estão crescendo rapidamente — 
Coréia, Tailândia, Hong Kong e Singapura —, constata-se que houve um 
único fenômeno notável: a ascensão da religião. (...) Os antigos 
costumes e religiões — adoração dos antepassados, xamanismo — já 
não satisfazem completamente. Há uma busca por certas explicações 
mais elevadas sobre os propósitos do Homem, sobre por que estamos 
aqui. Isso está ligado a períodos de grande tensão na sociedade. 2 ^ 

As pessoas não vivem apenas em função da razão. Elas não podem 
fazer cálculos e agir de forma racional na busca de seus próprios 
interesses até que definam suas próprias personalidades. A política de 
interesses pressupõe a identidade. Em épocas de mudanças sociais 
rápidas, as identidades estabelecidas se desfazem, a personalidade 
precisa ser redefinida e novas identidades precisam ser criadas. As 
questões de identidade têm precedência sobre questões de interesse. As 
pessoas se defrontam com a necessidade de determinar: quem sou eu? 


Onde me encaixo? A religião fornece respostas atraentes e os grupos 
religiosos oferecem pequenas comunidades sociais para substituir as que 
se perderam em função da urbanização. Hassan Al-Turabi comentou que 
todas as religiões dão “às pessoas uma sensação de identidade e de rumo 
na vida”. Nesse processo, elas também redescobrem ou criam novas 
identidades históricas. Quaisquer que sejam as metas universalistas que 
possam ter as pessoas, as religiões lhes dão uma identidade ao es¬ 
tabelecer uma distinção básica entre crentes e não-crentes, entre um 
grupo “de dentro”, superior, e um grupo “de fora”, diferente e inferior. 24 

Bemard Lewis sustenta que, no mundo muçulmano, tem havido, 
“em períodos de emergência, uma repetida tendência entre os muçulma¬ 
nos de encontrar sua identidade e lealdade básicas na comunidade 
religiosa — ou seja, numa entidade definida mais pelo Islamismo do que 
por critérios técnicos ou territoriais”. Gilles Kepel ressalta, de modo 
análogo, a centralidade da busca de uma identidade: “A reislamização 
‘de baixo para cima’ é, antes de mais nada, um meio de reconstruir uma 
identidade num mundo que perdeu seu sentido e se tornou amorfo e 
alienante.” 25 Na índia, “uma nova identidade hindu está sendo cons¬ 
truída” em resposta às tensões e alienações geradas pela modernização. 2 ^ 
Na Rússia, a revitalização religiosa é o resultado de “um desejo apaixo¬ 
nado por uma identidade que somente a Igreja Ortodoxa, o único vínculo 
ininterrupto com o passado de mil anos dos russos, é capaz de propor¬ 
cionar”, enquanto que, nas repúblicas islâmicas, a revitalização provém 
“da mais forte aspiração dos centro-asiáticos: a afirmação de suas 
identidades, suprimidas por Moscou durante décadas”. 27 Os movimentos 
fundamentalistas, em especial, são “uma maneira de lidar com a expe¬ 
riência do caos, da perda de identidade, de sentido e de estruturas sociais 
seguras, criadas pela introdução rápida de políticas e padrões sociais 
modernos, secularismo, cultura científica e desenvolvimento econômi¬ 
co”. William H. McNeill concorda com que “os movimentos funda¬ 
mentalistas que têm importância (...) são aqueles que fazem seu recru¬ 
tamento na sociedade em geral e que se espalham porque respondem, 
ou parecem responder, às necessidades humanas recém-percebidas. (...) 
Não é por acaso que esses movimentos estão todos baseados em países 
nos quais a pressão populacional sobre a terra está tomando impossível 
para a maioria da população manter a continuidade dos antigos hábitos 
das cidadezinhas, e nos quais os meios de comunicação de massa, ao 
penetrar nas cidadezinhas, começaram a corroer uma estrutura muito 
antiga da vida do campo”. 28 


11 Q 


119 





De modo mais amplo, o ressurgimento religioso em todo o mundo 
é uma reação contra o secularismo, o relativismo moral e a auto-in¬ 
dulgência, bem como uma reafirmação dos valores de ordem, disciplina, 
trabalho, auxílio mútuo e solidariedade humana. Os grupos religiosos 
satisfazem necessidades sociais deixadas carentes pelas burocracias do 
Estado. Dentre elas se incluem a prestação de serviços médico-hos¬ 
pitalares, jardins de infância e escolas, assistência aos idosos, socorro 
imediato em terremotos e outras catástrofes e assistência social durante 
períodos de privação econômica. O colapso da ordem e da sociedade 
civil cria vácuos que são às vezes preenchidos por grupos religiosos, 
freqüentemente fundamentalistas. 29 

Quando as religiões tradicionalmente dominantes não satisfazem as 
necessidades emocionais e sociais dos desarraigados, outros grupos 
religiosos se apresentam para fazê-lo e, nesse processo, aumentam muito 
a quantidade de seguidores e a proeminência da religião na vida social 
e política. A Coréia do Sul foi, historicamente, um país predominante¬ 
mente budista, com os cristãos totalizando, em 1950, talvez de um a três 
por cento da população. À medida que a Coréia do Sul deslanchou num 
desenvolvimento econômico acelerado, com uma urbanização maciça e 
grande diferenciação ocupacional, o Budismo passou a deixar a desejar. 
“Para os milhões de pessoas que se despejaram nas cidades e para muitas 
que permaneceram onde estavam, na zona rural alterada, o Budismo 
quiescente do período agrário coreano perdeu sua capacidade de 
atração. O Cristianismo, com sua mensagem de salvação pessoal e destino 
individual, oferecia maior conforto e segurança numa época de confusão 
e mudanças.” 30 Ao se chegar aos anos 80, os cristãos, na sua maioria 
presbiterianos e católicos, constituíam pelo menos 30 por cento da 
população sul-coreana. 

Uma alteração semelhante e paralela ocorreu na América Latina. O 
número de protestantes na América Latina aumentou de aproximadamen¬ 
te sete milhões em 1960 para cerca de 50 milhões em 1990. Os bispos 
católicos latino-americanos reconheceram em 1989 que, dentre as razões 
para tal êxito, estavam a “lentidão com que ta Igreja Católica] está se 
adaptando às tecnicalidades da vida urbana” e “sua estrutura, que às 
vezes a toma incapaz de responder às necessidades psicológicas das 
pessoas dos dias atuais”. Um sacerdote brasileiro observou que, ao 
contrário da Igreja Católica, as igrejas protestantes atendem “às neces¬ 
sidades básicas da pessoa — calor humano, cura espiritual, uma profunda 
experiência espiritual”. A disseminação do Protestantismo no meio dos 

120 




pobres na América Latina não consiste, basicamente, na substituição de 
uma religião por outra, mas sim num aumento líquido importante de 
engajamento e participação religiosos à medida que católicos passivos, 
católicos só no nome, se tornam evangélicos ativos e fervorosos. Assim, 
por exemplo, no Brasil, no início dos anos 90, 20 por cento da população 
se identificavam como protestantes e 73 por cento como católicos. No 
entanto, aos domingos, 20 milhões de pessoas estavam em igrejas 
protestantes e cerca de 12 milhões estavam em igrejas católicas. 31 Tal 
como as demais religiões mundiais, o Cristianismo está passando por um 
ressurgimento ligado à modernização e, na América Latina, ele assumiu 
mais a feição protestante do que a católica. 

Essas mudanças na Coréia do Sul e na América Latina refletem a 
incapacidade do Budismo e do Catolicismo tradicionais de atender às 
necessidades psicológicas, emocionais e sociais das pessoas colhidas 
pelos traumas da modernização. Se vão ocorrer em outros lugares 
alterações importantes em termos de observância religiosa, isso depen¬ 
derá do grau com que a religião predominante seja capaz de satisfazer 
a essas necessidades. Dada sua aridez emocional, o Confucionismo 
poderia ser especialmente vulnerável. Nos países confucianos, o Protes¬ 
tantismo e o Catolicismo poderíam exercer uma atração semelhante à 
que tem o Protestantismo evangélico para os latino-americanos, o 
Cristianismo para os sul-coreanos e o fundamentalismo para os muçul¬ 
manos e hindus. Na China, no final dos anos 80, enquanto o crescimento 
econômico estava a pleno vapor, o Cristianismo também se espalhou, 
“especialmente entre os jovens”. Talvez 50 milhões de chineses sejam 
cristãos. O governo tentou impedir que esse número crescesse, pondo 
na prisão pastores, missionários e evangelizadores, proibindo e reprimin¬ 
do cerimônias e atividades religiosas, e aprovando, em 1994, uma lei que 
proíbe os estrangeiros de fazerem proselitismo ou de criarem escolas 
religiosas ou outras organizações religiosas, e proíbe que grupos religio¬ 
sos se dediquem a atividades independentes ou financiadas do exterior. 
Em Singapura, como na China, cerca de cinco por cento da população 
são cristãos. No final da década de 80 e no início da de 90, ministros do 
governo singapuriano advertiram os evangelizadores para que não 
perturbassem “o delicado equilíbrio religioso” do país, detiveram ativistas 
religiosos, inclusive funcionários de organizações católicas, e hostilizaram 
de diversas maneiras grupos e indivíduos cristãos. 32 Com o término da 
Guerra Fria e as aberturas que se seguiram, as igrejas ocidentais também 
ingressaram nas ex-repúblicas soviéticas ortodoxas, competindo com as 

101 






igrejas ortodoxas revitalizadas. Nesses lugares, tal como na China, 
também foi feita uma tentativa de se cercear seu proselitismo. Em 1993, 
por insistência da Igreja Ortodoxa, o Parlamento russo aprovou legislação 
que exige que grupos religiosos estrangeiros sejam credenciados pelo 
Estado ou se filiem a uma organização religiosa russa a fim de poderem 
se dedicar a atividades missionárias ou de ensino. Entretanto, o presiden¬ 
te Yeltsin recusou-se a sancionar o projeto, que assim não se transformou 
em lei. 33 De forma geral, constata-se que, sempre que houve um conflito, 
la revanche de Dieu ganhou da indigenização: caso as necessidades 
religiosas da modernização não possam ser satisfeitas por suas crenças 
tradicionais, as pessoas se voltam para importações religiosas que 
proporcionem satisfação emocional. 

Além dos traumas psicológicos, emocionais e sociais da moderni¬ 
zação, dentre outros fatores que estimulam a revitalização religiosa 
encontram-se o recuo do Ocidente e o fim da Guerra Fria. A partir do 
século XIX, de forma geral, as reações das civilizações não-ocidentais 
ao Ocidente foram passando por uma série de ideologias importadas 
do Ocidente. No século XIX, as elites não-ocidentais absorveram os 
valores liberais ocidentais, e suas primeiras manifestações de oposição 
ao Ocidente assumiram a forma de nacionalismo liberal. No século 
XX, o socialismo e o marxismo foram importados, adaptados às 
condições e finalidades locais e combinados com o nacionalismo em 
oposição ao imperialismo ocidental. Na Rússia, na China e no Vietnã, o 
marxismo-leninismo foi desenvolvido, adaptado e utilizado para desafiar 
o Ocidente. O colapso do comunismo na União Soviética, sua profunda 
modificação na China e o fracasso das economias socialistas que não 
conseguiram atingir um desenvolvimento sustentado criaram o atual 
vácuo ideológico. Governos ocidentais, grupos e instituições interna¬ 
cionais, como o FMI e o Banco Mundial, tentaram preencher esse 
vácuo com as doutrinas da economia neo-ortodoxa e da política 
democrática. É incerto o grau em que essas doutrinas produzirão um 
impacto duradouro nas culturas não-ocidentais. Enquanto isso, porém, 
as pessoas vêem o comunismo como apenas o mais recente deus 
secular que fracassou e, na ausência de novas divindades seculares 
atraentes, voltam-se com alívio e paixão para o que é religião de verdade. 
A religião toma o lugar da ideologia e o nacionalismo religioso substitui 
o nacionalismo secular. 34 

Os movimentos de revitalização religiosa são anti-seculares, anti- 
universais e, com exceção de suas manifestações cristãs, antiocidentais. 



Além disso, se opõem ao relativismo, ao egoísmo e ao consumismo, 
associados com o que Bruce B. Lawrence denominou de “modernismo” 
em contraste com “modernidade”. De forma geral, eles não rejeitam a 
urbanização, a industrialização, o desenvolvimento, o capitalismo, a 
ciência e a tecnologia, e o que isso implica para a organização da 
sociedade. Nesse sentido, eles não são antimodemos. Como observa Lee 
Kuan Yew, eles aceitam a modernização e a “inevitabilidade da ciência 
e da tecnologia e as mudanças que elas trazem para os estilos de vida”, 
porém não são “receptivos à idéia de serem ocidentalizados”. Al-Turabi 
sustenta que nem o nacionalismo nem o socialismo produziram desen¬ 
volvimento no mundo islâmico. Entretanto, “a religião é o motor do 
desenvolvimento”, e um Islã purificado desempenhará, na idade contem¬ 
porânea, um papel comparável ao da ética protestante na História do 
Ocidente. Tampouco a religião é incompatível com o desenvolvimento 
de um Estado moderno. 35 Os movimentos fundamentalistas islâmicos 
têm se mostrado vigorosos nas sociedades muçulmanas mais avançadas 
e aparentemente mais seculares, como Argélia, Irã, Egito, Líbano e 
Tunísia. 3é Os movimentos religiosos, inclusive os que são particularmen¬ 
te fundamentalistas, são altamente competentes na utilização das comu¬ 
nicações e técnicas organizacionais modernas para difundir sua mensa¬ 
gem, o que é ilustrado de modo muito espetacular pelo êxito do 
televangelismo protestante na América Central. 

Os participantes do ressurgimento religioso provêm de todos os 
níveis sociais, porém, de forma majoritária, vêm de duas clientelas, ambas 
urbanas e móveis. Os que migraram há pouco tempo para as cidades 
geralmente necessitam de apoio e orientação emocional, social e material, 
que os grupos religiosos têm mais condições de proporcionar do que 
qualquer outra fonte. Como diz Régis Debray, para eles a religião não é 
“o ópio do povo, mas sim a vitamina dos fracos”. 37 A outra clientela 
principal é a nova classe média, que personifica o “fenômeno da 
indigenização da segunda geração” de que fala Dore. Como Kepel 
assinala, os ativistas dos grupos fundamentalistas islâmicos não são 
“conservadores idosos nem camponeses analfabetos”. Eles são predomi¬ 
nantemente jovens, com bom nível de instrução, freqüentemente da 
primeira geração de suas famílias a cursar universidade ou escola técnica, 
e trabalham como médicos, advogados, engenheiros, técnicos, cientistas, 
professores, funcionários públicos e militares 38 Entre os muçulmanos, 
os jovens são religiosos e seus pais seculares. Muito disso acontece com 
o Hinduísmo, no qual os líderes de movimentos de revitalização também 


19* 


provêm da segunda geração indigenizada e freqüentemente são “homens 
de negócios e administradores bem-sucedidos”, rotulados pela imprensa 
indiana como “ scuppies f — yuppies com mantos cor de laranja. No início 
dos anos 90, os que apoiavam esses movimentos eram, cada vez mais, 
“hindus da sólida classe média indiana — comerciantes e contadores, 
advogados e engenheiros” — e “funcionários públicos, intelectuais e 
jornalistas experientes”. 39 Na Coréia do Sul, os mesmos tipos de pessoas 
encheram progressivamente as igrejas católicas e presbiterianas durante 
os anos 60 e 70. 

A religião, autóctone ou importada, proporciona os meios e o rumo 
para as elites emergentes nas sociedades que se estão modernizando. 
Ronald Dore observou que “a atribuição de valor a uma religião 
tradicional é uma reivindicação de paridade de respeito afirmada contra 
outras nações ‘dominantes’ e, muitas vezes, de modo simultâneo e mais 
imediato, contra a classe dominante local, que abraçou os valores e estilos 
de vida dessas outras nações dominantes”. William McNeill observa que, 
“mais do que nada, a reafirmação do Islã, independentemente da forma 
sectária, representa o repúdio à influência européia e norte-americana 
sobre a sociedade, a política e a moral locais”. 40 Nesse sentido, a 
revitalização das religiões não-ocidentais é a mais forte manifestação de 
antiocidentalismo nas sociedades não-ocidentais. Essa revitalização não 
é uma rejeição da modernidade, mas sim uma rejeição do Ocidente e da 
cultura secular, relativista e degenerada, associada com o Ocidente. É 
uma rejeição do que se denominou a “ocidentalização” das sociedades 
não-ocidentais. É uma declaração de independência cultural em relação 
ao Ocidente, uma declaração altiva de que “nós seremos modernos, mas 
não seremos vocês”. 


124 



Capítulo 5 

Economia, Demografia 
e as Civilizações Desafiadoras 


A indigenização e a revitalização da religião são fenômenos globais. 
Entretanto, eles são mais nítidos na afirmação cultural e nos 
desafios ao Ocidente que têm vindo da Ásia e do Islã. Em ambos 
estão as civilizações mais dinâmicas do último quarto do século XX. O 
desafio islâmico se evidencia no amplo ressurgimento cultural, social e 
político do Islamismo no mundo muçulmano e na rejeição paralela dos 
valores e instituições ocidentais. O desafio asiático se manifesta em todas 
as civilizações da Ásia Oriental — sínica, japonesa, budista e muçul¬ 
mana — > enfatiza suas diferenças culturais do Ocidente e, às vezes, os 
aspectos em comum que elas compartilham, freqüentemente identifica¬ 
dos com o Confucionismo. Tanto os asiáticos como os muçulmanos 
ressaltam a superioridade de suas culturas em relação à cultura ocidental. 
Por contraste, os povos de outras civilizações não-ocidentais — hindu, 
ortodoxa, latino-americana, africana — podem afirmar o caráter próprio 
de suas culturas, porém, ao se chegar a meados dos anos 90, hesitavam 
em proclamar sua superioridade sobre a cultura ocidental. A Ásia e o 
Islã, às vezes juntos, ficam isolados nos desafios que contrapõem ao 
Ocidente. 

Por trás desses desafios, existem causas relacionadas entre si, porém 
diferentes. A disposição afirmativa da Ásia se fundamenta no crescimento 
econômico, enquanto que a do Islã provém, em grande parte, da 
mobilização social e do crescimento populacional. Cada um desses 


125 





desafio s, ao se entrar no século XXI, está tendo e continuará a ter um 
impacto altamente desestabilizador sobre a política mundial. Entretanto, 
a natureza desses impactos difere de maneira significativa. O desenvol¬ 
vimento econômico da China e de outras sociedades asiáticas dá aos 
respectivos governos tanto os estímulos como os recursos para serem 
mais exigentes em seus relacionamentos com outros países. O crescimen¬ 
to populacional nos países muçulmanos, e em especial a expansão das 
coortes de 15 a 25 anos de idade, proporcionam a massa de recrutamento 
para o fundamentalismo, o terrorismo, a subversão e a migração. O 
crescimento econômico fortalece os governos asiáticos; o crescimento 
populacional cria uma ameaça para os governos muçulmanos e para as 
sociedades não-muçulmanas. 


T 


i 


A Afirmação Asiática 

O desenvolvimento econômico da Ásia Oriental é um dos desdobramen¬ 
tos mais importantes do mundo na segunda metade do século XX. Esse 
processo começou no Japão, na década de 50, e durante algum tempo 
pensou-se que o Japão era uma grande exceção: um país não-ocidental, 
que tinha tido êxito em se modernizar e em se tomar economicamente 
desenvolvido. Entretanto, o processo de desenvolvimento econômico se 
estendeu aos Quatro Tigres (Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul, Singa¬ 
pura) e depois para a China, Malásia, Tailândia e Indonésia, e está se 
firmando nas Filipinas, na índia e no Vietnã. Muitas vezes, esses países 
mantiveram, durante uma década ou mais, taxas médias de crescimento 
anual de oito a 10 por cento, ou mais. Verificou-se uma expansão 
igualmente espetacular do comércio internacional entre a Ásia e o resto 
do mundo primeiro e, depois, dentro da Ásia. Esse desempenho econô¬ 
mico asiático contrasta de maneira impressionante com o modesto 
crescimento das economias européia e norte-americana, bem como com 
a estagnação que se espalhou por grande parte do resto do mundo. 

Portanto, a exceção não é mais apenas o Japão e sim, cada vez 
mais, toda a Ásia. A identificação da riqueza com o Ocidente e do 
subdesenvolvimento com o não-Ocidente não sobreviverá ao século XX. 
A velocidade dessa transformação tem sido avassaladora. Como assinalou 
Kishore Mahbubani, a Grã-Bretanha levou 58 anos e os Estados Unidos 
47 para dobrarem sua produção per capita, porém o Japão o fez em 33 
anos, a Indonésia, em 17, a Coréia do Sul, em 11 e a China, em 10. No 
momento atual, como vimos, a segunda e a terceira maiores economias 

126 



Figura 5.1 

0 Desafio Econômico: a Ásia e o Ocidente 



1970 1975 1980 1985 1990 1993 


—•— USA —*— Tigres Japão —-f— China —o— Europa 

Fonte: Banco Mundial, World Tables 1995, 1991 (Balftnore: Johns Hopkins University Press, 1995, 1991); 
Diretoria-geral de Orçamento, Contabilidade e Estatísticas, República da China, Statistical Abstract of National 
Income, Taiwan Area, Republic of Orna, 1991-1995 (1995). Nota: As representações dos dados são as médias 
ponderadas de três anos. 

do mundo são asiáticas. A economia chinesa cresceu a taxas anuais que 
ficaram, em média, em oito por cento durante a década de 80 e a primeira 
metade da de 90, com os Tigres logo atrás (ver Figura 5.1). Segundo 
declarou o Banco Mundial em 1993, a “Área Econômica Chinesa” tinha 
se transformado no “quarto pólo de crescimento” do mundo, juntamente 
com os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha. Com a segunda e a terceira 
maiores economias do mundo nos anos 90, é provável que, ao se chegar 
a 2020, a Ásia tenha quatro das cinco maiores economias do mundo e 
sete se tomarmos as 10 maiores. Provavelmente também será asiática a 
maioria das economias mais competitivas. 1 Mesmo que os níveis asiáticos 
de crescimento econômico se estabilizem antes e de forma mais abrupta 
do que o esperado, as conseqüências do crescimento que já ocorreu são 
imensas tanto para a Ásia como para o resto do mundo. 

O desenvolvimento econômico da Ásia Oriental está alterando o 
equilíbrio de poder entre ela e o Ocidente, mais especificamente entre 
ela e os Estados Unidos. O desenvolvimento econômico bem-sucedido 
gera autoconfiança e disposição afirmativa por parte daqueles que o 


127 





geram e dele se beneficiam. A riqueza, como o poder, é vista como prova 
de virtude, como demonstração de superioridade moral e cultural. À 
medida que se tornaram mais bem-sucedidos economicamente, os 
asiáticos orientais não hesitaram em realçar o caráter próprio da sua 
cultura e alardear a superioridade dos seus valores e do seu estilo de 
vida em comparação com os do Ocidente e de outras sociedades. As 
sociedades asiáticas estão cada vez menos receptivas às exigências e aos 
interesses dos Estados Unidos e com capacidade cada vez maior para 
resistir às pressões dos Estados Unidos e de outros países ocidentais. 

O embaixador Tommy Koh observou, em 1993, que um “renasci¬ 
mento cultural está varrendo” a Ásia. Ele abrange uma “crescente 
autoconfiança”, que significa que os asiáticos “não mais consideram que 
tudo o que é ocidental ou norte-americano é necessariamente o melhor”. 2 
Esse renascimento, propulsionado pelo êxito econômico asiático, se 
manifesta com cada vez maior ênfase tanto nas identidades culturais 
próprias de cada país asiático como nos aspectos comuns às culturas 
M asiáticas, que as distinguem da cultura ocidental. O significado dessa 
revitalização cultural está marcado na interação em processo de mutação 
das duas principais sociedades da Ásia Oriental com a cultura ocidental. 

Quando o Ocidente se impôs à China e ao Japão, em meados do 
século XIX, depois de um pequeno namoro com o kemalismo, as elites 
predominantes optaram por uma estratégia reformadora. Com a Res¬ 
tauração Meiji, um dinâmico grupo de reformadores chegou ao poder no 
Japão, estudou e tomou emprestadas técnicas, práticas e instituições 
ocidentais, e iniciou o processo de modernização do Japão. Porém, 
fizeram isso de modo a preservar os aspectos essenciais da cultura 
japonesa tradicional, o que, em muitos pontos, contribuiu para a 
modernização e possibilitou ao Japão invocar e reformular elementos 
dessa cultura, baseando-se neles para despertar apoio e montar jus¬ 
tificativas para seu imperialismo nos anos 30 e 40. Na China, por outro 
lado, a decadente dinastia Ching não foi capaz de se adaptar com êxito 
ao impacto do Ocidente. A China foi derrotada, espoliada e humilhada 
pelo Japão e pelas potências européias. O colapso da dinastia em 1910 
foi seguido pela divisão, pela guerra civil e pela invocação de concepções 
rivais pelos líderes políticos e intelectuais rivais: os três princípios de 
“Nacionalismo, Democracia e Vida das Pessoas” de Sun Yat Sen, o 
liberalismo de Liang Ch’i-ch’ao e o marxismo-leninismo de Mao Tsé-tung. 
No final da década de 40, a concepção que fora importada da União 
Soviética venceu as importadas do Ocidente — nacionalismo, liberalismo, 


128 


democracia, Cristianismo — e a China foi definida como uma sociedade 
socialista. 

No Japão, a derrota completa na II Guerra Mundial produziu uma 
confusão completa. Um ocidental, profundamente envolvido com o 
Japão, comentou em 1994 que, “atualmente, é muito difícil para nós 
avaliarmos o grau em que tudo — religião, cultura, todos os aspectos da 
estrutura mental desse país — foi posto a serviço da guerra. A perda da 
guerra produziu um choque total para o sistema. Nas suas mentes, tudo 
aquilo se revelou inútil e foi alijado”. 3 Em seu lugar, tudo que estivesse 
ligado com o Ocidente e especialmente com os Estados Unidos vitoriosos 
passou a ser visto como bom e desejável. Desse modo, o Japão tentou 
emular os Estados Unidos como a China emulou a União Soviética. 

No final da década de 70, o fracasso do comunismo ao não gerar 
o desenvolvimento econômico e o êxito do capitalismo no Japão e, cada 
vez mais, nas outras sociedades asiáticas, levou a nova liderança chinesa 
a se afastar do modelo soviético. O desmoronamento da União Soviética i 
uma década depois acentuou ainda mais os fracassos dessa concepção 
importada. Assim sendo, os chineses se defrontaram com a questão de 
se deviam voltar-se para o Ocidente ou para dentro de si mesmos. Muitos 
intelectuais e algumas outras pessoas advogaram uma completa ociden¬ 
talização, uma tendência que atingiu seus ápices culturais e populares 
na telenovela A elegia do rio e na estátua da Deusa da Democracia erigida 
na Praça de Tiananmen. Entretanto, essa orientação ocidental não 
conquistou o apoio nem das poucas centenas de pessoas que contavam 
em Pequim nem dos 800 milhões de camponeses que viviam nas áreas 
rurais. A plena ocidentalização era tão inviável no final do século XX 
como o fora no final do século XIX. A liderança do país escolheu uma 
nova versão do Ti-Yong: por um lado, capitalismo e envolvimento com 
a economia mundial, combinados; por outro lado, com o autoritarismo 
político e a rededicação à cultura chinesa tradicional. Em vez da 
legitimidade revolucionária do marxismo-leninismo, o regime adotou a 
legitimidade do desempenho proporcionado pelo desenvolvimento eco¬ 
nômico em ascensão e a legitimidade nacionalista proporcionada pela 
invocação das características próprias da cultura chinesa. Um comentaris¬ 
ta observou que “o regime pós-Tiananmen abraçou sofregamente o 
nacionalismo chinês como uma nova fonte de legitimidade”, e conscien¬ 
temente incitou o antiamericanismo para justificar o seu poder e o seu 
comportamento.^ Nessas circunstâncias, está emergindo um nacionalis¬ 
mo cultural chinês, sintetizado nas palavras de um líder de Hong Kong 


129 


em 1994: “Nós, chineses, nos sentimos nacionalistas como jamais nos 
sentíramos antes. Somos chineses e temos orgulho disso.” Na própria 
China, no início dos anos 90, desenvolveu-se um “desejo popular de 
retornar ao que era autenticamente chinês, que muitas vezes é patriarcal, 
nativista e autoritário. Nesse ressurgimento histórico, a democracia está 
desacreditada, tal como o leninismo, na condição de apenas mais uma 
imposição estrangeira ”. 5 

No início do século XX, intelectuais chineses, seguindo paralela¬ 
mente a Weber, cada um por si, identificaram o Confucionismo como a 
fonte do atraso chinês. No final do século XX, os líderes políticos 
chineses, seguindo paralelamente aos cientistas sociais ocidentais, lou¬ 
varam o Confucionismo como a fonte do progresso chinês. Nos anos 80, 
o governo chinês começou a promover interesse pelo Confucionismo, 
com os dirigentes partidários proclamando-o “a corrente principal” da 
cultura chinesa. 6 É claro que o Confucionismo passou também a ser 
motivo de entusiasmo para Lee Kuan Yew, que o viu como uma fonte 
do êxito de Singapura, e ele se tomou um missionário dos valores 
confucianos para o resto do mundo. Nos anos 90, o governo de Taiwan 
se proclamou “o herdeiro do pensamento confuciano” e o presidente Lee 
Teng-hui identificou as raízes na democratização de Taiwan no seu 
“legado cultural” chinês, recuando no tempo até Kao Yao (século XXI 
a.C.), Confucio (século V a.C.) e Mêncio (século III a.C.)7 Os líderes 
chineses, queiram eles justificar quer o autoritarismo quer a democracia, 
procuram a legitimação na sua cultura chinesa em comum e não em 
concepções ocidentais importadas. 

O nacionalismo promovido pelo regime é o nacionalismo Han, que 
ajuda a neutralizar as diferenças lingüísticas, regionais e econômicas em 
90 por cento da população chinesa. Ao mesmo tempo, ele sublinha as 
diferenças com as minorias étnicas não-chinesas, que constituem menos 
de 10 por cento da população da China, mas ocupam 60 por cento do 
seu território. Ele também fornece a base para a oposição do regime ao 
Cristianismo, às organizações cristãs e ao proselitismo cristão, que atrai 
talvez cinco por cento da população e oferece uma fé ocidental alternativa 
para preencher o vazio deixado pelo colapso do maoísmo-leninismo. 

Enquanto isso, no Japão dos anos 80 o desenvolvimento econômico 
contrastou com o que se percebia como fracassos e “declínio da 
economia e do sistema social norte-americanos, e levou os japoneses a 
ficarem cada vez mais desencantados com os modelos ocidentais e cada 
vez mais convencidos de que as fontes de seu êxito tinham que estar em 

130 


sua própria cultura. A cultura japonesa, que produziu o desastre militar 
em 1945 e, em consequência, teve que ser rejeitada, tinha produzido o 
triunfo econômico ao se chegar a 1985 e, por conseguinte, podia ser 
abraçada. A crescente familiaridade dos japoneses com a sociedade 
ocidental os levara a “se dar conta de que ser ocidental não é magica¬ 
mente maravilhoso em si e por si mesmo. Eles se livraram disso”. Durante 
o auge do êxito econômico japonês, no final dos anos 80, as virtudes 
japonesas eram louvadas em comparação com os vícios norte-america¬ 
nos. Enquanto os japoneses da Restauração Meiji tinham adotado uma 
política de desengajar-se da Ásia e juntar-se à Europa”, os japoneses da 
revitalização cultural do final do século XX endossaram uma política de 
se distanciar dos Estados Unidos e se engajar na Ásia". 1- ’ Essa tendência 
envolveu, em primeiro lugar, uma reidentificação com as tradições 
culturais japonesas e uma renovada afirmação dos valores dessas tradi¬ 
ções e, em segundo lugar e de modo mais problemático, um esforço para 
“asiamzar” o Japão e identificá-lo, apesar de sua civilização própria, com 
uma cultura asiática geral. Dado o grau em que, depois da II Guerra 
Mundial, o Japão, ao contrário da China, se identificou com o Ocidente, 
e dado o grau em que o Ocidente, quaisquer que sejam suas deficiências, 
não desmoronou por completo, como aconteceu com a União Soviética, 
os estímulos para que o Japão rejeitasse por completo o Ocidente não 
foram, de forma alguma, tão fortes quanto os estímulos para que a China 
se distanciasse dos modelos tanto soviéticos quanto ocidentais. Por outro 
lado, a peculiaridade da civilização japonesa, as recordações em outros 
países do imperialismo japonês e a enorme importância econômica dos 
chineses na maioria dos demais países asiáticos também significam que 
será mais fácil para o Japão se distanciar do Ocidente do que se misturar 
com a Ásia.9 Ao reafirmar sua identidade cultural própria, o Japão enfatiza 
sua peculiaridade e suas diferenças, tanto da cultura ocidental quanto 
das demais culturas asiáticas. 

Enquanto chineses e japoneses encontraram um novo valor em suas 
culturas, eles também partilharam de uma reafirmação mais ampla do 
valor da cultura asiática em geral, por comparação com a do Ocidente. 

A industrialização e o crescimento que acompanharam esse fenômeno 
produziram nos anos 80 e 90 uma articulação entre os asiáticos orientais 
do que pode ser adequadamente denominado de “afirmação asiática”. 
Esse complexo de atitudes tem quatro componentes principais. 

Primeiro: os asiáticos acreditam que a Ásia Oriental está se desen¬ 
volvendo economicamente depressa, logo superará o Ocidente em 

131 



produto econômico e, por conseguinte, será cada vez mais poderosa nos 
assuntos mundiais em comparação com o Ocidente. O crescimento 
econômico estimula no meio das sociedades asiáticas uma sensação de 
poder e uma afirmação de sua capacidade de enfrentar o Ocidente. Em 
1993, um destacado jornalista japonês declarou que “acabaram-se os dias 
em que os Estados Unidos espirravam e a Ásia ficava resfriada”. Um 
funcionário público malásio acrescentou à metáfora médica que “mesmo 
uma febre alta nos Estados Unidos não fará a Ásia tossir”. Um líder asiático 
disse que os asiáticos, no seu relacionamento com os Estados Unidos, 
“estão no final da era de ficarem assombrados e no início da era de 
retrucar”. O vice-primeiro-ministro da Malásia afirmou que “a crescente 
prosperidade da Ásia significa que ela está agora em posição de oferecer 
alternativas sérias aos arranjos mundiais predominantes nos campos 
político, social e econômico”. 10 Isso também quer dizer, sustentam os 
asiáticos orientais, que o Ocidente está perdendo rapidamente sua 
capacidade de fazer as sociedades asiáticas se ajustarem aos padrões 
ocidentais no que se refere a direitos humanos e outros valores. 

Segundo: os asiáticos consideram que esse êxito econômico é, em 
grande parte, um produto da cultura asiática, que é superior à do 
Ocidente, o qual está decadente cultural e socialmente. Nos tempos 
inebriantes da década de 80, quando, no Japão, a economia, as expor¬ 
tações, a balança comercial e as reservas em moedas estrangeiras estavam 
a pleno vapor, os japoneses, como os sauditas antes deles, se vangloria¬ 
vam de seu novo poderio econômico, falavam com desprezo do declínio 
do Ocidente e atribuíam o seu êxito e o insucesso ocidentais à supe¬ 
rioridade de sua cultura e à decadência da cultura ocidental. No começo 
dos anos 90, o triunfalismo asiático foi novamente articulado no que só 
pode ser descrito como a “ofensiva cultural singapuriana”. Os líderes 
singapurianos, de Lee Kuan Yew para baixo, alardeavam a ascensão da 
Ásia em relação ao Ocidente e contrastavam as virtudes da cultura 
asiática, basicamente confuciana, responsáveis por esse êxito — ordem, 
disciplina, família, responsabilidade, trabalho duro, coletivismo, abs¬ 
tinência —, com a auto-indulgência, indolência, individualismo, crimina¬ 
lidade, educação de qualidade inferior, desrespeito pela autoridade e 
“calcificação mental” responsáveis pelo declínio do Ocidente. Argumen- 
tava-se que, para competir com o Oriente, os Estados Unidos “precisam 
questionar suas pressuposições fundamentais sobre as disposições so¬ 
ciais e políticas e, nesse processo, aprender algumas coisas com as 
sociedades da Ásia Oriental”. 11 


Para os asiáticos orientais, seu êxito é resultado em especial da ênfase 
atribuída pela cultura asiática oriental à coletividade em vez de ao indivíduo. 
Lee Kuan Yew sustenta que “os valores e práticas mais comunitários dos 
asiáticos orientais — os japoneses, os sul-coreanos, os taiwanenses, os de 
Hong Kong e os singapurianos — se revelaram nítidos trunfos no processo 
de alcançar [o Ocidente]. Os valores que a cultura asiática oriental defende, 
tais como a primazia dos interesses do grupo sobre os do indivíduo, dão 
sustentação ao esforço total de grupo necessário para o rápido desenvol¬ 
vimento”. O primeiro-ministro da Malásia concorda: “A ética de trabalho dos 
japoneses e dos sul-coreanos, que consiste em disciplina, lealdade e 
diligência, serviu como força motriz para o desenvolvimento econômico e 
social de seus respectivos países. Essa ética de trabalho nasce da filosofia 
de que o grupo e o país são mais importantes do que o indivíduo.” 12 

Terceiro: conquanto reconheçam as diferenças entre as sociedades 
e as civilizações asiáticas, os asiáticos orientais sustentam que também 
existem importantes aspectos em comum. Um dissidente chinês assinalou 
que numa posição central dentre eles se encontra “o sistema de valores 
do Confucionismo — consagrado pela História e compartilhado pela 
maioria dos países da região”, em especial a ênfase que atribui à 
parcimônia, à família, ao trabalho e à disciplina. Igualmente importante 
é o repúdio ao individualismo e o predomínio de um autoritarismo 
“suave” ou formas muito limitadas de democracia, que compartilham 
esses países. As sociedades asiáticas têm interesses em comum em 
relação ao Ocidente na defesa desses valores próprios e na promoção 
de seus próprios interesses econômicos. Os asiáticos argumentam que 
isso exige o desenvolvimento de novas formas de cooperação intra-asiá- 
tica, tais como a expansão da Associação das Nações do Sudeste Asiático 
(ASEAN) e a criação do Foro Econômico Asiático Oriental (EAEC). 
Embora o interesse econômico imediato das sociedades asiáticas orientais 
seja manter o acesso aos mercados ocidentais, a longo prazo o regiona¬ 
lismo econômico provavelmente prevalecerá e, em conseqüência, a Ásia 
Oriental precisa promover cada vez mais o comércio e os investimentos 
intra-asiáticos. 13 Em especial, é preciso que o Japão, como líder do 
desenvolvimento asiático, se afaste da sua histórica “política de 
desasianização e pró-ocidentalização” e passe a buscar “um caminho 
de reasianização” ou, de forma mais ampla, a promover “a asianização 
da Ásia , um caminho que é apoiado pelos dirigentes singapurianos. 1 ^ 
Quarto: os asiáticos orientais sustentam que o desenvolvimento 
asiático e os valores asiáticos são modelos que outras sociedades 



não-ocidentais deveriam emular em seus esforços por alcançar o Ociden¬ 
te, e que o próprio Ocidente deveria adotar a fim de se renovar. Os 
asiáticos orientais alegam que “o modelo anglo-saxão de desenvolvimen¬ 
to, tão reverenciado durante as quatro últimas décadas como o melhor 
meio de modernização das economias dos países em desenvolvimento 
e de construção de um sistema político viável, não está funcionando”. O 
modelo asiático oriental está assumindo seu lugar na medida em que 
países como o México e o Chile, até o Irã e a Turquia, e mais recentemente 
as ex-repúblicas soviéticas, tentam aprender com aquele êxito, da mesma 
maneira que gerações anteriores tentaram aprender com o êxito ociden¬ 
tal. A Ásia deve “transmitir para o resto do mundo os valores asiáticos 
que têm uma utilidade universal. (...) a transmissão desse ideal significa 
exportar o sistema social da Ásia, em especial da Ásia Oriental”. É 
necessário que o Japão e outros países asiáticos promovam o “globalismo 
do Pacífico” a fim de “globalizar a Ásia” e, a partir disso, “moldar de forma 
decisiva a feição da nova ordem mundial”. 15 

As sociedades poderosas são universalistas; as sociedades fracas são 
particularistas. A crescente autoconfiança da Ásia Oriental deu lugar a 
um emergente universalismo asiático comparável ao que caracterizou o 
Ocidente. O primeiro-ministro Mahatir proclamou para os chefes de 
governo europeus em 1996 que “os valores asiáticos são valores univer¬ 
sais. Os valores europeus são valores europeus”. 16 Junto com isso vem 
também um “ocidentalismo” asiático, retratando o Ocidente pratica¬ 
mente da mesma maneira uniforme e negativa com que o orientalismo 
ocidental alegadamente retratava o Oriente. Para os asiáticos orientais, 
a prosperidade econômica é prova de superioridade moral. Se, em 
algum momento, a índia superar a Ásia Oriental como a área que se 
está desenvolvendo mais rapidamente no mundo, o mundo deve estar 
preparado para longas exposições sobre a superioridade da cultura 
hindu, as contribuições do sistema de castas para o desenvolvimento 
econômico e como, revertendo às suas raízes e superando o mortífero 
legado ocidental deixado pelo imperialismo britânico, a índia finalmente 
alcançou o lugar que lhe era devido na primeira linha das civilizações. 
A afirmação cultural se segue ao êxito material; o poder duro gera o 
poder suave. 

O Ressurgimento islâmico 

Enquanto os asiáticos ficavam cada vez mais afirmativos como resultado 
do desenvolvimento econômico, os muçulmanos, em números maciços, 


estavam simultaneamente se voltando para o Islamismo como uma fonte 
de identidade, sentido, estabilidade, legitimidade, desenvolvimento, po¬ 
der e esperança — esperança sintetizada no slogan “O Islamismo é a 
solução”. Esse Ressurgimento Islâmico* é, na sua amplitude e profun¬ 
didade, a ultima fase do ajuste da civilização islâmica ao Ocidente, um 
esforço por encontrar a “solução” não nas ideologias ocidentais mas no 
Islamismo. Ele personifica a aceitação da modernidade, a rejeição da 
cultura ocidental e o reengajamento no Islamismo como um guia cultural, 
religioso, social e político para a vida no mundo moderno. Como um 
alto funcionário saudita explicou em 1994, “as ‘importações estrangeiras’ 
sao boas na condição de ‘coisas’ reluzentes e de alta tecnologia. Porém, 
as instituições sociais e políticas intangíveis importadas de outros lugares 
podem ser mortais — basta perguntar ao xá do Irã. (...) Para nós, o 
Islamismo nao é apenas uma religião, mas um estilo de vida. Nós, 

sauditas, queremos nos modernizar, mas não necessariamente nos 
ocidentalizar”. 17 

o Ressurgimento Islâmico é o esforço dos muçulmanos por chegar 
a essa meta. É um amplo movimento intelectual, cultural, social e político 
que predomina em todo o mundo islâmico. O “fundamentalismo” 
islâmico, comumente concebido como o Islamismo político, é apenas 
um dos componentes numa revitalização muito mais extensa das idéias, 
praticas e retórica islâmicas e no reengajamento no Islamismo pelas 
populações muçulmanas. O Ressurgimento pertence à corrente principal 
e não à extremista, é generalizado e não isolado. 

O Ressurgimento afetou os muçulmanos em todos os países e a 
maioria dos aspectos da sociedade e da política na maioria dos países 
muçulmanos. Julio L. Esposito escreveu que “são muitos os indícios de 
um despertar islâmico na vida pessoal”: 


maior atençao para com as observâncias religiosas (comparecimento à 
mesquita, prece, jejum), proliferação de programas e publicações reli¬ 
giosos, maior ênfase no modo de vestir e nos valores islâmicos a 
revitalização do Sufismo (misticismo). Essa renovação de base mais 


, x o .* «GMuigiiuenio e Kessurgimento Islâmico estão 

com letras maiusculas. A razão é que esses termos se referem a um acontecimento hTstSco 
e remamente importante, que afeta um quinto ou mais da Humanidade, que é pelo menos 

1 ‘«r*, ■ te,o,uti ‘ > zí 

JOS erres sao geralmente escritos com maiusculas, e que é semelhante e comparável à 


135 


134 



ampla foi acompanhada também pela reafirmação do Islamismo na vida 
pública: um aumento de governos, organizações, legislação, bancos, 
serviços de assistência social e instituições de ensino de orientação 
islâmica. Tanto os governos quanto os movimentos de oposição se 
voltaram para o Islamismo a fim de acentuar sua autoridade e obter 
apoio popular. (...) A maioria dos dirigentes e dos governos, inclusive 
em Estados mais seculares como a Turquia e a Tunísia, tomando 
consciência da força potencial do Islamismo, têm demonstrado maior 
sensibilidade e preocupação em relação a questões islâmicas. 

Um outro destacado estudioso do Islã, Ali E. Hillal Dessouki, vê em 
termos análogos o Ressurgimento como implicando esforços para reins¬ 
tituir a legislação islâmica em vez da legislação ocidental, a maior 
utilização de linguagem e simbolismo religiosos, a expansão do ensino 
islâmico (manifestada na multiplicação de escolas islâmicas e na islami- 
zação dos currículos em escolas públicas comuns), maior observância 
dos códigos islâmicos de comportamento social (por exemplo, as vestes 
cobrindo as mulheres, a abstinência do álcool) e uma maior participação 
em cerimônias religiosas, o domínio por grupos islâmicos da oposição 
aos governos seculares em sociedades muçulmanas, e expansão dos 
esforços por desenvolver uma solidariedade internacional entre os 
Estados e as sociedades islâmicas. 18 La revanche deDieu é um fenômeno 
global, porém Deus, ou melhor, Alá tornou Sua vingança muito ampla e 
satisfatória na ummah , a comunidade do Islã. 

Nas suas manifestações políticas, o Ressurgimento Islâmico guarda 
certa semelhança com o marxismo, com os textos bíblicos, uma visão da 
sociedade perfeita, um compromisso com as mudanças fundamentais, a 
rejeição dos poderes existentes e do Estado-nação e uma diversidade 
doutrinária que vai do reformador moderado ao revolucionário violento. 
Entretanto, a melhor analogia é com a Reforma protestante. Ambos são 
reações à estagnação e corrupção das instituições existentes, advogam 
uma volta para uma forma mais pura e mais exigente de sua religião, 
pregam o trabalho, a ordem e a disciplina e atraem as pessoas da classe 
média emergente e dinâmica. Ambos são também movimentos comple¬ 
xos, com variantes diversas, porém duas principais — Luteranismo e 
Calvinismo, fundamentalismo sunita e xiita —, podendo mesmo ser 
traçados paralelos entre Jean Calvin e o Aiatolá Khomeini e a disciplina 
monástica que tentaram impor às suas respectivas sociedades. O espírito 
central tanto da Reforma como do Ressurgimento é a reforma fun¬ 
damental. Um pastor puritano declarou que “a Reforma tem que ser 
universal, (...) reformar todos os lugares, todas as pessoas e vocações, 


reformar as bancas de julgamento, os magistrados subalternos. (...) 
Reformar as universidades, reformar as cidades, reformar os países, 
reformar as escolas de ensino básico, reformar o Sabbath, reformar as 
ordenanças, o culto de Deus”. Em termos análogos, Al-Turabi afirma que 
“esse despertar é abrangente — não se trata apenas de devoção in¬ 
dividual, ele não é apenas intelectual e cultural, nem é apenas político. 
Ele é tudo isso, uma reconstrução abrangente da sociedade de alto a 
baixo”. 19 Ignorar o impacto do Ressurgimento Islâmico sobre a política 
no Hemisfério Oriental no final do século XX equivale a ignorar o impacto 
da Reforma protestante na política européia no final do século XVI. 

O Ressurgimento difere da Reforma num aspecto-chave. O impacto 
desta última ficou essencialmente limitado à Europa Setentrional, tendo, 
de forma geral, avançado pouco na Espanha, na Itália, na Europa Oriental 
e nas terras dos Habsburgo. O Ressurgimento, ao contrário, atingiu quase 
todas as sociedades muçulmanas. A partir dos anos 70, os símbolos, as 
crenças, as práticas, as instituições, as políticas e as organizações islâmicas 
conquistaram um engajamento e um apoio crescentes por todo o mundo 
de um bilhão de muçulmanos, que se estende do Marrocos à Indonésia 
e da Nigéria ao Casaquistão. A islamização tende a ocorrer primeiro no 
âmbito cultural, deslocando-se depois para as esferas social e política. 
Os líderes intelectuais e políticos, quer fossem ou não a seu favor, não 
podiam ignorá-la nem deixar de se adaptar a ela de uma ou de outra 
forma. As generalizações amplas são sempre perigosas e muitas vezes 
erradas. Uma, entretanto, parece justificada. Em 1995, todos os países 
com uma população predominantemente muçulmana, à exceção do Irã, 
eram mais islâmicos e mais fundamentalistas cultural, social e politica¬ 
mente do que 15 ános antes. 20 

Na maioria dos países, um elemento central da islamização foi o 
desenvolvimento de uma organização social islâmica e a captura de 
organizações preexistentes por grupos islâmicos. Os fundamentalistas 
islâmicos dedicaram uma atenção especial tanto à abertura de escolas 
islâmicas quanto à expansão da influência islâmica nas escolas públicas. 
De fato, os grupos islâmicos trouxeram à realidade uma “sociedade civil” 
islâmica que seguia paralelamente, ultrapassava e muitas vezes suplan¬ 
tava, em amplitude e em atuação, as instituições freqüentemente débeis 
da sociedade civil secular. No Egito, no início dos anos 90, as organiza¬ 
ções islâmicas tinham desenvolvido uma extensa rede de entidades que, 
preenchendo o vazio deixado pelo governo, prestavam serviços de 
saúde, assistência, educacionais e outros, para um grande número dos 





pobres do país. Depois do terremoto de 1992 no Cairo, essas organiza¬ 
ções “estavam nas ruas em poucas horas, distribuindo alimentos e mantas, 
enquanto que os esforços de socorro do governo demoraram”. Na 
Jordânia, a Fraternidade Muçulmana seguiu conscientemente uma polí¬ 
tica de desenvolvimento da “infra-estrutura social e cultural de uma 
república islâmica” e, no começo dos anos 90, nesse pequeno país de 
quatro milhões de habitantes, ela estava operando um grande hospital, 
20 clínicas, 40 escolas islâmicas e 120 centros de estudos corânicos. Ao 
lado, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, as organizações islâmicas 
instalaram e operaram “sindicatos de estudantes, organizações de jovens 
e associações religiosas, sociais e educativas”, inclusive estabelecimentos 
de ensino que iam de jardins de infância até uma universidade islâmica, 
clínicas, orfanatos, um asilo para idosos e um sistema de juízes e árbitros 
islâmicos. As organizações islâmicas se espalharam por toda a Indonésia 
nas décadas de 70 e 80. No começo dos anos 80, a maior delas, a 
Muhhammadijah , contava com seis milhões de membros, constituía um 
“Estado-religioso-paternalista-dentro-de-um-Estado-secular”, e prestava 
serviços “do-berço-à-sepultura” para todo o país através de uma complexa 
rede de escolas, clínicas, hospitais e instituições de nível universitário. 
Nessas e em outras sociedades muçulmanas, as organizações fun- 
damentalistas islâmicas, proibidas de exercer atividades políticas, mesmo 
assim estavam prestando serviços sociais comparáveis aos dos mecanis¬ 
mos políticos nos Estados Unidos no começo do século XX. 21 

As manifestações políticas do Ressurgimento têm sido menos 
amplas do que as suas manifestações sociais e culturais, porém, mesmo 
assim, ainda são, isoladamente, o mais importante desdobramento 
político nas sociedades muçulmanas no último quartel do século XX. A 
extensão e a feição do apoio político aos movimentos fundamentalistas 
islâmicos variou de um país para outro. Contudo, existem certas tendências 
amplas. De forma geral, esses movimentos não recebem muito apoio das 
elites rurais, dos camponeses e dos idosos. Seus adeptos são, de forma 
majoritária, participantes e produto dos processos de modernização. São 
pessoas mais jovens, com grande mobilidade e orientadas para a 
modernidade, provenientes em grande parte de três grupos. 

Como ocorre com a maioria dos movimentos revolucionários, seu 
núcleo consiste de estudantes e intelectuais. Na maioria dos países, a 
conquista do controle dos sindicatos de estudantes e organizações 
semelhantes foi a primeira fase no processo de islamização política, com 
o surto” de fundamentalismo islâmico ocorrendo nos anos 70 no Egito, 

138 



Paquistão e Afeganistão, movendo-se depois para outros países muçul¬ 
manos. A atração pelo fundamentalismo islâmico foi especialmente intensa 
entre os alunos de escolas técnicas, faculdades de Engenharia e departa¬ 
mentos científicos. Nos anos 90, na Arábia Saudita, na Argélia e em outros 
lugares, a “indigenização da segunda geração” se manifesta na proporção 
crescente de estudantes universitários estudando em seus idiomas nativos 
e, desse modo, expostos cada vez mais às influências fundamentalistas. 22 
Freqüentemente, os fundamentalistas também desenvolveram considerável 
atração para as mulheres e, na Turquia, constatou-se uma profunda luta 
entre a geração mais velha de mulheres secularistas e suas filhas e netas, 
orientadas para o fundamentalismo islâmico. 25 Um estudo feito sobre os 
líderes militantes dos grupos fundamentalistas egípcios revelou que eles 
possuíam cinco características principais, que parecem ser típicas dos 
fundamentalistas islâmicos em outros países. Eles eram jovens, predomi¬ 
nantemente na faixa de 20 a 30 anos de idade. Oitenta por cento deles 
eram alunos ou diplomados universitários. Mais da metade veio de 
colégios de elite ou das áreas intelectualmente mais exigentes de 
especialização técnica, como Medicina e Engenharia. Mais de 70 por 
cento provinham da classe média baixa, “de meios modestos, mas não 
pobres”, e eram a primeira geração de suas famílias a receber educação 
superior. Tinham passado suas infâncias em cidades pequenas ou em 
zonas rurais, mas tinham passado a viver em cidades grandes. 24 

Enquanto os estudantes e os intelectuais formavam os quadros 
militantes e as tropas de choque dos movimentos fundamentalistas, as 
pessoas da classe média urbana compunham o grosso dos seus membros 
ativos. Até certo ponto, elas provinham do que é freqüentemente 
denominado de grupos “tradicionais” de classe média: comerciantes, 
importadores-exportadores, proprietários de pequenas empresas, ba- 
zaaris. Eles desempenharam um papel crucial na Revolução Iraniana e 
deram importante apoio aos movimentos fundamentalistas na Argélia, 
Turquia e Indonésia. Entretanto, em grau ainda maior, os fundamentalis¬ 
tas pertenciam aos setores mais “modernos” da classe média. Os ativistas 
fundamentalistas islâmicos “provavelmente incluem um número des¬ 
proporcionalmente elevado dos jovens mais instruídos e mais inteligentes 
das suas respectivas populações”, inclusive médicos, advogados, enge¬ 
nheiros, professores e funcionários públicos. 25 

O terceiro elemento-chave da clientela fundamentalista islâmica está 
nos contingentes que migraram recentemente para as cidades. Em todo o 
mundo islâmico, nos anos 70 e 80, as populações urbanas cresceram a taxas 

13Q 


espetaculares. Comprimidos em áreas faveladas em decadência e muitas 
vezes primitivas, esses migrantes urbanos precisavam e se beneficiavam 
dos serviços sociais prestados pelas organizações fundamentalistas isl⬠
micas. Além disso, assinala Ernest Gellner, o Islamismo ofereceu “uma 
identidade condigna” a essas “massas desenraizadas recentemente”. Em 
Istambul e Ancara, no Cairo e Asyut, em Argel e Fez, e na Faixa de Gaza, 
os partidos fundamentalistas islâmicos tiveram êxito em organizar e atrair 
“os pobres e miseráveis”. Oliver Roy comentou que “a massa do Islã 
revolucionário é um produto da sociedade moderna (...), os recém-che¬ 
gados urbanos, os milhões de camponeses que triplicaram a população 
das grandes metrópoles muçulmanas”. 2 ^ 

■ Ao se chegar a meados dos anos 90, só no Irã e no Sudão tinham 
chegado ao poder governos explicitamente fundamentalistas islâmicos. 
Num pequeno número de países muçulmanos, como a Turquia e o 
Paquistão, havia regimes que podiam de algum modo invocar legitimi¬ 
dade democrática. Os governos em cerca de 40 outros países muçulma¬ 
nos eram amplamente não-democráticos: monarquias, sistemas de parti¬ 
do único, regimes militares, ditaduras pessoais ou algumas combinações 
desses tipos, geralmente apoiados numa base limitada de família, clã ou 
tribo e, em alguns casos, profundamente dependentes de apoio do 
exterior. Dois regimes, no Marrocos e na Arábia Saudita, tentaram invocar 
alguma forma de legitimidade islâmica. A maioria desses governos, 
porém, carecia de qualquer base para justificar estar no poder em termos 
de valores islâmicos, democráticos ou nacionalistas. Eram “regimes de 
bunker para usar a expressão de Clement Henry Moore, repressores, 
corruptos, divorciados das necessidades e aspirações de suas sociedades. 
Esses regimes podem se manter por longos períodos de tempo e não 
estão necessariamente fadados ao fracasso. No mundo moderno, contu¬ 
do, é alta a probabilidade de que eles mudarão ou desmoronarão. 
Conseqüentemente, em meados da década de 90, uma questão central 
se refere às alternativas prováveis: quem ou o que os irá suceder? Em 
quase todos os países, em meados dos anos 90, o regime que mais 
provavelmente os substituirá será fundamentalista islâmico. 

Durante as décadas de 70 e 80, uma onda de democratização varreu 
o mundo, abrangendo várias dezenas de países. Essa onda teve um 
impacto nas sociedades muçulmanas, porém de proporções limitadas. 
Enquanto movimentos democráticos estavam ganhando força e chegan¬ 
do ao poder na Europa Meridional, na América Latina, na periferia da 
Asia Oriental e na Europa Central, os movimentos fundamentalistas 


islâmicos estavam simultaneamente ganhando força nos países muçul¬ 
manos. O Islamismo foi o substituto funcional da oposição democrática 
ao autoritarismo nas sociedades cristãs e, em grande parte, foi o resultado 
de causas análogas: mobilização social, perda de legitimidade de de¬ 
sempenho por regimes autoritários e um ambiente internacional em 
mutação, inclusive com aumentos dos preços de petróleo, o que, no 
mundo islâmico, incentivou tendências fundamentalistas islâmicas em vez 
de tendências democráticas. Nas sociedades cristãs, padres, pastores e 
grupos religiosos leigos desempenharam papéis importantes na oposição a 
regimes autoritários e, nos países muçulmanos, os ulemás, os grupos 
baseados nas mesquitas e os fundamentalistas islâmicos tiveram papéis 
semelhantes. O Papa foi uma figura central para acabar com o regime 
comunista na Polônia, e os aiatolás, para derrubar o regime do xá no Irã. 

Nos anos 80 e 90, os movimentos fundamentalistas islâmicos 
estavam influindo na política não por controlarem governos, mas sim por 
dominarem — e muitas vezes monopolizarem — a oposição aos gover¬ 
nos. A força dos movimentos fundamentalistas islâmicos era, em parte, 
função da debilidade das fontes alternativas de oposição. Os movimentos 
esquerdistas e comunistas tinham ficado desacreditados e depois seria¬ 
mente solapados pelo colapso da União Soviética e do comunismo 
internacional. Os grupos de oposição liberais e democráticos tinham 
existido na maioria das sociedades muçulmanas, mas geralmente estavam 
confinados a números restritos de intelectuais e outras pessoas com raízes 
ou ligações ocidentais. Com apenas algumas exceções ocasionais, os 
democratas liberais foram incapazes de conseguir apoio popular conti¬ 
nuado nas sociedades muçulmanas, e até mesmo o liberalismo islâmico 
não conseguiu firmar raízes. Fouad Ajami observa que “nas sociedades 
muçulmanas, uma após outra, escrever sobre liberalismo e sobre uma 
tradição burguesa nacional é escrever os necrológios de homens que 
aceitaram probabilidades impossíveis e depois fracassaram”. 27 O fato de 
que a democracia liberal, de forma geral, não conseguiu se firmar nas 
sociedades muçulmanas é um fenômeno contínuo e repetido durante 
todo um século a partir do final de 1800. Esse insucesso tem sua origem, 
pelo menos em parte, na natureza inóspita da cultura e da sociedade 
islâmica para as concepções liberais ocidentais. 

O êxito que tiveram os movimentos fundamentalistas islâmicos para 
dominar a oposição e se implantar como a única alternativa viável aos 
regimes em exercício também foi muito ajudado pelas políticas desses 
regimes. Em uma ou em outra ocasião durante a Guerra Fria, muitos 


TÂ1 


governos — inclusive os da Argélia, Turquia, Jordânia, Egito e Israel — 
incentivaram e apoiaram os fundamentalistas islâmicos como contrapo¬ 
sição aos movimentos comunistas ou nacionalistas hostis. Pelo menos 
até a Guerra do Golfo, a Arábia Saudita e outros Estados do Golfo proviam 
fundos em grande quantidade para a Fraternidade Muçulmana e grupos 
fundamentalistas islâmicos em vários países. A capacidade dos grupos 
fundamentalistas islâmicos de dominarem a oposição também foi aumen¬ 
tada com a eliminação pelos governos das oposições seculares. De forma 
geral, a força do fundamentalismo islâmico variou na razão inversa da 
dos partidos seculares democráticos ou nacionalistas e era menor em 
países como Marrocos e Turquia, que permitiam certo grau de competi¬ 
ção multipartidária, do que nos que eliminavam toda e qualquer oposi¬ 
ção. 28 Entretanto, a oposição secular é mais vulnerável à repressão do 
que a oposição religiosa. Esta última pode operar dentro e por detrás de 
uma rede de mesquitas, organizações de assistência, fundações e outras 
instituições muçulmanas que o governo considera que não pode eliminar. 
Os democratas liberais não dispõem desse tipo de cobertura e, por 
conseguinte, são mais fáceis de controlar ou de serem eliminados pelo 
governo. 

Num esforço para esvaziar o crescimento das tendências fun¬ 
damentalistas islâmicas, os governos expandiram o ensino religioso nas 
escolas controladas pelo Estado, que freqüentemente passaram a ser 
dominadas por professores e idéias fundamentalistas islâmicos, e amplia¬ 
ram seu apoio à religião e às instituições educacionais religiosas. Essas 
ações eram, em parte, prova da dedicação dos governos ao Islã e, através 
da provisão de fundos, elas estenderam o controle governamental de 
instituições islâmicas e do ensino islâmico. Não obstante, elas também 
levaram grande número de estudantes e de pessoas a aprenderem os 
valores islâmicos, fazendo-os mais abertos aos chamamentos fundamentalis¬ 
tas islâmicos, e formaram militantes que se lançaram ao trabalho em favor 
dos objetivos fundamentalistas islâmicos. 

A força do Ressurgimento e a atração dos movimentos funda¬ 
mentalistas islâmicos induziu os governos a promoverem as instituições 
e práticas islâmicas, bem como a incorporarem os símbolos e as práticas 
islâmicas aos seus regimes. No nível mais amplo, isso significou afirmar 
ou reafirmar o caráter islâmico de seus Estados e sociedades. Nos anos 
70 e 80, os líderes políticos se apressaram em identificar seus regimes e 
a si próprios com o Islã. O rei Hussein, da Jordânia, convencido de que 
os governos seculares tinham pouco futuro no mundo árabe, falou da 

147 


necessidade de se criar uma “democracia islâmica” e um “Islã moderni- 
zador”. O rei Hassan, do Marrocos, enfatizou sua descendência do Profeta 
e seu papel como “Comandante da Fé”. O rei de Brunei, que não se 
notabilizara anteriormente por práticas islâmicas, tornou-se “cada vez 
mais devoto” e definiu seu regime como uma “monarquia muçulmana 
malaia”. Na Tunísia, Ben Ali começou a invocar Alá regularmente nos 
seus discursos e “enrolou-se no manto do Islã” para conter a crescente 
atração exercida por grupos fundamentalistas islâmicos. 29 No começo 
dos anos 90, Suharto adotou explicitamente uma política de se tornar 
“mais muçulmano.” Em Bangladesh, o princípio do “secularismo” foi 
retirado da Constituição em meados da década de 70 e, ao se chegar ao 
início da de 90, a identidade kemalista, secular, da Turquia estava, pela 
primeira vez, sendo alvo de uma contestação séria. 30 A fim de sublinhar 
sua devoção islâmica, dirigentes governamentais — Õzal, Suharto, 
Karimov — se apressaram em fazer sua hajh . 

Os governos dos países muçulmanos também tomaram providên¬ 
cias para islamizar sua legislação. Na Indonésia, concepções e práticas 
legais islâmicas foram incorporadas ao sistema legal secular. A Malásia, 
pelo contrário, refletindo sua considerável população não-muçulmana, 
moveu-se na direção do desenvolvimento de dois sistemas legais sepa¬ 
rados, um islâmico e outro secular. 31 No Paquistão, durante o regime do 
general Zia ul-Haq, foram feitos grandes esforços para islamizar a 
legislação e a economia. Foram introduzidas penas islâmicas, foi implan¬ 
tado um sistema de tribunais shari } a e a shari’a foi declarada a lei 
suprema do país. 

O Ressurgimento Islâmico é, ao mesmo tempo, um produto da 
modernização e um esforço para lidar com ela. Suas causas subjacentes 
são as mesmas que, de forma geral, são responsáveis, nas sociedades 
não-ocidentais, pelas tendências à indigenização: urbanização, mobiliza¬ 
ção social, níveis mais elevados de alfabetização e educação, comunica¬ 
ções e consumo da mídia intensificados e uma interação expandida com 
a cultura ocidental e outras culturas. Esses desdobramentos solapam os 
laços tradicionais de aldeias e clãs e criam uma alienação e uma crise de 
identidade. Os símbolos, compromissos e crenças islâmicos satisfazem 
essas necessidades psicológicas, enquanto que as organizações de 
assistência islâmicas satisfazem as necessidades sociais, culturais e eco¬ 
nômicas dos muçulmanos colhidos pelo processo de modernização. O 
Ressurgimento é também uma resposta ao impacto do Ocidente. Como as 
soluções ocidentais fracassaram para os muçulmanos, eles sentiram a 

i4a 



necessidade de voltar para suas raízes e confiar nas idéias, práticas e 
instituições islâmicas, para delas auferirem a bússola e o motor da 
modernização. Esse afastamento do Ocidente foi mais acentuado pela 
interação intensificada com o Ocidente, que tomou ainda mais reais as 
diferenças de valores e instituições entre as duas civilizações. O Res¬ 
surgimento é uma reação contra a ocidentalização, não contra a moderni¬ 
zação. 32 

Argumentou-se que a revitalização islâmica foi também “um produ¬ 
to do declínio do poder e prestígio do Ocidente. (...) À medida que o 
Ocidente deixou de ter plena ascendência, seus ideais e instituições 
perderam o brilho”. Mais especificamente, o Ressurgimento foi es¬ 
timulado e alimentado pelo surto do petróleo dos anos 70, que aumentou 
enormemente a riqueza e o poder de muitas nações muçulmanas e 
habilitou-as a fazer retroceder as relações de dominação e subordinação 
que tinham existido com o Ocidente. Como John B. Kelly observou nessa 
ocasião, “para os sauditas, há indubitavelmente uma dupla satisfação a 
ser extraída de infligir aos ocidentais castigos humilhantes, pois estes não 
só são uma expressão do poder e da independência da Arábia Saudita, 
como também demonstram, como se deseja, o desprezo pelo Cris¬ 
tianismo e a preeminência do Islã”. As ações dos Estados muçulmanos 
ricos em petróleo, “se colocadas no seu contexto histórico, religioso, 
racial e cultural, não são nada mais do que tentativas ousadas de submeter 
o Ocidente cristão a pagar tributo ao Oriente muçulmano”. 33 Os governos 
saudita, líbio e outros utilizaram sua riqueza em petróleo para estimular 
e financiar a revitalização muçulmana, e a riqueza muçulmana levou os 
muçulmanos a passarem do fascínio pela cultura ocidental para um 
profundo envolvimento na sua própria cultura e para uma disposição de 
asseverar o lugar e a importância do Islã em sociedades não-islâmicas. 
Da mesma forma que a riqueza ocidental tinha anteriormente sido vista 
como prova da superioridade da cultura ocidental, a riqueza do petróleo 
foi vista como prova da superioridade do Islã. 

O ímpeto proporcionado pelos aumentos dos preços do petróleo 
nos anos 80 se desfez, mas o crescimento populacional continuou 
provendo uma força motriz. Enquanto a ascensão na Ásia Oriental foi 
alimentada por espetaculares taxas de crescimento econômico, o Res¬ 
surgimento Islâmico foi alimentado por taxas igualmente espetaculares 
de crescimento populacional. A expansão populacional nos países 
islâmicos, especialmente nos Bálcãs, no Norte da África e na Ásia Central 
foi significativamente maior do que a dos países vizinhos e do mundo 


em geral. Entre 1965 e 1990, a população total da Terra subiu de 3,3 
bilhões para 5,3 bilhões de pessoas, ou seja, uma taxa de crescimento 
anual de 1,85 por cento. Nas sociedades muçulmanas, as taxas de 
crescimento quase sempre estiveram acima de dois por cento, passando 
freqüentemente de 2,5 por cento e, às vezes, ficando acima de três por 
cento. Entre 1965 e 1990, por exemplo, a população do Maghreb 
aumentou a uma taxa de 2,65 por cento ao ano, passando de 29,8 milhões 
para 59 milhões, com os argelinos se multiplicando a uma taxa anual de 
três por cento. Durante esses mesmos anos, o número de egípcios subiu 
a uma taxa de 2,3 por cento, de 29,4 milhões para 52,4 milhões de 
pessoas. Na Ásia Central, entre 1970 e 1993, as populações cresceram a 
taxas de 2,9 por cento no Tadjiquistão, 2,6 por cento no Uzbequistão, 
2,5 por cento no Turcomemistão, 1,9 por cento na Quirguízia, porém 
apenas 1,1 por cento no Casaquistão, onde quase metade da população 
é russa. O Paquistão e Bangladesh tiveram taxas de crescimento popu¬ 
lacional excedendo 2,5 por cento ao ano, enquanto a da Indonésia ficou 
acima de dois por cento ao ano. De forma geral, os muçulmanos, como 
mencionamos, constituíam talvez 18 por cento da população mundial em 
1980 e provavelmente representarão 23 por cento no ano 2000 e 31 por 
cento em 2025. 34 

As taxas de crescimento populacional no Maghreb e em outras 
regiões chegaram ao seu ápice e estão começando a declinar, porém o 
crescimento, em números absolutos, continuará sendo grande e o 
impacto desse crescimento se fará sentir durante toda a primeira parte 
do século XXI. Por muitos anos ainda, as populações muçulmanas serão 
compostas de modo desproporcional por pessoas jovens, com um bolsão 
demográfico notável de adolescentes e pessoas na faixa etária dos 20 
anos (Figura 5.2). Além disso, as pessoas nessas coortes etárias serão 
predominantemente urbanas e terão, em sua grande maioria, pelo menos 
educação secundária. Essa combinação de tamanho e mobilidade social 
tem três conseqüências políticas significativas. 

Em primeiro lugar, as pessoas jovens são os protagonistas dos 
protestos, da instabilidade, da reforma e da revolução. Historicamente, a 
existência de grandes coortes de jovens tendeu a coincidir com movi¬ 
mentos dessa natureza. Já foi dito que “a Reforma protestante é um 
exemplo de um dos mais destacados movimentos de jovens da História”. 
Jack Goldstone sustentou, de forma convincente, que o crescimento 
demográfico foi um fator fundamental nas duas ondas de revoluções que 
ocorreram na Eurãsia em meados do século XVII e no final do século 


144 


I 


Figura 5.2 

0 Desafio Demográfico: o Islã, a Rússia e o Ocidente 



—■— USA —*— Países muçulmanos Europa Federação Russa 

Fonte: Nações Unidas, Divisão de População, Departamento de Informação Econômica e Social e Análise de 
Políticas, World Population Prospects, The 1994 Revision [Perspectivas para a População Mundial, a Revisão de 
1994] (Nova York: Nações Unidas, 1995); Nações Unidas, Divisão de População, Departamento de Informação 
Econômica e Social e Análise de Políticas, Sex and Age Distribution oi the World Populations , The 1994 Revision 
[Distribuição das Populações do Mundo por Sexo e Idade, a Revisão de 1994] (Nova York: Nações Unidas, 1994). 

XVIII. 35 Uma expansão notável da proporção de jovens nos países 
ocidentais coincidiu com a “Idade da Revolução Democrática” nas duas 
últimas décadas do século XVIII. No século XIX, o êxito da indus¬ 
trialização e a emigração reduziram o impacto político das populações 
jovens das sociedades européias. Contudo, a proporção de jovens subiu 
de novo na década de 20, provendo recrutas para o fascismo e outros 
movimentos extremistas. 36 Quatro décadas depois, a geração do surto de 
bebês após a II Guerra Mundial deixou sua marca, do ponto de vista 
político, nas manifestações de rua e protestos dos anos 60. 

A juventude do Islã está deixando sua marca no Ressurgimento 
Islâmico. Quando o Ressurgimento se iniciou, nos anos 70, e tomou 
velocidade nos anos 80, a proporção de jovens (isto é, pessoas entre 15 
e 24 anos de idade) cresceu de modo significativo nos principais países 
muçulmanos e começou a ultrapassar os 20 por cento do total da 
população. Em muitos países muçulmanos, o bolsão de jovens chegou 
ao ápice nas décadas de 70 e 80 e, em outros, irá atingir seu ápice no 
início do próximo século (ver Quadro 5.1). Os ápices atingidos ou 





;0i 


prognosticados em todos esses países estão acima de 20 por cento, com 
uma única exceção. O ápice prognosticado para a Arábia Saudita na 
primeira década do século XXI fica pouco aquém desse nível. 

Esses jovens fornecem os recrutas para as organizações e os 
movimentos políticos fundamentalistas islâmicos. Talvez não seja intei¬ 
ramente por coincidência que a proporção de jovens na população 
iraniana subiu de forma espetacular nos anos 70, atingindo 20 por cento 
na última metade daquela década, e que a Revolução Iraniana ocorreu 
em 1979, ou que essa proporção foi atingida na Argélia no início dos 
anos 90, justamente quando a FIS fundamentalista islâmica estava 
conquistando o apoio popular e logrando vitórias eleitorais. 

Também ocorrem algumas variações regionais no bolsão de jovens, 
que podem ter algum significado (ver Figura 5.3). Embora esses dados 
tenham que ser tratados com cautela, as projeções sugerem que as 
proporções de jovens bósnios e albaneses vão declinar de forma abrupta 
na virada do século, o que poderia facilitar a paz com a antiga Iugoslávia 
ou encorajar mais violências sérvias e croatas contra os muçulmanos. O 
bolsão de jovens irá, por outro lado, permanecer grande nos Estados do 
Golfo. Em 1988, o príncipe herdeiro Abdullah, da Arábia Saudita, disse 
que a maior ameaça para o seu país era o crescimento do fun- 
damentalismo islâmico entre a juventude. 37 Segundo essas projeções, 
essa ameaça persistirá até bem adiante no século XXL 


Quadro 5.1 

Bolsão de Jovens nos Países Islâmicos 


1970 

1980 

1990 

2000 

2010 

Bahrein 

Azerbaijão 

Bangladesh 

Arábia Saudita 

Afeganistão 

Bósnia 

Quirguízia 

Indonésia 

Kuwait 

Líbia 

Casaquistão 

Tadjiquistão 

Iraque 

Tadjiquistão 

Omã 

EAU 

Turcomenistão 

Jordânia 

Turcomenistão 

Quirguízia 

Egito 

Malásia 

Marrocos 

Egito 

Malásia 

Irã 

Paquistão 

Argélia 

Irã 

Paquistão 


Turquia 


Sudão 

Síria 


lêmen 



lêmen 


Albânia 



Jordânia 


Síria 



Iraque 


Tunísia 


Décadas nas quais o número de jovens de 15 a 24 anos de idade chegou ou deve chegar ao ápice em relação 
ao total da população. 


Fonte; Ver Figura 5.2. 


”* /~m 


Porcentagem sobre o Total da População / 
Faixa Etária 15-24 


Figura 5.3 

BoisõES de Jovens Muçulmanos por Região 



1965 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2025 


—■—Bálcãs Países do Golfo Norte da África -o-* Sudeste Asiático 

—& Ásia Central - + - Oriente Médio —Ásia Meridional 

Fonte*. Nações Unidas, Divisão de População, Departamento de Informação Econômica e Social e Análise de 
Políticas, World Population Prospects, The 1994 Revision [Perspectivas para a População Mundial, A Revisão de 
1994] (Nova York: Nações Unidas, 1995); Nações Unidas, Divisão de População, Departamento de Informação 
Econômica e Social e Análise de Políticas, SexandAge Distribution of the World Populations, The 1994 Revision 
[Distribuição das Populações do Mundo por Sexo e Idade, a Revisão de 1994] (Nova York: Nações Unidas, 1994). 

As taxas de crescimento populacional natural nos principais países 
muçulmanos (Argélia, Egito, Marrocos, Síria, Tunísia) chegaram ao ápice 
entre 1970 e 1990 e, por conseguinte, a quantidade de pessoas no começo 
da faixa dos 20 anos de idade à procura de emprego irá se expandir até 
2010. Por comparação com 1990, os que ingressam no mercado de 
trabalho aumentarão em 30 por cento na Tunísia, em cerca de 50 por 
cento na Argélia, Egito e Marrocos e em mais de 100 por cento na Síria. 
A rápida expansão da alfabetização nas sociedades árabes também cria 
um hiato entre a geração mais moça alfabetizada e uma geração mais 
velha em grande parte analfabeta e, desse modo, produz "uma dis¬ 
sociação entre conhecimento e poder” capaz de “gerar pressão sobre o 
sistema político”. 38 

Populações maiores necessitam de mais recursos e, por conseguin¬ 
te, as pessoas em sociedades com populações densas ou em rápido 
crescimento tendem a um movimento centrífugo, a ocupar territórios e 
a exercer pressão sobre outros povos menos dinâmicos demograficamen- 
te. Desse modo, o crescimento populacional islâmico é um importante 
fator, que contribui para os conflitos ao longo das fronteiras do mundo 
islâmico, entre muçulmanos e outros povos. A pressão populacional, 
combinada com a estagnação econômica, promove a migração muçul¬ 
mana para a sociedade ocidental e outras sociedades não-ocidentais, 
elevando a imigração à condição de um problema nas mesmas. A 
justaposição de um povo em rápido crescimento de uma cultura e um 
povo crescendo pouco ou estagnado de outra cultura gera pressões por 
ajustes econômicos e/ou políticos em ambas as sociedades. Nos anos 70, 
por exemplo, o equilíbrio demográfico na ex-Uniào Soviética alterou-se 
de forma espetacular com os muçulmanos aumentando em 24 por cento, 
enquanto os russos aumentaram em 6,5 por cento, o que causou grande 
preocupação nos dirigentes comunistas centro-asiáticos, e o aumento de 
26 por cento dos chechenos durante a década de 80 não facilitou seu 
relacionamento com os russos. 39 De forma análoga, o rápido crescimento 
da quantidade de albaneses não tranqüiliza os sérvios, gregos ou 
italianos. Os israelenses estão preocupados com as altas taxas de 
crescimento dos palestinos. A Espanha, com uma população que cresce 
a menos de um quinto de um por cento ao ano, está inquieta ao se ver 
confrontada pelos vizinhos do Maghreb, com populações que estão 
crescendo mais de 10 vezes mais rápido e com PNBs per capita crescendo 
a apenas um décimo da taxa de aumento do PNB espanhol. 

Desafios em Mutação 

Nenhuma sociedade pode manter indefinidamente um crescimento 
econômico de dois dígitos, e o surto econômico asiático irá se estabilizar 
em algum momento no começo do século XXI. As taxas de crescimento 
econômico japonês caíram substancialmente em meados dos anos 70 e, 
daí por diante, não foram significativamente mais elevadas do que as dos 
Estados Unidos e países europeus. Um por um, os Estados asiáticos com 
“milagres econômicos” verão suas taxas de crescimento declinarem e se 
aproximarem dos níveis “normais” mantidos em economias complexas. 
Analogamente, nenhuma revitalização religiosa ou movimento cultural 
dura indefinidamente e, em algum momento, o Ressurgimento Islâmico 
irá diminuir e desaparecer na História. A maior probabilidade é a de que 
isso aconteça quando o impulso demográfico que o está movendo se 
enfraquecer na segunda e terceira décadas do século XXI. Nessa ocasião, 
as fileiras de militantes, guerreiros e migrantes diminuirão e os altos níveis 
de conflito no seio do Islã e entre muçulmanos e outros povos (ver 
Capítulo 10) provavelmente declinarão. O relacionamento entre o Islã e 
o Ocidente não se estreitará, mas ficará menos conflituoso, e uma situação 
de quase guerra (ver Capítulo 9) provavelmente cederá lugar a uma 
guerra fria ou, talvez, a uma paz fria. 

Entretanto, durante as próximas décadas, o crescimento econômico 
asiático e a pressão populacional muçulmana terão efeitos profun¬ 
damente desestabilizadores sobre a ordem internacional existente, de 
predomínio ocidental. O aumento mais significativo de recursos de poder 
e de influência nas questões mundiais irá para as sociedades asiático- 
orientais, que estão passando por um rápido crescimento econômico. Se 
isso continuar por cerca de mais outra década, o desenvolvimento da 
China produzirá uma alteração imensa do poder entre as civilizações. 
Além disso, nessa ocasião a índia poderia estar em meio a um rápido 
desenvolvimento econômico e emergindo como um ator principal no 
cenário mundial. Enquanto isso, o crescimento populacional muçulmano 
também terá efeitos desestabilizadores significativos sobre o equilíbrio 
de poder mundial. As grandes quantidades de jovens com educação 
secundária continuarão a impelir o Ressurgimento Islâmico e a promover 
maior militância, militarismo e migração muçulmanos. Como resultado, 
as décadas vindouras verão o continuado ressurgimento de poder e 
cultura não-ocidentais e o choque de povos de civilizações não-ociden¬ 
tais com o Ocidente e entre si. 



A Ordem Emergente das Civilizações 


Capítulo 6 

A Reconfiguração Cultural da Política Mundial 

Em Busca de Agrupamentos: a Política da Identificação 

E sporeada pela modernização, a política mundial está sendo recon¬ 
figurada segundo linhas culturais. Os povos e os países com cul¬ 
turas parecidas estão se juntando. Os povos e países com culturas 
diferentes estão se afastando. Os alinhamentos definidos pela ideologia 
e pelos relacionamentos de superpotências estão dando lugar aos 
alinhamentos definidos pela cultura e pela civilização. As fronteiras 
políticas estão cada vez mais sendo redesenhadas para coincidir com as 
fronteiras culturais: étnicas, religiosas e civilizacionais. As comunidades 
culturais estão substituindo os blocos da Guerra Fria, e as linhas de fratura 
entre as civilizações estão se tomando as linhas fundamentais de conflito 
na política mundial. 

Durante a Guerra Fria, um país podia ser não-alinhado, como 
muitos eram, ou, como faziam alguns, podia mudar seu alinhamento de 
um lado para outro. Os dirigentes de um país podiam fazer essas opções 
em função das suas percepções dos seus interesses de segurança, suas 
avaliações do equilíbrio de poder e suas preferências ideológicas. No 
mundo novo, entretanto, a identidade cultural é o fator essencial para 
moldar as associações e os antagonismos de um país. Enquanto que um 
país podia evitar se alinhar no contexto da Guerra Fria, ele não pode 
prescindir de identidade. A pergunta “De que lado você está?” foi 
substituída pela pergunta muito mais fundamental “Quem você é?”. Todos 
os Estados precisam ter uma resposta para essa pergunta. A resposta — 
sua identidade cultural — define o lugar desse Estado na política mundial, 
seus amigos e seus inimigos. 

Os anos 90 viram a erupção de uma crise mundial de identidade. 
Praticamente, para onde quer que se olhe, depara-se com as pessoas se 
perguntando “Quem somos?”, “Qual o nosso lugar?” e “Quem não é como 
nós?”. Essas indagações são essenciais não apenas para os povos que 
estão tentando forjar novos Estados-nações, como na antiga Iugoslávia, 
mas também de forma muito mais genérica. Em meados dos anos 90, os 
países nos quais as questões referentes à identidade nacional eram 
debatidas de forma ativa incluíam, entre outros, os seguintes: Argélia, 
Canadá, China, Alemanha, Grã-Bretanha, índia, Irã, Japão, México, 
Marrocos, Rússia, África do Sul, Síria, Tunísia, Turquia, Ucrânia e Estados 
Unidos. As questões de identidade são, é claro, particularmente impor¬ 
tantes em países fendidos, que contam com grupos consideráveis de 
pessoas de civilizações diferentes. 

Ao lidar com uma crise de identidade, o que conta para as pessoas 
é sangue e crença, fé e família. As pessoas se congregam com as que 
têm semelhanças de ascendência, religião, idioma, valores e instituições, 
e se distanciam daquelas com diferenças nesses aspectos. Na Europa, a 
Áustria, a Finlândia e a Suécia, culturalmente parte do Ocidente, tiveram 
que se manter divorciadas do Ocidente e neutras durante a Guerra Fria, 
e atualmente estão em condições de se juntar a seus semelhantes culturais 
na União Européia. Os países católicos e protestantes do antigo Pacto de 
Varsóvia — Polônia, Hungria, República Checa e Eslováquia — estão se 
encaminhando para ingressarem na União Européia e na OTAN, e os 
Estados bálticos estão entrando na fila atrás deles. As potências européias 
deixam claro que não querem um Estado muçulmano, a Turquia, na 
União Européia, e não vêem com agrado a existência de um segundo 
Estado muçulmano, a Bósnia, no continente europeu. Ao norte, o fim da 
União Soviética estimulou o surgimento de novos (e antigos) padrões de 
associação entre as repúblicas do Báltico e também entre estas, a Suécia 
e a Finlândia. O primeiro-ministro sueco recordou expressamente à 
Rússia que as repúblicas do Báltico fazem parte do “exterior próximo” 
da Suécia e que esta não poderia permanecer neutra na eventualidade 
de uma agressão russa contra elas. 

Nos Bálcãs, ocorrem realinhamentos semelhantes. Durante a Guerra 
Fria, a Grécia e a Turquia pertenciam à OTAN, a Bulgária e a Romênia 

1C Á 

pertenciam ao Pacto de Varsóvia, a Iugoslávia era não-alinhada e a 
Albânia era um país isolado em algum momento associado à China 
comunista. Atualmente, esses alinhamentos da época da Guerra Fria estão 
cedendo lugar a alinhamentos civilizacionais baseados no Islamismo e 
na Ortodoxia. Os líderes balcânicos falam de concretizar uma aliança 
ortodoxa greco-sérvio-búlgara. O primeiro-ministro grego alega que as 
“guerras balcânicas (...) trouxeram à tona a reverberação dos laços 
ortodoxos. (...) isso constitui um vínculo. Ele estava latente, porém, com 
os acontecimentos nos Bálcãs, está assumindo substância concreta. Num 
mundo muito fluido, as pessoas estão em busca de identidade e de 
segurança. As pessoas estão procurando raízes e ligações para se 
defenderem do desconhecido”. Essas opiniões são repetidas pelo líder 
do principal partido de oposição na Sérvia: “A situação no sudeste 
europeu logo exigirá a formação de uma nova aliança balcânica de países 
ortodoxos, inclusive a Sérvia, a Bulgária e a Grécia, a fim de resistir aos 
avanços do Islã.” Olhando para o norte, a Sérvia e a Romênia ortodoxas 
cooperam intimamente com a Hungria católica. Com o desaparecimento 
da ameaça soviética, a aliança “antinatural” entre Grécia e Turquia fica 
sem sentido, à medida que se intensificam os conflitos entre elas por 
causa do Mar Egeu, de Chipre, do seu equilíbrio militar, seus papéis na 
OTAN e na União Européia, e seus respectivos relacionamentos com os 
Estados Unidos. A Turquia reafirma seu papel de protetora dos muçul¬ 
manos balcânicos e proporciona apoio à Bósnia. Na antiga Iugoslávia, a 
Rússia apoia a Sérvia ortodoxa, a Alemanha promove a Croácia católica, 
os países muçulmanos acorrem em apoio do governo da Bósnia e os 
sérvios combatem os croatas, os muçulmanos bósnios e os muçulmanos 
albaneses. De modo generalizado, os Bálcãs voltaram a ficar balcanizados 
segundo linhas religiosas. Como assinalou Misha Glenny, “estão surgindo 
dois eixos, um envergando o traje da ortodoxia oriental e o outro coberto 
com as vestes islâmicas”, e existe a possibilidade de “uma luta cada vez 
maior por influência entre o eixo Belgrado-Atenas e a aliança Albânia- 
Turquia”. 1 

Enquanto isso, na antiga União Soviética, a Bielo-Rússia, a Moldova 
e a Ucrânia ortodoxas gravitam em direção à Rússia, e os armênios e azeris 
lutam entre si enquanto seus parentes russos e turcos tentam, ao mesmo 
tempo, apoiá-los e conter o conflito. O exército russo luta contra fun- 
damentalistas muçulmanos no Tadjiquistão e nacionalistas muçulmanos na 
Chechênia. As ex-repúblicas soviéticas muçulmanas trabalham para desen¬ 
volver e expandir seus laços com seus vizinhos muçulmanos, enquanto 

1SS 

Turquia, Irã e Arábia Saudita dedicam grande esforço para cultivar as 
relações com esses novos Estados. No Subcontinente, permanece o 
desentendimento entre a índia e o Paquistão por causa de Caxemira e 
da relação de poder militar entre os dois países. Além disso, os combates 
em Caxemira se intensificam e surgem novos conflitos entre os fun- 
damentalistas muçulmanos e os hindus. 

Na Ásia Oriental, onde vivem povos de seis civilizações diferentes, 
o rearmamento está ganhando impulso e as disputas territoriais estão 
surgindo. As três Chinas menores e as comunidades chinesas nos países 
do Sudeste Asiático estão ficando cada vez mais orientadas para a China 
continental, envolvidas com ela e dela dependentes. As duas Coréias se 
movem de forma titubeante, porém significativa, no rumo da unificação. 
As relações nos Estados do Sudeste Asiático entre os muçulmanos, de 
um lado, e os chineses e cristãos, do outro, se tornam cada vez mais 
tensas e, às vezes, ficam violentas. 

Na América Latina, as associações econômicas — Mercosul, o Pacto 
Andino, o pacto tripartite (México, Colômbia e Venezuela), o Mercado 
Comum Centro-americano — estão tendo uma nova vitalidade, reafir¬ 
mando a tese, demonstrada de forma mais nítida pela União Européia, de 
que a integração econômica caminha mais depressa e vai mais longe quando 
está baseada em aspectos culturais em comum. Ao mesmo tempo, os Estados 
Unidos e o Canadá tentam absorver o México no NAFTA (Acordo Norte- 
americano de Livre Comércio) num processo cujo êxito a longo prazo 
depende essencialmente da capacidade do México de se redefinir 
culturalmente de latino-americano para norte-americano. 

Com o fim do ordenamento da Guerra Fria, os países pelo mundo 
afora estão assim desenvolvendo novos antagonismos e filiações e 
revigorando os antigos. Estão em busca de agrupamentos e os estão 
encontrando com países de culturas parecidas e da mesma civilização. 
Os políticos invocam comunidades culturais “grandes” — com as quais 
as pessoas se identificam ; —, que transcendem as fronteiras dos Estados- 
nações, dentre as quais estão a “Grande Sérvia”, a “Grande China”, a 
“Grande Turquia”, a “Grande Hungria”, a “Grande Croácia”, o “Grande 
Azerbaijão”, a “Grande Rússia”, a “Grande Albânia”, o “Grande Irã” e o 
“Grande Uzbequistão”. 

Irão os alinhamentos políticos e econômicos coincidir sempre com 
os culturais e civilizacionais? É claro que não. Considerações relativas ao 
equilíbrio de poder levarão, algumas vezes, a alianças que cortarão as 
fronteiras civilizacionais, como aconteceu quando Francisco I se juntou 
aos otomanos contra os Habsburgos. Além disso, padrões de associação 
formados para atender aos propósitos de Estados numa era persistirão 
na era seguinte. Entretanto, eles têm a probabilidade de se tomarem mais 
fracos e terem menos sentido, sendo então adaptados para atender os 
propósitos da nova era. A Grécia e a Turquia continuarão, sem dúvida 
alguma, como membros da OTAN, porém seus vínculos com outros 
membros da OTAN provavelmente irão se atenuar. O mesmo acontecerá 
com as alianças dos Estados Unidos com o Japão e com a Coréia do Sul, 
sua aliança defacto com Israel e seus laços de segurança com o Paquistão. 
Organizações internacionais multicivilizacionais, como a ASEAN, podem 
defrontar-se com dificuldade crescente para manter sua coerência. Países 
como a índia e o Paquistão, que eram parceiros de diferentes superpo¬ 
tências durante a Guerra Fria, agora redefinem seus interesses e procuram 
novas associações que reflitam as realidades da política cultural. Os países 
africanos que dependiam do apoio ocidental, configurado para se 
contrapor à influência soviética, olham agora cada vez mais para a África 
do Sul em busca de liderança e ajuda. 

Por que devem os aspectos culturais em comum facilitar a coope¬ 
ração e a coesão entre os povos e devem as diferenças culturais promover 
fissuras e conflitos? 

Em primeiro lugar, todos têm identidades múltiplas que podem 
competir umas com as outras e reforçar umas em relação às outras: 
identificações por parentesco, ocupação, cultura, instituição, território, 
educação, partidarismo, ideologia, entre outras. Identificações em função 
de uma dimensão podem se chocar com as relativas a outra dimensão. 
Um caso clássico é o dos trabalhadores alemães em 1914, que tiveram 
que escolher entre a identificação de classe com o proletariado interna¬ 
cional e sua identificação nacional com o povo e o império alemães. No 
mundo contemporâneo, a identificação por cultura está aumentando de 
importância de forma espetacular em comparação com outras dimensões 
de identificação. 

No contexto de qualquer dimensão isolada, a identificação geral¬ 
mente tem mais significação no nível imediato de pessoa para pessoa. 
Entretanto, identificações mais estreitas não entram necessariamente em 
conflito com identificações mais amplas. Um oficial pode se identificar, 
em termos institucionais, com sua companhia, regimento, divisão e força. 
Analogamente, uma pessoa pode se identificar culturalmente com seu 
clã, grupo étnico, nacionalidade, religião e civilização. A maior proemi¬ 
nência da identificação cultural nos níveis inferiores bem pode reforçar 

156 

157 

sua proeminência em níveis superiores. Como sugeriu Burke, “o amor 
pelo todo não se extingue por essa simpatia subordinada. (...) Sentir-se 
ligado à subdivisão, amar o pequeno pelotão a que pertencemos na 
sociedade, é o primeiro princípio (a semente, por assim dizer) das afeições 
das pessoas”. Num mundo em que a cultura conta, os pelotões são as tribos 
e os grupos étnicos, os regimentos são as nações e os exércitos são as 
civilizações. O grau maior com que as pessoas, pelo mundo afora, se 
diferenciam entre si segundo linhas culturais significa que os conflitos entre 
os grupos culturais são cada vez mais importantes. As civilizações são as 
entidades culturais mais amplas e, por conseguinte, os conflitos entre os grupos 
de diferentes civilizações se tomam fundamentais para a política mun dial 
Em segundo lugar, como se expõe nos Capítulos 3 e 4, a maior 
proeminência da identificação pela cultura é, em grande parte, resultado 
da modernização sócio-econômica tanto no nível individual, no qual o 
transtorno e a alienação criam a necessidade de identificações mais 
significativas, como no nível societário, no qual a maior capacidade e o 
maior poder das sociedades não-ocidentais estimulam a revitalização das 
identidades e cultura autóctones. O surgimento simultâneo de movimen¬ 
tos fundamentalistas” em praticamente todas as religiões principais é 
uma manifestação desse desdobramento, e la revanche de Dieu não está 
restrita aos grupos fundamentalistas. 

Em terceiro lugar, a identificação em qualquer nível — pessoal, 
tribal, racial, civilizacional — só pode ser definida em relação a uma “outra” 
uma pessoa, tribo, raça ou civilização diferente. Historicamente, as 
relações entre Estados ou outras entidades de uma mesma civilização 
diferem das relações entre Estados ou outras entidades de civilizações 
diferentes. Códigos separados governam o comportamento para com 
aqueles que são como nós” e os “bárbaros”, que não são. As regras das 
nações da Cristandade para lidarem umas com as outras eram diferentes 
daquelas para lidarem com os turcos e outros “pagãos”. Os muçulmanos 
agiam de forma diferente para com os do Daral-Islam e os do Daral-harb. 
Os chineses tratavam os estrangeiros chineses e os estrangeiros não-chineses 
de maneira diferente. O “nós” civilizacional e o “eles” extracivilizacional 
é uma constante na História da Humanidade. Essas diferenças de 
comportamento intracivilizacional e extracivilizacional provêm de: 

1. sentimentos de superioridade (e, ocasionalmente, de inferiorida¬ 
de) em relação às pessoas que são percebidas como sendo muito 
diferentes; 

158 

2. receio de tais pessoas e falta de confiança nelas; 

3. dificuldade de comunicação com elas em decorrência de diferen¬ 
ças de idiomas e do que se considera como comportamento 
educado; 

4. falta de familiaridade com os pressupostos, as motivações, os 
relacionamentos sociais e as práticas sociais de outras pessoas. 

No mundo atual, os progressos em transportes e comunicações 
produziram interações mais freqüentes, mais intensas, mais simétricas e mais 
abrangentes entre pessoas de civilizações diferentes. Em conseqüência, suas 
identidades civilizacionais tomam-se cada vez mais proeminentes. Os 
franceses, os alemães, os belgas e os holandeses cada vez mais pensam em 
si como europeus. Os muçulmanos do Oriente Médio se identificam com 
os bósnios e os chechênios e acorrem em seu apoio. Os chineses em todo 
o Sudeste Asiático identificam os seus interesses com os da China continen¬ 
tal. Os russos se identificam com os sérvios e outros povos ortodoxos, e os 
apoiam. Esses níveis mais amplos de identificação civilizacional significam 
uma percepção mais profunda das diferenças civilizacionais e da neces¬ 
sidade de proteger aquilo que distingue “nós” de “eles”. 

Em quarto lugar, as fontes de conflito entre Estados e grupos de 
civilizações diferentes são, em grande medida, aquelas que sempre 
geraram conflito entre grupos de pessoas: o controle de pessoas, de 
território, de riqueza, de recursos naturais e de poder relativo. Poder 
relativo é a capacidade que alguém tem de impor seus próprios valores, 
cultura e instituições a outro grupo, comparada com a capacidade desse 
grupo de fazer a mesma coisa no sentido inverso. Entretanto, o conflito 
entre grupos culturais pode também envolver questões culturais. As 
diferenças em termos de ideologia secular entre o marxismo-leninismo 
e a democracia liberal podem pelo menos ser debatidas, ainda que não 
resolvidas. As diferenças em termos de interesses materiais podem ser 
negociadas e muitas vezes acertadas por meio de uma acomodação de 
uma maneira que não é possível nas questões culturais. É improvável 
que hindus e muçulmanos resolvam a questão sobre se deve ser 
construído um templo ou uma mesquita em Ayodhya edificando ambos, 
nenhum dos dois ou um prédio sincrético que servisse de mesquita e de 
templo. Nem tampouco pode ser resolvida com facilidade o que poderia 
parecer uma questão territorial simples entre muçulmanos albaneses e 
sérvios ortodoxos a respeito de Kosovo, ou entre judeus e árabes a 
respeito de Jerusalém, porque cada um desses lugares tem um profundo 

159 

significado histórico, cultural e emocional para ambos os povos em cada 
uma dessas questões. Analogamente, não é provável que ou as autori¬ 
dades francesas ou os pais muçulmanos aceitem uma fórmula de acomo¬ 
dação que permitida que as meninas usassem vestimentas muçulmanas dia 
sim e outro não para ir às aulas. Questões culturais como essas envolvem 
uma escolha entre sim e não, uma opção entre extremos opostos. 

Em quinto e último lugar, está a ubiqüidade do conflito. Odiar é 
humano. Para sua autodefinição e motivação, as pessoas precisam de 
inimigos: concorrentes nos negócios, rivais nas realizações, adversários 
na política. Elas naturalmente desconfiam daqueles que são diferentes e 
que têm a capacidade de lhes causar prejuízo e as vêem como ameaças. 
A resolução de um conflito e o desaparecimento de um inimigo geram 
forças pessoais, sociais e políticas que fazem surgir outros. Como disse 
Ali Mazrui, “a tendência do ‘nós’ contra ‘eles’ é, na arena política, quase 
universal”. 2 No mundo contemporâneo, o “eles” tem uma probabilidade 
cada vez maior de se referir a pessoas de uma civilização diferente. O 
fim da Guerra Fria não acabou com os conflitos, fez surgirem novas 
identificações enraizadas na cultura e novos padrões de conflitos entre 
grupos de culturas diferentes que, em seu nível mais amplo, são 
civilizações. Simultaneamente, a cultura em comum também estimula a 
cooperação entre Estados e grupos que compartilham dessa cultura, 
como pode ser visto nos padrões que estão surgindo de associação 
regional entre países, especialmente no campo econômico. 

A Cultura e a Cooperação econômica 

No início dos anos 90, muito se ouviu falar de regionalismo e de 
regionalização da política mundial. Os conflitos regionais substituíram o 
conflito global na agenda de segurança do mundo. As grandes potências, 
como a Rússia, a China e os Estados Unidos, bem como as potências 
secundárias, como a Suécia e a Turquia, redefiniram seus interesses de 
segurança em termos explicitamente regionais. O comércio internacional 
dentro das regiões se expandiu mais depressa do que o comércio 
internacional entre as regiões, e muitos predisseram o surgimento de 
blocos econômicos regionais — europeu, norte-americano, asiático- 
oriental e talvez outros, 

O termo “regionalismo”, entretanto, não descreve de modo adequa¬ 
do o que está acontecendo. As regiões são entidades geográficas, não 
políticas ou culturais. Como ocorre nos Bálcãs ou no Oriente Médio, elas 

ç. 

podem ser rachadas por conflitos intercivilizacionais e intracivilizacionais. 
As regiões são a base para a cooperação entre os Estados, unicamente 
na medida em que a geografia coincida com a cultura. Divorciada da cultura, 
a propinqüidade não gera por si só aspectos em comum e pode mesmo 
induzir exatamente o oposto. As alianças militares e as associações econô¬ 
micas requerem a cooperação entre os seus membros, a cooperação 
depende da confiança e a confiança brota mais facilmente de valores e 
cultura em comum. Em conseqüência, embora o tempo de existência e 
a finalidade também tenham relevância, a eficácia total das organizações 
regionais em geral varia na proporção inversa da diversidade civilizacio- 
nal de seus membros. De forma generalizada, as organizações de uma 
só civilização fazem e conseguem mais coisas do que as organizações 
multicivilizacionais. Isso se aplica tanto a organizações políticas e de 
segurança, de um lado, como a organizações econômicas, de outro. 

O êxito da OTAN resultou em grande parte do fato de ela ser a 
organização de segurança fundamental de países ocidentais com valores 
e pressupostos filosóficos em comum. A União Européia Ocidental é o 
produto de uma cultura européia comum. A Organização para a Segu¬ 
rança e a Cooperação na Europa, por outro lado, inclui países de pelo 
menos três civilizações, com valores e interesses bastante diferentes, o 
que cria grandes obstáculos a que ela desenvolva uma identidade 
institucional importante e uma vasta gama de atividades importantes. A 
Comunidade do Caribe (Caricom), de uma única civilização, composta 
de 13 ex-colônias britânicas anglófonas, criou grande variedade de 
arranjos de cooperação, com uma cooperação mais intensa entre alguns 
subgrupos. Entretanto, as tentativas de criação de organizações caribe- 
nhas mais amplas, passando por cima da linha de fratura anglo-hispânica 
no Caribe, fracassaram de modo sistemático. Analogamente, a Associação 
para a Cooperação Regional da Ásia Meridional, formada em 1985 e 
abrangendo sete Estados hindus, muçulmanos e budistas, foi quase 
inteiramente ineficiente, chegando mesmo ao ponto de não conseguir 
realizar reuniões. 5 

A relação da cultura com o regionalismo fica mais evidente no 
contexto da integração econômica. Partindo da menor para a maior 
integração, reconhecem-se quatro níveis de associação econômica entre 
países: 

1. área de livre comércio 

2. união aduaneira 


160 

3- mercado comum 

4. união econômica 

A União Européia foi a que avançou mais longe pela estrada da 
integração, com um mercado comum e muitos dos elementos de uma 
união econômica. Os países relativamente homogêneos do Mercosul e 
do Pacto Andino estavam, em 1994, em vias de estabelecer uma união 
aduaneira. Na Ásia, a ASEAN, multicivilizacional, só começou a se mover 
na direção de desenvolver uma área de livre comércio em 1992. Outras 
organizações econômicas multicivilizacionais ficaram ainda mais para 
trás. Em 1995, com a exceção marginal da NAFTA, nenhuma organização 
desse tipo havia criado uma área de livre comércio, muito menos 
qualquer forma mais ampla de integração econômica. 

Na Europa Ocidental e na América Latina, os aspectos civilizacionais 
em comum induzem à cooperação e à organização regional. Os europeus 
ocidentais e os latino-americanos sabem que têm muito em comum. Na 
Ásia Oriental, há cinco civilizações (seis se for incluída a Rússia). 
Conseqüentemente, a Ásia Oriental constitui o caso-teste para o desen¬ 
volvimento de organizações efetivas que não estejam baseadas em 
civilização em comum. Ao se chegar ao começo dos anos 90, não havia 
na Ásia Oriental nenhuma organização de segurança ou aliança militar 
multilateral comparável à OTAN. Uma organização regional multicivili¬ 
zacional, a ASEAN, foi criada em 1967, com um Estado sínico, dois 
muçulmanos, um budista e um cristão, todos eles confrontados por ativos 
desafios de subversão comunista e de desafios em potencial por parte 
do Vietnã do Norte e da China. 

A ASEAN é mencionada freqüentemente como um exemplo de uma 
organização multicivilizacional eficaz. Contudo, ela é um exemplo dos 
limites de uma organização desse tipo. Ela não é uma aliança militar. 
Conquanto seus membros às vezes cooperem numa base bilateral, eles 
também estão expandindo seus orçamentos militares e estão engajados 
em programas de rearmamento, num contraste flagrante com as reduções 
que estão fazendo os países europeus ocidentais e latino-americanos. Na 
frente econômica, a ASEAN foi desde o início projetada para conseguir 
“a cooperação econômica mais do que a integração econômica”; em 
conseqüência, o regionalismo se desenvolveu em um “ritmo modesto” e 
até mesmo uma área de livre comércio não está contemplada antes do 
século XXI. 4 Em 1978, a ASEAN criou as Conferências Pós-ministeriais, 
nas quais os seus ministros do Exterior se encontram com os dos 


“Parceiros do Diálogo”: Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Nova 
Zelândia, Coréia do Sul e a União Européia. Essa conferência, entretanto, 
tem sido essencialmente um foro para conversações bilaterais e não foi 
capaz de lidar com “quaisquer questões de segurança importantes”. 5 Em 
1993, a ASEAN gerou uma arena ainda maior, o Fórum Regional da ASEAN, 
que inclui os seus membros e os parceiros de diálogo, e mais Rússia, China, 
Vietnã, Laos e Papua Nova Guiné. Contudo, como seu nome indica, esse 
órgão é um local para conversas coletivas, não para ação coletiva. Os 
membros usaram sua primeira reunião, em julho de 1994, para “ventilar 
suas opiniões sobre questões regionais de segurança”, porém foram 
evitadas questões controvertidas porque, como comentou um funcionᬠ
rio, se elas fossem suscitadas, “os participantes envolvidos começariam a 
se atacar mutuamente”. 6 A ASEAN e seus filhotes demonstram as limitações 
inerentes às organizações regionais multicivilizacionais. 

Só surgirão organizações regionais de peso na Ásia Oriental se 
houver aspectos culturais comuns asiático-orientais suficientes para 
sustentá-las. As sociedades asiático-orientais sem dúvida compartilham 
de algumas coisas em comum, que as diferenciam do Ocidente. O 
primeiro-ministro da Malásia, Mahatir Mohammad, afirma que esses 
aspectos culturais em comum proporcionam uma base para associação e, 
fundamentando-se nela, promoveu a formação do Foro Econômico Asiáti¬ 
co-oriental [East Asian Economic Caucus — EAEC]. Ele incluiria os países 
da ASEAN, Myanmar, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e, o que é mais 
importante, a China e o Japão. Mahatir sustenta que o EAEC está baseado 
numa cultura comum. Ele deve ser considerado “não apenas como um 
grupo geográfico, porque está na Ásia Oriental, mas também como um grupo 
cultural. Embora os asiático-orientais possam ser japoneses, coreanos ou 
indonésios, eles têm certas semelhanças do ponto de vista cultural. (...) Os 
europeus tendem a se congregar e os norte-americanos tendem a se congregar. 
Nós, asiáticos, também deveríamos nos congregar”. Segundo disse um dos 
correligionários de Mahatir, o objetivo do EAEC é aumentar “o comércio 
internacional entre países que têm aspectos em comum aqui na Ásia”7 
A premissa subjacente do EAEC é, portanto, a de que a economia 
segue a cultura. A Austrália, a Nova Zelândia e os Estados Unidos estão 
excluídos do EAEC porque, culturalmente, eles não são asiáticos. Entre¬ 
tanto, o êxito do EAEC depende sobretudo da participação do Japão e 
da China. Mahatir implorou aos japoneses que ingressassem na organi¬ 
zação. Dirigindo-se a uma platéia japonesa, assinalou que “O Japão é 
asiático. O Japão pertence à Ásia Oriental. Vocês não podem desviar-se 
desse fato geocultural. O seu lugar é aqui”. 8 Mas o governo japonês 
relutou em entrar para o EAEC, em parte por receio de irritar os Estados 
Unidos e em parte porque estava dividido quanto a se o Japão devia se 
identificar com a Ásia. Se o Japão ingressar no EAEC, irá dominá-lo, o 
que provavelmente causará receios e incertezas entre seus membros, bem 
como intenso antagonismo por parte da China. Durante vários anos, 
muito se falou sobre a criação pelo Japão de um “bloco do iene” na Ásia 
a fim de contrabalançar a União Européia e o NAFTA. .O Japão, contudo, 
é um país solitário, com poucas ligações culturais com seus vizinhos e, 
ao se chegar a 1995, não se havia concretizado nenhum bloco do iene. 

Apesar de a ASEAN evoluir lentamente, o bloco do iene continuar 
sendo um sonho e o EAEC não decolar, a interação econômica na Ásia 
Oriental se intensificou de forma espetacular. Essa expansão deu origem 
a uma “ininterrupta integração informal” de uma economia internacional 
de base chinesa, em muitos aspectos comparável à Liga Hanseática e 
“talvez conduzindo a um mercado comum chinês de facto ” 9 (ver pp. 
210-218). Na Ásia Oriental, como em outras áreas, os aspectos culturais 
em comum foram o pré-requisito para uma integração econômica 
significativa. 

O fim da Guerra Fria estimulou esforços para a criação de novas 
organizações econômicas regionais e a revitalização de outras dessas 
organizações. O êxito desses esforços dependeu sobretudo da homogenei¬ 
dade cultural dos Estados envolvidos. O plano de Shimon Peres, em 1994, 
de um mercado comum do Oriente Médio, provavelmente continuará sendo 
uma “miragem do deserto” ainda por algum tempo. Um funcionário árabe 
comentou que “o mundo árabe não tem necessidade alguma de uma 
instituição ou de um banco de desenvolvimento do qual Israel partici¬ 
pe”. 10 A Associação dos Estados Caribenhos, criada em 1994 para vincular 
o Caricom ao Haiti e aos países de língua espanhola da região, mostra 
poucos sinais de estar superando as diferenças lingüísticas e culturais de 
seus membros diversos e a insularidade das ex-colônias britânicas, com sua 
predominante orientação na direção dos Estados Unidos. 11 

Por outro lado, esforços que envolvem organizações culturalmente 
mais homogêneas estão progredindo. Embora divididos segundo linhas 
subcivilizacionais, o Paquistão, o Irã e a Turquia reavivaram em 1985 a 
moribunda Cooperação Regional para o Desenvolvimento, que tinham 
criado em 1977, redesignando-a Organização de Cooperação Econômica. 
Posteriormente lograram-se acordos sobre reduções tarifárias e uma 
variedade de outras providências. Em 1992, a participação na OCE foi 
expandida para incorporar o Afeganistão e as seis ex-repúblicas soviéticas 
muçulmanas. Enquanto isso, em 1991, as cinco ex-repúblicas soviéticas 
da Ásia Central acordaram em princípio criar um mercado comum e, em 
1994, os dois maiores desses países — o Uzbequistão e o Casaquistão 
— assinaram um acordo para permitir “a livre circulação de bens, serviços 
e capitais” e para coordenar suas políticas fiscais, monetárias e aduanei¬ 
ras. Em 1991, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai se uniram no 
Mercosul, com o objetivo de saltar por cima dos estágios normais de 
integração econômica e, ao se chegar a 1995, havia sido implantada uma 
união aduaneira parcial. Em 1990, o até então estagnado Mercado Comum 
Centro-americano implantou uma área de livre comércio e, em 1994, o antes 
igualmente passivo Grupo Andino criou uma união aduaneira. Em 1992, os 
países de Visegrad (Polônia, Hungria, República Checa e Eslováquia) 
acordaram em estabelecer uma Área de Livre Comércio Centro-Européia e, 
em 1994, aceleraram o cronograma de sua concretização. 12 

A expansão do comércio internacional acompanha a integração 
econômica e, durante os anos 80 e começo dos anos 90, o comércio 
intra-regional se tornou cada vez mais importante em relação ao comércio 
inter-regional. O comércio no âmbito da (então) Comunidade Européia 
correspondia a 50,6 por cento do total do comércio internacional da 
Comunidade em 1980, e aumentou para 58,9 ao se chegar a 1989. Na 
América do Norte e na Ásia Oriental, ocorreram alterações análogas no 
comércio regional. Na América Latina, a criação do Mercosul e a 
revitalização do Pacto Andino estimularam um surto do comércio intra- 
latino-americano no começo dos anos 90 e, no período de 1990 a 1993, 
o comércio entre Brasil e Argentina triplicou e o comércio entre Colômbia 
e Venezuela quadruplicou. Em 1994, o Brasil substituiu os Estados Unidos 
como o principal parceiro comercial da Argentina. A criação do NAFTA 
também foi acompanhada, de modo análogo, por um aumento signifi¬ 
cativo do comércio entre o México e os Estados Unidos. O comércio no 
âmbito da Ásia Oriental também se expandiu com maior rapidez do que 
o comércio extra-regional, porém essa expansão foi prejudicada pela 
tendência do Japão de manter fechados os seus mercados. Por outro 
lado, o comércio entre os países da zona cultural chinesa (ASEAN, 
Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e China) cresceu de menos de 20 por 
cento do seu total em 1970 para quase 30 por cento do total em 1992, 
enquanto a parcela desse comércio correspondente ao Japão declinou 
de 23 para 13 por cento. Em 1992, as exportações dos países da zona 
chinesa para países de outras zonas ultrapassaram tanto suas exportações 
para os Estados Unidos como a soma de suas exportações para o Japão 
e a Comunidade Européia. 13 

O Japão, na condição de sociedade e civilização com características 
próprias, enfrenta dificuldades para desenvolver seus laços econômicos 
com a Ásia Oriental e para lidar com suas divergências econômicas com 
os Estados Unidos e a Europa. A despeito do vigor dos vínculos de 
comércio e de investimentos que o Japão possa forjar com outros países 
da Ásia Oriental, suas diferenças culturais com esses países e, em especial, 
com suas elites econômicas predominantemente chinesas o impedem de 
criar um agrupamento econômico regional de liderança japonesa com¬ 
parável ao NAFTA ou à União Européia. Ao mesmo tempo, suas 
diferenças culturais com o Ocidente exacerbam os mal-entendidos e os 
antagonismos no seu relacionamento econômico com os Estados Unidos 
e a Europa. Se, como parece ser o caso, a integração econômica depende 
de aspectos culturais em comum, o Japão, na condição de país cultural¬ 
mente isolado, podería ter um futuro economicamente isolado. 

No passado, os padrões- do comércio internacional entre as 
nações acompanharam e espelharam os padrões das alianças entre 
elas. 14 No mundo que está surgindo, os padrões do comércio interna¬ 
cional sofrerão de forma decisiva a influência dos padrões de cultura. 
Os homens de negócios fazem transações com pessoas que eles 
podem compreender e em quem podem confiar; os Estados cedem 
soberania a associações internacionais compostas de Estados de 
mentalidade semelhante, os quais podem compreender e nos quais 
podem confiar. As raízes da cooperação econômica se encontram nos 
aspectos culturais em comum. 

A ESTRUTURA DAS CIVILIZAÇÕES 

Durante a Guerra Fria, os países se relacionavam com as duas superpo¬ 
tências como aliados, satélites, clientes, neutros, não-alinhados. No 
mundo pós-Guerra Fria, os países se relacionam com as civilizações como 
Estados-membros, Estados-núcleos, países isolados, países fendidos, 
países divididos. Como as tribos e as nações, as civilizações têm estruturas 
políticas. Um Estado-membro é um país que está plenamente identificado 
culturalmente com uma civilização, tal como está o Egito com a civilização 
arábico-islâmica e a Itália com a civilização européia ocidental. Uma 
civilização também pode incluir pessoas que compartilham de sua cultura 
e com ela se identificam, vivendo porém em Estados dominados por 

166 

membros de outra civilização. Geralmente as civilizações têm um ou mais 
lugares considerados por seus membros como a principal fonte ou fontes 
da cultura dessa civilização. Essas fontes estão freqüentemente localizadas 
dentro do Estado-núcleo ou dos Estados-núcleos da civilização respectiva, 
ou seja, seus Estados mais poderosos e culturalmente importantes. 

O número e o papel dos Estados-núcleos variam de uma civilização 
para outra e podem se modificar ao longo do tempo. A civilização 
japonesa é virtualmente idêntica ao único Estado-núcleo japonês. As 
civilizações sínica, ortodoxa e hindu têm, cada uma, um único Estado- 
núcleo amplamente predominante, outros Estados-membros e pessoas 
filiadas à sua civilização vivendo em Estados dominados por pessoas de 
uma civilização diferente (os chineses de ultramar, os russos do “exterior 
próximo”, os tâmiles de Sri Lanka). Historicamente, o Ocidente em geral 
teve vários Estados-núcleos. Atualmente ele possui dois núcleos — os 
Estados Unidos e um núcleo franco-germânico na Europa, com a 
Grã-Bretanha sendo um centro de poder adicional vagando entre os dois. 
O Islã, a América Latina e a África carecem de Estados-núcleos. Isso se 
deve em parte ao imperialismo das potências ocidentais, que dividiram 
entre si a África, o Oriente Médio e, em séculos anteriores e de forma 
menos decisiva, a América Latina. 

A inexistência de um Estado-núcleo islâmico representa um proble¬ 
ma grande tanto para as sociedades muçulmanas como para as não-mu- 
çulmanas, como se examina no Capítulo 5. Com relação à América Latina, 
pode-se conceber que a Espanha poderia ter se tomado o Estado-núcleo 
de uma civilização de fala hispânica ou até mesmo de uma civilização 
ibérica, porém seus líderes optaram conscientemente por se tornar um 
Estado-membro da civilização européia, mantendo ao mesmo tempo 
vínculos culturais com suas antigas colônias. Tamanho, recursos naturais, 
população, capacidade militar e econômica qualificam o Brasil para ser 
o líder da América Latina e é concebível que ele possa vir a sê-lo. 
Entretanto, o Brasil está para a América Latina como o Irã está para o 
Islã. Embora tenha outras boas qualificações para ser um Estado-núcleo, 
há diferenças subcivilizacionais (religiosas no caso do Irã e lingüísticas 
no do Brasil) que tornam difícil para ele assumir esse papel. A América 
Latina possui vários Estados — Brasil, México, Venezuela e Argentina — 
que partilham uma liderança e competem por ela. A situação latino-ame¬ 
ricana é também complicada pelo fato de que o México tentou se 
redefinir, passando de uma identidade latino-americana para outra, 
norte-americana, e o Chile e outros Estados podem segui-lo. No final, a 
civilização latino-americana poderia fundir-se com uma civilização oci¬ 
dental de três pontas, tomando-se uma subvariante dela. 

A capacidade que tem qualquer Estado-núcleo em potencial de 
prover uma liderança na África fica limitada pela divisão entre países 
francófonos e anglófonos. Durante certo tempo, a Costa do Marfim foi o 
Estado-núcleo da África francófona. Contudo, em certa medida, o 
Estado-núcleo da África francesa tem sido a França, que, depois da 
independência, manteve estreitas ligações econômicas, militares e polí¬ 
ticas com suas antigas colônias. Os dois Estados africanos mais qualifi¬ 
cados para se tomarem Estados-núcleos são, ambos, anglófonos. Tama¬ 
nho, recursos naturais e localização fazem da Nigéria um Estado-núcleo 
em potencial, porém sua desunião intercivilizacional, corrupção maciça, 
instabilidade política, governos repressivos e problemas econômicos 
limitaram drasticamente sua capacidade de desempenhar esse papel, 
embora o tenha feito em algumas ocasiões. A transição negociada e 
pacífica do apartheid da África do Sul, seu vigor industrial, seu nível mais 
alto de desenvolvimento econômico comparado com os outros países 
africanos, sua capacidade militar, seus recursos naturais e sua sofisticada 
liderança política negra e branca, tudo isso assinala nitidamente a África 
do Sul como o líder da África Meridional, como o provável líder da África 
anglófona e o possível líder de toda a África subsaárica. 

Um país solitário carece de aspectos culturais em comum com outras 
sociedades. A Etiópia, por exemplo, é isolada culturalmente por seu 
idioma predominante, o amárico, escrito com caracteres etíopes, por sua 
religião predominante, a Ortodoxia Copta, por sua história imperial e por 
sua diferenciação dos povos circunvizinhos, predominantemente muçul¬ 
manos. Conquanto a elite do Haiti tenha tradicionalmente tido prazer nos 
seus laços culturais com a França, o idioma crioulo, a religião Vodu, as 
origens de escravos revolucionários e a história de brutalidades do Haiti 
fazem dele um país solitário. Sidney Mintz assinalou que “toda nação é 
singular, porém o Haiti ocupa uma categoria só sua”. Como conseqüên- 
cia, durante a crise haitiana de 1994, os países latino-americanos não 
encararam o Haiti como um problema latino-americano e não se dis¬ 
puseram a aceitar refugiados haitianos, embora recebessem refugiados 
cubanos. Como colocou o presidente eleito do Panamá, “na América 
Latina, o Haiti não é reconhecido como um país latino-americano. Os 
haitianos falam uma língua diferente. Eles têm raízes étnicas diferentes, 
uma cultura diferente. Eles são, de forma geral, muito diferentes”. O Haiti 
está igualmente separado dos países negros anglófonos do Caribe. Um 

1 

comentarista observou que os haitianos parecem “exatamente tão estra¬ 
nhos para alguém de Granada ou Jamaica como para alguém de Iowa 
ou Montana”. O Haiti, “o vizinho que ninguém quer ter”, é verdadeira¬ 
mente um país sem parentes. 15 

O país solitário mais importante é o Japão, que é também o 
Estado-núcleo e único da civilização japonesa. Nenhum outro país 
compartilha de sua cultura própria, e os imigrantes japoneses não são 
nem numericamente significativos em outros países nem foram assimilados 
pelas culturas desses países (por exemplo, os nipo-americanos). A solidão 
do Japão é acentuada ainda mais pelo fato de que sua cultura é profun¬ 
damente particularista e não envolve uma religião potencialmente universal 
(Cristianismo, Islamismo) ou ideologia (liberalismo, comunismo) passível 
de ser exportada para outras sociedades e assim estabelecer uma ligação 
cultural com pessoas nessas sociedades. 

Quase todos os países são heterogêneos pela circunstância de 
incluírem dois ou mais grupos étnicos, raciais e religiosos. Muitos países 
estão divididos pelo fato de que as diferenças e conflitos entre esses 
grupos desempenham um papel importante na política do país. A 
importância dessa divisão geralmente se modifica com o tempo. Divisões 
profundas dentro de um mesmo país podem levar à ampla violência ou 
a ameaçar a existência do país. Essa última ameaça e os movimentos por 
autonomia ou separação são os que têm maior probabilidade de aparecer 
quando as diferenças culturais coincidem com diferenças em localização 
geográfica. Se a cultura e a geografia não coincidem, elas podem ser 
obrigadas a coincidir quer através de genocídio quer de migração forçada. 

Países que contêm agrupamentos culturais distintos e pertencem a 
uma mesma civilização podem ficar profundamente divididos, com a 
separação vindo a ocorrer (Checoslováquia) ou sendo uma possibilidade 
(Canadá). Entretanto, as divisões profundas têm muito mais proba¬ 
bilidade de surgir dentro de um país fendido, no qual grupos grandes 
pertencem a civilizações diferentes. As divisões e tensões que lhes são 
características muitas vezes se desenvolvem quando um grupo majoritᬠ
rio pertencente a uma civilização tenta definir o Estado como o seu 
instrumento político e tornar seu idioma, religião e símbolos como sendo 
os do Estado. Assim tentaram fazer os hindus, os cingaleses e os 
muçulmanos na índia, em Sri Lanka e na Malásia, respectivamente. 

Os países fendidos que territorialmente ficam por cima das linhas 
de fratura entre civilizações se defrontam com problemas específicos para 
preservar sua unidade. No Sudão, a guerra civil se arrasta há décadas 
entre o Norte muçulmano e o Sul predominantemente cristão. A mesma 
divisão civilizacional tem perseguido a política nigeriana durante período 
semelhante, estimulando uma grande guerra de secessão, além de golpes, 
agitações e outros tipos de violência. Na Tanzânia, a parte continental, 
onde predomina um animismo cristão, e Zanzibar, que é árabe-muçul¬ 
mana, foram se afastando e, em muitos aspectos, tornaram-se dois países 
separados, tendo Zanzibar, em 1992, se unido secretamente à Organiza¬ 
ção da Conferência Islâmica e sido induzida pela Tanzânia a se retirar 
no ano seguinte. 16 A mesma divisão cristão-muçulmana gerou tensões e 
conflitos no Quênia. No chifre da África, a Etiópia, predominantemente 
cristã, e a Eritréia, predominantemente muçulmana, se separaram em 
1993. Entretanto a Etiópia ficou com considerável minoria muçulmana 
entre o seu povo Oromo. Dentre outros países divididos por linhas de 
fratura civilizadonais estão: índia (muçulmanos e hindus), Sri Lanka 
(budistas cingaleses e hindus tâmiles), Malásia e Singapura (chineses e 
muçulmanos malaios), China (chineses Han, budistas tibetanos, muçulma¬ 
nos túrquicos), Filipinas (cristãos e muçulmanos) e Indonésia (muçul¬ 
manos e cristãos timorens es). 

O efeito divisório das linhas de fratura civilizadonais foi mais 
notável nos países fendidos que foram mantidos coesos durante a Guerra 
Fria por regimes comunistas autoritários, legitimados pela ideologia 
marxista-leninista. Com o colapso do comunismo, a cultura substituiu a 
ideologia como o pólo de atração ou repulsão, e a Iugoslávia e a União 
Soviética se esfacelaram e se dividiram em novas entidades agrupadas 
segundo linhas civilizadonais: as repúblicas bálticas (protestantes e 
católicas), ortodoxas e muçulmanas na antiga União Soviética; a Eslovênia 
e a Croácia católicas, a Bósnia-Herzegovina parcialmente muçulmana e 
a Sérvia-Montenegro e a Macedônia ortodoxas na antiga Iugoslávia. Nos 
casos em que essas entidades sucessoras ainda abrangiam grupos 
multicivilizacionais, ocorreram divisões de segunda etapa. A Bósnia-Her¬ 
zegovina foi dividida por uma guerra entre segmentos sérvios, muçulma¬ 
nos e croatas, e a Croácia foi partida entre sérvios e croatas. É altamente 
duvidoso que se preserve a posição pacífica de Kosovo, muçulmano 
albanês, dentro de uma Sérvia ortodoxa eslava. Na Macedônia, cresceram 
as tensões entre a minoria de muçulmanos albaneses e a maioria ortodoxa 
eslava. Muitas das ex-repúblicas soviéticas também estão sobre linhas de 
fratura civilizacionais, em parte porque o governo soviético traçava os 
limites visando a criar repúblicas divididas: a Criméia russa passou para 
a Ucrânia, o Nagomo-Karabakh armênio passou para o Azerbaijão. A 
Rússia possui várias minorias muçulmanas, relativamente pequenas, 
principalmente no Cãucaso setentrional e na região do Volga. A Estônia, 
a Letônia e o Casaquistão possuem consideráveis minorias russas, 
também criadas em boa medida por diretrizes soviéticas. A Ucrânia está 
dividida entre o ocidente que fala ucraniano, é uniata e nacionalista, e o 
oriente que fala russo e é ortodoxo. 

Num país fendido, os grupos principais de duas ou mais civiliza¬ 
ções, na prática, dizem “nós somos povos diferentes e pertencemos a 
lugares diferentes”. As forças de repulsão os separam e eles gravitam na 
direção dos ímãs civilizacionais de outras sociedades. Um pais dividido , 
ao contrário, possui uma única cultura predominante, que o coloca numa 
única civilização, porém seus dirigentes decidiram mudá-lo para outra 
civilização. Na realidade, eles dizem “nós somos um povo e pertencemos, 
juntos, a um lugar, porém queremos mudar esse lugar”. Ao contrário das 
pessoas de países fendidos, as pessoas de países divididos concordam a 
respeito de quem são, porém discordam quanto a qual é a civilização 
que lhes é mais apropriada. É típico que uma parcela significativa dos 
dirigentes abrace uma estratégia kemalista e resolva que sua sociedade 
deve repudiar sua cultura e suas instituições não-ocidentais, deve juntar- 
se ao Ocidente e deve modernizar-se e ocidentalizar-se. A Rússia é um 
país dividido desde Pedro, o Grande, indecisa em torno da questão de 
se ela é parte da civilização ocidental ou se é o núcleo de uma 
civilização eurasiana ortodoxa própria. O país de Mustafá Kemal é, 
evidentemente, o país dividido clássico, que, desde os anos 20, vem 
tentando se modernizar, se ocidentalizar e se tornar parte do Ocidente. 
Quase dois séculos depois de o México ter se definido como um país 
latino-americano em oposição aos Estados Unidos, na década de 80 
seus dirigentes o transformaram num país dividido ao tentar redefini-lo 
como uma sociedade norte-americana. Nos anos 90, os dirigentes da 
Austrália tentaram, ao contrário, desligar seu país do Ocidente e 
torná-lo parte da Ásia, criando assim um país-dividido-no-sentido-in- 
verso. Podem-se identificar os países divididos por dois fenômenos. 
Seus dirigentes se referem a eles como uma “ponte” entre duas culturas, 
e os observadores os descrevem como Janus de duas faces. “A Rússia 
olha para o Ocidente — e para o Oriente”, “Turquia: Leste, Oeste, qual 
é o melhor?”, “Nacionalismo australiano: lealdades divididas” — são 
títulos típicos que realçam os problemas de identidade de um pais 
dividido. 17 

170 

171 

PAÍSES DIVIDIDOS: O FRACASSO DA MUDANÇA DE CIVILIZAÇÃO 

Para que um país dividido possa ter êxito na redefinição de sua 
identidade civilizacional, é preciso satisfazer pelo menos três requisitos. 
Primeiro, a elite política e econômica do país precisa, de forma geral, 
apoiar essa ação e se entusiasmar por ela. Segundo, o público tem que, 
pelo menos, aquiescer com essa redefinição de identidade. Terceiro, os 
elementos predominantes na civilização anfitriã, na maioria dos casos o 
Ocidente, precisam estar dispostos a abraçar os convertidos. O processo 
de redefinição de identidade será prolongado, interrompido e doloroso 
do ponto de vista político, social, institucional e cultural. Alem disso, com 
base nos registros históricos, ele vai fracassar. 

Rússia . Nos anos 90, o México era um país dividido havia vários 
anos e a Turquia havia várias décadas. A Rússia, ao contrário, era um 
país dividido havia vários séculos e, ao contrário do México ou da Turquia 
republicana, era também o Estado-núcleo de uma grande civilização. Se 
a Turquia ou o México tivessem se redefinido com êxito como membros 
da civilização ocidental, o efeito sobre a civilização islâmica ou latino- 
americana seria pequeno ou moderado. Se a Rússia se tornasse ocidental, 
a civilização ortodoxa deixaria de existir. O colapso da União Soviética 
gerou duas questões fundamentais: como deveria a Rússia se definir em 
relação ao Ocidente? Quais deveriam ser as relações da Rússia com seus 
parentes ortodoxos e com os novos países que haviam sido parte do 
império soviético? 

As relações da Rússia com a civilização ocidental evoluíram através 
de quatro fases. Na primeira fase, que durou até o reinado de Pedro, o 
Grande (1689-1725), Kievan Rus e Moscovy existiram separadamente do 
Ocidente e tinham pouco contato com as sociedades européias ociden¬ 
tais. A civilização russa se desenvolveu como um fruto da civilização 
bizantina e depois, durante 200 anos, de meados do século XIII até 
meados do século XV, a Rússia ficou sob a suserania mongol. A Rússia 
não foi exposta, ou foi muito pouco exposta, aos fenômenos históricos 
que definiram a civilização ocidental: o Catolicismo Romano, o feudalis¬ 
mo, o Renascimento, a Reforma, a expansão e colonização ultramarina, 
o Iluminismo e o surgimento do Estado-nação. Das oito características 
próprias da civilização ocidental anteriormente identificadas, sete — 
religião, idiomas, separação entre Igreja e Estado, império da lei, plura¬ 
lismo social, órgãos representativos, individualismo — estiveram pratica¬ 
mente ausentes por completo da experiência russa. A única exceção 
possível é a herança clássica que, contudo, chegou à Rússia através de 
Bizâncio e, por conseguinte, foi bastante diferente da que chegou ao 
Ocidente diretamente de Roma. A civilização russa foi um produto de 
suas raízes autóctones em Kievan Rus e Moscovy, de um considerável 
impacto bizantino e de um longo período de dominação mongol. Essas 
influências moldaram uma sociedade e uma cultura que tinha pouca 
semelhança com as que se desenvolveram na Europa ocidental, sob a 
influência de forças muito diferentes. 

No final do século XVII, a Rússia não só era diferente da Europa, 
mas também era atrasada em relação à Europa, como Pedro, o Grande, 
constatou durante seu giro pela Europa em 1697-1698. Ele regressou à 
Rússia decidido a modernizar e ocidentalizar seu país. Para fazer com 
que seu povo parecesse europeu, Ataturk proibiu o uso do fez. Com 
objetivo semelhante, a primeira coisa que Pedro fez ao regressar a 
Moscou foi obrigar os nobres a rasparem a barba e proibir o uso de 
túnicas compridas e chapéus cônicos. Ataturk substituiu o alfabeto árabe 
pelo latino; Pedro não aboliu o alfabeto cirílico, mas reformou-o e 
simplificou-o, além de introduzir palavras e expressões ocidentais. 
Entretanto, ele atribuiu prioridade máxima ao desenvolvimento e moder¬ 
nização das forças armadas russas, criando uma marinha, adotando o 
serviço militar obrigatório, implantando indústrias de material bélico, 
criando escolas técnicas, enviando pessoas para estudar no Ocidente e 
importando do Ocidente os últimos conhecimentos a respeito de arma¬ 
mentos, navios e construção naval, navegação, administração burocrática 
e outros assuntos essenciais para a eficácia militar. Para prover os recursos 
para essas inovações, ele reformou e expandiu drasticamente o sistema 
tributário e além disso, perto do final do seu reinado, reorganizou a 
estrutura do governo. Decidido a fazer da Rússia não só uma potência 
européia, como também uma potência na Europa, abandonou Moscou, 
criou uma nova capital em São Petersburgo e desencadeou a Grande 
Guerra do Norte contra a Suécia, a fim de estabelecer a Rússia como a 
força predominante no Báltico e criar presença na Europa. 

Entretanto, ao tentar fazer seu país moderno e ocidental, Pedro 
também reforçou as características asiáticas da Rússia, ao aperfeiçoar o 
despotismo e eliminar qualquer possível fonte de pluralismo social ou 
político. A nobreza russa nunca fora poderosa. Pedro reduziu-a ainda 
mais, expandindo a nobreza militar e estabelecendo uma Tabela de Graus 
baseada no mérito e não no nascimento nem na posição social. Os 
nobres, como os camponeses, eram convocados para o serviço do Estado, 
formando a “aristocracia servil” que mais tarde enfureceu Custine. 18 A 
autonomia dos servos foi ainda mais restringida na medida em que 
ficaram vinculados de modo mais permanente tanto à terra quanto ao 
seu senhor. A Igreja Ortodoxa, que sempre estivera debaixo de um 
controle amplo do Estado, foi reorganizada e colocada sob um sínodo 
que era designado diretamente pelo tzar. O tzar também passou a ter o 
poder de designar seu sucessor sem referência às práticas vigentes de 
herança. Com essas mudanças, Pedro iniciou e exemplificou a íntima 
ligação na Rússia entre modernização e ocidentalização, por um lado, e 
o despotismo por outro. Seguindo esse modelo petrino, Lênin, Stalin e, 
em menor grau, Catarina II e Alexandre II também tentaram, de diversos 
modos, modernizar e ocidentalizar a Rússia e fortalecer o poder autocrᬠ
tico. Pelo menos até os anos 80, os democratizadores da Rússia eram 
geralmente ocidentalizadores, porém os ocidentalizadores não eram 
democratizadores. A lição da história russa é a de que a centralização do 
poder é o pré-requisito para as reformas sociais e econômicas. No final 
dos anos 80, correligionários de Gorbachev lamentaram não terem 
apreciado esse fato ao criticar os obstáculos que a glasnost havia criado 
para a liberalização econômica. 

Pedro teve mais êxito em tornar a Rússia parte da Europa do que 
em tornar a Europa parte da Rússia. Ao contrário do Império Otomano, 
o Império Russo veio a ser aceito como um participante importante e 
legítimo do sistema internacional europeu. In ternamente, as reformas de 
Pedro introduziram algumas mudanças, porém sua sociedade continuou 
híbrida: à parte uma pequena elite, os modos asiáticos e bizantinos, as 
instituições e as crenças predominaram na sociedade russa, e assim se 
percebia tanto por europeus como por russos. De Maistre assinalou que 
“arranhe-se a pele de um russo e se encontra um tártaro”. Pedro criou 
um país dividido e, durante o século XIX, os eslavófilos e os ocidentali¬ 
zadores lamentavam juntos essa situação infeliz e discordavam vigorosa¬ 
mente a respeito de se deviam acabar com ela tomando-se inteiramente 
ocidentalizados, ou eliminando as influências européias e retornando à 
verdadeira alma da Rússia. Um ocidentalizador como Chaadaev sus¬ 
tentava que “o sol é o sol do Ocidente” e a Rússia devia utilizar sua luz 
para iluminar e modificar as instituições que herdara. Um eslavófilo como 
Danilevskiy, com palavras que também foram ouvidas nos anos 90, 
condenou os esforços europeinizadores por “deturparem a vida das 
pessoas e substituírem suas formas com formas estranhas, estrangeiras”, 
tomando emprestadas instituições estrangeiras e transplantando-as para 
o solo russo” e “considerando as relações internas e externas, bem como 
as questões da vida russa, através de uma ótica estrangeira, européia, 
vendo-as, por assim dizer, através de uma lente moldada para um ângulo 
de refração europeu”. 19 Na história russa subseqüente, Pedro tornou-se 
o herói dos ocidentalizadores e o satã dos seus oponentes, representados 
em seu extremo pelos eurasianos dos anos 20, que o condenaram como 
traidor e aplaudiram os bolcheviques por repudiarem a ocidentalização, 
desafiarem a Europa e mudarem a capital de volta para Moscou. 

A revolução bolchevista deu início a uma terceira fase do relacio¬ 
namento entre a Rússia e o Ocidente, muito diferente do relacionamento 
ambivalente que existira durante dois séculos. Ela criou um sistema 
político-econômico que não podia existir no Ocidente, em nome de uma 
ideologia que foi criada no Ocidente. Os eslavófilos e os ocidentalizado¬ 
res tinham debatido se a Rússia podia ser diferente do Ocidente sem ser 
atrasada em comparação com o Ocidente. O comunismo resolveu essa 
questão de maneira brilhante: a Rússia era diferente do Ocidente e a ele 
se opunha de forma fundamental, porque era mais avançada do que ele. 
Ela estava assumindo a liderança da revolução proletária, que acabaria 
por varrer o mundo. A Rússia personificava não um passado asiático 
atrasado, mas sim um futuro soviético progressista. De fato, a Revolução 
permitiu à Rússia saltar por cima do Ocidente, diferenciando-se dele não 
porque “vocês são diferentes e nós não ficaremos como vocês”, como 
tinham argumentado os eslavófilos, mas porque “nós somos diferentes e 
vocês acabarão ficando como nós”, como dizia a mensagem da Interna¬ 
cional Comunista. 

Contudo, ao mesmo tempo em que o comunismo permitiu aos 
líderes soviéticos diferenciar-se do Ocidente, ele também criou fortes 
laços com o Ocidente. Marx e Engels eram alemães. A maioria dos 
principais expositores de suas opiniões, no final do século XIX e começo 
do século XX, eram europeus ocidentais. Ao se chegar a 1910, muitos 
sindicatos de trabalhadores e partidos trabalhistas e social-democratas 
das sociedades ocidentais estavam engajados na ideologia deles e 
estavam se tornando atores poderosos na política européia. Depois da 
revolução bolchevista, os partidos de esquerda se dividiram em partidos 
comunistas e partidos socialistas, e os dois tipos muitas vezes foram forças 
poderosas em países europeus. A ótica marxista prevaleceu em boa parte 
do Ocidente. O comunismo e o socialismo eram vistos como a onda do 
futuro e amplamente abraçados, de uma forma ou de outra, pelas elites 
políticas e intelectuais. Em conseqüência, o debate na Rússia entre os 
eslavófilos e os ocidentalizadores a respeito do futuro da Rússia foi 
substituído por um debate na Europa entre a esquerda e a direita a 
respeito do futuro do Ocidente, e sobre se a União Soviética sintetizava 
ou não esse futuro. Depois da II Guerra Mundial, o poderio da União 
Soviética reforçou a atração que o comunismo exercia tanto no Ocidente 
como, o que era mais importante, naquelas civilizações não-ocidentais que 
estavam então reagindo ao Ocidente. As elites nas sociedades não-ocidentais 
dominadas pelo Ocidente que queriam seduzir o Ocidente falavam em 
termos de autodeterminação e democracia, enquanto as que desejavam 
confrontar o Ocidente invocavam a revolução e a liberação nacional. 

Ao adotar uma ideologia ocidental e utilizá-la para desafiar o 
Ocidente, os russos, em certo sentido, ficaram mais próximos e mais 
intimamente envolvidos com o Ocidente do que em qualquer outro 
período anterior de sua história. Embora as ideologias da democracia 
liberal e do comunismo fossem muito diferentes, ambos os lados estavam, 
de certo modo, falando a mesma língua. O colapso do comunismo e da 
União Soviética puseram fim a essa interação político-ideológica entre o 
Ocidente e a Rússia. O Ocidente esperava e acreditava que o resultado 
seria o triunfo da democracia liberal em todo o antigo império soviético. 
Isso, entretanto, não estava necessariamente predeterminado. Ao se 
chegar a 1995, o futuro da democracia liberal na Rússia e nas outras 
repúblicas ortodoxas era incerto. Além disso, à medida que os russos 
deixaram de se comportar como marxistas e começaram a se comportar 
como russos, o hiato entre a Rússia e o Ocidente se ampliou. O conflito 
entre a democracia liberal e o marxismo-leninismo se dava entre ideolo¬ 
gias que, a despeito de suas principais diferenças, eram modernas e 
seculares e compartilhavam ostensivamente os objetivos finais de liber¬ 
dade, igualdade e bem-estar material. Um democrata ocidental poderia 
manter um debate intelectual com um marxista soviético. Seria impossível 
para ele fazer isso com um nacionalista russo ortodoxo. 

Durante os anos soviéticos, a luta entre os eslavófilos e os ociden¬ 
talizadores ficou em suspenso, enquanto tantos os Solzhenitsyns como os 
Sakharovs desafiavam a síntese comunista. Com o colapso dessa síntese, o 
debate a respeito da verdadeira identidade da Rússia reemergiu com pleno 
vigor. Deveria a Rússia adotar os valores, as instituições e as práticas 
ocidentais e tentar se tomar parte do Ocidente? Ou encarnaria a Rússia uma 
civilização ortodoxa e eurasiana distinta, diferente da do Ocidente com um 
destino singular de ligar a Europa e a Ásia? As elites intelectuais e políticas 
e o público em geral estavam seriamente divididos a respeito dessas 
questões. De um lado estavam os ocidentalizadores, “cosmopolitas” ou 
“atlanticistas”, e de outro os sucessores dos eslavófilos, mencionados de 
forma variada como “nacionalistas”, “eurasianistas” ou “derzhavnikf 
(firmes defensores do Estado). 20 

As principais diferenças entre esses grupos se centravam em política 
externa e, em menor grau, reforma econômica e estrutura do Estado. As 
opiniões estavam distribuídas sobre um continuum , de um extremo ao 
outro. Agrupados perto de uma extremidade do espectro estavam aqueles 
que articulavam “o novo pensamento” esposado por Gorbachev e 
sintetizado na sua meta de um “lar europeu em comum”, e muitos dos 
principais assessores de Yeltsin, expressando seu desejo de que a Rússia 
se tornasse “um país normal” e fosse aceito como o oitavo membro do 
clube do G-7 das principais democracias industrializadas. Os nacionalis¬ 
tas mais moderados, como Sergei Stankevich, sustentavam que a Rússia 
devia rejeitar o curso “atlanticista” e devia dar prioridade à proteção dos 
russos em outros países, enfatizar suas conexões túrquicas e muçulmanas 
e promover “uma redistribuiçào apreciável de nossos recursos, nossas 
opções, nossos laços e nossos interesses em favor da Ásia ou da direção 
oriental”. 21 As pessoas dessa corrente de opinião criticavam Yeltsin por 
subordinar os interesses da Rússia aos do Ocidente, por reduzir o poderio 
militar russo, por deixar de apoiar amigos tradicionais como a Sérvia e 
por forçar as reformas econômicas e políticas de maneira prejudicial ao 
povo russo. A nova popularidade das idéias de Piotr Savitsky, que 
argumentara nos anos 20 que a Rússia era uma singular civilização 
eurasiana, era indicativa dessa tendência. 

Os nacionalistas mais extremados estavam divididos entre, de um 
lado, os nacionalistas russos como Solzhenitsyn, que advogavam uma 
Rússia abrangendo todos os russos, os bielo-russos e os ucranianos 
ortodoxos eslavos, intimamente ligados a eles, porém a ninguém mais, 
e, do outro lado, os nacionalistas imperiais como Vladimir Zhirinovsky, 
que queriam recriar o império soviético e o poderio militar russo. As 
pessoas neste segundo grupo às vezes eram anti-semitas tanto quanto 
antiocidentais e queriam reorientar a política externa russa em direção 
ao Leste e ao Sul, quer dominando o Sul muçulmano (como instava 
Zhirinovsky), quer cooperando com os Estados muçulmanos e a China 
contra o Ocidente. Os nacionalistas também endossavam um apoio maior 
aos sérvios na sua guerra contra os muçulmanos. As diferenças entre 
cosmopolitas e nacionalistas se refletiam institucionalmente nos pontos 
de vista do Ministério do Exterior e dos militares. Elas também se refletiam 
nas mudanças das políticas externa e de segurança de Yeltsin, primeiro 
numa direção e depois na outra. 

O povo russo estava tão dividido quanto as elites russas. Uma 
pesquisa de opinião de 1992, com uma amostragem de 2.069 russos 
europeus, revelou que 40 por cento dos entrevistados estavam “abertos 
ao Ocidente", 36 por cento “fechados ao Ocidente” e 24 por cento 
“indecisos”. Nas eleições parlamentares de dezembro de 1993, os partidos 
reformistas conquistaram 34,2 por cento dos votos, os partidos anti-re- 
formas e nacionalistas, 43,3 por cento, e os partidos centristas, 13,7 por 
cento. 22 Analogamente, na eleição presidencial de junho de 1996, o 
público russo se dividiu novamente, com 43 por cento apoiando o 
candidato do Ocidente, Yeltsin, e 52 por cento votando pelos candidatos 
nacionalista e comunista. A respeito da questão fundamental de sua 
identidade, a Rússia dos anos 90 continua sendo um país nitidamente 
dividido, com a dualidade ocidental-eslavófila como “um traço inalienᬠ
vel do (...) caráter nacional”. 23 

Turquia . Através de uma série cuidadosamente calculada de refor¬ 
mas nos anos 20 e 30, Mustafá Kemal Ataturk tentou afastar seu povo do 
seu passado otomano e muçulmano. Os princípios básicos ou “as seis 
flechas” do kemalismo eram populismo, republicanismo, nacionalismo, 
secularismo, estatismo e reformismo. Rejeitando a idéia de um império 
multinacional, Kemal visava a produzir um Estado-nação homogêneo, 
expulsando e matando armênios e gregos no processo. Em seguida, 
depôs o sultão e implantou um sistema republicano de autoridade 
política, de tipo ocidental. Ele aboliu o califado, que era a fonte 
fundamental da autoridade religiosa, acabou com a educação tradicional 
e os ministérios religiosos, aboliu as escolas e faculdades religiosas 
separadas, implantou um sistema secular unificado de ensino público e 
eliminou as cortes religiosas que aplicavam a lei islâmica, substituindo-as 
por um novo sistema legal baseado no código civil suíço. Ele também 
proibiu o uso do fez, porque era um símbolo do tradicionalismo religioso, 
incentivando as pessoas a usarem chapéu; substituiu o calendário 
tradicional pelo calendário gregoriano; retirou formalmente do Islamismo 
a condição de religião do Estado e decretou que o turco seria escrito com 
caracteres latinos em vez dos caracteres arábicos. Esta última reforma 
teve uma importância fundamental. “Ela tomou virtualmente impossível 
para as novas gerações, educadas com caracteres latinos, ter acesso à 
vasta massa da literatura tradicional, estimulou o aprendizado dos 

I 

idiomas europeus e facilitou enormemente o problema de incrementar 
a alfabetização.” 24 Tendo redefinido a identidade nacional, política, 
religiosa e cultural do povo turco, nos anos 30, Kemal tentou com todo 
o vigor promover o desenvolvimento econômico turco. A ocidentalização 
foi de mãos dadas com a modernização e constituiu o meio para atingi-la. 

Durante a guerra civil do Ocidente, entre 1939 e 1945, a Turquia 
permaneceu neutra. Depois da guerra, porém, ela rapidamente tratou de 
se identificar ainda mais com o Ocidente. Emulando explicitamente as 
políticas ocidentais, mudou do regime de partido único para um sistema 
partidário competitivo. Fez campanha para ingressar na OTAN, o que 
acabou por conseguir em 1952, confirmando-se assim como membro do 
Mundo Livre. Tomou-se recipiente de bilhões de dólares do Ocidente 
em assistência econômica e de segurança, suas forças armadas foram 
treinadas e equipadas pelo Ocidente e integradas na estrutura de 
comando da OTAN, e passou a ser anfitriã de bases militares norte-ame¬ 
ricanas. A Turquia passou a ser vista pelo Ocidente como seu bastião 
oriental de contenção, impedindo a expansão da União Soviética na 
direção do Mediterrâneo, do Oriente Médio e do Golfo Pérsico. Essa 
vinculação e auto-identificação com o Ocidente levou a que os turcos 
fossem condenados pelos países não-ocidentais e não-alinhados, na 
Conferência de Bandung em 1955, e fossem atacados como blasfemos 
pelos países islâmicos. 2 ^ 

Após a Guerra Fria, a elite turca continuou a apoiar de forma 
predominante a tese de que a Turquia deve ser ocidental e européia. 
Continuar sendo membro da OTAN é para ela indispensável, porque essa 
condição proporciona um vínculo organizacional íntimo com o Ocidente 
e é necessária para contrabalançar a Grécia. O envolvimento da Turquia 
com o Ocidente, encarnado na sua participação na OTAN, foi, contudo, 
um produto da Guerra Fria. O fim da Guerra Fria afasta a razão principal 
para esse envolvimento e leva a um enfraquecimento e a uma redefinição 
dessa ligação. A Turquia não é mais necessária para o Ocidente como 
um bastião contra a principal ameaça do Norte, mas sim, como na Guerra 
do Golfo, como um possível parceiro para lidar com as ameaças menores 
vindas do Sul. Nessa guerra, a Turquia proporcionou um auxílio crucial 
à coligação contra Sadam Hussein ao fechar o oleoduto que passa por 
seu território, através do qual o petróleo iraquiano chegava ao Mediter¬ 
râneo, e ao permitir que aviões norte-americanos operassem contra o 
Iraque a partir de bases na Turquia. Entretanto, essas decisões do 
presidente Õzal estimularam consideráveis críticas à Turquia e con- 
duziram à renúncia do ministro do Exterior, do ministro da Defesa e do 
chefe do Estado-maior, bem como grandes manifestações de rua protes¬ 
tando contra a estreita colaboração de Õzal com os Estados Unidos. 
Posteriormente, tanto o presidente Demirel quanto a primeira-ministra 
Ciller instaram à antecipação do término das sanções das Nações Unidas 
contra o Iraque, que também impunham considerável carga econômica 
à Turquia. 26 A disposição da Turquia de trabalhar com o Ocidente para 
lidar com ameaças islâmicas provenientes do Sul é mais incerta do que 
era sua disposição de se postar junto com o Ocidente contra a ameaça 
soviética. Durante a crise do Golfo, a recusa da Alemanha, uma amiga 
tradicional da Turquia, em encarar um ataque de mísseis iraquianos 
contra a Turquia como um ataque contra a OTAN, também demonstrou 
que a Turquia não poderia contar com o apoio ocidental contra ataques 
vindos do Sul. As confrontações na Guerra Fria com a União Soviética 
não suscitaram a questão da identidade civilizacional da Turquia, mas as 
relações com os países árabes no pós-Guerra Fria o fazem. 

A partir dos anos 80, uma das metas principais — talvez a principal 
— da política externa da elite turca de orientação ocidental tenha sido a 
de conseguir o ingresso na União Européia. A Turquia requereu formal¬ 
mente sua admissão em abril de 1987. Em dezembro de 1989, foi dito à 
Turquia que seu requerimento não podia ser examinado antes de 1993. 
Em 1994, a União Européia aprovou os requerimentos da Áustria, 
Finlândia, Suécia e Noruega, havendo amplas previsões de que nos 
próximos anos serão tomadas medidas favoráveis em relação aos reque¬ 
rimentos da Polônia, Hungria e República Checa e, mais tarde, pos¬ 
sivelmente, da Eslovênia, Eslováquia e das repúblicas bálticas. Os turcos 
ficaram especialmente decepcionados com o fato de que, novamente, a 
Alemanha, o membro mais influente da União Européia, não tivesse apoiado 
de forma ativa o seu ingresso e, em vez disso, desse prioridade à admissão 
dos Estados centro-europeus. 27 Pressionada pelos Estados Unidos, a União 
Européia de fato negociou uma união aduaneira com a Turquia, porém 
a participação plena é uma possibilidade remota e duvidosa. 

Por que se passou por cima da Turquia e por que ela sempre parece 
estar no fim da fila? Em público, os funcionários europeus se referiram 
ao baixo nível de desenvolvimento econômico da Turquia e ao seu 
respeito menos do que escandinavo pelos direitos humanos. Em parti¬ 
cular, tanto europeus quanto turcos concordam em que as verdadeiras 
razões foram a intensa oposição dos gregos e, o que é mais importante, 
o fato de que a Turquia é um país muçulmano. Os países europeus não 
queriam encarar a possibilidade de abrir suas fronteiras à imigração de 
um país de 60 milhões de muçulmanos e muito desemprego. Ainda mais 
significativo foi o fato de que eles achavam que, do ponto de vista 
cultural, os turcos não pertencem à Europa. Como disse o presidente 
Õzal em 1992, o desempenho da Turquia em relação aos direitos 
humanos “é uma razão artificial para que a Turquia não possa ingressar 
na UE. A verdadeira razão é que nós somos muçulmanos e eles são 
cristãos”, porém, acrescentou, “eles não dizem isso”. Os funcionários 
europeus, por seu lado, concordaram em que a União Européia é “um 
clube cristão” e que “a Turquia é pobre demais, populosa demais, 
muçulmana demais, dura demais, culturalmente diferente demais, tudo 
demais”. Um comentarista assinalou que o “pesadelo particular” dos 
europeus é “a memória histórica das pilhagens dos guerreiros sarracenos 
na Europa Ocidental e dos turcos às portas de Viena”. Essas atitudes, por 
sua vez, geraram a “percepção comum entre os turcos” de que “o Ocidente 
não vê um lugar para uma Turquia muçulmana dentro da Europa”. 28 

Tendo rejeitado Meca e sendo rejeitada por Bruxelas, a Turquia 
agarrou a oportunidade aberta pela dissolução da União Soviética para 
se voltar para o Tashkent. O presidente Õzal e outros líderes turcos 
expuseram sua visão de uma comunidade de povos túrquicos e envida¬ 
ram grandes esforços para desenvolver laços com os “turcos exteriores” 
no “exterior próximo” da Turquia, que se estende “do Adriático às 
fronteiras da China”. Uma atenção especial foi dedicada ao Azerbaijão e 
às quatro repúblicas centro-asiáticas em que se falam idiomas túrquicos 
— Uzbequistão, Turcomenistão, Casaquistão e Quirguízia. Em 1991 e 
1992, a Turquia desencadeou uma vasta gama de atividades destinadas 
a ampliar seus laços com essas novas repúblicas e sua influência nas 
mesmas. Dentre essas medidas se incluíram empréstimos de longo prazo 
e a juros baixos no total de um bilhão e meio de dólares, 79 milhões de 
dólares em auxílio direto para programas sociais, televisão por satélite 
(substituindo um canal em idioma russo), comunicações por telefonia, 
serviços aéreos comerciais, milhares de bolsas para jovens estudarem na 
Turquia e treinamento na Turquia para banqueiros, empresários, diplo¬ 
matas e centenas de oficiais das forças armadas desses países centro-asiᬠ
ticos e do Azerbaijão. Foram enviados professores para as novas repú¬ 
blicas a fim de ensinar turco e foram iniciadas cerca de duas mil parcerias 
empresariais. Os aspectos culturais em comum facilitaram esses relacio¬ 
namentos econômicos. Segundo comentou um empresário turco, “a coisa 
mais importante para se ter êxito no Azerbaijão ou no Turcomenistão é 
encontrar o parceiro certo. Para os turcos, isso não é tão difícil. Nós temos 
a mesma cultura, mais ou menos o mesmo idioma e comemos os mesmos 
pratos”. 2 ^ 

A reorientação da Turquia em direção ao Cãucaso e à Ásia Central 
foi alimentada não só por seu sonho de se tornar líder da comunidade 
túrquica de nações, como também por seu desejo de se contrapor a que 
o Irã e a Arábia Saudita expandissem sua influência e promovessem o 
fundamentalismo islâmico nessa região. Os turcos se viam como ofere¬ 
cendo o “modelo turco” ou a “idéia da Turquia” — um Estado muçulmano 
secular e democrático, com uma economia de mercado — como alter¬ 
nativa. Além disso, a Turquia tinha a esperança de conter o ressurgimento 
da influência russa. Ao fornecer uma alternativa à Rússia e ao Islã, a 
Turquia também reforçaria sua reivindicação do apoio da União Européia 
e de uma futura admissão a ela. 

O surto inicial de atividades da Turquia com as repúblicas túrquicas 
ficou mais limitado em 1993 devido às limitações de seus recursos, à 
ascensão de Suleyman Demirel à presidência, em seguida à morte de 
Õzal, e à reafirmação da influência da Rússia no que esta considerava o 
seu “exterior próximo”. Logo que as ex-repúblicas soviéticas túrquicas se 
tornaram independentes, seus líderes acorreram a Ancara para cortejar a 
Turquia. Posteriormente, quando a Rússia aplicou pressões e incentivos, 
elas retrocederam e, de forma geral, sublinharam a necessidade de 
relacionamentos “equilibrados” entre o seu primo cultural e seu ex-senhor 
imperial. Entretanto, os turcos continuaram a tentar utilizar suas afinidades 
culturais para expandir suas vinculações econômicas e políticas e, no seu 
golpe mais importante, conseguiram um acordo com os governos e as 
empresas petrolíferas pertinentes para a construção de um oleoduto, a fim 
de trazer o petróleo da Ásia Central e do Azerbaijão através da Turquia 
até o Mediterrâneo. 30 

Enquanto a Turquia trabalhava para desenvolver seus vínculos com 
as ex-repúblicas soviéticas túrquicas, sua própria identidade secular 
kemalista estava sob ataque no plano interno. Em primeiro lugar, para a 
Turquia, como para tantos outros países, o fim da Guerra Fria, junto com 
as perturbações geradas pelo desenvolvimento econômico e social, 
suscitou importantes questões de “identidade nacional e identificação 
étnica”, 31 e a religião ali estava para prover uma resposta. O legado 
secular de Ataturk e da elite turca após dois terços de século ficou sob 
fogo. A experiência dos turcos no exterior tendia a estimular os senti¬ 
mentos fundamentalistas islâmicos dentro do país. Os turcos que retor- 
navam da Alemanha Ocidental “reagiram à hostilidade que encontraram 
lá retomando para o^ que lhes era familiar. E isso era o Islã”. A corrente 
de opinião e a prática dominantes ficaram cada vez mais fundamentalistas 
islâmicas. Em 1993, reportou-se “que as barbas de estilo islâmico e as 
mulheres cobertas com véu proliferaram na Turquia, que as mesquitas 
estão atraindo multidões cada vez maiores e que algumas livrarias estão 
transbordando de livros, revistas, cassetes, CDs e videocassetes glorifican¬ 
do a história, os preceitos e o estilo de vida islâmicos, e exaltando o papel 
do Império Otomano de preservar os valores do Profeta Maomé”. 
Segundo se informou, “nada menos do que 290 editoras e gráficas, 300 
publicações, inclusive quatro jornais, cerca de uma centena de estações 
de rádio sem licença e cerca de 30 canais de televisão também sem licença 
estão todos divulgando a ideologia islâmica”. 32 

Confrontados por um crescente sentimento fundamentalista islâmi¬ 
co, os dirigentes turcos tentaram adotar as práticas fundamentalistas e 
aliciar o apoio fundamentalista. Nos anos 80 e 90, o governo turco, 
supostamente secular, manteve um Departamento de Assuntos Religio¬ 
sos, com um orçamento maior do que o de alguns ministérios, financiou 
a construção de mesquitas, exigiu o ensino religioso em todas as escolas 
públicas e proporcionou fundos para escolas islâmicas. O número dessas 
escolas quintuplicou durante a década de 80, estando nelas matriculados 
cerca de 15 por cento dos alunos de nível secundário; nelas se pregavam 
as doutrinas fundamentalistas islâmicas e se formaram milhares de jovens, 
muitos dos quais entraram para o serviço público. Num contraste com a 
França, simbólico mas espetacular, o governo permitiu na prática que as 
moças usassem o tradicional lenço de cabeça muçulmano, 70 anos depois 
de Ataturk ter proibido o fez. 33 Essas ações governamentais, em grande 
parte motivadas pelo desejo de tirar o vento das velas dos fundamentalis¬ 
tas islâmicos, são testemunho de como esse vento era forte na década 
de 80 e no início dos anos 90. 

Em segundo lugar, o ressurgimento do Islã mudou o caráter da 
política turca. Os líderes políticos, notadamente Turgo Õzal, se identifi¬ 
caram de modo muito explícito com os símbolos e as políticas muçul¬ 
manas. Na Turquia, como em outros lugares, a democracia reforçou a 
indigenização e a volta para a religião. “No seu afã de angariar a simpatia 
do povo e conquistar votos, os políticos — e até mesmo os militares, que 
eram o próprio bastião e os guardiães do secularismo — tiveram de levar 
em conta as aspirações religiosas da população. Muitas das concessões 
feitas por eles cheiravam a demagogia.” Os movimentos populares 

1Q2 

tinham um pendor religioso. Enquanto a elite e os grupos burocráticos, 
especialmente os militares, tinham uma orientação secular, os sentimen¬ 
tos fundamentalistas islâmicos se manifestaram no seio das forças arma¬ 
das, e várias centenas de cadetes foram expurgados das academias 
militares em 1987 sob suspeita de sentimentos fundamentalistas islâmicos. 
Os principais partidos políticos cada vez mais sentiam a necessidade de 
buscar apoio eleitoral das reativadas tarikas muçulmanas, ou sociedades 
seletas, que Ataturk tinha proscrito. 34 Nas eleições municipais de março 
de 1994, o Partido do Bem-Estar, fundamentalista, foi o único dentre os 
cinco partidos principais a aumentar sua participação nos votos, receben¬ 
do aproximadamente 19 por cento do total, comparados com 21 por 
cento para o Partido Caminho Verdadeiro, da primeira-ministra Ciller, e 
20 por cento para o Partido da Pátria, do falecido Õzal. O Partido do 
Bem-Estar conquistou o controle das duas principais cidades da Turquia, 
Istambul e Ancara, e competiu com posição muito forte na parte sudeste 
do país. Nas eleições de dezembro de 1995, o Partido do Bem-Estar teve 
mais votos e assentos no Parlamento do que qualquer outro partido, e 
os dois principais partidos seculares, que tinham estado em confronto, 
tiveram de montar uma coalizão para impedir que os fundamentalistas 
islâmicos assumissem o governo. Como em outros países, o apoio aos 
fundamentalistas veio dos jovens, dos emigrantes que retornaram, dos 
“perseguidos e miseráveis” e dos “novos migrantes urbanos, os sans 
culottes das grandes cidades”. 35 

Em terceiro lugar, o ressurgimento do Islã afetou a política externa 
turca. Sob a liderança do presidente Õzal, a Turquia havia se postado 
decididamente do lado do Ocidente na Guerra do Golfo, contando com 
que essa ação favoreceria sua candidatura a membro da União Européia. 
Entretanto, essa conseqüência não se concretizou e foi intensa a oposição 
à guerra dentro da Turquia. Com o colapso da União Soviética rompendo 
o principal elo entre a Turquia e o Ocidente, a hesitação da OTAN quanto 
a que reação teria caso a Turquia fosse atacada pelo Iraque durante 
aquela guerra não tranqüilizou os turcos quanto a como a OTAN reagiria 
a uma ameaça não-russa a seu país. 36 Durante a década de 80, a Turquia 
expandiu cada vez mais as suas relações com os países árabes e outros 
países muçulmanos e, nos anos 90, promoveu ativamente os interesses 
islâmicos ao proporcionar apoio significativo aos muçulmanos da Bósnia, 
bem como ao Azerbaijão. Com relação aos Bálcãs, à Ásia Central e ao 
Oriente Médio, a política externa turca estava se tomando cada vez mais 
islamicizada. 

Durante muitos anos a Turquia preencheu dois dos três requisitos 
mínimos para um país dividido mudar sua identidade civilizacional. As 
elites turcas apoiaram de forma majoritária essa linha de ação e seu povo 
assentiu. Entretanto, as elites da recipiente — a civilização ocidental — 
não foram receptivas. Enquanto a questão estava pendente, o res¬ 
surgimento do Islã dentro da Turquia começou a solapar a orientação 
secularista e pró-ocidental das elites turcas. Os obstáculos a que a Turquia 
se tome plenamente européia, as limitações da sua capacidade de 
desempenhar um papel dominante com relação às ex-repúblicas sovié¬ 
ticas túrquicas e a ascensão das tendências fundamentalistas islâmicas 
erodindo o legado de Ataturk, tudo isso parecia assegurar que a Turquia 
permanecerá sendo um país dividido. 

Refletindo essas forças de atração contrapostas, os líderes turcos 
repetidamente descreviam seu país como uma “ponte” entre as culturas. 
Em 1993, a primeira-ministra Tansu Ciller argumentou que a Turquia é, 
ao mesmo tempo, uma “democracia ocidental” e “parte do Oriente 
Médio”, e “serve de ponte a duas civilizações, física e filosoficamente”. 
Espelhando essa ambivalência, Ciller freqüentemente aparecia em públi¬ 
co, em seu próprio país, como muçulmana, porém, quando se dirigia à 
OTAN, ela afirmava que “o fato geográfico e político é que a Turquia é 
um país europeu”. De modo análogo, o presidente Suleyman Demirel 
chamou a Turquia de “uma ponte muito importante, numa região que 
se estende de oeste para leste, ou seja, da Europa para a China”. 37 
Entretanto, uma ponte é uma criação artificial que liga duas entidades 
sólidas, mas não é parte de nenhuma delas. Quando os líderes da Turquia 
chamam seu país de uma ponte, eles estão eufemisticamente confirman¬ 
do que ela é um país dividido. 

México . A Turquia se tornou um país dividido nos anos 20 e o 
México só depois dos anos 80. No entanto, suas relações históricas com 
o Ocidente têm certas semelhanças. Tal como a Turquia, o México 
possuía uma cultura nitidamente não-ocidental. Mesmo no século XX, como 
colocou Octávio Paz, “o ceme do México é índio. É não-europeu”. 38 No 
século XIX, o México, como o Império Otomano, foi desmembrado por 
mãos ocidentais. Na segunda e na terceira décadas do século XX, o 
México, como a Turquia, passou por uma revolução que estabeleceu 
uma nova base de identidade nacional e um novo sistema político de 
partido único. Na Turquia, porém, a revolução envolveu tanto uma 
rejeição da cultura tradicional islâmica e otomana como um esforço por 
importar a cultura ocidental e juntar-se ao Ocidente. No México, como 
na Rússia, a revolução envolveu a incorporação e a adaptação de 
elementos da cultura ocidental, o que gerou um novo nacionalismo, 
oposto ao capitalismo e à democracia do Ocidente. Assim, durante 60 
anos, a Turquia tentou se definir como européia, enquanto que o México 
tentou se definir em oposição aos Estados Unidos. Da década de 30 à de 
80, os dirigentes do México perseguiram políticas econômica e externa 
que desafiavam os interesses norte-americanos. 

Nos anos 80, isso mudou. O presidente Miguel de la Madrid deu 
início a novas políticas, que seu sucessor, Carlos Salinas, expandiu numa 
redefinição de larga escala dos objetivos, práticas e identidade mexica¬ 
nos, no mais amplo esforço de mudanças desde a Revolução de 1910. 
Salinas se tornou, de fato, o Mustafá Kemal do México. Ataturk promoveu 
o secularismo e o nacionalismo, temas predominantes no Ocidente do 
seu tempo. Salinas promoveu o liberalismo econômico, um dos dois 
temas predominantes no Ocidente do seu tempo (o outro, a democracia 
política, não foi abraçada por ele). Como aconteceu com Ataturk, essas 
opiniões eram compartilhadas de forma geral pelas elites políticas e 
econômicas, muitos membros das quais, como Salinas e de la Madrid, 
tinham se formado nos Estados Unidos. Salinas reduziu a inflação de 
modo espetacular, privatizou grande quantidade de empresas estatais, 
promoveu o investimento estrangeiro, reduziu as tarifas e os subsídios, 
reestruturou a dívida externa, desafiou o poder dos sindicatos, aumentou 
a produtividade e levou o México para o Acordo de Livre Comércio 
Norte-americano (NAFTA) com os Estados Unidos e o Canadá. Tal como 
as reformas de Ataturk se destinavam a transformar a Turquia de país 
muçulmano do Oriente Médio em país secular europeu, as reformas de 
Salinas se destinavam a mudar o México de país latino-americano em 
país norte-americano. 

Não se tratava de uma escolha inevitável para o México. É conce¬ 
bível que as elites mexicanas pudessem ter continuado a seguir um 
caminho anti-EUA, nacionalista, terceiro-mundista e protecionista, como 
as suas predecessoras tinham seguido durante a maior parte do século. 
Como alternativa, conforme instado por alguns mexicanos, elas poderiam 
ter tentado desenvolver, com a Espanha, Portugal e os países sul-ameri¬ 
canos, uma associação ibérica de nações. 

Terá o México êxito na sua busca norte-americana? A enorme 
maioria das elites política, econômica e intelectual é favorável a esse 
rumo. Além disso, ao contrário da situação da Turquia, a grande maioria 
das elites política, econômica e intelectual da civilização recipiente 
também é favorável ao realinhamento cultural do México. A questão 
intercivilizacional crucial da imigração realça essa diferença. O medo de 
uma imigração turca maciça gerou resistências tanto das elites como do 
público europeu a deixar a Turquia ingressar na Europa. Ao contrário, a 
maciça imigração mexicana, legal e ilegal, para os Estados Unidos fez 
parte da argumentação de Salinas em relação ao NAFTA: “Ou bem vocês 
aceitam nossos bens ou aceitam nossa gente.” Além disso, a distância 
cultural entre o México e os Estados Unidos é muito menor do que a que 
existe entre a Turquia e a Europa. O México é, em parte, ocidental: sua 
religião é o Catolicismo, seu idioma é o espanhol, suas elites estavam 
orientadas historicamente para a Europa (para onde enviavam seus filhos 
para estudar) e, mais recentemente, para os Estados Unidos (para onde 
atualmente enviam seus filhos). A acomodação entre a América do Norte 
anglo-americana e o México hispano-indígena deveria ser consideravel¬ 
mente mais fácil do que entre a Europa cristã e a Turquia muçulmana. 
A despeito desses aspectos em comum, depois da ratificação do NAFTA, 
desenvolveu-se nos Estados Unidos uma oposição a qualquer envolvi¬ 
mento mais estreito com o México, com reclamos de restrições sobre a 
imigração, queixas sobre fábricas que se transferiam para o Sul e 
questionamentos sobre a capacidade do México de aderir às concepções 
norte-americanas de liberdade e do império da lei. 59 

O terceiro pré-requisito para uma mudança de identidade bem-su¬ 
cedida por um país dividido é a aquiescência generalizada, embora não 
necessariamente o apoio, por parte do seu povo. A importância desse 
fator depende, em certa medida, do grau de importância das opiniões 
do povo para os processos de tomada de decisão do país. Ao se chegar 
a 1995, a postura pró-ocidental do México não havia sido testada pela 
democratização. A revolta no dia do Ano-novo de alguns milhares de 
guerrilheiros bem organizados e com apoio externo em Chiapas não foi, 
por si só, uma indicação de resistência considerável à norte-americani- 
zação. Entretanto, a resposta favorável que ela gerou no meio dos 
intelectuais, jornalistas e outros formadores de opinião mexicanos sugeriu 
que a norte-americanização em geral e o NAFTA em particular poderiam 
encontrar resistência cada vez maior por parte das elites e do povo 
mexicano. O presidente Salinas, de modo muito deliberado, atribuiu 
prioridade às reformas e à ocidentalização em relação à reforma política 
e à democratização. Contudo, tanto o desenvolvimento econômico como 
o crescente envolvimento com os Estados Unidos irão aumentar as forças 
que promovem uma verdadeira democratização do sistema político 
mexicano. A questão-chave para o futuro do México é a seguinte: até 
que ponto a modernização e a democratização irão estimular a desoci- 
dentalização, sintetizada numa retirada ou num enfraquecimento radical 
do NAFTA e em mudanças paralelas nas políticas impostas ao México 
por suas elites orientadas para o Ocidente dos anos 80 e 90? A 
norte-americanização do México é compatível com sua democratização? 

Austrália. Em contraste com a Rússia, a Turquia e o México, a 
Austrália foi, desde suas origens, uma sociedade ocidental. Através de 
todo o século XX, ela esteve intimamente aliada primeiro à Grã-Bretanha 
e depois aos Estados Unidos e, durante a Guerra Fria, ela foi não apenas 
um membro do Ocidente como também do núcleo ocidental militar e de 
inteligência Estados Unidos-Reino Unido-Canadá-Austrália. Entretanto, 
no começo dos anos 90, os dirigentes políticos australianos decidiram na 
realidade que a Austrália devia afastar-se do Ocidente, se redefinir como 
uma sociedade asiática e cultivar íntimos laços com seus vizinhos 
geográficos. O primeiro-ministro Paul Keating declarou que a Austrália 
devia deixar de ser uma “sucursal do Império”, tomar-se uma república 
e visar a se “entremear” com a Ásia. Ele argumentou que isso era 
necessário a fim de estabelecer a identidade da Austrália como um país 
independente. A Austrália não pode se apresentar ao mundo como uma 
sociedade multicultural, se engajar na Ásia, criar esse vínculo e fazê-lo 
de forma persuasiva enquanto, de algum modo, pelo menos em termos 
constitucionais, permanece sendo uma sociedade derivada." Keating 
declarou ainda que a Austrália havia padecido durante inúmeros anos 
de “anglofilia e torpor” e que continuar sua associação com a Grã-Breta¬ 
nha seria debilitante para nossa cultura nacional, nosso futuro econô¬ 
mico e nosso destino na Ásia e no Pacífico”. O ministro do Exterior Gareth 
Evans expressou idéias análogas. 40 

A proposição de redefinir a Austrália como um país asiático se 
fundamentava no pressuposto de que a economia sobrepuja a cultura na 
formação do destino das nações. O ímpeto essencial era o crescimento 
dinâmico das economias da Ásia Oriental, as quais, por sua vez, 
esporearam a rápida expansão do comércio da Austrália com a Ásia. Em 
1971, absorveram 39 por cento das exportações australianas e contribuí¬ 
ram com 21 por cento das importações australianas. Em 1994, a Ásia 
Oriental e o Sudeste Asiático estavam recebendo 62 por cento das 
exportações da Austrália e contribuindo com 41 por cento de suas 
importações. Em contraste, em 1991, 11,8 por cento das exportações 
australianas foram para a Comunidade Européia e 10,1 por cento para 
os Estados Unidos. Esse vínculo econômico que se ia aprofundando com 
a Ásia era reforçado na mente dos australianos por uma crença de que 
o mundo estava se movendo na direção de três blocos econômicos 
principais e que o lugar da Austrália estava no bloco da Ásia Oriental. 

Apesar dessas ligações econômicas, o projeto asiático da Austrália 
parece ter pouca probabilidade de satisfazer qualquer dos requisitos para 
o êxito de uma mudança de civilização por um país dividido. Em primeiro 
lugar, em meados da década de 90, as elites australianas estavam longe 
de ter um grande entusiasmo por esse rumo. Em certa medida, isso 
constituía uma questão partidária, com os dirigentes do Partido Liberal 
assumindo uma postura ambivalente ou de oposição. O governo traba¬ 
lhista também recebeu consideráveis críticas de vários intelectuais e 
jornalistas. Não havia nenhum consenso nítido da elite quanto à opção 
asiática. Em segundo lugar, a opinião pública estava indecisa. De 1987 a 
1993, a proporção do povo australiano favorável a acabar com a 
monarquia subiu de 21 para 46 por cento. A essa altura, entretanto, o 
apoio para a idéia começou a vacilar e a erodir. A proporção do povo 
que apoiava a retirada da bandeira britânica do canto da bandeira 
australiana caiu de 42 por cento em maio de 1992 para 35 por cento em 
agosto de 1993. Segundo comentou em 1992 uma autoridade australiana, 
“é difícil para o público engolir isso. Quando eu digo, periodicamente, 
que a Austrália devia fazer parte da Ásia, nem lhe posso dizer quantas 
cartas de ódio recebo”. 41 

Em terceiro lugar — e o que é mais importante —, as elites dos 
países asiáticos se mostraram menos receptivas às propostas aus¬ 
tralianas do que as elites européias em relação às da Turquia. 
Deixaram claro que, se a Austrália deseja fazer parte da Ásia, ela 
precisa se tornar realmente asiática, o que consideram improvável se 
não impossível. Uma autoridade indonésia disse que “o êxito da 
integração da Austrália na Ásia depende de uma coisa — até que ponto 
os Estados asiáticos acolhem de bom grado a intenção australiana. A 
aceitação da Austrália na Ásia depende do grau com que o governo e o 
povo da Austrália compreendem a cultura e a sociedade asiática”. Os 
asiáticos vêem um hiato entre a retórica asiática da Austrália e sua 
realidade perversamente ocidental. Segundo um diplomata australiano, 
os tailandeses tratam a insistência da Austrália de que ela é asiática com 
uma “tolerância perplexa”. 42 O primeiro-ministro Mahatir, da Malásia, 

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declarou em outubro de 1994 que, “culturalmente, a Austrália ainda é 
européia, (...) nós achamos que é européia” e, por conseguinte, a 
Austrália não deve ser membro do Foro Econômico Asiático-oriental 
(EAEC). Nós, asiáticos, “temos menos tendência a criticar abertamente 
outros países ou a julgá-los. Mas a Austrália, sendo culturalmente 
européia, acha que tem o direito de dizer a outros o que fazer, o que 
não fazer, o que está certo, o que está errado. Assim sendo, é claro, 
ela não é compatível com o grupo. Essa é a minha razão [para me 
opor a seu ingresso no EAEC], Não é pela cor da pele, mas pela 
cultura .43 Em suma, os asiáticos estão decididos a excluir a Austrália 
do seu clube pela mesma razão que os europeus, a Turquia: eles são 
diferentes de nós. O primeiro-ministro Keating gostava de dizer que ia 
mudar a Austrália de “o estranho de fora para o estranho de dentro” na 
Ásia. Isso, porém, é um oxímoro: os estranhos não entram. 

Como expôs Mahatir, a cultura e os valores são o obstáculo básico 
para que a Austrália se junte à Ásia. Regularmente ocorrem choques 
devido ao engajamento da Austrália com a democracia, direitos humanos, 
liberdade de imprensa e a seus protestos quanto a violações desses 
direitos por parte dos governos de praticamente todos os seus vizinhos. 
Um veterano diplomata australiano assinalou que “o verdadeiro proble¬ 
ma para a Austrália na região não é nossa bandeira, mas nossos valores 
sociais fundamentais. Desconfio que não se encontrará nenhum aus¬ 
traliano disposto a abrir mão de qualquer desses valores para ser aceito 
na região . As diferenças de caráter, estilo e comportamento também 
sao acentuadas. Como insinuou Mahatir, de forma geral os asiáticos 
perseguem seus objetivos com os outros por maneiras que são sutis, 
indiretas, moduladas, sinuosas, sem fazer julgamentos, sem fazer prega¬ 
ções e sem ser confrontacionistas. Os australianos, ao contrário, são as 
pessoas mais diretas, francas, desabridas e, diriam alguns, insensíveis do 
mundo anglófono. Esse choque de culturas fica evidenciado de modo 
mais espetacular nas próprias tratativas de Paul Keating com os asiáticos 
Keating encarna as características nacionais australianas num grau extre¬ 
mo^ Ele foi descrito como “um político do tipo bate-estaca”, com um 
estilo que é “intrinsicamente provocador e brigão”, e ele não hesita em 
atacar seus adversários políticos como “sacos de lixo”, “gigolôs perfuma¬ 
dos e delinquentes birutas com lesão cerebral”.45 Ao mesmo tempo em 
que sustenta que a Austrália tem que ser asiática, Keating sistematica¬ 
mente irritou, chocou e antagonizou líderes asiáticos por sua brutal 
ranqueza. O hiato entre as culturas era tão grande que cegava o 
proponente da convergência cultural ao ponto de seu próprio compor¬ 
tamento repelir aqueles de quem ele se dizia irmão cultural. 

A opção de Keating-Evans poderia ser vista como o resultado míope 
de superestimar os fatores econômicos e ignorar, em vez de resgatar, a 
cultura do país, e como uma jogada política tática para desviar a atenção 
dos problemas econômicos da Austrália. Por outro lado, ela poderia ser 
considerada como uma iniciativa de longo alcance, destinada a juntar e 
identificar a Austrália com os centros emergentes de poder econômico, 
político e, por fim, militar da Ásia Oriental. Nesse contexto, a Austrália 
poderia ser o primeiro de possivelmente muitos países ocidentais a tentar 
abandonar o Ocidente e atrelar-se às emergentes civilizações não-oci¬ 
dentais. No começo do século XXII, os historiadores poderiam olhar para 
a opção de Keating-Evans como um dos marcos principais do declínio 
do Ocidente. Contudo, mesmo que essa opção seja perseguida, ela não 
eliminará o legado ocidental da Austrália, e o “país de sorte será 
permanentemente um país dividido, ao mesmo tempo a “sucursal do 
Império”, que Paul Keating criticou, e a “nova escória branca da Ásia”, 
como Lee Kuan Yew a chamou com desprezo. 46 

Esse não foi e não é o destino inevitável da Austrália. Aceitando 
seu desejo de romper com a Grã-Bretanha, em vez de definir a Austrália 
como uma potência asiática, seus líderes poderiam defini-la como um 
país do Pacífico, como, na realidade, o antecessor de Keating, Bob 
Hawke, tentou fazer. Se a Austrália deseja se tomar uma república 
separada da Coroa britânica, ela poderia se alinhar com o primeiro país 
do mundo a fazer isso, um país que, como a Austrália, é de origem 
britânica, é um país de imigração, tem dimensões continentais, fala inglês, 
foi aliado da Grã-Bretanha em três guerras e possui uma população 
predominantemente européia, ainda que, também como a Austrália, cada 
vez mais asiática. Culturalmente, os valores da Declaração da Indepen¬ 
dência, de 4 de julho de 1776, se coadunam muito mais com os valores 
australianos do que os de qualquer país asiático. Economicamente, em 
vez de tentar abrir caminho para dentro de um grupo de sociedades às 
quais é estranha culturalmente e que, por essa razão, a rejeitam, os líderes 
da Austrália poderiam propor expandir o NAFTA para um acordo América 
do Norte-Pacífico Sul (North America-South Pacific — NASP), abrangen¬ 
do os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. Um 
agrupamento assim conciliaria cultura e economia e proporcionaria uma 
identidade sólida e duradoura para a Austrália, que não será obtida 
através de esforços vãos de tornar a Austrália asiática. 

190 

191 

O vírus ocidental e a esquizofrenia cultural Enquanto os dirigentes 
da Austrália embarcavam numa busca da Ásia, os de outros países 
divididos — Turquia, México, Rússia — tentavam incorporar o Ocidente 
às suas sociedades e incorporar suas sociedades ao Ocidente. Ao se 
chegar a 1995, nenhuma dessas tentativas de redefinição cultural tinha 
alcançado êxito. Os fatos demonstram claramente a força, a resistência 
e a viscosidade das culturas autóctones e sua capacidade de se renovar 
e de resistir, conter e absorver o que foi importado do Ocidente. Os 
líderes imbuídos da ilusão de pensar que podem refazer suas sociedades 
parecem fadadas ao fracasso. Conquanto eles possam introduzir elemen¬ 
tos da cultura ocidental, não são capazes de reprimir ou eliminar de modo 
permanente os elementos centrais de suas culturas autóctones. Inversa¬ 
mente, o vírus ocidental, uma vez alojado em outra sociedade, é difícil 
de expulsar. O vírus persiste, mas não é fatal — o paciente sobreviverá, 
mas nunca mais será o mesmo. Os líderes políticos podem fazer História, 
mas não podem escapar da História. Eles produzem países divididos; 
eles não criam sociedades ocidentais. Eles contaminam seu país com uma 
esquizofrenia cultural que se transforma na sua característica constante 
e definidora. 

192 

Capítulo 7 

Estados-núcleos, Círculos Concêntricos e Ordem Civilizacional 

Civilizações e Ordem 

N a política mundial que está surgindo, as duas superpotências da 
Guerra Fria estão sendo suplantadas pelos Estados-núcleos das 
principais civilizações como os principais pólos de atração e 
repulsão de outros países. Esses processos são mais nitidamente visíveis 
em relação às civilizações ocidental, ortodoxa e sínica. Nesses casos, 
estão surgindo agrupamentos civilizacionais que envolvem Estados-nú¬ 
cleos, Estados-membros, populações minoritárias culturalmente pareci¬ 
das em Estados vizinhos e, de modo mais controvertido, povos vizinhos 
culturalmente distintos que os Estados-núcleos desejam dominar por 
motivos de segurança. Os Estados desses blocos civilizacionais tendem 
freqüentemente a estar distribuídos em círculos concêntricos em tomo 
do Estado ou Estados-núcleos, refletindo seu grau de identificação e 
integração com esse bloco. Carecendo de um Estado-núcleo, o Islã está 
intensificando sua percepção comum, porém até agora só desenvolveu 
uma rudimentar estrutura política comum. 

Os países tendem a atrelar-se a países de cultura semelhante e a 
manter um equilíbrio com os países com os quais não têm aspectos 
culturais em comum. Isso é especialmente verdadeiro com relação aos 
Estados-núcleos. Seu poderio atrai aqueles que são culturalmente seme¬ 
lhantes a eles e repele aqueles que são culturalmente diferentes. Por 

1 

motivos de segurança, os Estados-núcleos podem tentar incorporar ou 
dominar alguns povos de outras civilizações, os quais, por sua vez, tentam 
resistir ou escapar a tal controle (China versus tibetanos e uigures; Rússia 
versus tártaros, chechenos e muçulmanos centro-asiáticos). Os relaciona¬ 
mentos históricos e considerações de equilíbrio de poder também levam 
alguns países a resistir à influência de seu Estado-núcleo. Tanto a Geórgia 
como a Rússia são países ortodoxos, porém, historicamente, os georgia- 
nos resistiram à dominação russa e a uma íntima associação com a Rússia. 
O Vietnã e a China são ambos países confucianos e, no entanto, um 
padrão comparável de inimizade histórica sempre existiu entre os dois. 
Ao longo do tempo, porém, os aspectos culturais em comum e o 
desenvolvimento de uma percepção civilizacional mais ampla e mais 
forte têm a probabilidade de fazer esses países se juntarem, como se 
juntaram os países da Europa Ocidental. 

Durante a Guerra Fria, a ordem que possa ter existido era fruto da 
dominação pelas superpotências de seus respectivos blocos e da influên¬ 
cia das superpotências no Terceiro Mundo. No mundo que está surgindo, 
o poder global tomou-se obsoleto, a comunidade global, um sonho 
longínquo. Nenhum país, inclusive os Estados Unidos, tem importantes 
interesses globais de segurança. Os componentes da ordem no mundo 
atual, mais complexo e heterogêneo, se encontram dentro das civiliza¬ 
ções e entre elas. O mundo será ordenado com base nas civilizações ou 
não será ordenado de forma alguma. Nesse mundo, os Estados-núcleos 
das civilizações assumem o lugar das superpotências. Eles são a fonte da 
ordem no seio das civilizações e, através de negociações com outros 
Estados-núcleos, entre as civilizações. A ordem, se é que existe alguma 
na Bósnia, requer a cooperação dos Estados Unidos, das potências 
européias e da Rússia. 

Um mundo no qual os Estados-núcleos desempenham um papel 
de liderança ou predominante é um mundo de esferas de influência. Mas 
é também um mundo no qual o exercício da influência pelo Estado-nú¬ 
cleo é temperado e moderado pela cultura em comum que ele comparti¬ 
lha com Estados-membros de sua civilização. Os aspectos culturais em 
comum legitimam a liderança e o papel de impor a ordem que o 
Estado-núcleo desempenha, tanto em relação aos Estados-membros 
como às potências e instituições externas. Entretanto, em 1994, o 
secretário-geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, promulgou 
uma regra de “manutenção de esfera de influência” no sentido de que a 
potência regional predominante não pode prover mais de um terço da 

194 

força de paz das Nações Unidas. Essa exigência contraria a realidade 
geopolítica de que, em qualquer região onde exista um Estado predomi¬ 
nante, a paz só pode ser conseguida e mantida através da liderança desse 
Estado. As Nações Unidas não constituem uma alternativa do poder regional 
e o poder regional se toma responsável e legítimo quando é exercido por 
Estados-núcleos em relação a outros membros de sua civilização. 

Um Estado-núcleo pode desempenhar sua função de ordenamento 
porque os Estados-membros o vêem como seu parente cultural. Uma 
civilização é uma família ampliada e, como os membros mais velhos de 
uma família, os Estados-núcleos proporcionam a seus parentes apoio e 
disciplina. Na ausência desse laço de parentesco, fica limitada a capaci¬ 
dade de um Estado mais poderoso de resolver conflitos e de impor a ordem 
na sua região. O Paquistão, Bangladesh e até mesmo Sri Lanka não aceitarão 
a índia como a provedora da ordem na Ásia Meridional e nenhum Estado 
da Ásia Oriental aceitará que o Japão desempenhe tal papel nessa região. 

Quando as civilizações carecem de Estados-núcleos, os problemas 
de criar a ordem no seio dessas civilizações ou negociar a ordem entre 
civilizações se torna mais difícil. A ausência de um Estado-núcleo islâmico 
que pudesse, com legitimidade e autoridade, relacionar-se com a Bósnia, 
como a Rússia fez com os sérvios e a Alemanha, com os croatas, impeliu 
os Estados Unidos a tentar desempenhar esse papel. A ineficácia com 
que o fez derivou da falta de interesse estratégico norte-americano quanto 
às fronteiras traçadas na ex-Iugoslávia, da inexistência de qualquer 
ligação cultural entre os Estados Unidos e a Bósnia e da oposição 
européia à criação de um Estado muçulmano na Europa. Analogamente, 
a ausência de um Estado-núcleo latino-americano obrigou os Estados 
Unidos a desempenharem o papel principal na questão do Haiti, quando 
suas ações foram, por sua vez, criticadas pelos países latino-americanos 
como sendo as de um interventor extracivilizacional. A ausência de 
Estados-núcleos tanto na África como no mundo árabe complicou 
enormemente os esforços por resolver a continuada guerra civil no 
Sudão. Por outro lado, onde existem Estados-núcleos, eles constituem os 
elementos fundamentais da nova ordem internacional baseada nas 
civilizações. 

Demarcando o Ocidente 

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos estavam no centro de um 
agrupamento grande, variado e multicivilizacional de países que com¬ 
partilhavam do objetivo de impedir uma maior expansão da União 
Soviética. Esse agrupamento, conhecido por várias designações como o 
“Mundo Livre”, o “Ocidente” ou os “Aliados”, incluía muitas das socieda¬ 
des ocidentais, mas não todas, além de Turquia, Grécia, Japão, Coréia 
do Sul, Filipinas, Israel e, de forma mais flexível, outros países como 
Taiwan, Tailândia e Paquistão. A ele se opunha um agrupamento de países 
apenas ligeiramente heterogêneos, que incluía todos os países ortodoxos 
com exceção da Grécia, vários países que tinham sido historicamente 
ocidentais, além de Vietnã, Cuba, em menor grau a índia e, às vezes, um 
ou mais países africanos. Com o término da Guerra Fria, esses agrupa¬ 
mentos multicivilizacionais e de diversas culturas se fragmentaram. A 
dissolução do sistema soviético, especialmente do Pacto de Varsóvia, foi 
espetacular. De modo mais lento, porém análogo, o “Ocidente” multici- 
vilizacional da época da Guerra Fria está sendo reconfigurado como um 
novo agrupamento, que mais ou menos coincide com a civilização 
ocidental. Um processo de demarcação está em curso, envolvendo a 
definição dos membros dos organismos internacionais ocidentais. 

Os Estados-núcleos da União Européia — França e Alemanha — 
estão rodeados primeiro por um agrupamento interior composto por 
Bélgica, Holanda e Luxemburgo, que concordaram em eliminar todas as 
barreiras ao trânsito de bens e pessoas; depois os outros países-membros 
como a Itália, Espanha, Portugal, Dinamarca, Grã-Bretanha, Irlanda e 
Grécia; Estados que se tomaram membros em 1995 (Áustria, Finlândia e 
Suécia) e pelos países que até então eram membros associados (Polônia, 
Hungria, República Checa, Eslováquia, Bulgária e Romênia). Refletindo 
essa realidade, no outono de 1994 o partido no poder na Alemanha e 
altas autoridades francesas apresentaram propostas para uma União 
diferenciada. O plano alemão propôs que o “núcleo central” consistisse 
dos membros originais menos a Itália e que “a Alemanha e a França 
formassem o núcleo do núcleo central”. Os países do núcleo central iriam 
tentar implantar rapidamente uma união monetária e integrar suas 
políticas exterior e de defesa. Quase simultaneamente, o primeiro-minis¬ 
tro Edouard Balladur sugeriu uma União de três níveis, com os cinco 
Estados pró-integração formando o núcleo, os outros Estados-membros 
atuais um segundo círculo e os novos Estados a caminho de se tornarem 
membros compondo um círculo exterior. Posteriormente, o ministro do 
Exterior francês, Alain Juppé, elaborou mais esse conceito, propondo 
“um círculo exterior de Estados ‘parceiros’, incluindo a Europa Central e 
Oriental, um círculo intermediário de Estados-membros que seriam 
obrigados a aceitar disciplinas comuns em certos campos (mercado 

196 

único, união aduaneira, etc.) e vários círculos interiores de ‘solidariedade 
reforçada’, que incorporariam aqueles que tivessem a disposição e a 
capacidade de avançar mais depressa do que outros em áreas como 
defesa, integração monetária, política externa e assim por diante”. 1 Outros 
líderes políticos propuseram outros tipos de acordos, todos, entretanto, 
envolviam um agrupamento interior de Estados associados mais intima¬ 
mente e depois agrupamentos exteriores de Estados integrados de forma 
menos ampla com o Estado-núcleo, até que se chega à linha que separa 
os membros dos não-membros. 

O estabelecimento dessa linha na Europa tem sido um dos princi¬ 
pais desafios com que se defronta o Ocidente no mundo pós-Guerra Fria. 
Durante a Guerra Fria, a Europa não existia como um todo. Entretanto, 
com o colapso do comunismo, tornou-se necessário enfrentar e respon¬ 
der a pergunta: o que é a Europa? As fronteiras da Europa ao Norte, a 
Oeste e ao Sul são delimitadas por grandes massas d’água, que, ao Sul, 
coincidem com nítidas diferenças de cultura. Porém, onde fica a fronteira 
leste da Europa? Que países devem ser considerados como europeus e, 
por conseguinte, membros em potencial da União Européia, da OTAN e 
de organizações análogas? 

A resposta mais atraente e abrangente a essas indagações é dada 
pela grande linha histórica que existiu durante séculos separando os 
povos cristãos ocidentais dos povos muçulmanos e ortodoxos. Essa linha 
data da divisão do Sacro Império Romano no século X. Ela esteve 
aproximadamente no mesmo lugar que ocupa atualmente há pelo menos 
500 anos. Começando no Norte, ela corre ao longo do que são hoje as 
fronteiras entre a Finlândia e a Rússia, entre esta e os Estados bálticos 
(Estônia, Letônia e Lituânia), passando pela Bielo-Rússia ocidental, 
através da Ucrânia, onde separa o oeste uniata e o leste ortodoxo, 
cruzando a Romênia entre a Transi!vânia, com sua população húngara 
católica, e o resto do país, e depois pela ex-Iugoslávia, ao longo da 
fronteira que separa a Eslovênia e a Croácia das outras repúblicas. Nos 
Bálcãs, é claro, essa linha coincide com a divisão histórica entre os 
Impérios Austro-húngaro e Otomano. Ela é a fronteira cultural da Europa 
e, no mundo pós-Guerra Fria, ela é também a fronteira política e 
econômica da Europa e do Ocidente. 

Um enfoque civilizacional fornece uma resposta precisa e atraente 
para a questão com que se defrontam os europeus ocidentais: onde 
termina a Europa? A Europa termina onde o Cristianismo ocidental 
termina e começam o Islamismo e a Ortodoxia. Esta é a resposta que os 

197 

A Fronteira Leste Oriental da Civilização Ocidental 

europeus ocidentais desejam ouvir, que eles apoiam majoritariamente 
em voz baixa e que diversos intelectuais e líderes políticos endossaram 
explicitamente. Como Michael Howard sustentou, é preciso reconhecer 
a distinção, um tanto nebulosa durante os anos soviéticos, entre a Europa 
Central ou Mitteleuropa e a Europa Oriental propriamente dita. A Europa 
Central inclui “aquelas terras que outrora formavam parte da Cristandade 
ocidental, as antigas terras do Império Habsburgo — Áustria, Hungria e 
Checoslováquia, juntamente com a Polônia e as regiões orientais da 
Alemanha. O termo ‘Europa Oriental' devia ficar reservado para aquelas 
regiões que se desenvolveram sob a égide da Igreja Ortodoxa: as 
comunidades do Mar Negro na Bulgária e na Romênia, que só emergiram 
da dominação otomana no século XIX, e as partes ‘européias 7 da União 
Soviética”. A primeira prova da Europa Ocidental, argumentou ele, deve 
ser “reabsorver os povos da Europa Central na nossa comunidade cultural 
e econômica, à qual eles devidamente pertencem: reatar os laços entre 
Londres, Paris, Roma e Munique, de um lado, e Leipzig, Varsóvia, Praga 
e Budapeste, de outro. Dois anos depois, Pierre Behar comentou que 
está surgindo “uma nova linha de fratura, uma divisória basicamente 
cultural entre uma Europa marcada pelo Cristianismo ocidental (Católico 
Romano ou Protestante), por um lado, e uma Europa marcada pelas 
tradições do Cristianismo oriental e do Islamismo, por outro 77 . Um 
destacado finlandês viu de modo análogo a divisão crucial da Europa 
substituindo a Cortina de Ferro como “a antiga linha de fratura cultural 
entre Leste e Oeste”, que coloca “as terras do antigo Império Austro-hún- 
garo, bem como a Polônia e os Estados bálticos” dentro da Europa do 
Ocidente e os outros países da Europa Oriental e os países balcânicos fora 
dela. Um inglês ilustre concordou com que essa era “a grande divisória (...) 
entre as Igrejas oriental e ocidental: de forma genérica, entre aqueles povos 
que receberam o seu Cristianismo diretamente de Roma ou através de seus 
intermediários celtas ou germânicos, e aqueles no Leste e no Sudeste 
para quem ele veio atrayés de Constantinopla (Bizâncio) 77 . 2 

As pessoas na Europa Central também salientam a importância 
dessa linha divisória. Os países que conseguiram um progresso notável 
em se desvencilhar dos legados do comunismo e em se mover na direção 
de uma política democrática e de economias de mercado estão separados 
daqueles que não o conseguiram “pela linha que divide o Catolicismo e 
o Protestantismo, de um lado, e a Ortodoxia, de outro”. O presidente da 
Lituânia argumentou que, séculos atrás, os lituanos tiveram que escolher 
entre “duas civilizações” e “optaram pelo mundo Latino, se converteram 
ao Catolicismo Romano e escolheram uma forma de organização do 
Estado fundamentada na lei”. Com palavras análogas, os poloneses dizem 
que eles fazem parte do Ocidente desde a escolha que fizeram no século 
X do Cristianismo latino contra Bizâncio. 3 Em contraste, as pessoas dos 
países ortodoxos da Europa Oriental vêem com ambivalência a nova 
ênfase que é atribuída a essa linha de fratura cultural. Os búlgaros e os 
romenos vêem grandes vantagens em fazer parte do Ocidente e em se 
incorporarem às suas instituições, porém eles também se identificam com 
a sua própria tradição ortodoxa e, por parte dos búlgaros, com sua 
associação historicamente estreita com a Rússia. 

A identificação da Europa com a Cristandade ocidental fornece um 
critério claro para a admissão de novos membros nas organizações 
ocidentais. A União Européia é a principal entidade do Ocidente na 
Europa, e a expansão do número de seus membros foi retomada em 1994 
com a admissão da Áustria, da Finlândia e da Suécia, culturalmente 
ocidentais. Na primavera de 1994, a União decidiu em caráter provisório 
vedar o acesso como membros a todas as ex-repúblicas soviéticas, com 
exceção dos Estados bálticos. Ela também celebrou “acordos de as¬ 
sociação” com quatro Estados da Europa Central (Polônia, Hungria, 
República Checa e Eslováquia) e dois da Europa Oriental (Romênia e 
Bulgária). Entretanto, nenhum desses Estados tem probabilidade de se 
tornar membro pleno da UE até algum momento no século XXI, e os 
Estados da Europa Central sem dúvida atingirão essa condição antes da 
Romênia e da Bulgária, caso, na realidade, estas algum dia cheguem a 
atingi-la. Nesse ínterim, a futura admissão dos Estados bálticos e da 
Eslovênia parece promissora, enquanto que as solicitações feitas pela 
Turquia muçulmana, pela diminuta Malta e pelo Chipre ortodoxo ainda 
estavam pendentes em 1995. Na expansão do número de membros da 
UE, há uma nítida preferência por aqueles Estados que são culturalmente 
ocidentais e que também tendem a ser mais desenvolvidos economica¬ 
mente. Se esse critério for aplicado, os Estados de Visegrad (Polônia, 
República Checa, Eslováquia e Hungria), as repúblicas bálticas, a Eslo¬ 
vênia, a Croácia e Malta acabarão se tornando membros da UE, e esta 
será coincidente' com a civilização ocidental tal como ela existiu his¬ 
toricamente na Europa. 

A lógica das civilizações determina um desfecho análogo para a 
expansão da OTAN. A Guerra Fria começou com a extensão do controle 
político e militar da União Soviética sobre a Europa Central. Os Estados 
Unidos e os países da Europa Ocidental formaram a OTAN para deter e, 
se necessário, derrotar novas agressões soviéticas. No mundo pós-Guerra 
Fria, a OTAN é o organismo de segurança da civilização ocidental. Com 
a Guerra Fria terminada, a OTAN tem um objetivo fundamental e atraente: 
assegurar que a Guerra Fria continue terminada por meio do impedimen¬ 
to da reimposição do controle político e militar russo sobre a Europa 
Central. Na qualidade de organismo de segurança do Ocidente, a OTAN 
está, como é apropriado, aberta à admissão de países ocidentais que desejem 
nela ingressar e que satisfaçam os requisitos básicos em termos de compe¬ 
tência militar, democracia política e controle civil das forças armadas. 

A política norte-americana em relação aos arranjos de segurança 
europeus pós-Guerra Fria incorporava inicialmente um enfoque mais 
universalista, encarnado na Parceria para a Paz, que estaria aberta, de 
forma geral, aos países europeus e, na realidade, aos países eurasianos. 
Esse enfoque também realçava o papel da Organização sobre Segurança 
e Cooperação na Europa (OSCE). Ele se refletiu nas observações do 
presidente Clinton quando visitou a Europa em janeiro de 1994: “As 
fronteiras da liberdade devem agora ser definidas por um novo compor¬ 
tamento, não pela história antiga. Digo a todos (...) que irão traçar uma 
nova linha na Europa: não devemos excluir previamente a possibilidade do 
melhor futuro para a Europa — democracia por toda parte, economias de 
mercado por toda parte, países cooperando pela segurança mútua por toda 
parte. Precisamos nos resguardar contra um desfecho menor.” Entretanto, 
um ano depois, o governo tinha chegado ao reconhecimento da importân¬ 
cia das fronteiras definidas pela “história antiga”, e tinha chegado à 
aceitação de um “desfecho menor” refletindo as realidades das diferenças 
civilizacionais. O governo agiu de modo incisivo para desenvolver os 
critérios e um cronograma para a expansão do número de membros da 
OTAN, primeiro incluindo a Polônia, a Hungria, a República Checa e a 
Eslováquia e depois, provavelmente, as repúblicas bálticas. 

A Rússia se opôs firmemente a qualquer expansão da OTAN, com 
aqueles dentre os russos que eram presumivelmente mais liberais e 
pró-ocidentais argumentando que a expansão iria fortalecer muito as 
forças políticas nacionalistas e antiocidentais na Rússia. Contudo, a 
expansão da OTAN limitada aos países que historicamente fizeram parte 
da Cristandade ocidental também garantia à Rússia que seriam excluídas 
a Sérvia, a Bulgária, a Romênia, a Moldova, a Bielo-Rússia e a Ucrânia, 
enquanto esta última permanecesse unida. A expansão da OTAN limitada 
aos Estados ocidentais também sublinharia o papel da Rússia como o 
Estado-núcleo de uma civilização ortodoxa à parte e, portanto, como um 
país que deveria ser responsável pela ordem dentro e ao longo das 
fronteiras da Ortodoxia, e que poderia e deveria lidar numa base de 
igualdade com a OTAN e com os Estados-núcleos ocidentais. 

A utilidade de se fazer uma diferenciação entre os países em termos 
de civilização fica evidenciada no caso das repúblicas bãlticas. Elas são 
as únicas ex-repúblicas soviéticas que são claramente ocidentais em 
termos de história, cultura e religião, e seu destino foi sempre uma grande 
preocupação para o Ocidente. Os Estados Unidos nunca reconheceram 
sua incorporação pela União Soviética, apoiaram sua ação pela indepen¬ 
dência quando a União Soviética começou a desmoronar e insistiram em 
que a Rússia tinha que observar o cronograma acordado para a retirada 
de suas tropas dessas repúblicas. A mensagem para os russos foi de que 
eles tinham que reconhecer que os países bálticos estão fora de qualquer 
esfera de influência que desejem estabelecer em relação a outras 
ex-repúblicas soviéticas. Esse resultado positivo do governo Clinton foi, 
como disse o primeiro-ministro da Suécia, “uma de suas mais importantes 
contribuições para a segurança e a estabilidade européias”, e ajudou os 
democratas russos ao determinar que quaisquer desígnios revanchistas 
de nacionalistas extremados russos eram inúteis diante de um com¬ 
promisso explícito ocidental para com essas repúblicas.^ 

Embora se tenha dedicado muita atenção à expansão da União 
Européia e da OTAN, a reconfiguração cultural dessas organizações 
também suscita a questão de sua possível contração. Um país não-oci¬ 
dental, a Grécia, é membro de ambas as organizações, e outro, a Turquia, 
é membro da OTAN e candidato a membro da União. Esses relaciona¬ 
mentos foram fruto da Guerra Fria. Será que eles têm cabimento no 
mundo das civilizações pós-Guerra Fria? 

A Turquia é um país dividido. Sua participação plena na União 
Européia é problemática e improvável e sua participação na OTAN foi 
atacada pelo Partido do Bem-Estar. Entretanto, é provável que a Turquia 
continue como membro da OTAN, a menos que o Partido do Bem-Estar 
consiga uma vitória eleitoral retumbante e/ou a Turquia, por alguma 
outra forma, rejeite o legado de Ataturk e se redefina como líder do Islã. 
Isso é concebível e podería ser desejável para a Turquia, mas também é 
improvável no futuro imediato. Qualquer que seja o seu papel na OTAN, 
é provável que a Turquia cada vez mais busque seus próprios interesses 
com relação aos Bálcãs, ao mundo árabe e à Ásia Central. 

A Grécia não faz parte da civilização ocidental, porém foi a sede da 
civilização clássica que, por sua vez, foi uma fonte importante da 
civilização ocidental. Na sua oposição aos turcos, os gregos histori¬ 
camente se consideraram como os lanceiros do Cristianismo. Ao contrário 
de sérvios, romenos e búlgaros, sua história está intimamente entrelaçada 
com a do Ocidente. No entanto, a Grécia também é uma anomalia, o 
estranho ortodoxo nas organizações ocidentais, Nunca foi fácil para ela 
ser membro quer da UE quer da OTAN, e ela teve dificuldades em se 
adaptar aos princípios e costumes de ambas. De meados da década de 
60 a meados da de 70, ela foi governada por uma junta militar e só pôde 
entrar para a Comunidade Européia depois de passar a ser uma demo¬ 
cracia. Seus dirigentes freqüentemente parecem se esforçar por desviar-se 
das normas ocidentais e por antagonizar os governos ocidentais. Ela era 
mais pobre do que os outros membros da Comunidade e da OTAN e, 
muitas vezes, adotava políticas que pareciam desrespeitar os padrões 
vigentes em Bruxelas. Seu comportamento na presidência do Conselho 
da UE em 1994 exasperou outros membros, e autoridades européias 
ocidentais, em privado, consideram um erro tê-la como membro. 

No mundo pós-Guerra Fria, as políticas da Grécia se afastam cada 
vez mais das do Ocidente. O bloqueio que impôs à Macedônia teve a 
encarniçada oposição dos governos ocidentais e resultou na moção, pela 
Comissão Européia, de uma ação comina tória contra a Grécia na Corte 
Européia de Justiça. No contexto de seus conflitos com a ex-Iugoslávia, 
a Grécia se separou das políticas adotadas pelas principais potências 
ocidentais, apoiou ativamente os sérvios e violou flagrantemente as 
sanções das Nações Unidas a eles impostas. Com o fim da União Soviética 
e da ameaça comunista, a Grécia tem interesses mútuos com a Rússia em 
oposição a seu inimigo comum, a Turquia. Ela permitiu que a Rússia 
estabelecesse uma presença importante na parte grega de Chipre e, como 
resultado de “sua religião ortodoxa oriental compartilhada”, os cipriotas 
gregos acolheram tanto russos como sérvios na ilha. 5 Em 1995, cerca de 
duas mil empresas de propriedade russa estavam operando em Chipre, 
ali se publicavam jornais russos e servo-croatas e o governo cipriota grego 
estava comprando grandes quantidades de armamento da Rússia. A 
Grécia também explorou com a Rússia a possibilidade de trazer petróleo 
do Cáucaso e da Ásia Central até o Mediterrâneo, por meio de um 
oleoduto búlgaro-grego contornando a Turquia e outros países muçul¬ 
manos. De modo geral, as diretrizes da política externa grega assumiram 
uma orientação com forte teor ortodoxo. A Grécia indubitavelmente 
continuará sendo, formalmente, membro da OTAN e da União Européia. 
Entretanto, à medida que se intensifique o processo de reconfiguração 
cultural, essas participações sem dúvida ficarão mais tênues, menos 
significativas e mais difíceis para as partes envolvidas. O antagonista da 
União Soviética na Guerra Fria está evoluindo para o aliado pós-Guerra 
Fria da Rússia. 

A Rússia e o seu Exterior Próximo 

A Rússia é um país dividido, mas também é o Estado-núcleo de uma 
importante civilização. O sistema que sucedeu aos impérios tzarista e 
comunista é um bloco civilizacional, que em muitos aspectos segue em 
paralelo ao do Ocidente na Europa. No seu núcleo, a Rússia — o 
equivalente da França e da Alemanha — está intimamente ligada com 
um círculo interior que inclui as duas repúblicas predominantemente 
ortodoxas eslavas da Bielo-Rússia e de Moldova, o Casaquistão, com 40 
por cento da população compostos por russos, e a Armênia, his¬ 
toricamente um íntimo aliado da Rússia. Em meados dos anos 90, todos 
esses países possuíam governos pró-russos, que, de forma geral, tinham 
chegado ao poder pelas umas. Há relações estreitas, porém mais tênues, 
entre a Rússia e a Geórgia (predominantemente ortodoxa) e a Ucrânia 
(em grande parte ortodoxa), mas que têm também fortes sentimentos de 
identidade nacional e de independência no passado. Nos Bálcãs ortodo¬ 
xos, a Rússia tem relações estreitas com a Bulgária, a Grécia, a Sérvia e 
Chipre, e um tanto menos estreitas com a Romênia. As repúblicas 
muçulmanas da antiga União Soviética desenvolveram alguns mecanis¬ 
mos de cooperação entre si, e têm sido cortejadas pela Turquia e por 
outros Estados muçulmanos. Contudo, elas continuam muito depen¬ 
dentes da Rússia, tanto economicamente quanto no campo da segurança. 
Em contraste, as repúblicas bálticas, respondendo à atração gravitacional 
da Europa, efetivamente se retiraram da esfera de influência russa. 

De modo geral, a Rússia está criando sob sua liderança um bloco 
com um coração ortodoxo e uma zona tampão de Estados islâmicos 
relativamente fracos que ela irá, em graus diferentes, dominar, e nos quais 
ela tentará excluir a influência de outras potências. Além disso, a Rússia 
espera que o mundo aceite e aprove esse sistema. Como disse Yeltsin 
em fevereiro de 1993, os governos estrangeiros e os organismos interna¬ 
cionais precisam “outorgar à Rússia poderes especiais como uma garantia 
da paz e da estabilidade nas regiões que eram parte da antiga URSS”. 
Enquanto a União Soviética era uma superpotência com interesses 
globais, a Rússia é uma potência importante com interesses regionais e 
,civilizacionais. 


Os países ortodoxos da antiga União Soviética são fundamentais 
para o desenvolvimento de um bloco russo coerente nas questões 
eurasianas e mundiais. Durante o desmembramento da União Soviética, 
todos esses cinco países se moveram inicialmente numa direção altamen¬ 
te nacionalista, enfatizando sua nova independência e seu distanciamento 
de Moscou. Posteriormente, o reconhecimento das realidades econômi¬ 
cas, geopolíticas e culturais levou os eleitores em quatro deles a eleger 
governos pró-russos e a apoiar políticas pró-russas. Nesse países as 
pessoas olham para a Rússia em busca de apoio e proteção. No quinto, 
a Geórgia, a intervenção militar russa obrigou a uma mudança análoga 
na posição do governo. 

Historicamente, a Armênia identificou seus interesses com a Rússia, 
e esta se orgulhava de ser a defensora da Armênia contra seus vizinhos 
muçulmanos. Esse relacionamento foi revigorado nos anos pós-soviéticos. 
Os armênios dependem da assistência econômica e militar russa e apoiaram 
a Rússia em questões vinculadas às relações com as antigas repúblicas 
soviéticas. Os dois países têm interesses estratégicos convergentes. 

Ao contrário da Armênia, a Bielo-Rússia tem um reduzido sentimen¬ 
to de identidade nacional. Além disso, ela é ainda mais dependente da 
assistência russa. Muitos de seus habitantes parecem se identificar tanto 
com a Rússia quanto com seu próprio país. Em janeiro de 1994, o 
Legislativo substituiu no cargo de chefe de Estado um nacionalista 
moderado, de centro, por um conservador pró-russo. Em julho de 1994, 
80 por cento dos eleitores escolheram para presidente um pró-russo 
extremado, aliado de Vladimir Zhirinovsky. A Bielo-Rússia logo aderiu à 
Comunidade dos Estados Independentes (CEI), foi membro fundador da 
união econômica criada em 1993 cõriTa Rússia e a Ucrânia, concordou 
com uma união monetária com a Rússia, entregou suas armas nucleares 
à Rússia e concordou com o aquartelamento de tropas russas em seu 
território até o final deste século. Na realidade, a Bielo-Rússia só não é 
parte da Rússia no nome. 

Depois que, com o colapso da União Soviética, a Moldova ficou 
independente, muitos esperavam que ela acabasse por se reintegrar à 
Romênia. O medo de que isso acontecesse, por sua vez, estimulou um 
movimento secessionista no leste russificado, com o apoio tácito de 
Moscou e o apoio ativo do 14° Exército russo, e que levou à criação da 
República do Trans-Dniestr. Entretanto, os desejos dos moldóvios de 
união com a Romênia arrefeceram, em decorrência dos problemas 
econômicos dos dois países e da pressão econômica russa. A Moldova 
aderiu à CEI e o comércio com a Rússia se expandiu. Em fevereiro de 1994, 
os partidos pró-russos tiveram amplo êxito nas eleições parlamentares. 

Nesses três Estados, a opinião pública, respondendo a uma certa 
combinação de interesses estratégicos e econômicos, produziu governos 
que favoreciam um alinhamento estreito com a Rússia. Um padrão algo 
semelhante acabou ocorrendo na Ucrânia. Na Geórgia, o curso dos 
acontecimentos foi diferente. A Geórgia foi um país independente até 
1801, quando seu monarca, o rei George XIII, pediu a proteção russa 
contra os turcos. Durante três anos depois da Revolução Russa, de 1918 
a 1921, a Geórgia ficou mais uma vez independente, porém os bolchevis- 
tas a incorporaram à força à União Soviética.ÍQuando a União Soviética 
acabou, a Geórgia uma vez mais declarou'"sua independência. Uma 
coalizão nacionalista ganhou as eleições, porém seu líder se engajou 
numa repressão autodestrutiva e foi derrubado pela força. Edvard A. 
Shevarnadze, que tinha sido ministro do Exterior da União Soviética, 
retornou para dirigir seu país e foi confirmado no poder nas eleições 
presidenciais, em 1992 e em 1995. Entretanto, foi confrontado por um 
movimento separatista em Abkhásia, que recebeu considerável apoio 
russo, bem como por uma insurreição pelo líder deposto, Gamsakhurdia. 
Emulando o rei George, Shevarnadze chegou à conclusão de que “não 
temos uma grande escolha” e voltou-se para Moscou em busca de auxílio. 
As tropas russas intervieram para apoiá-lo, em troca do ingresso da 
Geórgia na CEI. Em 1994, os georgianos concordaram em permitir que 
os russos mantivessem três bases militares por um período indeter¬ 
minado. Desse modo, a intervenção militar russa, primeiro para debilitar 
o governo georgiano e depois para preservá-lo, trouxe a Geórgia, apesar 
do seu espírito de independência, para o campo russo. 

Afora a Rússia, a maior e mais importante ex-república soviética é 
a Ucrânia. Em diversos momentos da História, a Ucrânia foi indepen¬ 
dente. Contudo, durante a maior parte da era moderna ela fez parte de 
uma entidade política governada de Moscou. O acontecimento decisivo 
teve lugar em 1654, quando Bohdan Khmelnytsky, o líder cossaco de um 
levante contra o domínio polonês, concordou em jurar lealdade ao tzar 
em troca de ajuda contra os poloneses. A partir de então, até 1991, exceto 
por um breve período como república independente, entre 1917 e 1920, 
o que é agora a Ucrânia foi controlado politicamente por Moscou. 
Entretanto, a Ucrânia é um país rachado, com duas culturas distintas. A 
linha de fratura civilizacional entre o Ocidente e a Ortodoxia passa através 
do seu coração, e é assim há séculos. Em alguns momentos no passado, 
a Ucrânia ocidental foi parte da Polônia, da Lituânia e do Império 
Austro-húngaro. Uma grande parcela da sua população pertence à Igreja 
Uniata, que pratica os ritos ortodoxos, mas reconhece a autoridade do 
Papa. Historicamente, os ucranianos ocidentais sempre falaram ucraniano 
e adotaram uma perspectiva fortemente nacionalista. As pessoas da 
Ucrânia oriental, por outro lado, são predominantemente ortodoxas e, 
em grande parte, falam russo. Os russos representam 22 por cento e os 
que têm o russo como língua materna, 31 por cento do total da população 
ucraniana. A maioria dos alunos das escolas primárias e secundárias têm 
suas aulas em russo. 6 A Criméia é predominantemente russa e fez parte 
da Federação Russa até 1954, quando Krushchev a transferiu para a 
Ucrânia, ostensivamente como reconhecimento pela decisão de Khmel¬ 
nytsky de 300 anos antes. 

As diferenças entre a Ucrânia oriental e ocidental se manifestam nas 
atitudes de suas populações. No final de 1992, por exemplo, um terço 
dos russos da Ucrânia ocidental disse que era alvo de animosidade 
anti-russa, em comparação com apenas 10 por cento em Kiev. 7 A divisão 
entre leste e oeste ficou evidenciada de modo espetacular nas eleições 
presidenciais de julho de 1994. O presidente no cargo, Leonid Kravchuk, 
que se identificava como nacionalista apesar de trabalhar intimamente 
com os dirigentes da Rússia, ganhou nas 13 províncias da Ucrânia 
ocidental com maiorias que chegavam a até 90 por cento dos votos. Seu 
adversário, Leonid Kuchma, que tomou aulas de ucraniano durante a 
campanha, ganhou nas 13 províncias orientais por maiorias comparáveis. 
No cômputo final, Kuchma ganhou com 52 por cento dos votos. Na 
realidade, uma pequena maioria do povo ucraniano confirmou em 1994 
a opção de Khmelnytsky em 1654. Como um perito norte-americano 
comentou, a eleição “refletiu, cristalizou mesmo, a divisão entre os 
eslavos europeizados da Ucrânia ocidental e a visão russo-eslava do que 
a Ucrânia deveria ser. Não se trata tanto de polarização étnica, mas 
sobretudo de culturas diferentes”. 8 

Como resultado dessa divisão, as relações entre a Ucrânia e a Rússia 
poderiam se desenvolver de uma de três maneiras. No início dos anos 
90, havia questões seriamente importantes entre os dois países a respeito 
de armas nucleares, a Criméia, os direitos do russos na Ucrânia, a 
esquadra do Mar Negro e as relações econômicas. Muitas pessoas 
achavam que havia a probabilidade de um conflito armado, o que levou 
alguns analistas ocidentais a argumentar que o Ocidente devia apoiar a 


UCRÂNIA: um país rachado 

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tese de a Ucrânia possuir um arsenal nuclear a fim de deter uma agressão 
russa.9 Entretanto, se o que conta é a civilização, a probabilidade de 
violência entre ucranianos e russos deve ser baixa. São dois povos 
eslavos, basicamente ortodoxos, que têm um relacionamento íntimo há 
séculos, e são comuns os casamentos entre eles. A despeito de questões 
profundamente controvertidas e da pressão de nacionalistas extremados 
de ambos os lados, os dirigentes dos dois países têm trabalhado com 
empenho, e com grande dose de êxito, para moderar essas controvérsias. 
A eleição na Ucrânia, em meados de 1994, de um presidente declarada¬ 
mente orientado para a Rússia, reduziu ainda mais a probabilidade de 
um conflito exacerbado entre os dois países. Enquanto, em outras partes 
da antiga União Soviética, ocorreram sérias lutas entre muçulmanos e 
cristãos, e houve muita tensão e algumas lutas entre cristãos ocidentais 
e ortodoxos nos Estados bálticos, ao se chegar a 1995 não havia ocorrido 
praticamente nenhuma violência entre ucranianos e russos. 

Uma segunda e maior possibilidade é a de que a Ucrânia possa se 
partir, seguindo sua linha de fratura, em duas entidades separadas, das 
quais a oriental podería se fundir com a Rússia. A questão da secessão 

208 

primeiro apareceu em relação à Criméia. O povo da Criméia, cujo 
percentual de russos está em 70 por cento, apoiou de forma ampla a 
independência da Ucrânia da União Soviética num plebiscito em dezem¬ 
bro de 1991. Em maio de 1992, o Parlamento da Criméia também aprovou 
uma moção para declarar sua independência da Ucrânia e depois, sob 
pressão ucraniana, rescindiu essa decisão. Entretanto, o Parlamento russo 
decidiu por votação cancelar a cessão da Criméia à Ucrânia feita em 1954. 
Em janeiro de 1994, o povo da Criméia elegeu como presidente um 
homem que fizera sua campanha com a plataforma de “união com a 
Rússia”. Isso induziu algumas pessoas a levantarem a questão: “Irá a 
Criméia ser o próximo Nagomo-Karabakh ou Abkhásia?” 10 A resposta foi 
um rotundo “Não!”, enquanto o novo presidente da Criméia recuava de 
seu compromisso de realizar um plebiscito sobre a independência e, em 
vez disso, negociou com o governo de Kiev. Em maio de 1994, a situação 
voltou a esquentar quando o Parlamento da Criméia votou a restauração 
da Constituição de 1992, que a tomava virtualmente independente da 
Ucrânia. Entretanto, uma vez mais, a moderação dos dirigentes russos e 
ucranianos impediu que essa questão acabasse em violência e a vitória 
nas eleições realizadas dois meses depois de Kuchma, pró-russo, como 
presidente da Ucrânia, solapou a pressão pela secessão da Criméia. 

Não obstante, essa eleição suscitou a possibilidade de que a parte 
ocidental do país se separasse de uma Ucrânia que estava cada vez mais 
chegada à Rússia. Alguns russos podiam ver isso com bons olhos. Como 
comentou um general russo, “a Ucrânia, ou melhor, a Ucrânia oriental voltará 
em cinco, 10 ou 15 anos. A Ucrânia ocidental pode ir para o inferno!”. 11 
Entretanto, tal pedaço remanescente de uma Ucrânia uniata e orientada para 
o Ocidente só seria viável se tivesse um apoio forte e eficaz do Ocidente. 
Por seu lado, esse apoio só teria probabilidade de se concretizar se as 
relações entre o Ocidente e a Rússia se deteriorassem seriamente e viessem 
a se parecer com as que existiam na época da Guerra Fria. 

O terceiro e mais provável cenário é o de que a Ucrânia permanecerá 
unida, permanecerá rachada, permanecerá independente e, de modo geral, 
cooperará estreitamente com a Rússia. Uma vez resolvidas as questões 
transitórias a respeito de armas nucleares e de forças armadas, as questões 
de longo prazo mais graves serão as econômicas, cuja solução será facilitada 
por uma cultura parcialmente compartilhada e por íntimos laços pessoais. 
John Morrison assinalou que o relacionamento russo-ucraniano representa 
para a Europa Oriental o que o relacionamento franco-alemão representa 
para a Europa Ocidental. 12 Da mesma forma que este constitui o núcleo 
da União Européia, o primeiro é o núcleo essencial para a união do mundo 
ortodoxo. 

A Grande China e sua Esfera de Co-prosperidade 

Através da História, a China concebeu a si mesma como abrangendo uma 
“Zona Sínica”, que incluía a Coréia, o Vietnã, as ilhas Liu Chiu e, às vezes, 
o Japão; uma “Zona Asiática Interior” de não-chineses — manchus, 
mongóis, uigures, turcos e tibetanos, que tinham que ser controlados por 
motivos de segurança —; e depois uma “Zona Exterior” de bárbaros, que, 
não obstante, “deviam pagar tributos e reconhecer a superioridade da 
China”. 13 A civilização sínica contemporânea está ficando estruturada de 
maneira semelhante: o núcleo central da China Han, as províncias 
periféricas que fazem parte da China, mas detêm considerável autonomia, 
províncias que legalmente fazem parte da China mas com grande parte 
da população formada por não-chineses de outras civilizações (Tibete, 
Xinxiang), sociedades chinesas que irão ser ou têm probabilidade de vir 
a ser parte de uma China centrada em Pequim segundo determinadas 
condições (Hong Kong, Taiwan), um Estado predominantemente chinês 
cada vez mais orientado para Pequim (Singapura), populações chinesas 
muito influentes na Tailândia, Vietnã, Malásia, Indonésia e Filipinas, e 
sociedades não-chinesas (Coréias do Norte e do Sul, Vietnã) que, mesmo 
assim, compartilham muito da cultura confuciana da China. 

Durante a década de 50, a China se definia como aliada da União 
Soviética. Então, após a ruptura sino-soviética, ela passou a se ver como 
líder do Terceiro Mundo contra ambas as superpotências. Disso resulta¬ 
ram grandes custos e poucos dividendos e, depois da mudança da política 
norte-americana no governo Nixon, a China procurou ser o terceiro 
elemento num jogo de equilíbrio de poder entre as duas superpotências, 
alinhando-se com os Estados Unidos durante os anos 70, quando os Estados 
Unidos pareciam fracos, e depois passando para uma posição mais eqüidis- 
tante nos anos 80, quando o poder militar dos Estados Unidos aumentou e 
a União Soviética declinou economicamente, ficando atolada no 
Afeganistão. Entretanto, com o fim da competição das superpotências, a 
“carta da China” perdeu todo o seu valor e a China se viu obrigada uma 
vez mais a redefinir seu papel nas questões mundiais. Ela se fixou duas 
metas: tornar-se a defensora da cultura chinesa, o pólo de atração 
civilizacional de Estado-núcleo em direção ao qual iriam se orientar todas 
as outras comunidades chinesas, e retomar sua posição histórica, que 
perdera no século XIX, como potência hegemônica na Ásia Oriental. 

Pode-se distinguir o papel emergente da China como o Estado-nú¬ 
cleo e o pólo de atração da civilização sínica nos seguintes aspectos: 
primeiro, no modo como a China descreve sua posição nas questões 
mundiais; segundo, no grau em que os chineses de ultramar se envolve¬ 
ram economicamente na China; e terceiro, nas crescentes ligações 
econômicas, políticas e diplomáticas com a China das outras três princi¬ 
pais entidades chinesas — Hong Kong, Taiwan e Singapura —, bem 
como na mais acentuada orientação na direção da China por parte dos 
países do Sudeste Asiático em que os chineses têm uma influência política 
significativa (Tailândia, Malásia). 

O governo chinês vê a China continental como o Estado-núcleo de 
uma civilização chinesa na direção da qual todas as outras comunidades 
chinesas deveriam se orientar. Tendo há muito abandonado seus esforços 
para promover seus interesses no exterior através de partidos comunistas 
locais, o governo atualmente busca “posicionar-se como o representante 
da ‘chinesidade’ em todo o mundo”. 14 Para o governo chinês, as pessoas 
de ascendência chinesa, mesmo que sejam cidadãos de um outro país, 
são membros da comunidade chinesa e, por conseguinte, estão em 
alguma medida sujeitas à autoridade do governo chinês. A identidade 
chinesa vem a ser definida em termos raciais. Como expôs um estudioso 
da República Popular da China (RPC), os chineses são pessoas da mesma 
“raça, sangue e cultura”. Em meados dos anos 90, esse tema era cada vez 
mais mencionado por fontes chinesas governamentais e particulares. Para 
os chineses e os de ascendência chinesa que vivem em sociedades 
não-chinesas, a “prova do espelho” passa assim a ser a prova de quem 
eles são: “Vá se olhar no espelho”, é a advertência feita pelos chineses 
orientados para Pequim aos de ascendência chinesa que tentam ser 
assimilados no seio de sociedades estrangeiras. Os chineses da diáspora, 
ou seja, os huaren ou pessoas de origem chinesa, por diferenciação dos 
zhongguoren ou pessoas do Estado chinês, cada vez mais articulam a 
concepção da “China cultural” como uma manifestação de sua gonshi ou 
percepção em comum. A identidade chinesa, sujeita a tantos ataques do 
Ocidente no século XX, está atualmente sendo reformulada em termos 
dos elementos ininterruptos da cultura chinesa. 15 

Historicamente, essa identidade também foi compatível com os 
diferentes relacionamentos com as autoridades centrais do Estado chinês. 
Essa noção de identidade cultural facilita a expansão dos relacionamentos 
econômicos entre as várias Chinas, ao mesmo tempo em que é reforçada 
por ela. Por sua vez, essas várias Chinas têm sido importante elemento 
para a promoção do rápido crescimento econômico da China continental 
e de outras áreas, as quais, por seu turno, proporcionaram o ímpeto 
material e psicológico para ressaltar a identidade cultural chinesa. 

Assim sendo, a “Grande China” não é apenas uma concepção 
abstrata. É uma realidade cultural e econômica que cresce rapidamente, 
e que está começando a se tornar uma realidade política. Os chineses 
foram responsáveis pelo espetacular desenvolvimento econômico dos 
anos 80 e 90: na China continental, nos Tigres (dos quatro, três eram 
chineses) e nos países do Sudeste Asiático, cujas economias estavam 
dominadas por chineses. A economia da Ásia Oriental está cada vez mais 
centrada na China e dominada pela China. Os chineses de Hong Kong, 
Taiwan e Singapura aportaram muito do capital responsável pelo cresci¬ 
mento da China continental nos anos 90. Em outras áreas do Sudeste 
Asiático, os chineses de ultramar dominaram as economias dos seus 
respectivos países. No começo da década de 90, os chineses repre¬ 
sentavam um por cento da população das Filipinas, mas respondiam por 
35 por cento das vendas das empresas de propriedade nacional. Na 
Indonésia, em meados da década de 80, os chineses eram de dois a três 
por cento da população, porém eram donos de cerca de 70 por cento do 
capital privado doméstico. Dezessete das 25 maiores empresas eram 
controladas por chineses, e consta que um conglomerado chinês respondia 
por cinco por cento do PNB da Indonésia. No início dos anos 90, os chineses 
formavam 10 por cento da população da Tailândia, mas eram donos de 
nove dos 10 maiores grupos empresariais e respondiam por 50 por cento 
do seu PNB. Os chineses são cerca de um terço da população da Malásia, 
porém dominam quase totalmente a economia do país. 16 Fora Japão e 
Coréia, a economia da Ásia Oriental é basicamente uma economia chinesa. 

O surgimento da esfera de co-prosperidade da Grande China foi 
muito facilitado por uma “rede de bambu” de relacionamentos pessoais 
e de família e por uma cultura em comum. Os chineses de ultramar têm 
uma capacidade muito maior do que ocidentais ou japoneses para fazer 
negócios na China. Na China, a confiança e a obrigação dependem dos 
relacionamentos pessoais, não de leis, contratos ou outros documentos 
legais. Os homens de negócios ocidentais têm maior facilidade em fazer 
transações na índia do que na China, onde a observância de um acordo 
se baseia no relacionamento pessoal entre as partes. Um japonês 
proeminente comentou com inveja, em 1993, que a China se beneficiava 
de “uma rede sem fronteiras de comerciantes chineses em Hong Kong, 
em Taiwan e no Sudeste Asiático”. 17 Um homem de negócios norte-ame¬ 
ricano concordou, dizendo que os chineses de ultramar “têm os dotes 
empresariais, têm o idioma e combinam a rede de bambu das relações 
de família aos contratos. É uma enorme vantagem sobre alguém que 
precisa se reportar para Akron ou Filadélfia”. As vantagens dos chineses 
de fora para tratar com a China continental também foram bem expostas 
por Lee Kuan Yew: “Nós somos chineses étnicos. Nós compartilhamos 
de certas características através de uma ascendência e uma cultura em 
comum. (...) As pessoas sentem uma empatia natural por aqueles que 
compartilham de seus atributos físicos. Esse sentimento de proximidade 
é reforçado quando elas também compartilham de uma base para a 
cultura e o idioma. Isso cria as condições para entrosamento e confiança 
fáceis, que são os alicerces de todas as relações de negócios.” 18 Na 
segunda metade dos anos 80 e 90, os chineses étnicos de ultramar 
puderam “demonstrar a um mundo cético que as ligações de quanxi, 
através do mesmo idioma e da mesma cultura, compensam a falta de um 
reinado da lei e da transparência de normas e regulamentos”. As raízes 
do desenvolvimento econômico numa cultura em comum foram realça¬ 
das na Segunda Conferência Mundial de Empresários Chineses, realizada 
em Hong Kong em 1993, descrita como “uma celebração do triunfalismo 
chinês a que compareceram homens de negócios chineses étnicos de 
todas as partes do mundo”. 19 No mundo sínico, como em outras áreas, 
os aspectos culturais em comum promovem o engajamento econômico. 

A redução do envolvimento ocidental na China depois dos episó¬ 
dios na Praça Tiananmen, após uma década de rápido crescimento 
econômico chinês, criou as oportunidades e o incentivo para que os 
chineses de ultramar capitalizassem sobre sua cultura em comum e seus 
contatos pessoais para investir maciçamente na China. O resultado foi 
uma expansão espetacular dos laços econômicos em geral entre as 
comunidades chinesas. Em 1992, 80 por cento dos investimentos es¬ 
trangeiros diretos na China (11,3 bilhões de dólares) vieram de chineses 
de ultramar, sobretudo de Hong Kong (68,3 por cento), mas também de 
Taiwan (9,3 por cento), Singapura, Macau e outras áreas. Em contraste, 
o Japão participou em 6,6 por cento e os Estados Unidos em 4,6 por 
cento do total. Do total dos investimentos estrangeiros acumulados de 
50 bilhões de dólares, 67 por cento vieram de fontes chinesas. O 
crescimento do comércio internacional foi igualmente impressionante. 
As exportações de Taiwan para a China subiram de quase nada em 1986 
para oito por cento do total das exportações de Taiwan em 1992, 
expandindo-se nesse ano cerca de 35 por cento. As exportações de 
Singapura para a China aumentaram em 22 por cento em 1992, em 
comparação com um crescimento geral de suas exportações de menos 
de dois por cento. Como assinalou Murray Weidenbaum em 1993, “apesar 
do atual predomínio japonês na região, a economia asiática baseada na 
China está emergindo rapidamente como um novo epicentro da indústria, 
do comércio e das finanças. Essa área estratégica contém doses subs¬ 
tanciais de capacidade tecnológica e manufatureira (Taiwan), uma ex¬ 
traordinária perspicácia empresarial, de comercialização e de serviços 
(Hong Kong), uma ótima rede de comunicações (Singapura), um tremen¬ 
do manancial de capital financeiro (todos os três) e dotes muito grandes 
em terras, recursos naturais e mão-de-obra (China continental)”. 20 Além 
disso, é claro, a China continental era, em termos potenciais, o maior de 
todos os mercados em expansão e, em meados dos anos 90, os 
investimentos na China estavam cada vez mais orientados para as vendas 
nesse mercado, bem como para as exportações a partir dele. 

Os chineses nos países do Sudeste Asiático se assimilaram em graus 
diferentes às populações locais, estas últimas freqüentemente nutrindo 
sentimentos antichineses que, em determinadas ocasiões, como nos 
distúrbios de Medan, na Indonésia, em abril de 1994, irromperam em 
violência. Alguns malásios e indonésios criticaram como “fuga de capi¬ 
tais” o fluxo de investimentos chineses para a China continental, e os 
dirigentes políticos, encabeçados pelo presidente Suharto, tiveram que 
tranqüilizar seus povos no sentido de que isso não iria causar danos às 
suas respectivas economias. Os chineses do Sudeste Asiático, por sua 
vez, insistiam em que suas lealdades eram estritamente para com seus 
países de nascimento e não o de seus ancestrais. No começo dos anos 
90, o fluxo de capitais chineses do Sudeste Asiático para a China 
continental foi contrabalançado por investimentos taiwaneses nas Filipi¬ 
nas, na Malásia e no Vietnã. 

A combinação de um crescente poderio econômico e de uma 
cultura chinesa compartilhada levou Hong Kong, Taiwan e Singapura a 
se envolverem cada vez mais com a terra natal chinesa. Acomodando-se 
à transferência de poder que se aproxima, os chineses de Hong Kong 
começaram a se adaptar a ser governados de Pequim em vez de Londres. 
Os homens de negócios e outros elementos influentes passaram a relutar 
em criticar a China ou a fazer coisas que pudessem ofender a China. 
Quando ofendiam, o governo chinês nào hesitava em retaliar prontamen- 
te. Em 1994, centenas de homens de negócios estavam cooperando com 
Pequim e servindo como “Assessores de Hong Kong” no que era de fato 
um governo paralelo. No começo dos anos 90, a influência econômica 
chinesa em Hong Kong também se expandiu de forma espetacular, com 
os investimentos provenientes do continente em 1993, ao que se informa, 
superando os do Japão e dos Estados Unidos combinados. 21 Em meados 
dos anos 90, a integração econômica entre Hong Kong e a China 
continental estava praticamente concluída, com a integração política a 
ser consumada em 1997. 

A expansão dos laços de Taiwan com a China continental ficou mais 
atrasada em comparação com a de Hong Kong. Não obstante, nos anos 
80, começaram a ocorrer mudanças significativas. Durante as três décadas 
seguintes a 1949, as duas repúblicas chinesas se recusavam a reconhecer 
a existência ou a legitimidade uma da outra, não tinham nenhuma 
comunicação entre si e estavam num virtual estado de guerra, manifes¬ 
tado de tempos em tempos por uma troca de tiros de canhão nas ilhas 
ao largo da costa. Depois que Deng Xiaoping consolidou seu poder e 
começou o processo de reformas econômicas, porém, o governo da China 
continental deu início a uma série de gestos conciliatórios em relação a 
Taiwan. Em 1981, o governo de Taiwan respondeu e começou a mudar de 
sua política anterior dos “três nenhuns”: nenhum contato, nenhuma nego¬ 
ciação e nenhuma acomodação com a parte continental. Em maio de 
1986, ocorreram as primeiras negociações entre representantes dos dois 
lados a respeito da restituição à República da China de um avião que 
tinha sido seqüestrado para a parte continental e, no ano seguinte, a 
República da China anulou a proibição de viagens ao continente. 22 

A rápida expansão das relações econômicas entre Taiwan e a China 
continental que se seguiu foi muito facilitada por sua “chinesidade 
compartilhada” e pela confiança mútua que dela resultava. Como comen¬ 
tou o principal negociador de Taiwan, as pessoas de Taiwan e da China 
têm “um sentimento de que o sangue fala mais forte” e se orgulhavam 
das realizações de cada lado. Em 1993, mais de 4,2 milhões de taiwaneses 
tinham visitado a parte continental, e 40 mil pessoas desta tinham visitado 
Taiwan; diariamente eram trocadas 40 mil cartas e 13 mil telefonemas. O 
comércio entre as duas Chinas, pelo que se informou, atingiu 14,4 bilhões 
de dólares em 1993, e 20 mil empresas de Taiwan tinham investido algo 
entre 15 e 30 bilhões de dólares na parte continental. A atenção de Taiwan 
cada vez mais se concentrou na China continental e seu êxito cada vez 
mais foi dependente desta. Uma autoridade taiwanesa comentou em 1993 
que, “antes de 1980, o mercado mais importante para Taiwan eram os 
Estados Unidos, mas nos anos 90 sabemos que o fator mais crítico para 
o êxito da economia de Taiwan está no continente”. A mão-de-obra 
barata da parte continental constituía a principal atração para os inves¬ 
tidores taiwaneses, que enfrentavam uma escassez de mão-de-obra em 
seu país. Em 1994, entrou em andamento um processo inverso de 
retificação do desequilíbrio capital-mão-de-obra entre as duas Chinas, 
com as companhias pesqueiras taiwanesas contratando pessoas da parte 
continental para tripular suas embarcações. 23 

As ligações econômicas em desenvolvimento conduziram a nego¬ 
ciações entre os dois governos. Em 1991, Taiwan criou a Fundação de 
Intercâmbio dos Estreitos e a China continental criou a Associação para 
as Relações através do Estreito de Taiwan, para as comunicações 
recíprocas. Sua primeira reunião foi realizada em Singapura em abril de 
1993, com reuniões posteriores realizadas na parte continental e em 
Taiwan. Em agosto de 1994, chegou-se a um acordo “de abrir caminho”, 
que cobria uma série de questões-chave, e iniciou-se a especulação a 
respeito de uma possível reunião de cúpula entre as principais autorida¬ 
des dos dois governos. 

Em meados dos anos 90, ainda havia questões importantes entre 
Taipé e Pequim, inclusive as da soberania, da participação de Taiwan em 
organismos internacionais e da possibilidade de que Taiwan se redefinisse 
como um Estado independente. Entretanto, a probabilidade de que esta 
hipótese se concretizasse tomou-se cada vez mais remota quando o principal 
advogado da independência, o Partido Democrático Progressista, constatou 
que os eleitores taiwaneses não queriam perturbar as relações existentes 
com a China continental, e que suas perspectivas eleitorais seriam prejudi¬ 
cadas se persistisse com essa questão. Os dirigentes do PDP enfatizaram 
então que, se chegassem ao poder, a independência não seria um item 
imediato do seu programa. Os dois governos também compartilhavam um 
interesse comum em afirmar a soberania chinesa sobre as Ilhas Spratly e 
outras, no Mar do Sul da China, e em assegurar o tratamento de nação 
mais favorecida por parte dos Estados Unidos para o comércio da China 
continental. Em meados dos anos 90, de forma lenta porém perceptível 
e inelutável, as duas Chinas estavam se aproximando entre si e 
desenvolvendo interesses comuns a partir de suas relações econômicas 
em expansão e de sua identidade cultural compartilhada. 

Esse movimento no rumo da acomodação foi sustado de forma 
abrupta em 1995, quando o governo de Taiwan empreendeu agressiva 
campanha pelo reconhecimento diplomático e admissão em organismos 
internacionais, o presidente Lee Teng-hui fez uma visita “particular” aos 
Estados Unidos e foram realizadas eleições legislativas no Estado-núcleo 
em dezembro de 1995, seguidas por eleições presidenciais em março de 
1996. Em resposta, o governo chinês fez provas de lançamento de mísseis 
em águas próximas dos principais portos taiwaneses e efetuou manobras 
militares ao largo da costa chinesa perto das ilhas controladas por Taiwan. 
Esses desdobramentos suscitaram duas questões-chave: no momento 
atual, é possível para Taiwan permanecer democrática sem se tornar 
formalmente independente? No futuro, poderia Taiwan ser democrática 
sem continuar sendo de fato independente? 

Na prática, as relações de Taiwan com a China continental passaram 
por duas fases e poderiam entrar numa terceira. Durante décadas, o 
governo nacionalista afirmou que era o governo de toda a China. Essa 
afirmação obviamente significava um conflito com o governo que de fato 
constituía o governo de toda a China, com exceção de Taiwan. Na década 
de 80, o governo em Taipé abandonou aquela pretensão e se definiu 
como o governo de Taiwan, o que proporcionou a base para a 
acomodação com a concepção da China continental de “um país, dois 
sistemas”. Diversos indivíduos e grupos, entretanto, enfatizavam cada vez 
mais a identidade cultural própria de Taiwan, a relativa brevidade do 
período sob o domínio chinês e seu idioma local, incompreensível para 
os que falavam mandarim. Na realidade, eles estavam tentando definir a 
sociedade taiwanesa como não-chinesa e, portanto, legitimamente in¬ 
dependente da China. Além disso, à medida que o governo de Taiwan 
se tornava mais atuante internacionalmente, também ele parecia estar 
sugerindo que era um país independente e não parte da China. Em suma, 
a autodefinição do governo de Taiwan parecia evoluir de governo de 
toda a China para governo de parte da China e daí para governo de 
nenhuma parte da China. Essa última posição, formalizando sua indepen¬ 
dência de facto, seria inteiramente inaceitável para o governo de Pequim, 
que afirmou repetidamente sua disposição de fazer uso da força para 
impedir que ela se materializasse. Os dirigentes do governo chinês 
também declararam que, após a incorporação à RPC de Hong Kong em 
1997 e de Macau em 1999, iriam atuar a fim de reassociar Taiwan com a 
parte continental. É de se presumir que a maneira como isso vai ocorrer 
dependerá do grau com que cresça em Taiwan o apoio à independência 
formal, o desfecho da luta pela sucessão em Pequim, que induz os líderes 
políticos e militares a serem acentuadamente nacionalistas, e o desenvol- 

216 

vimento da capacidade militar chinesa a ponto de tornar factível o 
bloqueio ou a invasão de Taiwan. Parece provável que, no começo do 
século XXI, através de coerção, acomodação ou, mais provavelmente, 
uma combinação de ambas, Taiwan ficará integrada mais intimamente 
com a China continental. 

Até o final da década de 70, eram frias as relações entre uma 
Singapura firmemente anticomunista e a República Popular, e Lee Kuan 
Yew e outros líderes singapurianos menosprezavam o atraso chinês. 
Entretanto, quando o desenvolvimento econômico chinês decolou nos 
anos 80, Singapura começou a se reorientar em direção à China conti¬ 
nental, num clássico comportamento de se atrelar. Em 1992, Singapura 
tinha investido 1,9 bilhão de dólares na China e, no ano seguinte, foram 
anunciados planos para a construção de uma cidade industrial, “Singa¬ 
pura II”, nos arredores de Xangai, envolvendo bilhões de dólares de 
investimento. Lee se tornou entusiasmado incentivador das perspectivas 
econômicas da China e admirador do seu poderio. Em 1993, ele disse 
que “a China é onde as coisas estão acontecendo”. 24 Os investimentos 
externos de Singapura, que se tinham concentrado fortemente na Malásia 
e na Indonésia, se deslocaram para a China. Metade dos projetos no exterior 
assistidos pelo governo singapuriano em 1993 estavam na China. Na sua 
primeira visita a Pequim, nos anos 70, consta que Lee Kuan Yew insistiu 
em falar com os dirigentes chineses em inglês em vez de em mandarim. É 
improvável que ele tivesse feito isso duas décadas depois. 


O Islã: Percepção sem Coesão 

A estrutura da lealdade política entre os árabes e, de forma geral, entre 
os muçulmanos, tem sido o oposto da do Ocidente moderno. Para este 
último, o Estado-nação é o ápice da lealdade política. Lealdades mais 
limitadas ficam subordinadas a ela e ficam subordinadas à lealdade ao 
Estado-nação. Os grupos que transcendem os Estados-nações — comu¬ 
nidades lingüísticas ou religiosas, ou civilizações — obtiveram lealdade 
e devotamento menos intensos. Ao longo de um continuum de entidades 
mais limitadas para entidades mais amplas, as lealdades ocidentais 
tendem assim a atingir seu auge no meio, com a curva de intensidade 
da lealdade formando de algum modo um U de cabeça para baixo. No 
mundo islâmico, a estrutura de lealdade é quase exatamente o inverso. 
O Islã teve um meio oco na sua hierarquia de lealdades. Como assinalou 
Ira Lapidus, “as duas estruturas fundamentais, originais e que persistem”, 
são a família, o clã e a tribo, de um lado, e “as unidades de cultura, 
religião e império numa escala sempre maior”, do outro. 25 Um estudioso 
líbio observou de modo análogo que “o tribalismo e a religião (Islamis- 
mo) desempenharam e ainda desempenham importante e determinante 
papel nos desdobramentos sociais, econômicos, culturais e políticos das 
sociedades e sistemas políticos árabes e na mentalidade política árabe”. 
As tribos foram fundamentais para a política nos Estados árabes, muitos 
dos quais, como expôs Tahsin Bashir, são simplesmente “tribos com 
bandeiras”. O fundador da Arábia Saudita em grande parte teve êxito por 
sua habilidade em criar uma coalizão tribal através de casamentos e 
outros meios, e a política saudita continuou sendo intensamente tribal, 
lançando Sudaris contra Shammars e outras tribos. Pelo menos 18 tribos 
principais desempenharam papéis importantes no desenvolvimento da 
Líbia, e diz-se que, no Sudão, vivem cerca de 500 tribos, a maior das 
quais abrange 12 por cento da população do país. 2 ^ 

Na Ásia Central, historicamente, não houve identidades nacionais. 
“A lealdade é à tribo, ao clã e à família ampla, não ao Estado.” No outro 
extremo, as pessoas tinham “idioma, religião, cultura e estilos de vida” 
em comum, e “o Islamismo era a força unificadora mais forte entre as 
pessoas, mais ainda do que o poder do Emir”. Entre os chechenos e 
povos aparentados com eles do Cáucaso Setentrional, existiam cerca de 
100 clãs “das montanhas” e 70 “das planícies”, e eles controlavam a 
política e a economia a tal ponto que, em contraste com a economia 
planificada soviética, dizia-se que os chechenos possuíam uma economia 
“danificada”. 27 

Em todo o Islã, o grupo pequeno e a grande fé, a tribo e a ummah , 
foram os principais focos de lealdade e devotamento, e o Estado-nação foi 
menos importante. No mundo árabe, os Estados existentes têm problemas 
de legitimidade porque, na sua maioria, eles são produtos arbitrários, 
quando não caprichosos, do imperialismo europeu, e suas fronteiras muitas 
vezes nem sequer coincidem com as dos grupos étnicos, como os bérberes 
e os curdos. Esses Estados dividiram a nação árabe, mas, por outro lado, 
um Estado pan-arábico jamais se materializou. Além disso, a idéia de 
Estados-nações soberanos é incompatível com a crença na soberania de Alá 
e o primado da ummah . Na condição de movimento revolucionário, o 
fundamentalismo islâmico rejeita o Estado-nação em favor da unidade do 
Islã, exatamente do mesmo modo como o marxismo o rejeitava em favor 
da unidade do proletariado internacional. A fraqueza do Estado-nação 
no Islã se reflete também no fato de que, enquanto ocorreram numerosos 

910 

conflitos entre grupos muçulmanos durante os anos após a II Guerra 
Mundial, só ocorreram duas guerras maiores diretamente entre Estados 
muçulmanos, ambas envolvendo invasões pelo Iraque a seus vizinhos. 

Nos anos 70 e 80, os mesmos fatores que ensejaram o Ressurgimento 
islâmico dentro dos países também fortaleceram a identificação com a 
ummah ou civilização islâmica como um todo. Como um estudioso 
observou em meados dos anos 80: 

Uma profunda preocupação com a identidade e a unidade muçulmanas 
foi estimulada ainda mais pela descolonização, pelo crescimento demo¬ 
gráfico, pela industrialização, pela urbanização e por uma ordem 
econômica internacional em mutação, associados, entre outras coisas, à 
riqueza do petróleo em terras muçulmanas. (...) As modernas comuni¬ 
cações fortaleceram e tornaram mais elaborados os laços entre os povos 
muçulmanos. Houve um crescimento pronunciado na quantidade de 
homens que fazem a peregrinação a Meca, criando uma noção mais 
intensa de identidade comum entre os muçulmanos de lugares tão 
distantes quanto a China e o Senegal, o Iêmen e Bangladesh. Um número 
cada vez maior de estudantes da Indonésia, da Malásia, do sul das 
Filipinas e da África está cursando universidades do Oriente Médio, 
espalhando idéias e estabelecendo contatos pessoais, passando por cima 
de fronteiras nacionais. São realizadas conferências e consultas regulares, 
cada vez mais freqüentes, entre os intelectuais muçulmanos e os ulemás 
(estudiosos da religião) em centros como Teerã, Meca e Kuala Lumpur. 

(...) Cassetes (de som e agora de vídeo) difundem os sermões das 
mesquitas por cima das fronteiras internacionais, de modo que prega¬ 
dores influentes atualmente atingem audiências muito além de suas 
comunidades locais . 28 

A noção de unidade muçulmana também se refletiu nas ações dos 
Estados e das organizações internacionais, e foi por eles estimulada. Em 
1969, os dirigentes da Arábia Saudita, trabalhando com os do Paquistão, 
do Marrocos, do Irã, da Tunísia e da Turquia, organizaram a primeira 
reunião de cúpula islâmica em Rabat. Dela emergiu a Organização da 
Conferência Islâmica, que foi formalmente estabelecida com uma sede 
em Jeddah em 1972. Praticamente todos os Estados que possuem uma 
população muçulmana substancial pertencem agora à conferência, que 
é a única organização desse tipo entre Estados. Os governos cristãos, 
ortodoxos, budistas ou hindus não têm organizações entre Estados cuja 
participação seja baseada na religião, mas os governos muçulmanos, sim. 
Além disso, os governos da Arábia Saudita, Paquistão, Irã e Líbia 
patrocinaram e apoiaram organizações não-govemamentais como o 
Congresso Mundial Muçulmano (uma criação paquistanesa) e a Liga 

220 

Mundial Muçulmana (uma criação saudita), bem como “numerosos, e 
muitas vezes muito distantes, regimes, partidos, movimentos e causas 
que, se acredita, compartilham de suas orientações ideológicas” e que 
estão “enriquecendo o fluxo de informações e recursos entre os muçul¬ 
manos”. 29 

Entretanto, o movimento da percepção islâmica para a coesão 
islâmica envolve dois paradoxos. O primeiro é que o Islã está dividido 
entre centros de poder competitivos, cada um tentando capitalizar sobre 
a identificação muçulmana com a ummah a fim de promover a coesão 
islâmica sob sua liderança. Essa competição prossegue entre os regimes 
instalados e suas organizações, por um lado, e os regimes fundamentalis- 
tas islâmicos e suas organizações, por outro. A Arábia Saudita assumiu a 
liderança ao criar a Organização da Conferência Islâmica (OCI), em parte 
para ter um contrapeso da Liga Árabe, que na época era dominada por 
Nasser. Em 1991, depois da Guerra do Golfo, o líder sudanês Hassan 
al-Turabi criou a Conferência Popular Árabe e Islâmica (CPAI), para 
contrabalançar a OCI dominada pelos sauditas. À terceira reunião da 
CP AI, em Cartum, no início de 1995, compareceram várias centenas de 
delegados de organizações e movimentos fundamentalistas islâmicos de 
80 países. 30 Além dessas organizações formais, a guerra no Afeganistão 
gerou uma extensa rede de grupos informais e clandestinos de veteranos, 
que apareceram lutando por causas muçulmanas ou fundamentalistas 
islâmicas na Argélia, Chechênia, Egito, Tunísia, Bósnia, Palestina, Filipi¬ 
nas e em outros lugares. Depois da guerra, suas fileiras se renovaram 
com combatentes treinados na Universidade de Dawa Jihad, nos ar¬ 
redores de Peshawar, e em campos patrocinados por diversas facções e 
pelos estrangeiros que os apoiavam no Afeganistão. Os interesses 
comuns compartilhados pelos regimes e movimentos radicais superaram, 
em certas ocasiões, antagonismos mais tradicionais e, com o apoio 
iraniano, foram estabelecidas vinculações entre os grupos fundamentalis¬ 
tas sunitas e xiitas. Há uma estreita colaboração militar entre o Sudão e 
o Irã, a força aérea e a marinha iranianas utilizam instalações sudanesas, 
e os dois governos cooperaram no apoio a grupos fundamentalistas na 
Argélia e em outros lugares. Consta que Hassan al-Turabi e Saddam 
Hussein desenvolveram laços estreitos em 1994, e Irã e Iraque se 
encaminharam para a reconciliação. 31 

O segundo paradoxo é o de que a ummah pressupõe a ile¬ 
gitimidade do Estado-nação e, no entanto, a ummah só pode ser 
unificada através das ações de um ou mais Estados-núcleos fortes, que 

221 

atualmente não existem. A concepção do Islã como uma comunidade 
religiosa e política fez com que, no passado, os Estados-núcleos tivessem 
geralmente se materializado somente quando a liderança religiosa e 
política — o califado e o sultanato — se combinavam numa única 
instituição governante. A rápida conquista árabe, no século VII, do Norte 
da África e do Oriente Médio, culminou no califado Omaiada, com sua 
capital em Damasco. A ele se seguiu, no século VIII, o califado Abassida, 
com sede em Bagdá e sob influência persa, com califados secundários 
surgindo no Cairo e em Córdoba no século X. Quatrocentos anos depois, 
os turcos otomanos varreram o Oriente Médio, conquistaram Cons¬ 
tantinopla em 1453 e estabeleceram um novo califado em 1517. Mais ou 
menos nessa época, outros povos túrquicos invadiram a índia e fundaram 
o império Mogol. A ascensão do Ocidente solapou os impérios Otomano 
e Mogol, e o fim do Império Otomano deixou o Islã sem um Estado-nú- 
cleo. Seus territórios foram, de modo considerável, divididos entre as 
potências ocidentais, as quais, quando se retiraram, deixaram atrás de si 
Estados frágeis, formados segundo um modelo ocidental, estranho às 
tradições do Islã. Em conseqüência, durante a maior parte do século XX, 
nenhum país muçulmano teve poder suficiente ou suficiente legitimidade 
cultural e religiosa para assumir o papel de líder do Islã e ser como tal 
aceito pelos demais países islâmicos e não-islâmicos. 

A inexistência de um Estado-núcleo islâmico muito contribui para 
os generalizados conflitos internos e externos que caracterizam o Islã. A 
percepção sem a coesão é uma fonte de fraqueza do Islã e uma fonte de 
ameaça para as outras civilizações. Terá essa condição alguma proba¬ 
bilidade de se manter? 

Um Estado-núcleo islâmico precisa possuir os recursos econômicos, 
o poderio militar, a capacidade organizacional e a identidade e o 
engajamento islâmicos para prover a liderança política e religiosa da 
ummah. De tempos em tempos, seis Estados são mencionados como 
possíveis líderes do Islã. No momento atual, nenhum deles, contudo, 
reúne todos os requisitos para ser um Estado-núcleo eficaz. A Indonésia 
é o maior país muçulmano e está crescendo economicamente com 
rapidez. Entretanto, está situada na periferia do Islã, muito afastada do 
seu centro árabe; seu Islamismo tem a feição mais tranqüila do Sudeste 
Asiático, e seu povo e cultura são um misto de influências autóctones, 
muçulmanas, hindus, chinesas e cristãs. O Egito é um país árabe, com 
uma grande população, uma localização geográfica central e estrate¬ 
gicamente importante e a principal instituição de ensino islâmico, a 

222 

Universidade Al-Azhar. Entretanto, é um país pobre, que depende 
economicamente dos Estados Unidos, de instituições internacionais 
controladas pelo Ocidente e pelos Estados árabes ricos em petróleo. 

Irã, Paquistão e Arábia Saudita se definiram, todos, explicitamente 
como países muçulmanos e tentaram de forma ativa exercer influência 
sobre a ummah e a ela proporcionar liderança. Assim fazendo, compe¬ 
tiram entre si patrocinando organizações, financiando grupos islâmicos, 
dando apoio aos combatentes no Afeganistão e cortejando os povos 
muçulmanos da Ásia Central. O Irã possui a dimensão, a localização 
central, a população, as tradições históricas, os depósitos de petróleo e 
um nível médio de desenvolvimento econômico que o qualificariam para 
ser um Estado-núcleo islâmico. Contudo, 90 por cento dos muçulmanos 
são sunitas e o Irã é xiita, o persa fica em um distante segundo lugar do 
árabe como idioma do Islã, e as relações entre persas e árabes his¬ 
toricamente sempre foram antagônicas. 

O Paquistão tem dimensão, população e competência militar, e seus 
líderes têm, de modo razoavelmente consistente, tentado reivindicar um 
papel de promotor da cooperação entre os Estados islâmicos e de 
porta-voz do Islã para o resto do mundo. Entretanto, o Paquistão é 
relativamente pobre e padece de graves divisões internas étnicas e 
regionais, um passado de instabilidade política e uma fixação no 
problema de sua segurança diante da índia, o que explica em grande 
parte seu interesse por desenvolver relações íntimas com os outros países 
islâmicos, bem como com potências não-muçulmanas como a China e 
os Estados Unidos. 

A Arábia Saudita foi o lar original do Islã, os santuários mais 
sagrados do Islã estão lá, seu idioma é o idioma do Islã, ela detém as 
maiores reservas de petróleo do mundo e a decorrente influência 
financeira no mundo, e seu Governo moldou a sociedade saudita 
segundo linhas estritamente islâmicas. Durante os anos 70 e 80, a Arábia 
Saudita foi, isoladamente, a força mais influente no mundo muçulmano. 
Ela despendeu bilhões de dólares apoiando causas muçulmanas pelo 
mundo afora, de mesquitas e livros de estudo a partidos políticos, 
organizações fundamentalistas islâmicas e movimentos terroristas, e o fez 
de modo relativamente indiscriminado. Por outro lado, sua população 
relativamente pequena e sua vulnerabilidade geográfica a fazem depen¬ 
der do Ocidente no que se refere à sua segurança. 

Finalmente, a Turquia tem a história, população, desenvolvimento 
econômico de nível médio, coerência nacional e tradição e competência 

223 

militares para ser o Estado-núcleo do Islã. Entretanto, ao definir explici¬ 
tamente a Turquia como uma sociedade secular, Ataturk impediu que a 
República Turca sucedesse ao Império Otomano naquele papel. A 
Turquia nào conseguiu sequer se tornar membro fundador da OCI devido 
ao compromisso com o secularismo incorporado à sua Constituição. 
Enquanto a Turquia continuar a se definir como um Estado secular, a 
liderança do Islã lhe estará vedada. 

Contudo, o que aconteceria se a Turquia se redefinisse? Em algum 
momento, a Turquia pode estar pronta para abandonar seu papel 
frustrante e humilhante de mendiga que implora para ser admitida no 
Ocidente, e retomar seu papel histórico, muito mais respeitável e 
altaneiro, de principal interlocutor e antagonista islâmico do Ocidente. 
O fundamentalismo tem estado em ascensão na Turquia; durante o 
governo de Õzal, a Turquia fez grandes esforços para se identificar com 
o mundo árabe, capitalizou sobre seus laços étnicos e lingüísticos para 
desempenhar um papel modesto na Ásia Central e deu estímulo e apoio 
aos muçulmanos da Bósnia. Dentre os países muçulmanos, a Turquia é 
a única a ter amplas vinculações históricas com os muçulmanos dos 
Bálcãs, do Oriente Médio, do Norte da África e da Ásia Central, É 
concebível que a Turquia possa, na realidade, Mar uma de África do Sul”: 
abandonar o secularismo como sendo estranho ao seu modo de ser, tal 
como a África do Sul abandonou o apartheid , e assim se transformar de 
Estado pária na sua civilização em Estado líder dessa civilização. Tendo 
experimentado o que há de melhor e de pior no Ocidente com o 
Cristianismo e o apartheid , a África do Sul está qualificada de modo 
especial para liderar a África. Da mesma maneira, tendo experimentado 
o que há de pior e de melhor no Ocidente com o secularismo e a 
democracia, a Turquia pode igualmente se qualificar para liderar o Islã. 
Porém, para fazer isso, ela teria de rejeitar o legado de Ataturk de forma 
mais radical do que a Rússia rejeitou o de Lênin. Seria também preciso 
um líder do calibre de Ataturk, e que combinasse a legitimidade religiosa 
e política, para transformar a Turquia de país dividido em Estado-núcleo. 

224 

IV 

Os Choques das Civilizações 


Capítulo 8 

O Ocidente e o Resto: Questões Intercivilizacionais 

UNIVERSALISMO OCIDENTAL 

E nquanto as relações entre grupos de civilizações diferentes não 
serão íntimas e freqüentemente serão antagônicas, algumas rela¬ 
ções intercivilizacionais têm maior tendência para o conflito do 
que outras. No nível micro, as linhas de fratura mais violentas estão entre 
o Islã e seus vizinhos ortodoxos, hindus, africanos e cristãos ocidentais. 
No nível macro, a divisão predominante está entre “o Ocidente e o resto”, 
com os conflitos mais intensos ocorrendo entre as sociedades muçulmana 
e asiática, de um lado, e o Ocidente, do outro. Os choques mais perigosos 
do futuro provavelmente surgirão da interação da arrogância ocidental, 
da intolerância islâmica e da postura afirmativa sínica. 

O Ocidente foi a única dentre as civilizações que exerceu um 
impacto grande — e, por vezes, devastador — sobre cada uma das outras 
civilizações. Em conseqüência, a relação entre o poderio e a cultura do 
Ocidente e o poderio e a cultura das outras civilizações é a característica 
mais generalizada do mundo das civilizações. À medida que cresce o 
poder relativo das outras civilizações, a atração da cultura ocidental 
diminui e os povos não-ocidentais têm cada vez mais confiança nas suas 
respectivas culturas indígenas e se dedicam mais a elas. O problema 
fundamental nas relações entre o Ocidente e o resto é, conseqüentemente, 
a disparidade entre os esforços do Ocidente — especialmente dos Estados 

997 

Unidos — para promover uma cultura ocidental universal, e a sua 
decrescente capacidade para fazê-lo. 

O colapso do comunismo exacerbou essa disparidade ao reforçar 
no Ocidente a noção de que sua ideologia de liberalismo democrático 
tinha triunfado em escala global e que, portanto, tinha validade universal. 
O Ocidente — e em especial os Estados Unidos, que sempre foram uma 
nação missionária — está convencido de que os povos não-ocidentais 
deviam se dedicar aos valores ocidentais de democracia, mercados livres, 
governos limitados, direitos humanos, individualismo e império da lei, e 
de que deviam incorporar esses valores às suas instituições. Nas outras 
civilizações, há minorias que abraçam e promovem esses valores, porém 
as atitudes predominantes em relação a eles nas culturas não-ocidentais 
variam de um ceticismo generalizado a uma intensa oposição. O que é 
universalismo para o Ocidente é imperialismo para o resto. 

O Ocidente está tentando e continuará a tentar manter sua posição 
de preeminência e defender seus interesses, definindo-os como os 
interesses da “comunidade mundial”. Esta expressão se tornou o subs¬ 
tantivo coletivo eufemístico (substituindo “o Mundo Livre”) para dar 
legitimidade global às ações que refletem os interesses dos Estados 
Unidos e das outras potências ocidentais. O Ocidente está, por exemplo, 
tentando integrar as economias das sociedades não-ocidentais num 
sistema econômico global que é dominado por ele. Através do FMI e de 
outras instituições econômicas internacionais, o Ocidente promove seus 
interesses econômicos e impõe a outras nações as políticas econômicas 
que ele considera apropriadas. Entretanto, em qualquer pesquisa de 
opinião com povos não-ocidentais, o FMI sem dúvida receberia o apoio 
dos ministros de Finanças e de algumas pessoas mais, porém teria um 
resultado majoritariamente desfavorável de quase todos os demais, que 
concordariam com a descrição feita por Georgi Arbatov das autoridades 
do FMI como “neobolchevistas que adoram desapropriar o dinheiro das 
outras pessoas, impondo regras estranhas e não-democráticas de conduta 
econômica e política, e sufocando a liberdade econômica”. 1 

Tendo conquistado a independência política, as sociedades não- 
ocidentais desejam se libertar do que consideram como dominação 
econômica, militar e cultural pelo Ocidente. As sociedades da Ásia 
Oriental estão bem adiantadas no caminho de se igualar economicamente 
ao Ocidente. Os países asiáticos e islâmicos estão buscando atalhos para 
contrabalançar militarmente o Ocidente. Eles também não hesitam em 
apontar os hiatos entre os princípios ocidentais e as práticas ocidentais. 

A hipocrisia, os dois pesos e duas medidas e os “porém não” são o preço 
das pretensões universalistas. Promove-se a democracia, porém não se 
ela for levar os fundamentalistas islâmicos ao poder; prega-se a não-pro¬ 
liferação em relação ao Irã e ao Iraque, porém não em relação a Israel; 
o livre comércio é o elixir do crescimento econômico, porém não para 
a agricultura; os direitos humanos constituem uma questão com a China, 
porém não com a Arábia Saudita; a agressão contra os kuwaitianos donos 
de petróleo encontra uma repulsa maciça, porém não a agressão contra 
os bósnios desprovidos de petróleo. As aspirações universais da civiliza¬ 
ção ocidental, o poder relativo decrescente do Ocidente e a postura 
afirmativa cada vez maior das outras civilizações levam a relações de 
modo geral difíceis entre o Ocidente e o resto. A natureza dessas relações 
e o grau em que são antagônicas, porém, varia consideravelmente e cai 
em três categorias. Com as civilizações desafiadoras — Islã e China —, 
o Ocidente provavelmente terá relações invariavelmente tensas e muitas 
vezes altamente antagônicas. Nas relações com a América Latina e com 
a África, civilizações mais fracas que têm de alguma forma dependido 
do Ocidente, os níveis de conflito serão muito mais baixos, especialmente 
com a América Latina. As relações da Rússia, do Japão e da índia com o 
Ocidente provavelmente ficarão entre as dos outros dois grupos, 
envolvendo elementos de cooperação e de conflito, na medida em que 
esses três Estados-núcleos às vezes se alinham com as civilizações 
desafiadoras e outras vezes com o Ocidente. Elas são as civilizações 
“pêndulos” entre o Ocidente, de um lado, e as civilizações islâmica e 
sínica, do outro. 

O Islã e a China encarnam grandes tradições culturais muito 
diferentes das do Ocidente — e, aos seus olhos, muito superiores a elas. 

O poderio e a disposição afirmativa de ambos em relação ao Ocidente 
estão aumentando, e os conflitos entre os seus valores e interesses e os 
do Ocidente estão-se multiplicando e se intensificando. Como o Islã_, 
carece de um Estado-núcleo, suas relações com o Ocidente variam 
grandemente de país para país. Entretanto, desde os anos 70 existe uma 
tendência antiocidental razoavelmente consistente, marcada pela ascen¬ 
são do fundamentalismo, mudanças do poder dentro dos países muçul¬ 
manos de governos mais pró-ocidentais para mais antiocidentais, o 
surgimento de uma quase-guerra entre alguns grupos islâmicos e o 
Ocidente e o enfraquecimento dos vínculos de segurança que existiam 
entre alguns Estados muçulmanos e os Estados Unidos no contexto da 
Guerra Fria. Questões específicas entre o Ocidente e o Islã abrangeram 
a proliferação de armamentos, direitos humanos, terrorismo, imigração 
e acesso ao petróleo. Com a China, elas abrangeram a proliferação de 
armamentos, direitos humanos, comércio internacional, direitos de pro¬ 
priedade e política econômica. Entretanto, por baixo dessas controvérsias 
está a questão fundamental do papel que essas civilizações desempe¬ 
nharão em relação com o Ocidente para moldar o futuro do mundo. Irão 
as instituições mundiais, a distribuição do poder e a política e a economia 
das nações em meados do século XXI refletir precipuamente os valores 
e interesses ocidentais, ou irão elas ser precipuamente moldadas pelos 
do Islã e da China? 

A teoria realista das relações internacionais prediz que os Estados- 
núcleos das civilizações não-ocidentais devem se congregar para contra¬ 
balançar o poder dominante do Ocidente. Em algumas áreas, isso já 
ocorreu. Contudo, uma coalizão antiocidental generalizada parece im¬ 
provável no futuro imediato. As civilizações islâmica e sínica contêm, na 
raiz de seu estilo de vida, muitas diferenças fundamentais em termos de 
religião, cultura, estrutura social, tradições, política e pressupostos bási¬ 
cos. É provável que, intrinsecamente, cada uma das duas tenha menos 
em comum uma com a outra do que com a civilização ocidental. No 
entanto, em política um inimigo comum cria um interesse comum. As 
sociedades islâmicas e sínicas que vêem o Ocidente como seu antagonista 
têm, assim, razões para cooperar entre si contra o Ocidente, da mesma 
maneira como os Aliados e Stalin o fizeram contra Hitler. Essa cooperação 
ocorre em tomo de um leque de questões, inclusive direitos humanos, 
economia e, mais notadamente, os esforços das sociedades em ambas as 
civilizações para desenvolver sua capacidade militar, especialmente 
armas de destruição em massa e os mísseis para lançá-las, a fim de se 
contrapor à superioridade militar convencional do Ocidente. No início 
dos anos 90, “havia-se estabelecido uma ligação confuciano-islâmica 
entre a China e a Coréia do Norte, de um lado, e, em diferentes graus, o 
Paquistão, o Irã, a Síria, a Líbia e a Argélia, do outro, a fim de confrontar 
o Ocidente nessas questões”. 

As questões cada vez mais importantes na agenda internacional são 
aquelas que dividem o Ocidente e essas outras sociedades. Três dessas 
questões envolvem os esforços do Ocidente; (1) para manter sua 
superioridade militar através de política de não-proliferação e contrapro- 
liferação com relação a armas nucleares, biológicas e químicas e os meios 
de lançá-las; (2) para promover os valores e as instituições políticas do 
Ocidente através de pressões sobre as outras sociedades para que 
respeitem os direitos humanos tal como concebidos no Ocidente e 
adotem a democracia segundo as linhas ocidentais e (3) para proteger a 
integridade cultural, social e étnica das sociedades ocidentais, através da 
restrição do número de não-ocidentais admitidos como imigrantes ou 
refugiados. Em todas essas três áreas, o Ocidente teve e é provável que 
continue a ter dificuldades para defender os seus interesses contra os das 
sociedades não-ocidentais. 


Proliferação de Armas 

A disseminação da capacidade militar é conseqüência do desenvolvimen¬ 
to econômico e social mundial. À medida que ficam economicamente 
mais ricos, o Japão, a China e outros países asiáticos vão ficando 
militarmente mais poderosos, como também acabarão ficando as socie¬ 
dades islâmicas. Também assim acontecerá com a Rússia, se tiver êxito 
na reforma de sua economia. Nas últimas décadas do século XX, muitas 
nações não-ocidentais obtiveram armas sofisticadas através de transfe¬ 
rências de armamentos pelas sociedades ocidentais, pela Rússia, por 
Israel e pela China, e também criaram instalações para a produção 
autóctone de armamentos destinadas a armas altamente sofisticadas. 
Esses processos vão continuar e provavelmente se acelerar durante os 
primeiros anos do século XXI. Não obstante, ainda bem adiante nesse 
século, o Ocidente — o que quer dizer precipuamente os Estados Unidos, 
com alguns elementos suplementares da Grã-Bretanha e da França — 
será capaz de intervir militarmente em praticamente qualquer parte do 
mundo. E somente os Estados Unidos terão o poder aéreo capaz de 
bombardear virtualmente qualquer lugar no mundo. Esses são os ele¬ 
mentos essenciais da posição militar dos Estados Unidos como potência 
global, e do Ocidente como a civilização predominante no mundo. No futuro 
imediato, a balança de poder militar convencional entre o Ocidente e o 
resto irá pender predominantemente para o Ocidente. 

O tempo, esforço e gastos requeridos para desenvolver um poderio 
militar de primeira classe geram enormes incentivos para que os Estados 
não-ocidentais busquem outros meios de se contrapor ao poder militar 
convencional ocidental. O atalho visualizado é a obtenção de armas 
nucleares, biológicas ou químicas e os meios para lançá-las. Os Estados- 
núcleos das civilizações e os países que são ou aspiram a ser potências 
dominantes no âmbito regional têm um estímulo especial para obter essas 
armas de destruição em massa. Em primeiro lugar, essas armas habilita- 
riam esses Estados a estabelecer seu predomínio sobre outros Estados 
em suas respectivas civilização e região, e, em segundo lugar, lhes dariam 
os meios de deter a intervenção em suas respectivas civilização e região 
pelos Estados Unidos ou outras potências externas. Se Saddam Hussein 
tivesse retardado sua invasão do Kuwait por dois ou três anos, até que 
o Iraque possuísse armas nucleares, é muito provável que ele lograsse a 
posse do Kuwait e, muito possivelmente, também dos campos de 
petróleo sauditas. Os Estados não-ocidentais extraíram da Guerra do 
Golfo lições evidentes. Para os militares norte-coreanos elas foram as 
seguintes: “Não deixe os norte-americanos concentrarem suas forças; não 
deixe que eles adensem o seu poder aéreo; não deixe que eles assumam 
a iniciativa; não deixe que eles empreendam uma guerra com reduzidas 
baixas norte-americanas.” Para uma alta autoridade militar indiana, a lição 
foi ainda mais explícita: “Não lute contra os Estados Unidos a menos que 
disponha de armas nucleares.” 2 Esta lição foi adotada pelos líderes 
políticos e militares em todo o mundo não-ocidental, bem como um 
corolário plausível: “Se você possuir armas nucleares, os Estados Unidos 
não lutarão contra você.” 

Lawrence Freedman assinalou que “as armas nucleares, em vez de 
reforçar a política de poder como de costume, na realidade confirmam 
a tendência em direção à fragmentação do sistema internacional, na medida 
em que as antigas grandes potências desempenham um papel reduzido”. 
No mundo pós-Guerra Fria, para o Ocidente o papel das armas nucleares 
é, assim, o oposto do que foi durante a Guerra Fria. Naquela época, como 
acentuou Les Aspin, secretário de Defesa dos Estados Unidos, as armas 
nucleares compensavam a inferioridade convencional frente à União Sovié¬ 
tica. Elas eram “o equalizador”. Entretanto, no mundo pós-Guerra Fria, 
os Estados Unidos têm “um poder militar convencional inigualável e são 
os nossos adversários em potencial que podem chegar às armas nuclea¬ 
res. Nós é que somos os que podem acabar sendo os equalizados”.^ 

Nessas condições, não é de surpreender que a Rússia tenha dado 
ênfase ao papel das armas nucleares no seu planejamento de defesa e, 
em 1995, tenha conseguido comprar da Ucrânia novos bombardeiros e 
mísseis intercontinentais. Um perito norte-americano em armamentos 
comentou que “ouvimos agora o que costumávamos dizer a respeito dos 
russos na década de 50. Agora os russos estão dizendo: ‘Precisamos de 
armas nucleares para compensar a superioridade convencional deles.’” 
Numa inversão relacionada com isso, há uma outra situação. Durante a 
Guerra Fria, os Estados Unidos, para efeitos de dissuasão, se recusaram 
a renunciar à possibilidade de serem os primeiros a usar armas nucleares. 
Em conformidade com a nova função dissuasória das armas nucleares 
no mundo pós-Guerra Fria, a Rússia, em 1993, efetivamente renunciou 
ao compromisso anterior soviético de não as usar em primeiro lugar. 
Simultaneamente, a China, ao desenvolver no pós-Guerra Fria sua 
estratégia nuclear de dissuasão limitada, também começou a questionar 
e a atenuar seu compromisso de 1964 de não ser a primeira a usar armas 
nucleares. 4 À medida que obtenham armas nucleares e outras armas de 
destruição em massa, é provável que outros Estados-núcleos e potências 
regionais sigam esses exemplos a fim de maximizar o efeito dissuasório 
de suas armas sobre ações militares convencionais ocidentais contra eles. 

As armas nucleares também podem ameaçar o Ocidente de modo 
mais direto. A China e a Rússia possuem mísseis balísticos que podem 
atingir a Europa e a América do Norte com ogivas nucleares. A Coréia 
do Norte, o Paquistão e a índia estão expandindo o raio de alcance de 
seus mísseis e, em algum ponto, é provável que também tenham a 
capacidade de poder atingir alvos no Ocidente. Além disso, as armas 
nucleares podem ser lançadas por outros meios. Os analistas militares 
traçam um espectro de violência, desde guerra de baixa intensidade, 
como terrorismo e ação guerrilheira esporádica, passando por guerras 
limitadas, até guerras de maiores proporções, envolvendo forças conven¬ 
cionais, e a guerra nuclear. Historicamente, o terrorismo é a arma dos 
fracos, isto é, daqueles que não possuem poder militar convencional. 
Desde a II Guerra Mundial, as armas nucleares também foram as armas 
pelas quais os fracos compensaram sua inferioridade convencional. No 
mundo pós-Guerra Fria, a arma definitiva dos fracos é a combinação dos 
dois extremos do espectro de violência, compondo o terrorismo nuclear. 
No passado, os terroristas só podiam perpetrar violência limitada, matan¬ 
do algumas pessoas aqui ou destruindo uma instalação ali. Para produzir 
violência maciça eram necessárias forças militares maciças. Entretanto, 
em algum momento, uns poucos terroristas serão capazes de produzir 
violência maciça e destruição maciça. Tomados em separado, o ter¬ 
rorismo e as armas nucleares são as armas dos fracos não-ocidentais. Se 
e quando elas forem combinadas, os não-ocidentais fracos ficarão fortes. 
No mundo pós-Guerra Fria, os esforços para desenvolver armas de 
destruição em massa e os meios de lançá-las se concentraram em Estados 
islâmicos e confucianos. O Paquistão e provavelmente a Coréia do Norte 
possuem uma pequena quantidade de armas nucleares ou, pelo menos, 
têm a capacidade de montá-las em pouco tempo, e também são capazes 
de desenvolver ou adquirir mísseis de maior alcance para seu lançamen¬ 
to. O Iraque possuía significativa capacidade de guerra química e estava 
desenvolvendo grandes esforços para obter armas nucleares e biológicas. 
O Irã tem um amplo programa de desenvolvimento de armas nucleares 
e vem expandindo sua capacidade de lançá-las. Em 1988, o presidente 
Rafsanjani declarou que “nós, iranianos, precisamos nos equipar por 
completo no uso ofensivo e defensivo das armas químicas, bacteriológi¬ 
cas e radiológicas”, e, três anos depois, seu vice-presidente declarou 
perante uma conferência islâmica que, “já que Israel continua a possuir 
armas nucleares, nós, os muçulmanos, precisamos cooperar para produ¬ 
zir uma bomba atômica, independentemente das tentativas das Nações 
Unidas de impedir a proliferação”. Em 1992 e 1993, as maiores autorida¬ 
des de inteligência dos Estados Unidos disseram que o Irã estava 
buscando a obtenção de armas nucleares e, em 1995, Warren Christopher, 
secretário de Estado, declarou de forma taxativa que “o Irã está atual¬ 
mente engajado num esforço acelerado para desenvolver armas nuclea¬ 
res”. Ao que consta, dentre outros Estados muçulmanos interessados em 
desenvolver armas nucleares estão a Líbia, a Argélia e a Arábia Saudita. 
Segundo a vívida expressão de Ali Mazrui, “o crescente paira sobre a 
nuvem em forma de cogumelo” e pode ameaçar outros além do Ocidente. 
O Islã poderia acabar “jogando roleta russa com duas outras civilizações 
com o Hinduísmo na Ásia Meridional e com o Sionismo e o Judaísmo 
politizado no Oriente Médio”. 5 

É na proliferação de armas que a ligação confuciano-islâmica tem 
sido mais ampla e mais concreta, com a China desempenhando o papel 
fundamental na transferência de armas, tanto convencionais quanto 
não-convencionais, para muitos Estados muçulmanos. Essas transferên¬ 
cias abrangem: a construção de um reator nuclear fortemente defendido 
no deserto argelino, ostensivamente destinado à pesquisa, mas que a 
maioria dos peritos ocidentais acredita ser capaz de produzir plutônio; a 
venda para a Líbia de substâncias para armas químicas; o fornecimento 
à Arábia Saudita de mísseis de médio alcance CSS-2; o fornecimento de 
tecnologia ou substâncias nucleares ao Iraque, Líbia, Síria e Coréia do 
Norte e a transferência de grandes quantidades de armas convencionais 
para o Iraque. Suplementando as transferências pela China, nos primeiros 
anos da década de 90, a Coréia do Norte forneceu à Síria mísseis Scud-C, 
entregues através do Irã, e depois os chassis móveis para o seu lançamento. 6 

Entretanto, o ponto central da conexão confuciano-islâmica sobre 
armas tem sido o relacionamento entre a China — e, em menor escala, 
da Coréia do Norte —, de um lado, e o Paquistão e o Irã, do outro. Entre 
1980 e 1991, os dois principais recipientes de armas chinesas foram o Irã 
e o Paquistão, com o Iraque vindo atrás. A partir da década de 70, a 
China e o Paquistão desenvolveram um relacionamento militar extrema¬ 
mente íntimo. Em 1989, os dois países assinaram um memorando de 
entendimento, com validade de 10 anos, para a “cooperação militar em 
todos os campos de compra, pesquisa e desenvolvimento conjuntos, 
produção conjunta, transferência de tecnologia, bem como exportação 
para terceiros países através de acordo mútuo”. Em 1991 foi assinado um 
acordo suplementar prevendo créditos chineses para as compras de 
armas pelo Paquistão. Em conseqüência, a China se tornou “o maior e 
mais confiável fornecedor de equipamento militar para o Paquistão, 
transferindo material de utilização militar de praticamente todos os tipos 
e destinados a todos os ramos das forças armadas paquistanesas”. A China 
também ajudou o Paquistão a criar fábricas de aviões a jato, tanques, 
canhões e mísseis. De importância muito maior foi o fato de a China ter 
proporcionado ao Paquistão auxílio essencial para o desenvolvimento 
de sua capacidade em armas nucleares, aparentemente fornecendo ao 
Paquistão urânio para enriquecimento, prestando assessoramento para o 
desenho de bombas e possivelmente permitindo ao Paquistão detonar 
um artefato nuclear num campo de provas chinês. Posteriormente, a 
China forneceu ao Paquistão mísseis balísticos M-ll, com um alcance de 
300km, capazes de lançar ogivas nucleares, violando desse modo um 
compromisso que assumira com os Estados Unidos. Em troca, a China 
obteve do Paquistão tecnologia de reabastecimento em vôo e de mísseis 
do tipo “Stinger”. 7 

Ao se chegar aos anos 90, haviam-se intensificado as conexões em 
torno de armamentos também entre a China e o Irã. Durante a Guerra 
Irã-Iraque, nos anos 80, a China forneceu ao Irã 22 por cento de seus 
armamentos e, em 1989, se tornou seu maior fornecedor individual. A 
China também colaborou ativamente com os esforços abertamente 
declarados do Irã de obter armas nucleares. Depois de assinar “um acordo 
inicial de cooperação sino-iraniano”, os dois países acordaram, em 
janeiro de 1990, um entendimento, com validade de 10 anos, sobre 
cooperação científica e transferências de tecnologia militar. Em setembro 
de 1992, o presidente Rafsanjani, acompanhado por peritos nucleares 
iranianos, visitou o Paquistão. Daí prosseguiu viagem até a China, onde 
assinou outro acordo para a cooperação na área nuclear e, em fevereiro 
de 1993, a China concordou em construir no Irã dois reatores nucleares 

234 

Quadro 8.1 

Transferências de Armas pela China /1980-1991 (dados selecionados) 

Irã 

Paquistão 

Iraque 

Tanques pesados 

540 

1.100 

1.300 

Viaturas blindadas de transporte de tropas 

300 

— 

650 

Mísseis teleguiados antitanque 

7.500 

100 

— 

Canhões / Lança-foguetes 

1 . 200 * 

50 

720 

Aviões de caça 

140 

212 

— 

Mísseis antinavio 

332 

32 

— 

Mísseis terra-ar 

788 * 

222 * 

_ 


* Indicam entregas não confirmadas integralmente. 

Fonte: Karl W. Eikenberry, Explaining and Influencing Chinese Arms Transfer[Para Explicar as Transferências 
de Armas pela China e Influir sobre Elas] (Washington: National Defense University, Instftute for National Strategic 
Studies, McNair Paper No. 36, fevereiro, 1995), p. 12. 

de 300 MW. Em conformidade com esses acordos, a China transferiu 
tecnologia e informações nucleares para o Irã, treinou cientistas e 
engenheiros iranianos e forneceu ao Irã um dispositivo para enriqueci¬ 
mento do tipo calutron. Em 1995, depois de constante pressão dos 
Estados Unidos, a China concordou em “cancelar”, segundo Washington, 
ou “suspender”, segundo Pequim, a venda dos dois reatores de 300 MW. 
A China também foi o maior fornecedor de mísseis e de tecnologia de 
mísseis para o Irã, inclusive, no final da década de 80, de mísseis 
Silkworm, entregues através da Coréia do Norte e de “dezenas, talvez 
centenas, de sistemas de direção de mísseis e máquinas-ferramentas 
computadorizadas” em 1994-95. A China também permitiu a produção 
sob licença no Irã de mísseis chineses superfície-superfície. A Coréia do 
Norte suplementou essa assistência embarcando mísseis Scud para o Irã, 
ajudando o Irã a desenvolver suas próprias fábricas e depois, em 1993, 
concordando em fornecer ao Irã seu míssil Nodong I, com um alcance 
de 970km. No terceiro lado do triângulo, o Irã e o Paquistão também 
desenvolveram uma ampla cooperação na área nuclear, com o Paquistão 
treinando cientistas iranianos e Paquistão, Irã e China acordando, em 
novembro de 1992, trabalhar em conjunto em projetos nucleares. 8 

Em decorrência desses desdobramentos e das ameaças em potencial 
que eles encerram para os interesses ocidentais, a proliferação das armas 
de destruição em massa passou para o topo da agenda de segurança do 
Ocidente. Em 1990, por exemplo, 59 por cento da opinião pública 
norte-americana considerava que impedir a disseminação das armas 
nucleares era uma importante meta de política externa. Em 1994, 82 por 
cento da opinião pública e 90 por cento das autoridades no campo da 
política externa assim pensavam. O presidente Clinton destacou a 
prioridade da não-proliferação em setembro de 1993 e, no outono de 
1994, declarou “emergência nacional” tratar da “inusitada e extraordinária 
ameaça para a segurança, a política externa e a economia nacionais dos 
Estados Unidos” representada pela “proliferação de armas nucleares, bioló¬ 
gicas e químicas e dos meios de lançá-las”. Em 1991, a CIA criou um Centro 
de Não-proliferação, com um quadro de 100 pessoas e, em dezembro de 
1993, o secretário de Defesa Aspin anunciou uma nova Iniciativa de 
Contraproliferação do Departamento de Defesa e a criação de um novo 
cargo de secretário-assistente para Segurança Nuclear e Contraproliferação.^ 

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética se 
engajaram numa clássica corrida armamentista, desenvolvendo armas 
nucleares e meios de lançamento cada vez mais sofisticados tecnologi¬ 
camente. Era um caso de aumento contra aumento. No mundo pós-Guer- 
ra Fria, a competição fundamental em termos de armamentos é de outro 
tipo. Os antagonistas do Ocidente estão tentando obter armas de 
destruição em massa e o Ocidente está tentando impedi-los. Não é um 
caso de aumento versus aumento, mas sim de aumento versus contenção. 
A dimensão e a capacidade do arsenal nuclear do Ocidente não fazem, 
posta a retórica de lado, parte da competição. O desfecho de uma corrida 
armamentista de aumento versus aumento depende de recursos, empe¬ 
nho e competência tecnológica de ambos os lados. Ele não está 
predeterminado. O desfecho de uma corrida entre aumento e contenção 
é mais previsível. Os esforços do Ocidente pela contenção podem 
retardar o aumento de armamentos de outras sociedades, mas não irão 
detê-lo. Tudo contribui para subverter os esforços de contenção feitos 
pelo Ocidente: o desenvolvimento econômico e social das sociedades 
não-ocidentais, os incentivos comerciais para todas as sociedades — 
ocidentais e não-ocidentais — para ganhar dinheiro através da venda de 
armas, de tecnologia e de conhecimento especializado, e os motivos 
políticos dos Estados-núcleos e das potências regionais para proteger 
suas hegemonias locais. 

O Ocidente promove a não-proliferação como se ela refletisse os 
interesses de todas as nações pela ordem e estabilidade internacionais. 
Entretanto, outras nações vêem a não-proliferação como servindo aos 
interesses da hegemonia ocidental. Essa realidade se reflete nas diferen- 
ças de preocupação entre o Ocidente — e os Estados Unidos em 
particular —, de um lado, e as potências regionais cuja segurança seria 
afetada pela proliferação, do outro. Isso ficou patente com relação à 
Coréia. Em 1993 e 1994, os Estados Unidos chegaram a um estado “crítico” 
ante a perspectiva de armas nucleares norte-coreanas. Em novembro de 
1993, o presidente Clinton afirmou taxativamente que “não se pode 
permitir que a Coréia do Norte desenvolva uma bomba nuclear. Temos 
que ser muito firmes quanto a isso”. Senadores, deputados e ex-altos 
funcionários do governo Bush debateram a possível necessidade de 
ataque preventivo contra instalações nucleares norte-coreanas. A preo¬ 
cupação dos Estados Unidos quanto ao programa norte-coreano se 
fundamentava, em boa medida, na sua preocupação com a proliferação 
mundial: não só a obtenção dessa capacidade iria impor limitações e 
complicações a possíveis ações norte-americanas na Ásia Oriental, como 
também, se a Coréia do Norte vendesse sua tecnologia e/ou armas 
nucleares, isso poderia ter efeitos semelhantes para os Estados Unidos 
na Ásia Meridional e no Oriente Médio. 

A Coréia do Sul, por outro lado, encarava a bomba no contexto de 
seus interesses regionais. Muitos sul-coreanos viam uma bomba norte- 
coreana como uma bomba coreana, que nunca seria usada contra outros 
coreanos, mas que poderia ser usada para defender a independência e 
os interesses coreanos contra o Japão e outras ameaças em potencial. 
Autoridades civis e militares sul-coreanas viam com nítido agrado que 
uma Coréia unificada tivesse essa capacidade. Os interesses sul-coreanos 
estavam bem servidos: a Coréia do Norte arcaria com os gastos e o 
opróbrio internacional do desenvolvimento da bomba, a Coréia do Sul 
acabaria por herdá-la e a combinação de armas nucleares do Norte e a 
capacidade industrial do Sul habilitariam uma Coréia unificada a assumir 
seu papel apropriado de um dos atores principais no cenário da Ásia 
Oriental. Em conseqüência, havia nítidas diferenças entre a gravidade 
com que Washington via uma grande crise na península coreana em 1994 
e a inexistência de qualquer sensação de crise em Seul, gerando um 
“hiato de pânico” entre as duas capitais. No auge da “crise”, em junho de 
1994, um jornalista assinalou que uma das “peculiaridades do impasse 
nuclear norte-coreano, desde o seu começo vários anos atrás, está em que 
a sensação de crise aumenta em função da distância a que se está da Coréia”. 
Um hiato análogo entre os interesses de segurança dos Estados Unidos 
e os de potências regionais ocorreu na Ásia Meridional, com os Estados 
Unidos mais preocupados com a proliferação nuclear nessa região do 
que os que nela vivem. Era mais fácil para a índia e para o Paquistão 
aceitarem a ameaça nuclear um do outro do que as propostas norte-ame¬ 
ricanas de conter, reduzir ou eliminar a ameaça mútua de ambos. 10 

Os esforços dos Estados Unidos e de outros países ocidentais para 
impedir a proliferação de armas “equalizadoras” de destruição em massa 
tiveram e é provável que continuem a ter êxito limitado. Um mês depois 
que o presidente Clinton disse que não se podia permitir que a Coréia do 
Norte tivesse armas nucleares, os serviços de inteligência norte-americanos 
informaram-no de que provavelmente ela já possuía uma ou duas. 11 Em 
decorrência, a política dos Estados Unidos foi alterada, passando a oferecer 
aos norte-coreanos atrativos a fim de induzi-los a não expandir seu arsenal 
nuclear. Os Estados Unidos também não conseguiram fazer recuar nem 
deter o desenvolvimento de armas nucleares pela índia e pelo Paquistão, 
e foram incapazes de deter os avanços do Irã no campo nuclear. 

Na conferência de abril de 1995 sobre o Tratado de Não-proliferação 
Nuclear, a questão-chave era se ele devia ser renovado por um período 
indefinido ou por 25 anos. Os Estados Unidos lideraram o esforço pela 
prorrogação permanente. Entretanto, muitos países recusaram tal pror¬ 
rogação, a menos que fosse acompanhada por uma redução muito mais 
drástica das armas nucleares pelas cinco potências nucleares declaradas. 
Além disso, o Egito se opôs à prorrogação a menos que Israel assinasse 
o tratado e aceitasse inspeções de salvaguardas. No final, os Estados 
Unidos conquistaram um consenso avassalador para a prorrogação por 
tempo indeterminado através de uma estratégia altamente bem-sucedida 
de pressões, subornos e ameaças. Nem Egito nem México, por exemplo, 
que eram ambos contra a prorrogação indefinida, puderam manter suas 
posições diante da sua dependência econômica dos Estados Unidos. 
Embora o tratado tivesse sido prorrogado por consenso, os repre¬ 
sentantes de sete países muçulmanos (Síria, Jordânia, Irã, Iraque, Líbia, 
Egito e Malásia) e uma nação africana (Nigéria) expressaram opiniões 
discordantes no debate final. 12 

Em 1993, as metas primordiais do Ocidente, tal como definidas pela 
política norte-americana, mudaram da não-proliferação para a contrapro- 
liferação. Essa mudança foi um reconhecimento realista do grau em que 
uma certa proliferação nuclear não podia ser evitada. No devido tempo, 
a política dos Estados Unidos irá mudar: da postura de se contrapor à 
proliferação, passará a se acomodar com a proliferação. Além disso, se 
o governo puder escapar do tipo de raciocínio moldado na Guerra Fria, 
passará a entender como a promoção da proliferação pode de fato 
atender aos interesses dos Estados Unidos e do Ocidente. Entretanto, em 
1995, os Estados Unidos e o Ocidente continuavam engajados numa 
política de contenção que, no final, tenderá a fracassar. A proliferação 
das armas nucleares e outras armas de destruição em massa é um 
fenômeno essencial da lenta porém inelutável disseminação do poder 
num mundo multicivilizacional. 

DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA 

Durante as décadas de 70 e 80, mais de 30 países passaram de sistemas 
políticos autoritários para democráticos. Essa onda de transições se deveu 
a várias causas. O desenvolvimento econômico foi, sem dúvida, o 
principal fator subjacente que gerou essas mudanças políticas. Além 
disso, porém, as políticas e ações dos Estados Unidos e das principais 
potências e instituições européias ocidentais ajudaram a levar a demo¬ 
cracia à Espanha e a Portugal, a muitos países latino-americanos, às 
Filipinas, à Coréia do Sul e à Europa Oriental. A democratização foi mais 
bem-sucedida em países onde as influências cristãs e ocidentais eram 
fortes. Novos regimes democráticos pareciam ter maior probabilidade de 
se estabilizar nos países da Europa Central e Meridional que eram 
predominantemente católicos ou protestantes e, com menos certeza, em 
países latino-americanos. Na Ásia Oriental, as Filipinas, católicas e com 
forte influência norte-americana, retornaram à democracia na década de 
80, enquanto líderes cristãos promoveram movimentos na direção da 
democracia na Coréia do Sul e em Taiwan. Como foi apontado anterior¬ 
mente, na ex-União Soviética as repúblicas bálticas parecem estar tendo 
êxito em estabilizar a democracia; o grau e a estabilidade da democracia 
nas repúblicas ortodoxas variam consideravelmente e são incertos; as 
perspectivas democráticas nas repúblicas muçulmanas são sombrias. Ao 
se chegar aos anos 90, com exceção de Cuba, haviam ocorrido transições 
democráticas na maioria dos países, afora nos africanos, nos quais os povos 
esposavam o Cristianismo ocidental ou havia grande influência cristã. 

Essas transições e o colapso da União Soviética geraram no Oci¬ 
dente, especialmente nos Estados Unidos, a crença de que uma revolução 
democrática mundial estava em andamento e de que, dentro de pouco 
tempo, as concepções ocidentais de direitos humanos e as formas 
ocidentais de democracia política iriam prevalecer em todo o mundo. 
Por conseguinte, a promoção dessa disseminação da democracia se 
tornou um objetivo de alta prioridade para os ocidentais. Ela foi 
endossada pelo governo Bush e o secretário de Estado James Baker 
declarou, em abril de 1990, que “para lá da contenção está a democracia” 
e que, para o mundo pós-Guerra Fria, “o presidente Bush definiu nossa 
nova missão como sendo a promoção e a consolidação da democracia”. 
Na sua campanha eleitoral de 1992, Bill Clinton disse repetidas vezes que 
a promoção da democracia iria ter alta prioridade no governo Clinton, e 
a democratização foi o único tópico de política externa ao qual ele 
devotou inteiramente um dos principais discursos da campanha. Uma 
vez no cargo, ele recomendou um aumento de dois terços dos recursos 
financeiros do Fundo Nacional para a Democracia, seu assistente para 
Segurança Nacional definiu o tema central da política externa de Clinton 
como sendo “a ampliação da democracia” e seu secretário de Defesa 
identificou a promoção da democracia como um dos quatro objetivos 
principais, e tentou criar um cargo de alto nível no seu Departamento 
para promovê-lo. Em menor grau e de modo menos óbvio, a promoção 
dos direitos humanos e da democracia assumiu um papel de destaque 
na política externa dos Estados europeus e nos critérios utilizados pelas 
instituições econômicas internacionais controladas pelo Ocidente para a 
concessão de empréstimos e doações aos países em desenvolvimento. 

Ao se chegar a 1995, os esforços europeus e norte-americanos para 
atingir esses objetivos tinham tido um êxito limitado. Quase todas as 
civilizações não-ocidentais resistiram a essa pressão do Ocidente. Aí se 
incluíram países hindus, ortodoxos, africanos e, de algum modo, até 
mesmo latino-americanos. Contudo, a maior resistência aos esforços 
ocidentais pela democratização vieram do Islã e da Ásia. Essa resistência 
tinha suas raízes nos movimentos mais amplos de afirmação cultural 
corporificados no Ressurgimento Islâmico e na Afirmação Asiática. 

Os fracassos dos Estados Unidos com respeito à Ásia provieram 
precipuamente da crescente riqueza econômica e autoconfiança dos 
governos asiáticos. Autores asiáticos repetidamente recordaram ao Oci¬ 
dente que a antiga era da dependência e da subordinação tinha acabado 
e que o Ocidente, que produzia metade do produto econômico do 
mundo na década de 40, dominava as Nações Unidas e escrevera a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, tinha desaparecido nas 
brumas da História. Uma autoridade singapuriana argumentou que “os 
esforços para promover os direitos humanos na Ásia precisam também 
levar em conta a distribuição de poder diferente no mundo pós-Guerra 
Fria. (...) A capacidade de influência do Ocidente em relação à Ásia 
Oriental e ao Sudeste Asiático ficou grandemente reduzida”.^ 

Ele tem razão. Conquanto o acordo sobre assuntos nucleares entre 
os Estados Unidos e a Coréia do Norte possa ser apropriadamente 
denominado de “rendição negociada”, a capitulação dos Estados Unidos 
sobre as questões de direitos humanos com a China e outras potências 
asiáticas foi uma rendição incondicional. Depois de ameaçar a China com 
a denegação do tratamento de nação mais favorecida caso ela não se 
mostrasse mais efetiva quanto aos direitos humanos, o governo Clinton 
primeiro viu seu secretário de Estado humilhado em Pequim, tendo-lhe 
sido negado até mesmo um gesto para “salvar as aparências”, e depois 
reagiu a esse comportamento, renunciando à sua diretriz anterior, 
separando a condição de nação mais favorecida das preocupações com 
direitos humanos. A China, por sua vez, reagiu a essa demonstração de 
fraqueza continuando e intensificando o comportamento a que o governo 
Clinton objetara. O governo empreendeu retiradas análogas nas suas 
tratativas com Singapura, a propósito da sentença de surra de vara 
aplicada a um cidadão norte-americano, e com a Indonésia, em relação 
à repressão violenta em Timor Oriental. 

A capacidade dos governos asiáticos de resistir a pressões ocidentais 
vinculadas a direitos humanos foi reforçada por vários fatores. Empresas 
norte-americanas e européias, desesperadamente ansiosas por expan¬ 
direm seus negócios e seus investimentos nesses países em rápido 
crescimento, submeteram seus próprios governos a intensas pressões 
para não prejudicarem as relações econômicas com aqueles países. Além 
disso, os países asiáticos encararam as pressões ocidentais como uma 
violação da sua soberania e acorreram em apoio uns dos outros quando 
essas questões foram levantadas. Homens de negócios de Taiwan, Japão 
e Hong Kong, que haviam investido na China, tinham um grande 
interesse em que a China retivesse os privilégios de nação mais favorecida 
nos Estados Unidos. O governo japonês distanciou-se, de forma genera¬ 
lizada, das diretrizes norte-americanas sobre direitos humanos. O primei¬ 
ro-ministro Kiichi Miyazawa disse, pouco depois do episódio da Praça 
Tiananmen, que não permitiremos que “noções abstratas de direitos 
humanos” afetem nossas relações com a China. Os países da ASEAN não 
se mostraram dispostos a exercer pressão sobre Myanmar e, na realidade, 
em 1994 acolheram a junta militar à sua reunião, enquanto que a União 
Européia, como disse seu porta-voz, teve que reconhecer que sua política 
“não tinha tido muito êxito” e que teria de acompanhar a postura da 
ASEAN em relação a Myanmar. Além disso, o crescente poder econômico 
de Estados como a Malásia e a Indonésia permitiu-lhes aplicar “con- 
dicionalidades ao revés” a países e empresas que os criticassem ou 
adotassem outras formas de comportamento que elas julgassem objetᬠ
veis. 14 

De modo geral, o crescente poder econômico dos países asiáticos 
os toma cada vez mais imunes às pressões ocidentais no que se refere 
aos direitos humanos e à democracia. Em 1994, Richard Nixon comentou 
que, “atualmente, o poder econômico da China torna imprudentes 
sermões dos Estados Unidos sobre direitos humanos. Dentro de uma 
década, ele os tornará irrelevantes. Dentro de duas décadas, os tomará 
risíveis”. 15 Entretanto, quando se chegar a essa altura, o desenvolvimento 
econômico chinês bem pode tomar os sermões ocidentais desnecessários. 
O crescimento econômico está fortalecendo os governos asiáticos em 
relação aos governos ocidentais. Num prazo mais longo, ele também 
fortalecerá as sociedades asiáticas em relação aos governos asiáticos. Se 
a democracia chegar a outros países asiáticos, isso se dará porque as cada 
vez mais fortes burguesias e classes médias asiáticas assim o terão 
desejado. 

Contrastando com a concordância quanto à prorrogação indefinida 
do tratado de não-proliferação, de modo geral em nada resultaram os 
esforços ocidentais para promover os direitos humanos e a democracia 
nos órgãos das Nações Unidas. Com poucas exceções, como as que 
condenaram o Iraque, as resoluções sobre direitos humanos foram quase 
sempre derrotadas nas votações nas Nações Unidas. Afora alguns países 
latino-americanos, os demais governos relutaram em aderir a esforços 
pela promoção do que muitos viam como “imperialismo dos direitos 
humanos”. Em 1990, por exemplo, a Suécia apresentou, em nome de 20 
nações ocidentais, uma resolução condenando o regime militar de 
Myanmar, porém ela foi liquidada pela oposição dos asiáticos e de outros 
países. As resoluções condenando o Irã por abusos contra os direitos 
humanos também foram derrotadas nas votações. Durante cinco anos 
consecutivos na década de 90, a China conseguiu mobilizar o apoio 
asiático para derrotar resoluções patrocinadas pelo Ocidente que expres¬ 
savam preocupação quanto às suas violações dos direitos humanos. Em 
1994, o Paquistão apresentou uma resolução na Comissão de Direitos 
Humanos das Nações Unidas condenando as violações de direitos 
humanos perpetradas pela índia em Caxemira. Os países com simpatias 
pela índia se uniram contra ela, mas também o fizeram dois dos melhores 
amigos do Paquistão, a China e o Irã, que tinham sido alvo de medidas 
similares e que persuadiram o Paquistão a retirar o projeto. A revista The 
Economist comentou que, ao deixar de condenar a brutalidade indiana 
em Caxemira, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas “as 
havia aprovado por omissão. Outros países também estão cometendo 
atrocidades impunemente: Turquia, Indonésia, Colômbia e Argélia esca¬ 
param todos das críticas. Desse modo, a Comissão está endossando os 
governos que praticam carnificina e tortura, o que é exatamente o oposto 
do que seus criadores pretendiam”. 16 

As divergências quanto a direitos humanos entre o Ocidente e 
outras civilizações, bem como a capacidade limitada do Ocidente de 
atingir seus objetivos, ficaram claramente reveladas na Conferência 
Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena 
em junho de 1993. De um lado estavam os países europeus e norte-ame¬ 
ricanos e do outro estava um bloco de cerca de 50 Estados não-ocidentais, 
dos quais os 15 mais atuantes incluíam os governos de um país 
latino-americano (Cuba), um país budista (Myanmar), quatro países 
confucianos com ideologias políticas, sistemas econômicos e níveis de 
desenvolvimento muito diversos (Singapura, Vietnã, Coréia do Norte e 
China) e nove países muçulmanos (Malásia, Indonésia, Paquistão, Irã, 
Iraque, Síria, Iêmen, Sudão e Líbia). A liderança desse agrupamento 
asiático-islâmico veio da China, da Síria e do Irã. A meia distância desses 
dois agrupamentos estavam os países latino-americanos que, com exce¬ 
ção de Cuba, freqüentemente apoiavam o Ocidente, e os países africanos 
e ortodoxos que às vezes davam apoio, mas freqüentemente se opunham 
às posições ocidentais. 

As questões em tomo das quais os países se dividiam segundo as 
linhas civilizacionais compreendiam as seguintes: universalidade versus 
relativismo cultural com respeito a direitos humanos, a relativa prioridade 
dos direitos econômicos e sociais (inclusive o direito ao desenvolvimen¬ 
to) versus os direitos políticos e civis, a condicionalidade política com 
respeito à assistência econômica, a criação de um Comissário das Nações 
Unidas para Direitos Humanos, o grau em que as organizações não-go¬ 
vernamentais que estavam reunidas simultaneamente em Viena deviam 
poder participar da Conferência governamental, os direitos específicos 
que deveriam ser endossados pela Conferência, bem como questões mais 
específicas tais como se o dalai-lama devia ter permissão para se dirigir 
à Conferência e se os abusos contra os direitos humanos na Bósnia 
deviam ser condenados de forma explícita. 

Havia grandes divergências entre os países ocidentais e o bloco 
asiático-islâmico sobre essas questões. Dois meses antes da Conferência 
de Viena, os países asiáticos se reuniram em Bangcoc e aprovaram uma 
declaração que enfatizava que os direitos humanos deviam ser conside¬ 
rados “no contexto (...) das particularidades nacionais e regionais e dos 
diversos antecedentes históricos, religiosos e culturais”, que o monitora¬ 
mento dos direitos humanos violava a soberania dos Estados e que o 
condicionamento da assistência econômica ao desempenho quanto aos 
direitos humanos era contrário ao direito ao desenvolvimento. As diver¬ 
gências sobre essas e outras questões foram tão grandes que quase todo 
o texto do documento produzido no final da reunião preparatória da 
Conferência de Viena, realizada em Genebra no início de maio, estava 
entre colchetes, indicando discordância por parte de um ou mais países. 

As nações ocidentais estavam mal preparadas para Viena, estavam 
em inferioridade numérica na Conferência e, durante os seus trabalhos, 
fizeram mais concessões do que seus oponentes. Como resultado, afora 
um firme endosso dos direitos das mulheres, a declaração aprovada pela 
Conferência teve um conteúdo mínimo. Como assinalou um defensor 
dos direitos humanos, era um documento “falho e contraditório” e 
representava uma vitória da coalizão asiático-islâmica e uma derrota do 
Ocidente. 17 A declaração de Viena não continha nenhum endosso 
explícito dos direitos de liberdade de expressão, de imprensa, de reunião 
ou de religião, e ficou assim, em muitos aspectos, mais fraca do que a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos que as Nações Unidas 
tinham aprovado em 1948. Essa mudança refletiu o declínio do poder do 
Ocidente. Um norte-americano defensor dos direitos humanos observou 
que “o regime internacional de direitos humanos de 1945 não existe mais. 
A hegemonia norte-americana se erodiu. A Europa, mesmo com os acon¬ 
tecimentos de 1992, é pouco mais do que uma península. O mundo agora 
é tanto árabe, asiático e africano quanto é ocidental. Atualmente, a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos e as convenções internacionais 
são menos relevantes para grande parte do planeta do que na era 
imediatamente posterior à II Guerra Mundial”. Um asiático crítico do 
Ocidente tem opiniões análogas: “Pela primeira vez desde que a Declaração 
Universal foi aprovada em 1948, estão na primeira linha os países que não 
têm uma profunda formação baseada nas tradições judeu-cristãs e do direito 
natural. Essa situação sem precedentes definirá a nova política internacional 
de direitos humanos e também multiplicará as ocasiões para conflitos.” 18 

Em Viena, um outro observador comentou que “o grande vencedor 
foi, nitidamente, a China, pelo menos se o êxito for medido em termos 
de dizer aos outros que saiam do seu caminho. Pequim continuou 
ganhando durante toda a reunião simplesmente fazendo valer o seu peso 
específico a torto e a direito”. 19 O Ocidente, derrotado nas votações e 
nas manobras em Viena, conseguiu mesmo assim marcar uma vitória 
significativa contra a China. Conseguir que as Olimpíadas de verão do 
ano 2000 se realizassem em Pequim era uma meta importante para o 
governo chinês, que investiu enormes recursos para tentar obter esse 
resultado. Na China foi dada imensa publicidade à candidatura à sede 
das Olimpíadas e as expectativas da opinião pública eram altas. O 
governo fez gestões junto a outros governos para que pressionassem seus | 
respectivos Comitês Olímpicos, e Taiwan e Hong Kong se juntaram a | 
essa campanha. No campo adversário, o Congresso dos Estados Unidos, 
o Parlamento Europeu e organizações de direitos humanos se opuseram 
vigorosamente, todos, à escolha de Pequim. Embora a votação no Comitê 
Olímpico Internacional seja por voto secreto, nesse caso ela seguiu 
claramente as linhas civilizacionais. No primeiro escrutínio, Pequim, 
segundo consta, com amplo apoio africano, ficou em primeiro lugar e 
Sydney em segundo. Nos escrutínios subseqüentes, quando Istambul foi 
eliminada, a conexão confuciano-islâmica levou maciçamente os seus 
votos para Pequim; quando Berlim e Manchester foram eliminadas, seus 
votos foram maciçamente para Sydney, dando-lhe a vitória no quarto 
escrutínio e impondo uma derrota humilhante à China, que por ela 
culpou diretamente os Estados Unidos * Lee Kuan Yew comentou que 
“os Estados Unidos e a Grã-Bretanha conseguiram pôr a China no seu 
lugar. (...) A razão aparente foi ‘direitos humanos 1 . A razão verdadeira 
foi política, para mostrar o poderio político ocidental”. 20 Inegavelmente, 
há muito mais gente no mundo interessada em esportes do que em 
direitos humanos, porém, dadas as derrotas que o Ocidente sofreu em 
Viena e em outros lugares, essa demonstração isolada da “influência” 
ocidental foi também um lembrete da fraqueza ocidental. 

* A votação nos quatro escrutínios foi a seguinte: 


Primeiro 

Segundo 

Terceiro 

Quarto 

Pequim 

32 

37 

40 

43 

Sydney 

30 

30 

37 

45 

Manchester 

11 

13 

11 


Berlim 

9 

9 



Istambul 

7 




abstenção 



1 

1 

TOTAL 

89 

89 

89 

89 


Não só a influência ocidental está menor, como também o paradoxo 
da democracia enfraquece a vontade ocidental de promover a democra¬ 
cia no mundo pós-Guerra Fria. Durante a Guerra Fria, o Ocidente e os 
Estados Unidos em especial se defrontavam com o problema do “tirano 
amistoso”: os dilemas de cooperar com ditadores e juntas militares que 
eram anticomunistas e por isso parceiros úteis na Guerra Fria. Essa 
cooperação produziu mal-estar e, às vezes, embaraços quando esses 
regimes cometiam violações revoltantes dos direitos humanos. Entretan¬ 
to, a cooperação podia ser justificada como o mal menor: esses governos 
geralmente eram menos repressivos do que os regimes comunistas e se 
podia supor que seriam menos duráveis e também mais suscetíveis às 
influências norte-americanas e de outras origens externas. Por que não 
trabalhar com um tirano amistoso menos brutal se a alternativa era outro 
mais brutal e inamistoso? No mundo pós-Guerra Fria, a escolha pode ser 
mais difícil: entre um tirano amistoso e uma democracia inamistosa. A 
suposição gratuita do Ocidente de que governos eleitos democraticamen¬ 
te serão cooperativos e pró-ocidentais não se confirma em sociedades 
não-ocidentais em que a competição eleitoral pode levar ao poder 
nacionalistas e fundamentalistas antiocidentais. O Ocidente ficou aliviado 
quando os militares argelinos intervieram em 1992 e suspenderam as 
eleições em que a fundamentalista FIS ia indubitavelmente sair vitoriosa. 
Os governos ocidentais também se tranqüilizaram quando o funda¬ 
mentalista Partido do Bem-Estar, na Turquia, e o nacionalista BJP, na 
índia, foram alijados do poder depois de lograr vitórias eleitorais em 1995 
e 1996, respectivamente. Por outro lado, em alguns aspectos, o Irã possui, 
dentro do contexto da sua revolução, um dos regimes mais democráticos 
do mundo islâmico, e eleições livres em muitos países árabes, inclusive 
Arábia Saudita e Egito, iriam quase certamente produzir governos muito 
menos simpáticos aos interesses ocidentais do que seus predecessores 
não-democráticos. Um governo eleito pela via popular na China bem 
poderia ser profundamente nacionalista. À medida que os líderes ociden¬ 
tais se dão conta de que os processos democráticos nas sociedades 
não-ocidentais freqüentemente produzem governos hostis ao Ocidente, 
tentam exercer influência nessas eleições, bem como perdem seu entu¬ 
siasmo por promover a democracia nessas sociedades. 

IMIGRAÇÃO 

Se a demografia é o destino da História, os movimentos populacionais 
são o seu motor. Em séculos passados, taxas diferenciais de crescimento, 
condições econômicas e políticas governamentais produziram migrações 
maciças de gregos, judeus, tribos germânicas, nórdicos, turcos, russos, 
chineses e outros. Em alguns casos, esses movimentos foram relativa¬ 
mente pacíficos em outros, bastante violentos. Entretanto, os europeus 
do século XIX foram a raça superior em termos de invasão demográfica. 
Entre 1821 e 1924, aproximadamente 55 milhões de europeus emigraram 
para o ultramar, dos quais 34 milhões para os Estados Unidos. Os 
ocidentais conquistaram e, algumas vezes, obliteraram outros povos, 
exploraram e colonizaram terras menos densamente povoadas. A expor¬ 
tação de pessoas foi talvez a mais importante dimensão da ascensão do 
Ocidente entre os séculos XVI e XX. 

O final do século XX presenciou um surto diferente e ainda maior 
de migrações. Em 1990, os migrantes legais internacionais totalizavam 
cerca de 100 milhões, os refugiados cerca de 19 milhões e os migrantes 
ilegais provavelmente mais 10 milhões, no mínimo. Essa nova onda de 
migrações foi, em parte, fruto da descolonização, da criação de novos 
Estados e de políticas oficiais que encorajavam ou forçavam as pessoas 
a se mudar. Contudo, foi também fruto da modernização e do desenvol¬ 
vimento tecnológico. Os avanços nos meios de transporte tomaram as 
migrações mais fáceis, mais rápidas e mais baratas; os avanços nas 
comunicações aumentaram os incentivos para buscar oportunidades 
econômicas e promoveram as relações entre os imigrantes e suas famílias 
nos países de origem. Além disso, do mesmo modo que o crescimento 
econômico do Ocidente estimulou a emigração no século XIX, o 
desenvolvimento econômico das sociedades não-ocidentais estimulou a 
emigração no século XX. As migrações passam a ser um processo que 
se autofortalece. Myron Weiner argumenta que “se existe uma única ‘lei’ 
sobre migrações, é a de que o fluxo migratório, uma vez iniciado, induz 
seu próprio fluxo. Os imigrantes habilitam seus amigos e familiares no 
país de origem a imigrarem ao lhes proporcionarem informações sobre 
como imigrar, recursos para facilitar o seu deslocamento e assistência 
para encontrar emprego e moradia”. O resultado é, nas suas palavras, 
“uma crise mundial de migrações”. 21 

Os ocidentais têm se oposto, de modo consistente e amplo, à 
proliferação nuclear e apoiado a democracia e os direitos humanos. Suas 
posturas quanto à imigração, pelo contrário, têm sido ambivalentes e têm 
mudado com sua evolução, alterando-se de forma significativa nas 
últimas duas décadas do século XX. Até os anos 70, os países europeus 
tinham, de forma geral, uma disposição favorável à imigração e, em 
alguns casos, notadamente Alemanha e Suíça, a encorajavam a fim de 
remediar a escassez de mão-de-obra. Em 1965, os Estados Unidos 
aboliram as quotas orientadas para os europeus, que datavam dos anos 
20, e reviram de modo drástico sua legislação, possibilitando enormes 
aumentos de quantidade e novas fontes de imigrantes nas décadas de 70 
e 80. Entretanto, no final dos anos 80, as altas taxas de desemprego, o 
número elevado de imigrantes e a característica de serem predominan¬ 
temente “não-europeus” produziram severas mudanças nas atitudes e na 
política dos países europeus. Alguns anos depois, preocupações análogas 
levaram a uma mudança comparável nos Estados Unidos. 

A maioria dos migrantes e refugiados do final do século XX 
deslocaram-se de uma sociedade não-ocidental para outra. O fluxo de 
migrantes para as sociedades ocidentais, entretanto, se aproximou, em 
números absolutos, da emigração ocidental do século XIX. Em 1990, 
estimava-se que havia 20 milhões de imigrantes nos Estados Unidos, 15,5 
milhões na Europa e 8 milhões na Austrália e no Canadá. A proporção 
de imigrantes no total da população atingiu de sete a oito por cento nos 
principais países europeus. Nos Estados Unidos, os imigrantes cons¬ 
tituíam 8,7 por cento da população em 1994, o dobro de 1970, e 
compunham 25 por cento da população da Califórnia e 16 por cento da 
de Nova York. Cerca de 8,3 milhões de pessoas entraram nos Estados 
Unidos nos anos 80 e 4,5 milhões nos primeiros quatro anos da década 
de 90. 

Em sua maioria, os novos imigrantes vieram de sociedades não-oci¬ 
dentais. Na Alemanha, os residentes estrangeiros turcos somavam 
1.675.000 em 1990, com a Iugoslávia, Itália e Grécia fornecendo os 
seguintes maiores contingentes. Na Itália, as principais fontes eram o 
Marrocos, os Estados Unidos (presumivelmente, sobretudo ítalo-ameri¬ 
canos regressando), a Tunísia e as Filipinas. Em meados de 1990, 
aproximadamente quatro milhões de muçulmanos viviam na França e 
até 13 milhões em toda a Europa Ocidental. Na década de 50, dois terços 
dos imigrantes nos Estados Unidos provinham da Europa e do Canadá; 
na década de 80, cerca de 35 por cento de um número muito maior de 
imigrantes provinham da Ásia, 45 por cento da América Latina e menos 
de 15 por cento da Europa e do Canadá. O crescimento natural da 
população nos Estados Unidos é baixo e praticamente zero na Europa. 
Os migrantes têm altas taxas de fertilidade e por isso respondem pela 
maior parte do futuro crescimento populacional nas sociedades ociden¬ 
tais. Em conseqüência, os ocidentais cada vez mais receiam “estarem 
atualmente sendo invadidos, não por exércitos e tanques, mas por 
migrantes que falam outros idiomas, adoram outros deuses, pertencem 
a outras culturas e, temem eles, irão tomar seus empregos, ocupar suas 
terras, viver à custa do sistema de previdência social e ameaçar seu estilo 
de vida”. 22 Stanley Hoffmann assinala que essas fobias, com raízes no 
declínio demográfico relativo, “estão baseadas em choques culturais 
genuínos a respeito da identidade nacional”. 23 

Nos primeiros anos da década de 90, dois terços dos migrantes na 
Europa eram muçulmanos e a preocupação européia com a imigração 
era sobretudo com a imigração muçulmana. O desafio é demográfico — 
os migrantes respondem por 10 por cento dos nascimentos na Europa 
Ocidental, os árabes por 50 por cento dos nascimentos em Bruxelas — 
e cultural. As comunidades muçulmanas, quer sejam turcos na Alemanha, 
quer argelinos na França, não se integraram nas respectivas culturas 
anfitriãs e, para a preocupação dos europeus, dão poucos sinais de virem 
a se integrar. Jean Marie Domenach disse em 1991 que “há um medo 
crescente em toda a Europa de uma comunidade muçulmana que 
atravesse as linhas européias, uma espécie de décima terceira nação na 
Comunidade Européia”. Com relação aos imigrantes, um jornalista nor¬ 
te-americano comentou que 
a hostilidade européia é curiosamente seletiva. Poucas pessoas na França 
se preocupam com uma invasão vinda do Leste — os poloneses são, 
afinal de contas, europeus e católicos. E, na sua maioria, os imigrantes 
africanos não-árabes não são temidos nem menosprezados. A hostilidade 
se dirige sobretudo aos muçulmanos. A palavra immigréé praticamente 
sinônimo de Islamismo, atualmente a segunda maior religião na França, 
e reflete um racismo cultural e étnico profundamente enraizado na 
história francesa. 2 ^ 

Entretanto os franceses são mais culturistas do que racistas em 
qualquer sentido estrito. Aceitaram na sua legislatura africanos negros 
que falam francês perfeito, mas não aceitam meninas muçulmanas que 
usam lenços de cabeça nas suas escolas. Em 1990, 76 por cento do povo 
francês achava que havia árabes demais na França; 46 por cento, que 
havia negros demais; 40 por cento, que havia asiáticos demais e 24 por 
cento que havia judeus demais; em 1994, 47 por cento dos alemães 
disseram que prefeririam não ter árabes vivendo em seus bairros, 39 por 
cento não queriam poloneses, 36 por cento não queriam turcos e 22 por 
cento não queriam judeus. 25 Na Europa Ocidental, o anti-semitismo 
dirigido contra os judeus foi em grande parte substituído por um 
anti-semitismo dirigido contra os árabes. 

A oposição popular à imigração e a hostilidade para com os 
imigrantes se manifestam, em casos extremos, em atos de violência contra 
as comunidades de imigrantes e imigrantes individuais. Tais atos de 
violência se tomaram um problema na Alemanha no início da década de 
90. Mais significativo foi o aumento de votos dados aos partidos de direita, 
nacionalistas e antiimigração. Entretanto, raramente essa votação foi 
elevada. Na Alemanha, o Partido Republicano teve mais de sete por cento 
dos votos nas eleições européias de 1989, porém apenas 2,1 por cento 
nas eleições nacionais de 1990. Na França, a votação obtida pela Frente 
Nacional, que tinha sido desprezível em 1981, subiu para 9,6 por cento 
em 1988 e, daí por diante, se estabilizou entre 12 e 15 por cento nas 
eleições regionais, parlamentares e presidenciais. Em 1995, a Frente 
conseguiu, contudo, eleger os prefeitos de várias cidades, inclusive 
Toulon e Nice. Na Itália, a votação da Aliança Nacional/MSI analogamen¬ 
te se elevou de cerca de cinco por cento nos anos 80 para de 10 a 15 
por cento no início da década de 90. Na Bélgica, a votação do Bloco 
Flamengo/Frente Nacional aumentou para nove por cento nas eleições 
municipais de 1994, com o Bloco conseguindo 28 por cento dos votos 
em Antuérpia. Na Áustria, a votação obtida nas eleições gerais pelo 
Partido da Liberdade aumentou de menos de 10 por cento em 1986 para 
mais de 15 por cento em 1990 e quase 23 por cento em 1994. 26 

Esses partidos europeus que se opõem à imigração muçulmana 
eram, em grande parte, o espelho dos partidos fundamentalistas islâmicos 
dos países muçulmanos. Ambos eram grupos de fora que condenavam uma 
estrutura corrupta e seus partidos, explorando as queixas quanto à econo¬ 
mia, especialmente o desemprego, fazendo chamamentos étnicos e religio¬ 
sos e atacando as influências forâneas em suas respectivas sociedades. Em 
ambos os casos, uma fímbria extremista se engajou em atos de violência e 
terrorismo. Na maioria das situações, tanto os partidos fundamentalistas 
islâmicos quanto os nacionalistas europeus tenderam a ter um melhor 
desempenho nas eleições locais do que nas de âmbito nacional. As 
estruturas políticas tradicionais muçulmanas e européias reagiram a esses 
desdobramentos de modo análogo. Nos países muçulmanos, como já 
vimos, os governos, de forma geral, se tornaram mais islâmicos em suas 
orientações, símbolos, políticas e práticas. Na Europa, os partidos tradi¬ 
cionais a s dotaram a retórica e promoveram as medidas dos partidos de 
direita e contrários à imigração. Nos países em que havia uma política 
democrática em funcionamento efetivo e onde havia dois ou mais 
partidos como alternativas ao partido fundamentalista islâmico ou na¬ 
cionalista, a votação dos mesmos chegou a um teto de cerca de 20 por 
cento. Os partidos de protesto só conseguiram superar esse índice onde não 
havia nenhuma alternativa válida para o partido ou coligação no poder, 
como aconteceu na Argélia, na Áustria e, em grau razoável, na Itália. 

No início da década de 90, os líderes políticos europeus estavam 
competindo entre si para responder aos sentimentos antiimigração. Na 
França, Jacques Chirac declarou em 1990 que “é preciso parar totalmente 
a imigração”, o ministro do Interior Charles Pasqua defendeu em 1993 a 
“imigração zero” e François Mitterrand, Edith Cresson, Valéry Giscard 
d’Estaing e outros políticos de correntes majoritárias assumiram posturas 
contrárias à imigração. Nas eleições parlamentares de 1993, a imigração 
foi uma das questões principais e aparentemente contribuiu para a vitória 
dos partidos conservadores. Durante os primeiros anos da década de 90, 
a política do governo francês foi modificada a fim de tornar mais difícil 
a aquisição da cidadania francesa pelos filhos de estrangeiros, a imigração 
de famílias de estrangeiros, a solicitação de direito de asilo por estrangeiros 
e a obtenção do visto de entrada na França por argelinos. Os imigrantes 
ilegais foram deportados, e foram ampliados os poderes da polícia e de 
outras autoridades governamentais que lidavam com imigração. 

Na Alemanha, o chanceler Helmut Kohl e outros líderes políticos 
também manifestaram preocupações quanto à imigração e, na sua 
providência mais importante, o governo emendou o artigo XVI da 
Constituição alemã, que garantia o asilo a “pessoas perseguidas por 
motivos políticos” e cortou os benefícios dos candidatos a asilo. Em 1992, 
438 mil pessoas chegaram à Alemanha em busca de asilo, enquanto que 
em 1994 esse número foi de apenas 127 mil. Em 1980, a Grã-Bretanha 
tinha reduzido drasticamente sua imigração para cerca de 50 mil pessoas 
por ano e, em conseqüência, a questão suscitou lá menos comoção e 
oposição do que no continente. Contudo, entre 1992 e 1994, a Grã-Breta¬ 
nha reduziu drasticamente de 20 mil para menos de 10 mil o número de 
candidatos a asilo que tinham permissão para permanecer no país. À 
medida que iam caindo as barreiras aos deslocamentos dentro da União 
Européia, as preocupações britânicas se concentraram em boa medida nos 
perigos da migração não-européia proveniente do continente. Em meados 
dos anos 90, de modo geral, os países europeus ocidentais estavam se 
movendo inexoravelmente no sentido de reduzir a um mínimo, quando não 
eliminar totalmente, a imigração de fontes não-européias. 

252 

A questão da imigração veio à tona um tanto mais tarde nos Estados 
Unidos do que na Europa e não chegou a gerar a mesma crise emocional 
Os Estados Unidos sempre foram país de imigrantes, assim se considera e, 
historicamente, desenvolveu processos muito bem-sucedidos para a as¬ 
similação dos recém-chegados. Além disso, nos anos 80 e 90, o desemprego 
era consideravelmente menor nos Estados Unidos do que na Europa, e o 
medo de perda do emprego não foi um fator decisivo para moldar as atitudes 
quanto à imigração. Ademais, as fontes da imigração nos Estados Unidos 
foram mais diversificadas do que na Europa e, desse modo, o medo de 
serem inundados por um único grupo estrangeiro foi menor em âmbito 
nacional, embora fosse muito concreto em algumas localidades em 
particular. A distância cultural entre os dois maiores grupos de imigrantes 
e a cultura anfitriã também foi menor do que na Europa: os mexicanos 
são católicos e falam espanhol; os filipinos são católicos e falam inglês. 

Apesar desses fatores, no quarto de século depois da passagem da 
lei de 1965 que permitiu uma imigração muito maior de asiáticos e 
latino-americanos, a opinião pública norte-americana mudou de maneira 
decisiva. Em 1965, apenas 33 por cento do povo queriam menos 
imigração. Em 1972, 42 por cento queriam sua redução, em 1986 eram 
49 por cento e em 1990 e 1993 esse número subiu para 62 por cento. As 
pesquisas de opinião feitas nos anos 90 revelaram de maneira sistemática 
que 60 por cento ou mais do povo eram a favor de uma redução na 
imigração. 27 Conquanto as preocupações econômicas e as condições 
econômicas afetem as atitudes para com a imigração, a oposição que 
cresce de modo sistemático em tempos bons e ruins sugere que cultura, 
criminalidade e estilo de vida foram mais importantes para essa mudança 
de opinião. Um observador comentou em 1994 que “muitos norte-ame¬ 
ricanos, talvez a maioria deles, ainda vêem sua nação como um país de 
colonização européia, cújas leis são uma herança da Inglaterra, cujo 
idioma é (e deve continuar a ser) o inglês, cujas instituições e edifícios 
públicos foram inspirados por normas clássicas ocidentais, cuja religião 
tem raízes judaico-cristãs, e cuja grandeza surgiu inicialmente da ética de 
trabalho protestante”. Refletindo essas preocupações, 55 por cento de 
uma amostragem da opinião pública disseram que consideravam a 
imigração uma ameaça para a cultura norte-americana. Enquanto os 
europeus vêem a ameaça da imigração como muçulmana ou árabe, os 
norte-americanos a vêem como latino-americana e asiática, mas sobretu¬ 
do como mexicana. Em 1990, uma amostragem de norte-americanos, 
perguntados sobre de quais países os Estados Unidos estavam admitindo 

253 

imigrantes em demasia, revelou que o México era citado o dobro de 
vezes do que qualquer outro país, seguido, em ordem decrescente, por 
Cuba, Oriente (não especificados os países), América do Sul è América 
Latina (não especificados os países), Japão, Vietnã, China e Coréia do Sul. 28 

Uma crescente oposição do povo à imigração nos primeiros anos 
da década de 90 induziu uma reação política análoga à que ocorreu na 
Europa. Dada a natureza do sistema político norte-americano, partidos 
direitistas e antiimigração não conquistaram votos, porém autores e 
grupos de pressão antiimigração ficaram mais numerosos, mais atuantes 
e mais vociferantes. Muito do ressentimento se centrava no total de três 
e meio a quatro milhões de imigrantes ilegais, e os políticos responderam 
a isso. Tal como na Europa, a reação mais forte se deu nos níveis estadual 
e municipal, que arcam com a maior parte dos custos sociais dos 
imigrantes. Em conseqüência, em 1994, a Flórida, à qual depois se 
juntaram outros seis Estados, moveu uma ação contra o governo federal 
exigindo 884 milhões de dólares por ano para cobrir os gastos com 
educação, assistência social, policiamento e outras despesas acarretadas 
pelos imigrantes ilegais. Na Califórnia, o estado que tem a maior 
quantidade de imigrantes, em números absolutos e proporcionais, o 
governador Pete Wilson conquistou o apoio popular ao instar que se 
vedasse o acesso à rede de ensino público aos filhos dos imigrantes 
ilegais, recusar cidadania aos filhos nascidos nos Estados Unidos de 
imigrantes ilegais e terminar com os pagamentos com verbas estaduais 
do atendimento médico de emergência a imigrantes ilegais. Em novem¬ 
bro de 1994, os califomianos aprovaram por grande maioria a Proposição 
187, pela qual se denegavam benefícios de saúde, educação e assistência 
social a estrangeiros ilegais e seus filhos. 

Ainda em 1994, o governo Clinton, invertendo uma postura anterior, 
tomou providências para tomar mais severos os controles de imigração 
e mais estritas as regras a respeito de asilo político, expandir o Serviço 
de Imigração e Naturalização, reforçar a Patrulha de Fronteira e erigir 
barreiras físicas ao longo da fronteira com o México. Em 1995, a Comissão 
sobre Reforma da Imigração, autorizada pelo Congresso em 1990, 
recomendou a redução anual da imigração legal de mais de 800 mil 
pessoas para 550 mil, dando preferência a crianças pequenas e cônjuges 
mas não a outros parentes de atuais cidadãos e residentes. Essa dis¬ 
posição “inflamou as famílias asiático-americanas e hispânicas”. 29 Um 
projeto de lei que incorporava muitas das recomendações da Comissão 
e outras medidas que restringiam a imigração estava tramitando pelo 
Congresso em 1995-96. Em meados da década de 90, a imigração tinha 
assim se tomado uma importante questão política nos Estados Unidos e, 
em 1996, Patrick Buchanan fez da oposição à imigração um ponto 
fundamental de sua campanha pela Presidência. Os Estados Unidos estão 
seguindo a Europa ao tomarem providências para reduzir de modo 
substancial a entrada de não-ocidentais em sua sociedade. 

Será possível à Europa ou aos Estados Unidos sustar a corrente 
migratória? A França passou por uma versão importante do pessimismo 
demográfico, indo desde o cáustico romance de Jean Raspail na década 
de 70 até a análise erudita de Jean-Claude Chesnais nos anos 90, e que 
está resumida nos comentários feitos, em 1991, por Pierre Lellouche: “A 
história, a proximidade e a pobreza garantem que a França e a Europa 
estão destinadas a serem invadidas pelas pessoas das sociedades fracas¬ 
sadas do Sul. O passado da Europa foi branco e judaico-cristão. O futuro 
não o é.”* 30 Entretanto, o futuro não está determinado de modo ir¬ 
revogável, nem há um único futuro permanente. A questão não é se a 
Europa será islamizada ou se os Estados Unidos serão hispanizados. A 
questão é, sim, se a Europa e os Estados Unidos se transformarão em 
sociedades partidas em duas comunidades distintas e em grande parte 
separadas, oriundas de duas civilizações diferentes, o que, por sua vez, 
depende do número total de imigrantes e do grau em que sejam 
assimilados nas culturas ocidentais que prevalecem na Europa e nos 
Estados Unidos. 

De forma geral, as sociedades européias ou não querem assimilar 
os imigrantes ou têm grandes dificuldades para fazê-lo, e não está claro 
o grau com que os imigrantes muçulmanos e seus filhos desejam ser 
assimilados. Em conseqüência disso, uma continuada imigração subs¬ 
tancial provavelmente produzirá países divididos em comunidades cristã 
e muçulmana. Esse resultado pode ser evitado na medida em que os 
governos e os povos europeus estejam dispostos a arcar com os custos 
de restringir esse tipo de imigração, o que inclui os custos orçamentários 

* O livro de Raspail, Le Camp des Saints, foi publicado inicialmente em 1973 (Paris, Éditions 
Robert Lafffont) e foi impresso numa nova edição em 1985, quando se intensificou na França 
a preocupação com a imigração. O romance foi levado de fonna espetacular à atenção dos 
norte-americanos quando essa preocupação se intensificou nos Estados Unidos, em 1994, por 
Matthew Connelly e Paul Kennedy no artigo “Must It Be the Rest Against the West?” [Tem que 
ser o Resto contra o Ocidente?], Atlantic Monthly, v. 274 (dez. 1994), p. 6l e ss. O prefácio 
de Raspail da edição francesa de 1985 foi publicado em inglês na revista The Social Contract, 
v. 4 (inverno 1993-94), pp. 115-117. 

254 

255 

diretos de medidas antiimigratórias, os custos sociais de alienar ainda 
mais as atuais comunidades de imigrantes e os custos econômicos em 
potencial, a longo prazo, da escassez de mão-de-obra e de taxas de 
crescimento mais baixas. 

Entretanto, é provável que o problema da invasão demográfica 
muçulmana diminua à medida que as taxas de crescimento populacional 
nas sociedades do Norte da África e do Oriente Médio cheguem ao seu 
ápice, como já ocorreu em alguns países, e comecem a declinar. Pelo 
menos algumas projeções sugerem que esse declínio será bastante 
considerável nas primeiras décadas do século XXI. 31 Na medida em que 
a pressão demográfica estimula a imigração, a imigração muçulmana 
poderia ser muito menor em 2025. Isso não se aplica à África Subsaárica. 
Se houver desenvolvimento econômico e se for promovida a mobilidade 
social na África Central e Ocidental, aumentarão os incentivos e a 
capacidade para migrar, e a ameaça de “islamização” da Europa será 
substituída pela de africanização”. O grau em que essá ameaça se irá 
concretizar sofrerá grande influência do grau em que as populações 
africanas sejam reduzidas pela AIDS e outras pestes, bem como do grau 
de atração que a África do Sul exerça sobre imigrantes de outras áreas 
da África. 

Enquanto os muçulmanos representam o problema imediato para 
a Europa, os mexicanos representam tal problema para os Estados 
Unidos. Pressupondo-se a continuidade das tendências e políticas atuais, 
a população norte-americana irá, como mostra o Quadro 8.2, modificar-se 
de forma espetacular na primeira metade do século XXI, ficando aproxi¬ 
madamente 50 por cento branca e quase 25 por cento hispânica. Como 
na Europa, mudanças na política de imigração e a eficácia na aplicação 
de medidas antiimigratórias podem alterar essas projeções. Mesmo assim, 
a questão fundamental continuará sendo o grau em que os hispânicos 
sejam assimilados na sociedade norte-americana, como grupos anteriores 
de imigrantes o foram. Os hispânicos de segunda e terceira geração se 
vêem diante de uma ampla gama de incentivos e pressões para isso. A 
imigração mexicana, por outro lado, se diferencia de modos pos¬ 
sivelmente importantes da imigração de outras fontes. Em primeiro lugar, 
os imigrantes oriundos da Europa ou da Ásia cruzam oceanos; os 
mexicanos cruzam apenas uma fronteira ou, no máximo, um rio. Isso, 
somado à facilidade cada vez maior dos meios de transporte e comuni¬ 
cações, os habilita a manter contatos estreitos e a identidade com suas 
comunidades de origem. Em segundo lugar, os imigrantes mexicanos 

256 

Quadro 8.2 

População dos Estados Unidos por Raça e Etnia 
(em porcentagens) 

1993 

2020 

(est.) 

2050 

(est.) 

brancos não-hispânicos 

74 

63 

51 

hispânicos 

10 

16 

23 

negros 

13 

14 

16 

asiáticos e iihéus do Pacífico 

3 

7 


indígenas norte-americanos e do Alasca 

<1 

<1 

1 

Total (em milhões de pessoas) 

259 

326 

392 

estão concentrados no sudoeste dos Estados Unidos e fazem parte de 
uma sociedade mexicana ininterrupta, que se estende do Yucatan até 
Nevada (ver Mapa 8.1). Em terceiro lugar, há indícios que sugerem que 
a resistência à assimilação é mais forte nos imigrantes mexicanos do que 
foi em outros grupos de imigrantes, e que os mexicanos tendem a manter 
sua identidade mexicana, como ficou evidenciado na luta em torno da 
Proposição 187 na Califórnia, em 1994. Em quarto lugar, a área em que 
se instalaram os imigrantes mexicanos foi anexada pelos Estados Unidos, 
depois de terem derrotado o México em meados do século XIX. É 
praticamente certo que o desenvolvimento econômico mexicano gerará 
sentimentos revanchistas mexicanos. No seu devido tempo, os resultados 
da expansão militar norte-americana do século XIX poderão ser amea¬ 
çados pela expansão demográfica do século XXI. 

A mutação da balança de poder entre as civilizações toma cada vez 
mais difícil para o Ocidente atingir os seus objetivos com relação à 
proliferação de armamentos, direitos humanos, imigração e outras ques¬ 
tões. Para que o Ocidente possa minimizar suas perdas nessa situação 
ele precisa, ao lidar com outras sociedades, empregar com habilidade 
seus recursos econômicos a título de incentivos e penalidades, aumentar 
sua unidade e coordenar suas políticas para dificultar que outras socie¬ 
dades joguem um país ocidental contra outro, e promover e explorar as 
diferenças entre as nações não-ocidentais. A capacidade do Ocidente de 
implementar essas estratégias será, por um lado, condicionada pela 
natureza e intensidade de seus conflitos com as civilizações desafiantes 
e, por outro, pelo grau com que consiga identificar e desenvolver 
interesses comuns com as civilizações oscilantes. 

257 

RACHADO? 

asiática, 

Condado 


Capítulo 9 

A Política Mundial das Civilizações 

Estado-núcleo e Conflitos de Linha de Fratura 

N o mundo que está surgindo, os Estados e os grupos de duas 
civilizações diferentes podem formar conexões e coligações 
táticas, ad hoc } limitadas a fim de desenvolver os seus interesses 
contra entidades de uma terceira civilização ou para outras finalidades 
compartilhadas. Entretanto, as relações entre grupos de civilizações 
diferentes quase nunca serão íntimas, geralmente serão frias e muitas 
vezes hostis. Conexões entre Estados de civilizações diferentes herdadas 
do passado, tais como alianças militares da época da Guerra Fria, 
provavelmente se atenuaram ou se evaporarão. As esperanças de íntimas 
“parcerias” intercivilizacionais, como as que foram num momento arti¬ 
culadas pelos respectivos dirigentes entre a Rússia e os Estados Unidos, 
não se concretizarão. As relações intercivilizacionais que surgirão nor¬ 
malmente variarão de distanciadas a violentas, situando-se a maioria em 
algum ponto entre esses dois extremos. Em muitos casos, elas provavel¬ 
mente se parecerão com a “paz fria” que Boris Yeltsin advertiu que 
poderia ser o futuro das relações entre a Rússia e o Ocidente. Outras 
relações intercivilizacionais poderiam se parecer com uma condição de 
“guerra fria”. A expressão la guerra fria foi inventada pelos espanhóis 
no século XIII para descrever sua “coexistência inquieta” com os muçul¬ 
manos no Mediterrâneo, e, nos anos 90, muitas pessoas viram uma “guerra 
fria civilizacional” mais uma vez se desenvolvendo entre o Islã e o Ocidente. 1 

Em 1992, Deng Xiaoping falou de uma “guerra fria” que estava 
surgindo entre os Estados Unidos e a China. Mais ou menos na mesma 
época, vários comentaristas falaram de uma guerra fria entre os Estados 
Unidos e o Japão. Paz fria, guerra fria, guerra comercial, quase-guerra, 
paz inquieta, relações conturbadas, rivalidade intensa, coexistência com¬ 
petitiva, corridas armamentistas: essas expressões são as mais prováveis 
descrições das relações entre entidades de civilizações diferentes. A 
confiança e a amizade serão raras. As civilizações são as últimas 
modalidades de tribos humanas e o choque das civilizações é o conflito 
tribal numa escala mundial. 

Esse choque assume duas formas. No nível local ou micro, ocorrem 
os conflitos de linha de fratura entre Estados vizinhos de civilizações 
diferentes, entre grupos de civilizações diferentes dentro de um mesmo 
Estado e entre grupos que estão tentando criar novos Estados com os 
destroços do antigo Estado (como na antiga União Soviética e na antiga 
Iugoslávia). Os conflitos de linha de fratura são especialmente freqüentes 
entre muçulmanos e não-muçulmanos. As razões para esses conflitos, 
bem como sua natureza e dinâmica, são examinadas nos Capítulos 10 e 
11. No nível global ou macro, os conflitos de Estados-núcleos ocorrem 
entre os principais Estados de civilizações diferentes. As questões nesses 
conflitos são as clássicas da política internacional, dentre as quais figuram: 

1. Influência relativa sobre a forma de acontecimentos mundiais e 
as ações das organizações internacionais mundiais, como as Nações 
Unidas, o FMI e o Banco Mundial; 

2. Poder militar relativo, que se manifesta nas controvérsias a 
respeito de não-proliferação e controle de armamento e nas corridas 
armamentistas; 

3- Poder econômico e bem-estar, que se manifestam em 1 2 * 4 5 6 disputas a 
respeito de comércio internacional, investimentos e outras questões; 

4. Pessoas, envolvendo os esforços de um Estado de uma civilização 
para proteger as pessoas afins em outra civilização, para discriminar 
pessoas de outra civilização ou para excluir de seu território pessoas 
de outra civilização; 

5. Valores e cultura, em torno dos quais surgem conflitos quando 
um Estado tenta promover ou impor os seus valores às pessoas de 
outra civilização; 

6. Ocasionalmente, território, quando Estados-núcleos se tornam 
participantes da linha de frente em conflitos de linha de fratura. 

Essas questões são, é claro, as fontes de conflito entre os seres 
humanos ao longo de toda a História. Entretanto, quando estão envolvi¬ 
dos Estados de civilizações diferentes, as diferenças culturais aguçam o 
conflito. Questões econômicas ou territoriais concretas e muitas vezes 
negociáveis são redefinidas em termos culturais e, em conseqüência, 
ficam mais difíceis de resolver, surgindo questões culturais e simbólicas 
que reforçam estereótipos hostis. 

Em sua competição entre si, os Estados-núcleos tentam congregar 
suas legiões civilizacionais, fazer alianças com Estados de terceiras 
civilizações, promover a divisão e defecções nas civilizações adversárias 
e empregar a combinação apropriada de ações diplomáticas, políticas, 
econômicas e clandestinas, bem como instigações por propaganda e 
forma de coerção, para atingir seus objetivos. Entretanto, é improvável 
que os Estados-núcleos empreguem a força militar diretamente uns contra 
os outros, exceto em situações como as que existem no Oriente Médio 
e no subcontinente indiano, onde eles estão apostos uns aos outros sobre 
uma linha de fratura civilizacional. Em outros casos, as guerras entre 
Estados-núcleos têm probabilidade de surgir apenas em duas circuns¬ 
tâncias. Na primeira, elas podem se desenvolver a partir da escalada de 
conflitos de linha de fratura entre grupos locais, quando grupos relacio¬ 
nados entre si, inclusive Estados-núcleos, acorrem em apoio dos comba¬ 
tentes locais. Essa possibilidade, porém, cria um forte incentivo para que 
os Estados-núcleos das civilizações contrapostas contenham ou solucio¬ 
nem o conflito de linha de fratura. 

Na segunda, a guerra de Estados-núcleos decorre de mudanças na 
balança mundial de poder entre civilizações. No seio da civilização grega, 
o crescente poder de Atenas, como argumentou Tucídides, levou à 
Guerra do Peloponeso, e a história da civilização ocidental é uma história 
de “guerras hegemônicas” entre potências em ascensão e em declínio. O 
grau em que fatores análogos estimulam conflitos entre Estados-núcleos 
em ascensão e em declínio de civilizações diferentes depende, em parte, 
de se o contrabalançar ou o atrelar-se é a modalidade preferida nessas 
civilizações para que os Estados se ajustem à ascensão de uma nova 
potência. Conquanto o atrelar-se possa ser mais característico das civiliza¬ 
ções asiáticas, a ascensão do poder chinês podería gerar esforços de 
contrabalanceamento por parte de Estados de outras civilizações, como os 
Estados Unidos, a índia e a Rússia. A guerra hegemônica que faltou na 
história ocidental foi entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, podendo-se 
supor que a transição pacífica da Pax Britannica para a Pax Americana se 
deveu em grande parte à íntima afinidade cultural entre as duas socie¬ 
dades. A inexistência de tal afinidade na balança de poder em mutação 
entre o Ocidente e a China não torna o conflito armado inevitável, porém 
o faz mais provável. O dinamismo do Islã é, assim, a fonte contínua de 
muitas guerras de linha de fratura relativamente pequenas; já a ascensão 
da China é a fonte em potencial de uma grande guerra intercivilizacional 
de Estados-núcleos. 

O ISLÃ E O OCIDENTE 

Alguns ocidentais, dentre eles o presidente Bill Clinton, têm afirmado 
que o Ocidente não tem problemas com o Islã, mas apenas com os 
violentos extremistas fundamentalistas islâmicos. Mil e quatrocentos anos 
de História provam o contrário. As relações entre o Islamismo e o 
Cristianismo, tanto Ortodoxo como Ocidental, foram freqüentemente 
tempestuosas. Cada um foi o Outro do outro. O conflito do século XX 
entre a democracia liberal e o marxismo-leninismo é apenas um fenô¬ 
meno histórico fugaz e superficial, se comparado com a relação conti¬ 
nuada e profundamente conflitiva entre o Islamismo e o Cristianismo. 
Em alguns períodos, prevaleceu uma coexistência pacífica, mas na 
maioria das vezes essa relação foi de la guerra fria e de diversos graus 
de guerra quente. John Esposito comenta que sua “dinâmica histórica 
(...) freqüentemente encontrou as duas comunidades em competição e, 
às vezes, engajadas em combates mortais por poder, terras e almas”. 2 
Através dos séculos, a sorte das duas religiões subiu e caiu numa 
seqüência de momentosos surtos, pausas e contra-surtos. 

A primeira expansão centrífuga arábico-islâmica, do início do século 
VII até meados do século VIII, implantou o domínio muçulmano no Norte 
da África, na Ibéria, no Oriente Médio, na Pérsia e na índia Setentrional. 
Durante cerca de dois séculos, as linhas divisórias entre o Islamismo e o 
Cristianismo ficaram estabilizadas. Depois, no final do século XI, os 
cristãos restabeleceram seu controle do Mediterrâneo ocidental, conquis¬ 
taram a Sicília e capturaram Toledo. Em 1095, a Cristandade lançou as 
Cruzadas e, durante um século e meio, potentados cristãos tentaram, com 
êxito decrescente, estabelecer a autoridade cristã na Terra Santa e nas 
áreas adjacentes do Oriente Próximo, perdendo São João dAcre, seu 
último ponto de apoio nesta região, em 1291. Enquanto isso, apareceram 
em cena os turcos otomanos. Eles primeiro enfraqueceram Bizâncio e 
depois conquistaram grande parte dos Bálcãs, bem como do Norte da 
África, capturaram Constantinopla em 1453 e sitiaram Viena em 1529. 
Bernard Lewis assinala que “durante quase mil anos, do primeiro 
desembarque mouro na Espanha até o segundo sítio de Viena pelos 
turcos, a Europa esteve sob a ameaça constante do Islã”. 3 O Islã é a única 
civilização que pôs em dúvida a sobrevivência do Ocidente, e o fez por 
duas vezes pelo menos. 

Entretanto, ao se chegar ao século XV, a maré tinha começado a 
recuar. Os cristãos foram gradualmente recuperando a Ibéria, completan¬ 
do a tarefa em Granada em 1492. Enquanto isso, as inovações em 
navegação oceânica habilitaram os portugueses, e depois outros, a 
contornar o coração do mundo muçulmano e penetrar no Oceano índico 
e ir além. Simultaneamente, os russos puseram fim a dois séculos de 
domínio tártaro. Subseqüentemente, os otomanos empreenderam um 
último avanço, tornando a sitiar Viena em 1683. O fracasso que aí tiveram 
marcou o começo de uma longa retirada, envolvendo a luta dos povos 
ortodoxos nos Bálcãs para se livrarem do domínio otomano, a expansão 
do Império Habsburgo e o espetacular avanço dos russos até o Mar Negro 
e o Cáucaso. No decurso de aproximadamente um século, “o flagelo da 
Cristandade” foi transformado no “velho doente da Europa”. 4 Ao se 
concluir a I Guerra Mundial, a Grã-Bretanha, a França e a Itália lhe 
aplicaram o golpe de misericórdia e impuseram seu domínio, direto ou 
indireto, por todo o resto das terras otomanas, com exceção do território 
da República Turca. Por volta de 1920, apenas quatro países muçulmanos 
— Turquia, Arábia Saudita, Irã e Afeganistão — continuavam indepen¬ 
dentes de alguma forma de domínio não-muçulmano. 

Por sua vez, o recuo do colonialismo ocidental começou lentamente 
nas décadas de 20 e 30 e se acelerou de forma notável no período 
posterior à II Guerra Mundial. O colapso da União Soviética levou a 
independência a muitas sociedades muçulmanas. Segundo um levanta¬ 
mento, no período entre 1757 e 1919 ocorreram 92 aquisições de território 
muçulmano por governos não-muçulmanos. Ao se chegar a 1995, 69 
desses territórios estavam de novo sob domínio muçulmano e cerca de 
45 Estados independentes tinham populações majoritariamente muçul¬ 
manas. A natureza violenta desses relacionamentos em mutação se reflete 
no fato de que 50 por cento das guerras que envolveram pares de Estados 
de religiões diferentes no período de 1820 a 1929 foram guerras entre 
muçulmanos e cristãos. 5 

As causas desse padrão ininterrupto de conflitos não estão em 
fenômenos transitórios como o fervor cristão do século XII ou o 
fundamentalismo muçulmano do século XX. Elas decorrem da natureza 
dessas duas religiões e das civilizações nelas baseadas. Os conflitos eram, 
por um lado, fruto das diferenças, especialmente da concepção muçul¬ 
mana do Islamismo como um estilo de vida que transcendia e unia 
religião e política versus a concepção cristã ocidental da separação dos 
reinos de Deus e de César. Entretanto, os conflitos também se originavam 
de suas similitudes. Ambas são religiões monoteístas, que, ao contrário 
das politeístas, não podem assimilar com facilidade outras divindades e 
que vêem o mundo em termos dualistas, do nós-e-eles. Ambas são 
universalistas, afirmando serem a única fé verdadeira à qual devem aderir 
todos os seres humanos. Ambas são religiões missionárias, acreditando 
que seus seguidores têm a obrigação de converter os não-crentes a essa 
única fé verdadeira. Desde suas origens, o Islamismo se expandiu pela 
conquista e, quando surgiram oportunidades, o mesmo se deu com o 
Cristianismo. As concepções paralelas de “jihad” e de “cruzada” não só 
se parecem como distinguem esses dois credos de outras grandes 
religiões do mundo. O Islamismo e o Cristianismo, junto com o Judaísmo, 
têm uma visão teleológica da História, em contraste com a visão cíclica 
ou estática que prevalece nas outras civilizações. 

O nível de conflito violento entre o Islamismo e o Cristianismo variou 
ao longo do tempo, influenciado por crescimento e declínio demográfico, 
desenvolvimento econômico, mudanças tecnológicas e intensidade de 
dedicação religiosa. A expansão do Islã no século VII foi acompanhada por 
migrações maciças de povos árabes, numa “escala e velocidade” sem 
precedentes, para as terras dos impérios bizantino e sassaniano. Alguns 
séculos depois, as Cruzadas foram, em grande parte, fruto do crescimento 
econômico, expansão populacional e da “ressurreição clunaica” na Europa 
do século XI, que possibilitou a mobilização de grandes números de 
cavaleiros e camponeses para a marcha sobre a Terra Santa. Quando a 
Primeira Cruzada chegou a Constantinopla, um observador bizantino 
escreveu que ela dava a impressão de que “todo o Ocidente, inclusive 
algumas tribos dos bárbaros que viviam além do Mar Adriático até as Colunas 
de Hércules, tinha começado uma migração em massa e estava em marcha, 
explodindo para dentro da Ásia numa massa sólida, com todos os seus 
pertences”. 6 No século XIX, um crescimento populacional espetacular 
mais uma vez produziu uma erupção européia, gerando a maior migração 
da História, que fluiu para as terras muçulmanas como para outras terras. 

Uma combinação comparável de fatores incrementou os conflitos 
entre o Islã e o Ocidente no final do século XX. Primeiro, o crescimento 
populacional muçulmano gerou grande quantidade de jovens desempre¬ 
gados e descontentes que se tornam recrutas das causas fundamentalistas 
islâmicas, exercem pressão sobre sociedades vizinhas e migram para o 
Ocidente. Segundo, o Ressurgimento islâmico deu aos muçulmanos uma 
confiança renovada no caráter e na qualidade próprios de sua civilização 
e nos valores comparáveis aos do Ocidente. Terceiro, os esforços 
simultâneos do Ocidente para universalizar seus valores e instituições, 
para manter sua superioridade econômica e militar e para intervir nos 
conflitos do mundo muçulmano geram um intenso ressentimento no 
meio dos muçulmanos. Quarto, o colapso do comunismo acabou com 
um inimigo comum do Ocidente e do Islã, deixando cada um como a 
ameaça percebida do outro. Quinto, os crescentes contatos e entremescla 
de muçulmanos e ocidentais estimulam em cada lado uma nova percep¬ 
ção de sua própria identidade e de como ela difere da identidade do 
outro. A interação e a entremescla também exacerbam as diferenças em 
relação aos direitos dos membros de uma civilização num país dominado 
por membros de outra civilização. Dentro das sociedades muçulmanas e 
cristãs, a tolerância de uma para com a outra diminuiu de forma aguda 
nos anos 80 e 90. 

As causas dos renovados conflitos entre o Islã e o Ocidente residem 
assim nas questões fundamentais de poder e cultura. Kto? Kovo? Quem 
vai dominar? Quem vai ser dominado? A questão fundamental da política, 
definida por Lênin, é a raiz do confronto entre o Islã e o Ocidente. Há, 
entretanto, o conflito adicional, que Lênin teria considerado sem sentido, 
entre duas versões diferentes do que é certo e do que é errado e, como 
conseqüência, quem está certo e quem está errado. Enquanto o Islã 
continuar sendo o Islã (como continuará) e o Ocidente continuar sendo 
o Ocidente (o que é mais duvidoso), esse conflito fundamental entre 
duas grandes civilizações e estilos de vida continuará a definir suas 
relações no futuro do mesmo modo como as definiu durante os últimos 
14 séculos. 

Essas relações são complicadas ainda mais por uma quantidade de 
questões substantivas sobre as quais suas posições divergem ou estão 
em conflito. Do ponto de vista histórico, uma das questões principais foi 
o controle de território, porém isso é, hoje em dia, relativamente 
insignificante. Dezenove dos 28 conflitos de linha de fratura, em meados 
da década de 90, entre muçulmanos e não-muçulmanos foram entre 
muçulmanos e cristãos. Onze deles com cristãos ortodoxos e sete com 
seguidores do Cristianismo ocidental na África e no Sudeste Asiático. 

Apenas um desses conflitos violentos ou com potencial de violência 
ocorreu diretamente ao longo da linha de fratura entre o Ocidente e o 
Islã — o que se deu entre croatas e bósnios. O efetivo encerramento do 
imperialismo territorial ocidental e a inexistência, até agora, de uma nova 
expansão territorial muçulmana produziram uma segregação geográfica, 
de modo que apenas em alguns lugares nos Bálcãs as comunidades 
ocidentais e muçulmanas de fato fazem fronteira direta umas com as 
outras. Os conflitos entre o Ocidente e o Islã estão assim centrados menos 
em território do que em questões intercivilizacionais mais amplas, como 
a proliferação de armamentos, direitos humanos e democracia, migração, 
terrorismo fundamentalista islâmico e intervenção ocidental. 

Na esteira da Guerra Fria, esse antagonismo histórico assumiu novo 
ímpeto e a intensidade crescente desse choque foi amplamente reco¬ 
nhecida por membros de ambas as comunidades. Em 1991, por exemplo, 
o insigne estudioso inglês Barry Buzan viu muitas razões pelas quais uma 
guerra fria societária estava surgindo “entre o Ocidente e o Islã, na qual 
a Europa estaria na linha de frente”. 

Esse desdobramento tem parcialmente a ver com valores seculares versus 
valores religiosos, parcialmente com a rivalidade histórica entre a 
Cristandade e o Islã, parcialmente com inveja do poderio ocidental, 
parcialmente com ressentimentos pela dominação ocidental da es¬ 
truturação política pós-colonial do Oriente Médio e parcialmente com a 
amargura e a humilhação da comparação nada invejável entre as 
realizações das civilizações islâmica e ocidental nos últimos dois séculos. 

Além disso, ele assinalou que “uma guerra fria societária com o Islã 
serviria para reforçar a identidade européia de modo geral, num momen¬ 
to crucial para o processo de unificação européia”. Por conseguinte, “bem 
pode haver uma comunidade substancial no Ocidente disposta não só a 
apoiar uma guerra fria societária contra o Islã, mas também a adotar 
políticas que a estimulem”. 

Em 1990, Bemard Lewis, destacado estudioso ocidental do Islã, 
analisou “As Raízes da Fúria Muçulmana” e chegou à conclusão de que: 

Devia agora estar claro que estamos diante de um estado de ânimo e de 
um movimento que transcende em muito o nível das questões e das 
políticas, bem como dos governos que as perseguem. Isso não é nada 
menos do que um choque de civilizações — aquela reação, talvez 
irracional porém certamente histórica, de um velho rival contra nossa 
herança judaico-cristã, nosso presente secular e a expansão de ambos 
por todo o mundo. É de importância crucial que nós, do nosso lado, 
não sejamos provocados a uma reação igualmente histórica, porém 
igualmente irracional, contra esse rival . 7 

Observações análogas vieram da comunidade islâmica. Um co¬ 
nhecido jornalista egípcio, Mohamed Sid-Ahmed, argumentou em 1994 
que “há sinais inequívocos de um crescente choque entre a ética ocidental 
judaico-cristã e o movimento de revitalização islâmica, que atualmente 
está-se estendendo do Atlântico, a Oeste, até a China, a Leste”. Um 
proeminente muçulmano indiano previu em 1992 que “a próxima 
confrontação do Ocidente virá sem dúvida do mundo muçulmano. É no 
arco de nações islâmicas do Maghreb ao Paquistão que começará a luta 
pela nova ordem mundial”. Para um destacado advogado tunisiano, a 
luta já está em andamento: “O colonialismo tentou deturpar todas as 
tradições culturais do Islã. Eu não sou um fundamentalista islâmico. Não 
acho que exista um conflito entre religiões. Existe um conflito entre 
civilizações.” 8 

Nos anos 80 e 90, a tendência generalizada no Islã seguiu numa 
direção antiocidental. Isso é, em parte, uma conseqüência natural do 
Ressurgimento islâmico e da reação contra a “gharbzadegf ou “ociden- 
toxicação” percebida pelas sociedades muçulmanas. A “reafirmação do 
Islã, qualquer que seja sua forma sectária específica, significa o repúdio 
da influência européia e norte-americana sobre a sociedade, a política e 
a moral locais”. 9 No passado, em algumas ocasiões, os líderes muçulma¬ 
nos de fato disseram à sua gente: “Precisamos nos ocidentalizar.” 
Entretanto, nos 25 anos finais do século XX, qualquer líder muçulmano 
que tenha dito isso é uma figura isolada. Na realidade, é difícil encontrar 
declarações por qualquer muçulmano, seja político, alto funcionário, 
acadêmico, homem de negócios ou jornalista, que elogie os valores e as 
instituições ocidentais. Ao contrário, eles acentuam as diferenças entre 
sua civilização e a civilização ocidental, a superioridade da sua cultura e 
a necessidade de manter a integridade dessa cultura contra o ataque 
ocidental. Os muçulmanos receiam e detestam o poderio ocidental e a 
ameaça que ele representa para sua sociedade e suas crenças. Eles vêem 
a cultura ocidental como materialista, corrupta, decadente e imoral. Eles 
também a vêem como sedutora e, em conseqüência, acentuam ainda 
mais a necessidade de resistir ao seu impacto sobre seu estilo de vida. 
Os muçulmanos cada vez mais atacam os ocidentais não por professarem 
uma religião imperfeita e errônea, que é, não obstante, uma “religião do 
Livro”, mas por não professarem nenhuma religião em absoluto. Aos 
olhos muçulmanos, o secularismo, a irreligiosidade e, portanto, a imora- 
lidade ocidentais são males piores do que o Cristianismo ocidental, que 
os produziu. Na Guerra Fria, o Ocidente rotulou seu adversário de 
“comunismo ateu”; no conflito de civilizações pós-Guerra Fria, os mu¬ 
çulmanos vêem seu adversário como “o Ocidente ateu”. 

Essas imagens do Ocidente como arrogante, materialista, repressor, 
brutal e decadente são mantidas não só pelos imãs fundamentalistas 
como também por aqueles a quem muitos no Ocidente considerariam 
seus aliados e correligionários naturais. Poucos dos livros de autores 
muçulmanos publicados nos anos 90, por exemplo, receberam os elogios 
dados à obra de Fatima Memissi, Islam and Democracy , saudado de 
modo geral pelos ocidentais como o depoimento corajoso de uma mulher 
muçulmana moderna e liberal. 10 Entretanto a representação do Ocidente 
feita nesse livro dificilmente poderia ser menos elogiosa. O Ocidente é 
“militarista” e “imperialista” e “traumatizou” outras nações através do 
“terror colonial” (pp. 3, 9). O individualismo, marca registrada da cultura 
ocidental, é “a fonte de todos os problemas” (p. 8). O poderio ocidental 
é temível. O Ocidente “é o único que decide se os satélites serão 
empregados para ensinar os árabes ou para fazer cair bombas sobre eles. 
(...) Ele esmaga nossas potencialidades e invade nossas vidas, com seus 
produtos importados e filmes de televisão que inundam as ondas de 
transmissão. (...) É um poder que nos esmaga, sitia nossos mercados e 
controla nossos mais simples recursos, iniciativas e potencialidades. Era 
assim que percebíamos nossa situação, e a Guerra do Golfo transformou 
nossa percepção em certeza” (pp. 146-147). O Ocidente “cria o seu 
poderio através de pesquisas militares” e depois vende os produtos dessa 
pesquisa aos países subdesenvolvidos, que são os seus “consumidores 
passivos”. Para se liberar dessa subserviência, o Islã precisa desenvolver 
os seus próprios engenheiros e cientistas, construir sua próprias armas 
(nucleares ou convencionais, ela não especifica) e “se libertar da 
dependência militar do Ocidente” (pp. 43-44). Essas, para repetir, não 
são as opiniões de algum aiatolá barbudo, de turbante. 

Quaisquer que sejam suas opiniões religiosas ou políticas, os 
muçulmanos estão de acordo em que existem diferenças entre a sua 
cultura e a cultura ocidental. Como definiu o xeque Chanoushi, “o cerne 
da questão é que nossas sociedades estão baseadas em valores diversos 
dos do Ocidente”. Um funcionário do governo egípcio disse que “os 
norte-americanos vêm aqui e querem que nós sejamos como eles. Eles 
não entendem nada de nossos valores e de nossa cultura”. Um jornalista 
egípcio concordou: “Nós somos diferentes. Nós temos origens diferentes, 
uma história diferente. Por conseguinte, temos o direito a futuros 
diferentes.” As publicações muçulmanas, tanto populares como intelec¬ 
tualmente sérias, repetidamente descrevem o que se diz serem complôs 
e desígnios ocidentais para subordinar, humilhar e solapar as instituições 
e a cultura islâmicas. 11 

A reação contra o Ocidente pode ser vista não só no ímpeto cultural 
fundamental do Ressurgimento islâmico como também na mudança de 
atitude em relação ao Ocidente por parte dos governos de países 
muçulmanos. No período imediato pós-colonial, os governos eram, de 
forma geral, ocidentais em suas ideologias e diretrizes políticas e econô¬ 
micas e pró-ocidentais em suas políticas externas, com exceções parciais, 
como a Argélia e a Indonésia, onde a independência resultara de 
revoluções nacionalistas. Entretanto, um a um, os governos pró-ociden- 
tais deram lugar a governos menos identificados com o Ocidente ou 
explicitamente antioddentais no Iraque, Líbia, Iêmen, Síria, Irã, Sudão, 
Líbano e Afeganistão. Ocorreram mudanças na mesma direção, porém 
menos espetaculares, na orientação e no alinhamento de outros Estados, 
inclusive a Tunísia, Indonésia e Malásia. Os dois mais firmes aliados 
militares muçulmanos dos Estados Unidos na Guerra Fria — Turquia e 
Paquistão — estão sob pressão fundamentalista islâmica internamente, e 
seus laços com o Ocidente estão sujeitos a uma crescente tensão. 

Em 1995, o único Estado muçulmano claramente mais pró-ocidental 
do que tinha sido 10 anos antes era o Kuwait. Atualmente, os amigos 
íntimos do Ocidente no mundo islâmico são ou como o Kuwait, Arábia 
Saudita e os emirados do Golfo — dependentes militarmente dos Estados 
Unidos —, ou como o Egito e a Argélia — deles dependentes economi¬ 
camente. No final da década de 80, os regimes comunistas da Europa 
Oriental desmoronaram quando ficou claro que a União Soviética não 
mais lhes proporcionaria apoio econômico e militar. Se ficar claro que o 
Ocidente não mais manterá seus regimes satélites muçulmanos, é provᬠ
vel que eles tenham destino semelhante. 

O crescente antiocidentalismo muçulmano foi acompanhado para¬ 
lelamente por uma preocupação crescente com a “ameaça islâmica”, 
representada em especial pelo extremismo muçulmano. O Islã é visto 
como fonte de proliferação nuclear, terrorismo e, na Europa, imigrantes 
indesejados. Essas preocupações são compartilhadas tanto pelo povo 
como pelos líderes. Assim, por exemplo, quando perguntados, em 
novembro de 1994, sobre se a “revitalização muçulmana” constituía uma 
ameaça para os interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio, 61 por 
cento de uma amostragem de 35 mil norte-americanos interessados em 
política externa disseram que sim e apenas 28 por cento que não. Um 
ano antes, à pergunta de qual país representava o maior perigo para os 
Estados Unidos, uma amostragem aleatória da opinião pública apontara 
o Irã, a China e o Iraque como os três primeiros. Analogamente, ao 
pedido feito em 1994 para que identificassem “ameaças críticas” aos 
Estados Unidos, 72 por cento do povo e 61 por cento das autoridades 
em política externa apontaram a proliferação nuclear e 69 por cento do 
povo e 33 por cento das autoridades apontaram o terrorismo internacio¬ 
nal — duas questões amplamente associadas com o Islã. Além disso, 33 
por cento do povo e 39 por cento das autoridades viam uma ameaça na 
possível expansão do fundamentalismo islâmico. Os europeus tinham 
atitudes semelhantes. Na primavera de 1991, por exemplo, 51 por cento 
do povo francês disseram que a principal ameaça para a França vinha 
do Sul, com apenas oito por cento dizendo que viria do Leste. Os quatro 
países que o povo francês mais temia eram todos muçulmanos: Iraque 
(52 por cento), Irã (35 por cento), Líbia (26 por cento) e Argélia (22 por 
cento). 12 Os líderes políticos ocidentais, inclusive o chanceler alemão e 
o primeiro-ministro francês, expressaram preocupações semelhantes, 
tendo o secretário-geral da OTAN declarado em 1995 que o fun¬ 
damentalismo islâmico era “pelo menos tão perigoso quanto o comunis¬ 
mo” tinha sido para o Ocidente, e “uma autoridade muito alta” do governo 
Clinton apontado o Islã como o rival mundial do Ocidente. 13 

Com o virtual desaparecimento de uma ameaça militar vinda do 
Leste, o planejamento da OTAN está cada vez mais dirigido contra 
ameaças em potencial provenientes do Sul. Um analista do Exército 
norte-americano assinalou em 1992 que “a Linha Meridional” está subs¬ 
tituindo a Frente Central e “está rapidamente se tornando a nova linha 
de frente da OTAN”. Para enfrentar essas ameaças meridionais, os 
membros da OTAN situados ao sul — Itália, França, Espanha e Portugal 
— começaram um planejamento e manobras militares conjuntas e, ao 
mesmo tempo, convidaram os governos do Maghreb para consultas sobre 
formas de se contrapor aos extremistas islâmicos. Essas ameaças perce¬ 
bidas também ensejaram uma justificativa para a manutenção de subs¬ 
tancial presença militar dos Estados Unidos na Europa. Um antigo alto 
funcionário norte-americano assinalou que “conquanto as forças norte- 
americanas na Europa não sejam uma panacéia para os problemas criados 
pelo Islã fundamentalista, elas efetivamente lançam uma sombra pode¬ 
rosa sobre o planejamento militar em toda a área. Lembram-se do 
bem-sucedido desdobramento de forças norte-americanas, francesas e 
britânicas da Europa na Guerra do Golfo em 1990-91? As pessoas nessa 
região se lembram”. 14 E, poderia ele ter acrescentado, elas se lembram 
com medo, ressentimento e ódio. 

Tendo em vista as percepções que muçulmanos e ocidentais têm 
uns dos outros e mais a ascensão do extremismo islâmico, não é de 
surpreender que, logo após a Revolução Iraniana de 1979, tenha-se 
desenvolvido uma quase-guerra entre o Islã e o Ocidente. É uma 
quase-guerra por três motivos. Primeiro, não é todo o Islã que está 
lutando contra todo o Ocidente. Dois Estados fundamentalistas (Irã e 
Sudão), três Estados não-fundamentalistas (Iraque, Líbia e Síria), mais 
uma larga faixa de organizações fundamentalistas islâmicas, com apoio 
financeiro de outros países muçulmanos, como a Arábia Saudita, vêm 
lutando contra os Estados Unidos e, algumas vezes, contra a Grã-Breta¬ 
nha, a França e outros Estados e grupos ocidentais, bem como Israel e 
os judeus de forma geral. Segundo, é uma quase-guerra porque, fora a 
Guerra do Golfo de 1990-91, ela foi travada com meios limitados: 
terrorismo de um lado e poder aéreo, ações clandestinas e sanções 
econômicas do outro. Terceiro, é uma quase-guerra porque, embora a 
violência tenha persistido, ela não foi contínua, envolvendo ações intermi¬ 
tentes de um lado, que provocam respostas do outro. Contudo, uma 
quase-guerra é, mesmo assim, uma guerra. Mesmo excluindo-se as dezenas 
de milhares de soldados e civis iraquianos mortos pelos bombardeios 
ocidentais em janeiro-fevereiro de 1991, as mortes e outras baixas totalizam 
muitos milhares e ocorreram praticamente todos os anos desde 1979. Um 
número muito maior de ocidentais foram mortos nessa quase-guerra, em 
relação aos que foram mortos na guerra “de verdade” no Golfo. 

Além disso, ambos os lados identificaram esse conflito como uma 
guerra. Logo no início, Khomeini declarou, com muito acerto, que “o Irã 
está de fato em guerra com os Estados Unidos”, 15 e Khadafi proclama 
com regularidade uma guerra santa contra o Ocidente. Líderes muçulma¬ 
nos de outros grupos e Estados extremistas se pronunciaram em termos 
semelhantes. Do lado ocidental, os Estados Unidos classificaram sete 
países como “Estados terroristas”, cinco dos quais são muçulmanos (Irã, 
Iraque, Síria, Líbia e Sudão). Cuba e Coréia do Norte são os outros dois. 
Isso, na realidade, os identifica como inimigos, porque eles estão 
atacando os Estados Unidos e seus amigos com a arma mais eficaz de 
que dispõem, e assim reconhecem a existência de um estado de guerra 

270 

com eles. Funcionários norte-americanos repetidamente se referem a 
esses países como Estados “fora da lei", “de desforra” e “desgarrados” — 
desse modo colocando-os fora da ordem civilizada internacional e 
tornando-os alvos legítimos para contramedidas unilaterais ou multilate- 
rais. O governo dos Estados Unidos acusou os que colocaram a bomba 
no World Trade Center de terem a intenção de “desencadear uma guerra 
de terrorismo urbano contra os Estados Unidos” e afirmou que os 
conspiradores acusados de planejar outras bombas em Manhattan eram 
“soldados” numa luta “que envolve uma guerra” contra os Estados 
Unidos. Se os muçulmanos alegam que o Ocidente faz guerra contra o 
Islã e se os ocidentais alegam que grupos islâmicos fazem guerra contra 
o Ocidente, parece razoável concluir que algo muito parecido com uma 
guerra está em andamento. 

Nessa quase-guerra, cada lado capitalizou sobre suas próprias forças 
e as fraquezas do outro lado. Do ponto de vista militar, ela tem sido 
sobretudo uma guerra de terrorismo versus poder aéreo. Dedicados 
militantes fundamentalistas islâmicos se aproveitam das sociedades aber¬ 
tas do Ocidente e colocam carros-bombas em alvos selecionados. Os 
profissionais militares ocidentais se aproveitam dos céus abertos do Islã 
e lançam bombas inteligentes sobre alvos selecionados. Os participantes 
fundamentalistas islâmicos planejam o assassinato de ocidentais proemi¬ 
nentes; os Estados Unidos planejam a derrubada dos regimes fun¬ 
damentalistas islâmicos extremistas. Segundo o Departamento de Defesa 
dos Estados Unidos, nos 15 anos entre 1980 e 1995, os Estados Unidos 
se engajaram em 17 operações militares no Oriente Médio, todas elas 
dirigidas contra muçulmanos. Até esta data, afora a Guerra do Golfo, cada 
lado manteve a intensidade da violência em níveis razoavelmente baixos 
e se absteve de rotular atos violentos como atos de guerra que exigiriam 
uma resposta total. A revista The Economist assinalou que “se a Líbia 
ordenasse a um de seus submarinos que afundasse um navio de 
passageiros norte-americano, os Estados Unidos tratariam isso como um 
ato de guerra por um governo e não pediriam a extradição do capitão 
do submarino. Em princípio, fazer explodir uma bomba em um avião de 
passageiros por meio do serviço secreto da Líbia não é em nada 
diferente”. 16 Os participantes dessa guerra empregam uns contra os 
outros táticas muito mais violentas do que os Estados Unidos e a União 
Soviética empregaram entre si na Guerra Fria. 

Os dirigentes norte-americanos afirmam que os muçulmanos envol¬ 
vidos na quase-guerra são pequena minoria, cujo uso da violência é 
repudiado pela grande maioria dos muçulmanos moderados. Pode ser 
assim, mas faltam provas para apoiar essa tese. Os protestos contra a 
violência antiocidental inexistem por completo nos países muçulmanos. 
Até mesmo os entrincheirados governos amigos e dependentes do 
Ocidente têm-se mostrado extraordinariamente reticentes quando se trata 
de condenar atos de terrorismo contra o Ocidente. Do outro lado, os 
governos europeus e a opinião pública têm de forma geral apoiado e 
raramente criticado as ações que os Estados Unidos empreenderam 
contra seus adversários muçulmanos, em flagrante contraste com a 
vigorosa oposição que muitas vezes expressaram às ações norte-ameri¬ 
canas contra a União Soviética e o comunismo durante a Guerra Fria. 
Nos conflitos civilizacionais, ao contrário dos ideológicos, as pessoas 
ficam do lado daquelas com as quais têm afinidades. 

O problema subjacente para o Ocidente não é o fundamentalismo 
islâmico. É o Islã, uma civilização diferente, cujas pessoas estão conven¬ 
cidas da superioridade de sua cultura e obcecadas com a inferioridade 
de seu poderio. O problema para o Islã não é a CIA ou o Departamento 
de Defesa dos Estados Unidos. É o Ocidente, uma civilização diferente 
cujas pessoas estão convencidas da universalidade de sua cultura e 
acreditam que seu poderio superior, mesmo que em declínio, lhes impõe 
a obrigação de estender sua cultura por todo o mundo. Esses são os 
ingredientes básicos que alimentam o conflito entre o Islã e o Ocidente. 

Ásia, China e Estados Unidos 

O Cadinho de Civilizações. As mudanças econômicas na Ásia, es¬ 
pecialmente na Ásia Oriental, são um dos desdobramentos mais impor¬ 
tantes do mundo na segunda metade do século XX. Ao se chegar aos 
anos 90, esse desenvolvimento econômico tinha gerado uma euforia 
econômica entre muitos observadores, que viam a Ásia Oriental e toda 
a Bacia do Pacífico vinculadas em redes comerciais em expansão 
constante e que iriam assegurar a paz e a harmonia entre as nações. Esse 
otimismo estava baseado na pressuposição altamente duvidosa de que 
o intercâmbio comercial é invariavelmente uma força em prol da paz. 
Isso, porém, não é verdade. O crescimento econômico cria instabilidade 
política dentro dos países e entre países, alterando a balança de poder 
entre países e regiões. O intercâmbio econômico põe as pessoas em 
contato, não as põe de acordo. Historicamente, ele muitas vezes produziu 
uma percepção mais profunda das diferenças entre os povos e estimulou 
medos recíprocos. O comércio entre os países produz conflitos ao mesmo 
tempo que lucros. Se a experiência do passado se mantiver, a Ásia do 
esplendor econômico gerará uma Ásia de sombras políticas, uma Ásia de 
instabilidade e de conflito. 

O desenvolvimento econômico da Ásia e a crescente autoconfiança 
das sociedades asiáticas estão perturbando a política internacional de 
pelo menos três modos. Primeiro, o desenvolvimento econômico habilita 
os Estados asiáticos a expandir sua capacidade militar, promove incerteza 
quanto às futuras relações entre esses países e traz à tona questões e 
rivalidades que haviam sido reprimidas durante a Guerra Fria, lançando 
assim uma sombra de instabilidade e conflito em potencial sobre a região. 
Segundo, o desenvolvimento econômico aumenta a intensidade de 
conflitos entre as sociedades asiáticas e o Ocidente, principalmente os 
Estados Unidos, e reforça a capacidade das sociedades asiáticas de levar 
a melhor nesses embates. Terceiro, o crescimento econômico da maior 
potência da Ásia aumenta a influência chinesa na região e a probabilidade 
de a China reafirmar sua tradicional hegemonia na Ásia Oriental, obrigando 
assim outras nações a “se atrelarem” e se acomodarem a esse desdobra¬ 
mento, ou a “contrabalançarem” e tentarem conter a influência chinesa. 

Durante os vários séculos de ascendência ocidental, as relações 
internacionais que tinham importância eram um jogo ocidental que se 
desenrolava entre as principais potências ocidentais, suplementado, até 
certo ponto, primeiro pela Rússia, no século XVIII, e depois pelo Japão, 
no século XX. A Europa era a principal arena dos grandes conflitos de 
poder e cooperação, e mesmo durante a Guerra Fria, a principal linha 
de confrontação entre as superpotências estava no coração da Europa. 
Se é que as relações internacionais importantes no pós-Guerra Fria têm 
uma área primordial, ela está na Ásia e, em especial, na Ásia Oriental. A 
Ásia é o cadinho de civilizações. A Ásia Oriental sozinha contém 
sociedades que pertencem a seis civilizações — japonesa, sínica, ortodo¬ 
xa, budista, muçulmana e ocidental — e a Ásia Meridional acrescenta o 
hinduísmo. Os Estados-núcleos de quatro civilizações — Japão, China, 
Rússia e Estados Unidos — são atores principais na Ásia Oriental; a Ásia 
Meridional acrescenta a índia, e a Indonésia é uma potência muçulmana 
emergente. Além disso, a Ásia Oriental contém várias potências de nível 
médio, com crescente poderio econômico, como a Coréia do Sul, Taiwan 
e Malásia, além de um Vietnã potencialmente forte. O resultado é um 
quadro altamente complexo de relações internacionais, comparável de 
muitos modos às que existiram na Europa nos séculos XVIII e XIX, e cheia 
de toda a fluidez e incerteza que caracteriza as situações multipolares. 

O fato de ter múltiplas potências e de ser multicivilizacional 
distingue a Ásia Oriental da Europa Ocidental, e as diferenças econômicas 
e políticas reforçam esse contraste. Todos os países da Europa Ociden¬ 
tal são democracias estáveis, possuem economias de mercado e estão 
num alto nível de desenvolvimento econômico. Em meados dos anos 
90, a Ásia Oriental incluía uma democracia estável, várias democracias 
novas e instáveis, quatro das cinco ditaduras comunistas que restam no 
mundo, além de governos militares, ditaduras pessoais e sistemas auto¬ 
ritários, com dominação de um só partido. Os níveis de desenvolvimento 
econômico variam dos do Japão e Singapura até os do Vietnã e da Coréia 
do Norte. Havia uma tendência generalizada na direção da criação de 
mercados e da abertura econômica, mas os sistemas econômicos ainda 
cobriam uma larga faixa, desde a economia estatizada da Coréia do Norte, 
passando por diversas combinações de controle estatal e empresa 
privada, até o laissez-faire de Hong Kong. 

Exceto pela ocasional ordem, algumas vezes estabelecida na região 
pela hegemonia chinesa, não existiu na Ásia Oriental uma sociedade 
internacional (no sentido sociológico do termo) como houve na Europa 
Ocidental. 17 No final do século XX, a Europa está ligada por um 
complexo extraordinariamente denso de instituições internacionais: a 
União Européia, a OTAN, a União Européia Ocidental, o Conselho da 
Europa, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, 
entre outras. A Ásia Oriental não teve nada comparável, com exceção 
da ASEAN, que não inclui as potências principais, tem, de modo geral, 
se esquivado de questões de segurança e está apenas começando a se 
mover na direção das formas mais primitivas de integração econômica. Nos 
anos 90, foi criada a APEC, organização muito mais ampla, que incorpora 
a maioria dos países da Bacia do Pacífico, porém ela é ainda mais fraca do 
que a ASEAN no que se refere a debater questões concretas. Não há 
nenhuma outra instituição multilateral importante que reúna as principais 
potências asiáticas. 

Ainda em contraste com a Europa Ocidental, sao muitas as sementes 
de conflito entre Estados na Ásia Oriental, Dois pontos de perigo 
amplamente identificados envolvem as duas Coréias e as duas Chinas. 
Eles são, porém, resquícios da Guerra Fria. As diferenças ideológicas têm 
uma importância decrescente e, ao se chegar a 1995, as relações 
tinham-se expandido de forma significativa entre as duas Chinas e tinham 
começado a se desenvolver entre as duas Coréias. A probabilidade de 
coreanos lutarem contra coreanos existe, porém é baixa. As perspectivas 
de chineses lutarem contra chineses são maiores, mas ainda limitadas, a 
menos que os taiwaneses renunciem à sua identidade chinesa e formal¬ 
mente constituam uma República de Taiwan independente. Um do¬ 
cumento militar chinês citou, em tom de aprovação, um general dizendo 
que “deve haver limites para as brigas entre membros de uma família'’. 18 
Conquanto a violência entre as duas Coréias ou as duas Chinas continue 
sendo possível, um enfoque civilizacional sugere que os aspectos 
culturais em comum irão, com o tempo, erodir essa probabilidade. 

Na Ásia Oriental, os conflitos herdados da Guerra Fria estão sendo 
suplementados e suplantados por outros possíveis conflitos que reflitam 
antigas rivalidades e novos relacionamentos econômicos. As análises da 
segurança da Ásia Oriental no começo dos anos 90 se referiam de modo 
regular à Ásia Oriental como “uma vizinhança perigosa”, como “madura 
para as rivalidades”, como uma região de “várias guerras frias”, como 
“caminhando de volta para o futuro”, no qual prevalecerão a guerra e a 
instabilidade. 19 Em contraste com a Europa Ocidental, nos anos 90, a 
Ásia Oriental tinha disputas territoriais não resolvidas, das quais as mais 
importantes abrangem disputas entre a Rússia e o Japão em torno das 
ilhas ao norte, e entre a China, o Vietnã, as Filipinas e, possivelmente, 
outros Estados do Sudeste Asiático na área do Mar do Sul da China. As 
divergências sobre fronteiras entre a China, de um lado, e a Rússia e a 
índia, do outro, diminuíram em meados dos anos 90, mas poderiam 
ressurgir, como também poderia acontecer com as reivindicações chine¬ 
sas na Mongólia. Havia movimentos de insurgência ou secessão, em 
alguns casos apoiados de fora, em Mindanao, Timor Oriental, Tibete, sul 
da Tailândia e leste de Myanmar. Além disso, embora houvesse paz entre 
os Estados da Ásia Oriental em meados dos anos 90, durante os 50 anos 
precedentes ocorreram guerras de grandes proporções na Coréia e no 
Vietnã, e a potência principal da Ásia — a China — lutou contra os 
norte-americanos e contra quase todos os seus vizinhos, incluindo 
coreanos, vietnamitas, chineses nacionalistas, indianos, tibetanos e rus¬ 
sos. Em 1993, uma análise feita por militares chineses identificou oito 
pontos “quentes” regionais que ameaçavam a segurança militar da China, 
e a Comissão Militar Central da China chegou à conclusão de que, de 
modo geral, a perspectiva de segurança na Ásia Oriental era “muito 
sombria”. Depois de séculos de lutas, a Europa Ocidental está em paz e 
a guerra é impensável. Na Ásia Oriental não o é e, como sugeriu Aaron 
Friedberg, o passado da Europa poderia ser o futuro da Ásia. 20 

O dinamismo econômico, as disputas territoriais, as rivalidades 
reativadas e as incertezas políticas alimentaram aumentos significativos 
nos orçamentos militares e na capacidade militar dos países da Ásia 
Oriental nos anos 80 e 90. Aproveitando-se de sua nova riqueza e, na 
maioria dos casos, de populações com bom nível de instrução, os 
governos da Ásia Oriental tomaram providências para substituir exércitos 
“de camponeses”, grandes e pobremente equipados, por forças armadas 
menores, mais profissionais e tecnologicamente sofisticadas. Ante dúvi¬ 
das crescentes quanto ao grau de engajamento dos Estados Unidos na 
Ásia Oriental, esses países visam a poder contar consigo próprios em 
termos militares. Embora os países da Ásia Oriental continuassem a 
importar grandes quantidades de armamentos da Europa, dos Estados 
Unidos e da antiga União Soviética, passaram a dar preferência à 
importação de tecnologias que os habilitassem a produzir internamen¬ 
te aviões sofisticados, mísseis e equipamento eletrônico. O Japão e os 
Estados sínicos — China, Taiwan, Singapura e Coréia do Sul — 
possuem indústrias de armamentos cada vez mais sofisticadas. Dada 
a configuração geográfica litorânea da Ásia Oriental, a ênfase tem sido 
na projeção de forças e na capacidade aérea e naval. Em conseqüência, 
nações que anteriormente não estavam militarmente capacitadas a 
lutar umas contra as outras estão cada vez mais adquirindo essa 
capacidade. Esses aumentos de poder militar têm tido pouca trans¬ 
parência e, conseqüentemente, induziram mais suspeitas e incertezas. 21 
Numa situação de relações de poder em mutação, cada governo, legítima 
e necessariamente, se pergunta: “Daqui a 10 anos, quem será meu inimigo 
e quem, se houver algum, será meu amigo?” 

As Guerras FriasÁsia-Estados Unidos. No final dos anos 80 e começo 
dos 90, os relacionamentos entre os Estados Unidos e os países asiáticos, 
com exceção do Vietnã, se tornaram cada vez mais antagônicos, enquan¬ 
to diminuía a capacidade dos Estados Unidos de levar a melhor nessas 
controvérsias. Essas tendências foram especialmente marcadas com 
respeito às principais potências da Ásia Oriental, e as relações norte-ame¬ 
ricanas com a China e o Japão evoluíram ao longo de linhas paralelas. 
Chineses e norte-americanos e japoneses e norte-americanos falaram do 
desenvolvimento de guerras frias entre os seus respectivos países. 22 Essas 
tendências simultâneas começaram durante o governo Bush e se acele¬ 
raram no governo Clinton. Ao se chegar a meados da década de 90, as 
relações dos Estados Unidos com as duas principais potências asiáticas 
poderiam ser, na melhor das hipóteses, descritas como “tensas”, e parecia 
haver poucas perspectivas de que essa tensão diminuísse.* 

No começo dos anos 90, as relações entre o Japão e os Estados 
Unidos ficaram cada vez mais aquecidas por controvérsias a respeito de 
uma ampla gama de questões, incluindo o papel do Japão na Guerra do 
Golfo, a presença militar norte-americana no Japão, as atitudes japonesas 
quanto à política norte-americana sobre direitos humanos em relação à 
China e outros países, a participação japonesa em missões de manuten¬ 
ção da paz e, o que era mais importante, as relações econômicas, 
principalmente o comércio internacional. As referências a guerras comer¬ 
ciais viraram lugar-comum. 23 Autoridades norte-americanas, sobretudo 
no governo Clinton, exigiram mais e mais concessões do Japão; autori¬ 
dades japonesas resistiram a essas exigências de maneira cada vez mais 
enérgica. Cada controvérsia comercial Japão-Estados Unidos ficava mais 
azeda e mais difícil de ser resolvida do que a anterior. Em março de 1994, 
por exemplo, o presidente Clinton assinou um decreto que lhe conferia 
poderes para impor ao Japão sanções comerciais mais severas, o que 
causou protestos não só dos japoneses còmo também do secretário-geral 
do GATT, a principal organização mundial de comércio. Pouco tempo 
depois, o Japão respondeu com um “cáustico ataque” contra a política 
norte-americana e, logo em seguida, os Estados Unidos “acusaram 
formalmente o Japão” de discriminar empresas norte-americanas ao 
celebrar contratos do governo. Na primavera de 1995, o governo Clinton 
ameaçou impor tarifas de 100 por cento aos carros de luxo de fabricação 
japonesa, chegando-se a um acordo que evitou essa medida pouco antes 

* Deve-se observar que, pelo menos nos Estados Unidos, existe uma confusão de terminologia 
a respeito das relações entre os países. Considera-se que “boas” relações são as de amizade e cooperação; “más” relações são as hostis e antagônicas. Esse emprego dos termos conjumina duas dimensões muito diferentes: amizade versus hostilidade e desejável versus indesejável. 
Isso reflete a pressuposição tipicamente norte-americana de que a harmonia nas relações 
internacionais é sempre boa e de que o conflito é sempre mau. Entretanto, a identificação de boas relações com relações de amizade só é válida se o conflito nunca for desejável. A maioria dos norte-americanos achou que foi “bom” o governo Bush ter transformado em “más” as relações dos Estados Unidos com o Iraque ao ir à guerra por causa do Kuwait. A fim de evitar confusões sobre se “boas” quer dizer desejáveis ou harmoniosas e “más” quer dizer 
indesejáveis ou hostis, empregarei “boas” e “más” apenas para significar desejáveis ou 
indesejáveis. É interessante, embora cause perplexidade, que os norte-americanos endossem 
a competição, na sociedade norte-americana, entre opiniões, grupos, partidos, órgãos do 
governo e empresas. Por que os norte-americanos acham que o conflito é bom no seio de 
sua própria sociedade mas é mau entre sociedades, constitui uma questão fascinante que, at onde eu sei, ninguém jamais estudou com seriedade. 

que as sanções entrassem em vigor. Algo muito parecido com uma guerra 
comercial estava nitidamente em andamento entre os dois países. Ao se 
chegar a meados dos anos 90, a acrimônia das relações tinha chegado a 
um ponto tal que os principais políticos japoneses começaram a ques¬ 
tionar a presença militar norte-americana no Japão. 

Durante esses anos, a opinião pública em cada um dos dois países 
foi sistematicamente assumindo uma disposição menos favorável para 
com o outro. Em 1985, 87 por cento do povo norte-americano diziam ter 
uma atitude de forma geral amistosa para com o Japão. Em 1990, esse 
total caiu para 67 por cento e, ao se chegar a 1993, apenas 50 por cento 
dos norte-americanos tinham uma disposição favorável para com o Japão, 
e quase dois terços disseram que procuravam evitar comprar produtos 
japoneses. Em 1985, 73 por cento dos japoneses descreviam as relações 
Japão-Estados Unidos como amistosas; ao se chegar a 1993, 64 por cento 
diziam que elas eram inamistosas. O ano de 1991 marcou o ponto crucial 
de inflexão na mudança da opinião pública, saindo do formato da Guerra 
Fria. Nesse ano, cada país substituiu a União Soviética na percepção do 
outro. Pela primeira vez, os norte-americanos classificaram o Japão à 
frente da União Soviética como uma ameaça à segurança norte-americana 
e, pela primeira vez, os japoneses classificaram os Estados Unidos à frente 
da União Soviética como uma ameaça à segurança do Japão. 24 

As mudanças nas atitudes do povo foram acompanhadas por 
mudanças nas percepções da elite. Nos Estados Unidos, surgiu um grupo 
significativo de acadêmicos, intelectuais e revisionistas políticos que 
enfatizaram as diferenças culturais e estruturais entre os dois países e a 
necessidade de que os Estados Unidos adotassem uma linha muito mais 
dura ao tratar com o Japão questões econômicas. As imagens do Japão 
na mídia popular, nas publicações de não-ficção e nos romances 
populares ficaram cada vez mais pejorativas. De modo paralelo, apareceu 
no Japão uma nova geração de líderes políticos que não tinham tido a 
experiência do poderio norte-americano durante a II Guerra Mundial 
nem da benevolência norte-americana após a mesma, que se orgulhavam 
muito dos êxitos econômicos japoneses e que estavam perfeitamente 
dispostos a resistir às exigências norte-americanas por meios que não 
ocorreriam aos seus antecessores. Esses “elementos de resistência” 
japoneses eram a contrapartida dos “revisionistas” norte-americanos e, 
em ambos os países, os candidatos descobriram que advogar uma 
linha-dura em questões que afetavam as relações Japão-Estados Unidos 
caía bem com os eleitores. 

Durante o final da década de 80 e início da de 90, as relações dos 
Estados Unidos com a China também ficaram cada vez mais antagônicas. 
Os conflitos entre os dois países, disse Deng Xiaoping em setembro de 
1991, constituíam “uma nova guerra fria”, expressão repetida com 
regularidade na imprensa chinesa. Em agosto de 1995, a agência de 
notícias do governo declarou que “as relações China-Estados Unidos 
estão no seu nível mais baixo desde que os dois países estabeleceram 
relações diplomáticas” em 1979- As autoridades chinesas denunciavam 
com regularidade uma alegada intromissão nos assuntos chineses. Um 
documento interno do governo chinês, de 1992, argumentou que “nós 
devíamos ressaltar que, desde que se tornaram a única superpotência, 
os Estados Unidos estão tentando, de forma descontrolada, adotar uma 
nova conduta hegemônica e uma nova política de poder, bem como que 
o seu poderio está em declínio relativo e que há limites para o que eles 
podem fazer”. Em agosto de 1995, o presidente Jiang Zemin disse que 
“as forças ocidentais hostis não abandonaram por um só momento sua 
trama de ocidentalizar e ‘dividir’ nosso país”. Ao se chegar a 1995, dizia-se 
haver um amplo consenso entre os líderes e os estudiosos chineses no 
sentido de que os Estados Unidos estavam tentando “dividir territorial¬ 
mente a China, subvertê-la politicamente, contê-la estrategicamente e 
frustrá-la economicamente”. 25 

Havia fundamento para todas essas acusações. Os Estados Unidos 
permitiram que o presidente Lee, de Taiwan, fosse aos Estados Unidos, 
venderam 150 F-16 para Taiwan, designaram o Tibete um “território 
soberano ocupado”, condenaram a China por seus abusos contra os 
direitos humanos, negaram a Pequim as Olimpíadas do ano 2000, 
normalizaram suas relações com o Vietnã, acusaram a China de exportar 
componentes de armas químicas para o Irã, impuseram sanções comer¬ 
ciais à China pela venda de equipamento para mísseis para o Paquistão 
e ameaçaram a China com sanções adicionais em função de questões 
econômicas e, ao mesmo tempo, barraram a admissão da China na 
Organização Mundial do Comércio. Cada lado acusou o outro de má fé: 
segundo os norte-americanos, a China violou entendimentos sobre a 
exportação de mísseis, direitos de propriedade intelectual e trabalho de 
detentos; segundo os chineses, os Estados Unidos violaram enten¬ 
dimentos ao permitir que o presidente Lee viajasse aos Estados Unidos 
e ao vender aviões de caça sofisticados a Taiwan. 

O grupo mais importante na China com uma postura antagônica 
para com os Estados Unidos era o dos militares, que, aparentemente, 
exerciam sistematicamente pressão sobre o governo a fim de que 
assumisse uma linha mais dura para com os Estados Unidos. Em junho 
de 1993, ao que consta, 100 generais chineses remeteram uma carta a 
Deng reclamando da política “passiva” do governo em relação aos 
Estados Unidos e do fato de não ter resistido às tentativas norte-ameri¬ 
canas de “chantagear” a China, No outono desse ano, um documento 
confidencial do governo chinês delineou as razões militares para um 
conflito com os Estados Unidos: “Devido ao fato de que a China e os 
Estados Unidos têm antigos conflitos em torno de suas ideologias, 
sistemas sociais e políticas externas diferentes, será impossível melhorar 
de forma fundamental as relações sino-norte-americanas.” Como os 
norte-americanos acreditam que a Ásia Oriental se tornará “o coração da 
economia mundial, (...) os Estados Unidos não podem tolerar um 
adversário poderoso na Ásia Oriental”. 26 Em meados dos anos 90, as 
autoridades e os órgãos chineses apresentavam de modo rotineiro os 
Estados Unidos como uma potência hostil. 

O crescente antagonismo entre a China e os Estados Unidos foi em 
parte impulsionado pela política interna em ambos os países. Tal como 
aconteceu com o Japão, a opinião pública norte-americana bem-infor- 
mada ficou dividida. Muitas personalidades do establishment propugna¬ 
vam por um engajamento construtivo com a China, expandindo as 
relações econômicas e atraindo a China para a chamada comunidade das 
nações. Outros enfatizavam a ameaça em potencial da China para os 
interesses norte-americanos, argumentavam que medidas conciliatórias 
em relação à China produziam resultados negativos e instavam por uma 
política de firme contenção. Em 1993, a opinião pública norte-americana 
colocava a China em segundo lugar, perdendo apenas para o Irã, como 
o país que representava o maior perigo para os Estados Unidos. A política 
norte-americana muitas vezes operou de modo a produzir gestos simbó¬ 
licos, como a visita de Lee a Comell e o encontro de Clinton com o 
dalai-lama, que deixaram os chineses indignados, enquanto, ao mesmo 
tempo, levou o governo a sacrificar considerações de direitos humanos 
por interesses econômicos, como na prorrogação do tratamento de Nação 
Mais Favorecida. Do lado chinês, o governo precisava de um novo 
inimigo para reforçar os chamamentos ao nacionalismo chinês e para 
legitimar seu poder. Enquanto se estendia a luta pela sucessão, aumentou 
a influência dos militares, e o presidente Jiang e outros concorrentes ao 
poder pós-Deng não podiam se dar ao luxo de parecer frouxos na 
promoção dos interesses chineses. 

Nessas condições, no transcurso de uma década, as relações dos 
Estados Unidos se “deterioraram” tanto com o Japão como com a China. 
Essa mudança naá relações asiãtico-norte-americanas foi tão ampla e 
abrangeu tantas áreas diferentes de questões que parece improvável que 
suas causas possam ser encontradas em conflitos de interesses individuais 
a propósito de peças de automóvel, vendas de câmeras fotográficas ou 
bases militares por um lado, ou prisão de dissidentes, transferências de 
armamentos ou pirataria intelectual do outro. Além disso, era claramente 
contrário ao interesse nacional norte-americano permitir que suas rela¬ 
ções ficassem mais conflituosas com as duas principais potências asiáti¬ 
cas. As regras elementares de diplomacia e de política de poder deter¬ 
minam que os Estados Unidos deviam tentar jogar uma contra a outra 
ou, pelo menos, tentar suavizar as relações com uma se elas estivessem 
ficando mais conflituosas com a outra. No entanto, tal não aconteceu. 
Havia fatores mais amplos atuando para promover conflitos nas relações 
asiático-norte-americanas e tornar mais difícil a solução de questões 
individuais que surgiam nessas relações. Esse fenômeno generalizado 
tinha causas generalizadas. 

Em primeiro lugar, uma maior interação entre as sociedades asiáti¬ 
cas e os Estados Unidos, sob a forma de expansão de comunicações, de 
comércio, de investimentos e de conhecimento mútuo, multiplicou as 
questões e os assuntos nos quais os interesses podiam se chocar, como 
de fato aconteceu. Essa maior interação tornou ameaçadoras, para cada 
uma dessas sociedades, práticas e concepções da outra que, à distância, 
tinham parecido inofensivamente exóticas. Em segundo lugar, a ameaça 
soviética da década de 50 levara ao tratado de segurança mútua Estados 
Unidos-Japão. O crescimento do poderio soviético nos anos 70 levara ao 
estabelecimento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a 
China em 1979 e à cooperação ad hoc entre os dois países a fim de 
promover seu interesse comum na neutralização daquela ameaça. O fim 
da Guerra Fria retirou esse interesse comum predominante dos Estados 
Unidos e das potências asiáticas, não deixando coisa alguma em seu 
lugar. Conseqüentemente, vieram à tona outras questões em que havia 
significativos conflitos de interesse. Em terceiro lugar, o desenvolvimento 
econômico dos países da Ásia Oriental alterou a balança de poder entre 
eles e os Estados Unidos. Como vimos, os asiáticos cada vez mais 
afirmavam a validade de seus valores e instituições, bem como a 
superioridade de sua cultura em relação à cultura ocidental. Por outro 
lado, os norte-americanos tendiam a supor, especialmente depois da sua 
vitória na Guerra Fria, que os seus valores e instituições tinham relevância 
universal e que eles ainda dispunham do poder para moldar as políticas 
interna e externa das sociedades asiáticas. 

Esse ambiente internacional em mutação trouxe à baila as diferenças 
culturais fundamentais entre as civilizações asiática e norte-americana. 
No seu nível mais amplo, a ética confuciana, que permeia muitas das 
sociedades asiáticas, ressalta os valores de autoridade, hierarquia, 
subordinação dos direitos e interesses individuais, importância do 
consenso, evitar a confrontação, “salvar a face” e, de modo geral, 
supremacia do Estado sobre a sociedade e da sociedade sobre o 
indivíduo. Além disso, os asiáticos tendiam a pensar na evolução de 
suas sociedades em termos de séculos e milênios e a dar prioridade à 
maximização dos ganhos a longo prazo. Essas atitudes contrastam com 
a primazia nas concepções norte-americanas de liberdade, igualdade, 
democracia e individualismo, e a propensão norte-americana para des¬ 
confiar do governo, opor-se à autoridade, promover pesos e contrapesos, 
encorajar a competição, tornar sacrossantos os direitos do indivíduo e 
esquecer o passado, ignorar o futuro e se concentrar na maximização 
dos ganhos imediatos. As fontes de conflito estão nas diferenças fun¬ 
damentais de sociedade e de cultura. 

Essas diferenças tiveram conseqüências especiais para as relações 
entre os Estados Unidos e as principais sociedades asiáticas. Os diplo¬ 
matas desenvolveram grandes esforços para resolver os conflitos norte- 
americanos com o Japão a propósito de questões econômicas, es¬ 
pecialmente o superávit comercial japonês e a resistência do Japão aos 
produtos e investimentos norte-americanos. As negociações comerciais 
Estados Unidos-Japão assumiram muitas das características das negociações 
sobre controle de armamentos soviético-norte-americanas durante a Guerra 
Fria. Ao se chegar a 1995, as primeiras tinham produzido ainda menos 
resultados do que estas últimas porque esses conflitos provinham das 
diferenças fundamentais das duas economias, especialmente da natureza 
singular da economia japonesa no âmbito da economia dos principais países 
industrializados. As importações pelo Japão de artigos manufaturados 
totalizaram cerca de 3,1 por cento do seu PNB, comparados com uma 
média de 7,4 por cento nas outras principais potências industriais. Os 
investimentos estrangeiros diretos no Japão somaram um diminuto 0,7 
por cento do PIB, comparado com 28,6 por cento nos Estados Unidos e 
38,5 por cento na Europa. O Japão foi o único dos países industrializados 
a ter superávit s orçamentários nos primeiros anos da década de 90. 27 

De modo geral, a economia japonesa não se comportou como ditam 
as leis universais de economia ocidental. A suposição simplista dos 
economistas ocidentais nos anos 80 de que a desvalorização do dólar 
reduziría o superávit comercial japonês revelou-se errada. Embora o 
acordo do Plaza, de 1985, tivesse retificado o déficit comercial norte-ame¬ 
ricano com a Europa, ele teve pouco efeito sobre o déficit com o Japão. 
Enquanto o iene ficou com seu valor a menos de 100 por dólar, o 
superávit comercial japonês permaneceu alto e até mesmo aumentou. Os 
japoneses puderam assim manter, ao mesmo tempo, uma moeda forte e 
um superávit comercial. O pensamento econômico ocidental tende a 
definir uma compensação negativa entre desemprego e inflação, achan¬ 
do-se que, com uma taxa de desemprego significativamente abaixo de 
cinco por cento, se desencadeariam pressões inflacionárias. No entanto, 
durante anos, o Japão teve uma taxa de desemprego em média inferior 
a três por cento e uma inflação de um e meio por cento em média. Ao 
se chegar à década de 90, os economistas tanto norte-americanos como 
japoneses tinham chegado a identificar e conceituar as diferenças básicas 
entre esses dois sistemas econômicos. Um estudo cuidadoso chegou à 
conclusão de que o baixo nível de importações de manufaturados 
peculiar ao Japão “não pode ser explicado através de fatores econômicos 
padrão”. Um outro analista argumentou que “a economia japonesa não 
segue a lógica ocidental, independentemente do que digam os que fazem 
prognósticos no Ocidente, pela simples razão de que ela não é uma 
economia livre de mercado do tipo ocidental. Os japoneses (...) inven¬ 
taram um tipo de economia que se comporta de modos que enganam 
os poderes de previsão dos observadores ocidentais”. 28 

O que explica o caráter próprio da economia japonesa? Entre os 
principais países industrializados, a economia japonesa é única porque 
a sociedade japonesa é não-ocidental de um modo único. A sociedade 
e cultura japonesas diferem das ocidentais, e especialmente da sociedade 
e cultura norte-americanas. Essas diferenças foram ressaltadas em todas 
as análises comparativas sérias do Japão e Estados Unidos. 29 A solução 
das questões econômicas entre Japão e Estados Unidos depende de 
mudanças fundamentais na natureza de uma, ou de ambas, dessas 
economias, o que, por sua vez, depende de mudanças básicas na 
sociedade e na cultura de um ou de ambos os países. Tais mudanças não 
são impossíveis. As sociedades e as culturas de fato mudam. Isso pode 
decorrer de um importante fato traumático: a derrota total na II Guerra 
Mundial transformou dois dos países mais militaristas do mundo em dois 

9íU 

dos mais pacifistas. Entretanto, parece improvável que Estados Unidos 
ou Japão venham a impor uma Hiroxima econômica um ao outro. O 
desenvolvimento econômico também pode mudar profundamente a 
estrutura social e a cultura, como ocorreu na Espanha entre o início da 
década de 50 e o final da de 70, e talvez a riqueza econômica faça do Japão 
uma sociedade mais parecida com a norte-americana, orientada para o 
consumo. No final da década de 80, tanto no Japão como nos Estados Unidos 
havia quem sustentasse que seu país devia ficar mais parecido com o outro. 
De uma forma limitada, o acordo nipo-norte-americano de Iniciativas 
sobre Impedimentos Estruturais foi planejado para promover essa con¬ 
vergência. Seu insucesso, bem como o de outras tentativas análogas, 
demonstra o grau em que as diferenças econômicas estão profundamente 
enraizadas nas culturas das duas sociedades. 

Enquanto os conflitos entre os Estados Unidos e a Ásia têm suas 
fontes nas diferenças culturais, os desfechos desses conflitos refletiram a 
mudança nas relações de poder entre os Estados Unidos e a Ásia. Nessas 
disputas, os Estados Unidos lograram algumas vitórias, mas a tendência 
foi na direção da Ásia e a mudança no poderio exacerbou ainda mais 
esses conflitos. Os Estados Unidos esperavam que os governos asiáticos 
os aceitariam como o líder da “comunidade internacional” e anuíssem à 
aplicação dos princípios e valores ocidentais a suas culturas. Os asiáticos, 
por outro lado, como disse o secretário-assistente de Estado Winston 
Lord, estavam “cada vez mais cônscios e orgulhosos de suas realizações”, 
esperavam ser tratados de igual para igual, e tendiam a ver os Estados 
Unidos como “uma babá internacional, se não um brutamontes”. Entre¬ 
tanto, no seio da cultura norte-americana, imperativos profundos impul¬ 
sionam os Estados Unidos para ser pelo menos uma babá, se não um 
brutamontes, nas relações internacionais e, em conseqüência, as expec¬ 
tativas norte-americanas estavam cada vez mais em contradição com as 
asiáticas. Numa ampla gama de questões, os dirigentes japoneses e de 
outros países asiáticos aprenderam a dizer não aos seus interlocutores 
norte-americanos, dito às vezes em versões asiáticas polidas de “vá 
passear”. O ponto de inflexão simbólico das relações asiático-norte- 
americanas foi talvez o que uma alta autoridade japonesa denominou 
de o “primeiro grande desastre de trem” das relações nipo-norte-ame- 
ricanas, que se deu em fevereiro de 1994, quando o primeiro-ministro 
Morihiro Hosokawa rejeitou com firmeza a exigência do presidente 
Clinton de que se fixassem metas numéricas para as importações pelo 
Japão de artigos manufaturados norte-americanos. Uma outra autoridade 
japonesa comentou que “não poderíamos ter imaginado que algo assim 
acontecesse até mesmo um ano atrás”. O ministro do Exterior japonês, 
um ano depois, sublinhou essa mudança ao declarar que, numa era de 
competição econômica entre nações e regiões, o interesse nacional 
japonês era mais importante do que sua “mera identidade” como um 
membro do Ocidente. 30 

A paulatina adaptação norte-americana à alterada balança de poder 
se refletiu na política norte-americana em relação ã Ásia nos anos 90. Em 
primeiro lugar, de fato reconhecendo que careciam da vontade e/ou da 
capacidade para pressionar as sociedades asiáticas, os Estados Unidos 
separaram áreas de questões sobre as quais poderiam ter algum poder 
de influência das áreas de questões nas quais ocorriam conflitos. 
Embora Clinton tivesse proclamado que os direitos humanos cons¬ 
tituíam uma das primeiras prioridades da política externa norte-ame¬ 
ricana para com a China, em 1994 ele respondeu às pressões dos 
empresários norte-americanos, de Taiwan e de outras fontes, desvin¬ 
culando os direitos humanos das questões econômicas e abandonando 
a tentativa de empregar a prorrogação da condição de Nação Mais 
Favorecida como meio para influenciar o comportamento chinês em 
relação aos dissidentes políticos. Numa providência paralela, o gover¬ 
no desvinculou formalmente sua política de segurança para com o 
Japão, na qual presumivelmente teria capacidade de influência, das 
questões comerciais e de outras questões econômicas, em cujo con¬ 
texto suas relações com o Japão eram altamente conflituosas. Dessa 
forma, os Estados Unidos abandonaram armas que poderiam ter empre¬ 
gado para promover os direitos humanos na China e concessões comer¬ 
ciais no Japão. 

Em segundo lugar, os Estados Unidos perseguiram reiteradamente 
um rumo de reciprocidade antecipada com as nações asiáticas, fazendo 
concessões na expectativa de que elas induziriam concessões comparᬠ
veis por parte dos asiáticos. Muitas vezes essa linha de ação foi justificada 
por referências à necessidade de manter um “engajamento construtivo” 
ou “diálogo” com o país asiático em pauta. Entretanto, na maioria das 
vezes, esse país asiático interpretou a concessão como sinal da fraqueza 
norte-americana e, por conseguinte, concluiu que poderia ir ainda mais 
longe na rejeição das exigências norte-americanas. Esse padrão de 
comportamento foi particularmente notável em relação à China, que 
respondeu à desvinculação pelos Estados Unidos da condição de Nação 
Mais Favorecida com uma nova e intensa rodada de violações de direitos 
humanos. Devido à predileção norte-americana por identificar “boas” 
relações com relações “amistosas”, os Estados Unidos ficam em conside¬ 
rável desvantagem para competir com as sociedades asiáticas, que 
identificam como “boas” as relações que produzem vitórias para si. Para 
os asiáticos, as concessões norte-americanas não devem ser objeto de 
reciprocidade; devem ser exploradas. 

Em terceiro lugar, desenvolveu-se um padrão nos renitentes confli¬ 
tos Estados Unidos-Japão por questões comerciais, nos quais os Estados 
Unidos faziam exigências ao Japão e ameaçavam com sanções caso elas 
não fossem atendidas. Seguiam-se longas negociações e então, no último 
momento antes que as sanções entrassem em vigor, anunciava-se um 
acordo. Os acordos eram geralmente redigidos de modo tão ambíguo 
que os Estados Unidos podiam bradar vitória de princípio e os japoneses 
podiam implementar ou não o acordo como bem entendessem, e tudo 
prosseguia como antes. De maneira análoga, os chineses assentiam com 
relutância a declarações de princípios amplos a respeito de direitos 
humanos, propriedade intelectual ou proliferação e simplesmente as 
interpretavam de modo muito diferente dos Estados Unidos, e continua¬ 
vam seguindo suas diretrizes anteriores. 

Essas diferenças de cultura e as alterações na balança de poder entre 
a Ásia e os Estados Unidos encorajaram as sociedades asiáticas a apoiar 
umas às outras em seus conflitos com os Estados Unidos. Em 1994, por 
exemplo, praticamente todos os países asiáticos, “da Austrália à Malásia 
e à Coréia do Sul”, se congregaram em apoio ao Japão na sua resistência 
contra a exigência norte-americana de metas numéricas para as impor¬ 
tações. Uma congregação semelhante se deu, simultaneamente, em apoio 
ao tratamento de Nação Mais Favorecida para a China, com o primeiro- 
ministro Hosokawa na dianteira, argumentando que os conceitos ociden¬ 
tais de direitos humanos não podiam ser “aplicados cegamente”, e Lee 
Kuan Yew, de Singapura, advertindo que, se pressionarem a China, “os 
Estados Unidos se verão inteiramente isolados no Pacífico”. 31 Em outra 
demonstração de solidariedade, asiáticos, africanos e outros povos se 
congregaram atrás do Japão em apoio à reeleição de um japonês que 
ocupava o cargo de diretor da Organização Mundial de Saúde, contra a 
oposição do Ocidente, e o Japão promoveu a candidatura de um 
sul-coreano para dirigir a Organização Mundial do Comércio, contra o 
candidato dos Estados Unidos, Carlos Salinas, ex-presidente do México. 
Os registros mostram de forma indiscutível que ao se chegar aos anos 
90, com respeito a questões relacionadas ao além-Pacífico, cada país da 

287 

Ásia Oriental sentia que tinha muito mais em comum com outros países 
da Ásia Orientai do que com os Estados Unidos. 

O fim da Guerra Fria, a crescente interação entre a Ásia e a América 
e o declínio relativo do poderio norte-americano trouxeram assim à tona 
o choque de culturas entre os Estados Unidos e o Japão e as outras 
sociedades asiáticas, capacitando estes últimos a resistir às pressões 
norte-americanas. A ascensão da China representava um problema mais 
fundamental para os Estados Unidos. Os conflitos dos Estados Unidos 
com a China cobriam uma gama muito mais ampla de questões do que 
com o Japão, abrangendo questões econômicas, direitos humanos, 
Tibete, Taiwan, o Mar do Sul da China e a proliferação de armamentos. 
Os Estados Unidos e a China não partilhavam objetivos comuns em 
nenhuma das principais questões de política. As diferenças vão de uma 
ponta à outra do quadro. Tal como no caso do Japão, esses conflitos 
estavam, em grande parte, baseados nas culturas diferentes das duas 
sociedades. Os conflitos entre os Estados Unidos e a China, porém, 
também envolviam questões fundamentais de poder. A China não está 
disposta a aceitar a liderança ou hegemonia norte-americana no mundo; 
os Estados Unidos não estão dispostos a aceitar a liderança ou hegemonia 
chinesa na Ásia. Durante mais de 200 anos os Estados Unidos tentaram 
impedir o surgimento de uma potência com predomínio absoluto na 
Europa, Durante quase 200 anos, a começar por sua política de “Portas 
Abertas” em relação à China, os Estados Unidos tentaram fazer o mesmo 
na Ásia Oriental. Para atingir esses objetivos, os Estados Unidos travaram 
duas guerras mundiais e uma guerra fria contra a Alemanha imperial, a 
Alemanha nazista, o Japão imperial, a União Soviética e a China 
comunista. Esse interesse norte-americano persiste e foi reafirmado pelos 
presidentes Reagan e Bush. A ascensão da China como potência regional 
dominante na Ásia Oriental, caso prossiga, põe em risco esse interesse 
norte-americano fundamental. A causa subjacente do conflito entre os 
Estados Unidos e a China está na sua diferença básica quanto a como 
deve ficar a futura balança de poder na Ásia Oriental. 

Hegemonia Chinesa: Contrabalançar e Atrelar-se. Com seis civili¬ 
zações, 18 países, economias crescendo rapidamente e grandes diferen¬ 
ças políticas, econômicas e sociais entre as suas sociedades, a Ásia 
Oriental poderia desenvolver qualquer um de vários padrões de relações 
internacionais no início do século XXI. É concebível que surja um 
conjunto extremamente complexo de relações de cooperação e confli¬ 

288 

tuosas, envolvendo a maioria das principais potências e as de nível médio 
da região. Ou poder-se-ia formar um grande sistema internacional 
multipolar de poder, com China, Japão, Estados Unidos, Rússia e, 
possivelmente, índia se contrabalançando e competindo uns com os 
outros. Outra variante poderia ser com a política da Ásia Oriental sendo 
dominada por uma rivalidade bipolar continuada entre a China e o Japão, 
ou entre a China e os Estados Unidos, com outros países se alinhando com 
um lado ou o outro, ou optando pelo não-alinhamento. Possivelmente, 
ainda, a política da Ásia Oriental poderia reverter ao seu padrão unipolar 
tradicional, com uma hierarquia de poder centrada em Pequim. 

Se a China mantiver seus altos níveis de crescimento econômico ao 
entrar no século XXI, mantiver sua unidade na era pós-Deng e não for 
tolhida por lutas de sucessão, é provável que tente concretizar o último 
desses desfechos. Seu êxito dependerá das reações dos demais partici¬ 
pantes do jogo político do poder na Ásia Oriental. 

A história, a cultura, as tradições, as dimensões, o dinamismo 
econômico e a auto-imagem da China são, todos, fatores que a impul¬ 
sionam para assumir uma posição hegemônica na Ásia Oriental, Durante 
a década de 50, a China era a aliada comunista da União Soviética. Com 
a ruptura sino-soviética, ela tentou, na década de ó0, se estabelecer como 
líder do Terceiro Mundo, tanto contra os Estados Unidos como contra a 
União Soviética. Quando essa tentativa fracassou, a China buscou, nos anos 
70 e 80, com razoável grau de êxito, colocar-se numa posição de equilíbrio 
entre as duas superpotências, jogando uma contra a outra. O final da Guerra 
Fria acabou com essa possibilidade. Na sua última fase, a China fixou 
para si a meta de se tomar uma potência hegemônica na Ásia Oriental. 

Essa meta é a conseqüência natural de seu rápido desenvolvimento 
econômico. Cada uma das demais potências principais — Grã-Bretanha 
e França, Alemanha e Japão, Estados Unidos e União Soviética — 
engajou-se em expansão externa, afirmação e imperialismo, coinciden¬ 
temente durante os anos em que passou por industrialização e cresci¬ 
mento econômico acelerados, ou logo em seguida a tal período. Não há 
nenhuma razão para se pensar que a obtenção de poderio econômico e 
militar não terá efeitos análogos na China. Durante dois míl anos, a China 
foi a potência proeminente na Ásia Oriental. Atualmente, os chineses 
estão cada vez mais afirmando sua intenção de retomar esse papel 
histórico e pôr um fim ao demasiado longo século de humilhação e 
subordinação ao Ocidente e ao Japão, que começou com a imposição 
pela Grã-Bretanha do Tratado de Nanquim, em 1842. 

289 

No final dos anos 80, a China começou a converter seus crescentes 
recursos econômicos em poder militar e influência política. Se o seu 
desenvolvimento econômico continuar, esse processo de conversão 
assumirá grandes proporções. Segundo dados oficiais, durante a maior 
parte da década de 80, os gastos militares chineses diminuíram. Contudo, 
entre 1988 e 1993, os gastos militares dobraram em moeda corrente e 
aumentaram em 50 por cento em termos reais. Em 1995, planejava-se um 
aumento de 21 por cento. As estimativas dos gastos militares chineses 
para o ano de 1993 variam de aproximadamente 22 bilhões para 37 
bilhões de dólares, a taxas oficiais de câmbio, e até 90 bilhões em termos 
de paridade de poder de compra. No final dos anos 80, a China 
reformulou sua estratégia militar, mudando de defesa contra uma invasão 
numa guerra de grandes proporções com a União Soviética, para uma 
estratégia regional que enfatiza a projeção de poder. De acordo com essa 
mudança, ela começou a desenvolver sua capacidade naval, adquirindo 
modernos aviões de combate de longo raio de ação, desenvolvendo a 
capacidade de reabastecimento em vôo e resolvendo adquirir um porta- 
aviões. A China também ingressou num relacionamento mutuamente 
benéfico de compra de armamentos com a Rússia e passou com afinco 
a exportar armamentos, inclusive tecnologia e mísseis capazes de trans¬ 
portar ogivas nucleares, para o Paquistão, o Irã e outros países. 

A China está a caminho de se tornar a potência dominante na Ásia 
Oriental. O desenvolvimento econômico da Ásia Oriental está se toman¬ 
do cada vez mais orientado para a China, alimentado pelo rápido 
crescimento da parte continental e das outras três Chinas, além do papel 
fundamental desempenhado por elementos da etnia chinesa no desen¬ 
volvimento da economia da Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas. De 
modo mais ameaçador, a China está afirmando com vigor cada vez maior 
suas reivindicações no Mar do Sul da China: ampliando süa base nas 
Ilhas Paracel; disputando com os vietnamitas um punhado de ilhas em 
1988; estabelecendo uma presença militar no Recife do Engano, ao largo 
da costa das Filipinas; e reclamando para si as jazidas submarinas de gás 
junto da Ilha Natuna, que pertence à Indonésia. A China também 
abandonou o apoio discreto que dava à manutenção de uma presença 
militar norte-americana na Ásia Oriental, e começou a se opor de forma 
ativa a esse desdobramento. Analogamente, embora durante a Guerra 
Fria a China tivesse discretamente instado o Japão a reforçar seu poderio 
militar, nos anos pós-Guerra Fria ela tem manifestado crescente preo¬ 
cupação com o aumento do poder militar japonês. Atuando na maneira 

290 

clássica de um país hegemônico regional, a China está tratando de reduzir 
os obstáculos à consecução de sua superioridade militar regional. 

Com raras exceções — como, possivelmente, no Mar do Sul da 
China —, a hegemonia chinesa na Ásia Oriental provavelmente não 
envolverá uma expansão de controle territorial através do emprego direto 
da força armada. Entretanto, ela provavelmente significará que a China 
esperará que os demais países da Ásia Oriental, em diferentes graus de 
intensidade, implementem algumas, ou todas, das seguintes proposições: 

• apoiar a integridade territorial chinesa, o controle pela China do 
Tibete e de Xinjiang e a integração de Hong Kong e de Taiwan 
à China Continental; 

• assentir com a soberania chinesa sobre o Mar do Sul da China e, 
possivelmente, sobre a Mongólia; 

• apoiar, de modo geral, a China nos conflitos com o Ocidente em 
torno de questões econômicas, de direitos humanos, de prolife¬ 
ração de armamentos, entre outras; 

• aceitar o predomínio militar chinês na região e se abster de 
adquirir armas nucleares ou forças convencionais capazes de 
contestar esse predomínio; 

• adotar políticas de comércio internacional e de investimentos 
compatíveis com os interesses chineses e conducentes ao desen¬ 
volvimento econômico chinês; 

• acatar a liderança chinesa no tratamento de problemas regionais; 

• ser aberto, de modo geral, à imigração proveniente da China; 

• proibir ou reprimir movimentos contra a China e contra os 
chineses no âmbito das suas respectivas sociedades; 

• respeitar os direitos dos chineses dentro das suas sociedades, 
inclusive seu direito de manter relacionamentos estreitos com 
seus familiares e com suas províncias de origem na China; 

• abster-se de alianças militares ou coligações contra a China com 
outras potências; 

• promover o emprego do mandarim como suplemento e, final¬ 
mente, como substituto do inglês como a Língua de Comunicação 
Mais Ampla (LCMA) na Ásia Oriental. 

Os analistas comparam a ascensão da China à da Alemanha imperial 
como a potência dominante na Europa no final do século XIX. O 
surgimento de novas grandes potências é sempre altamente deses- 

9Q1 

tabilizador, e o da China, na condição de uma das principais potências, 
caso assim aconteça, será um fenômeno muito maior do que qualquer 
outro comparável da metade final do segundo milênio. Lee Kuan Yew 
comentou em 1994 que “a dimensão do deslocamento que a China 
produz no mundo é tal que será preciso encontrar-se um novo 
equilíbrio mundial dentro de 30 ou 40 anos. Não é possível se 
pretender que ela é apenas mais um grande ator. Ela é o maior ator 
da História da Humanidade”. 32 Se o desenvolvimento econômico 
chinês prosseguir por mais uma década, como parece possível, e se a 
China mantiver sua unidade durante o período da sucessão, como parece 
provável, os países da Ásia Oriental e do mundo terão de se defrontar 
com um desempenho cada vez mais afirmativo desse maior ator da 
História da Humanidade. 

De modo geral, os Estados podem reagir de uma de duas maneiras, 
ou numa combinação de ambas, ao surgimento de uma nova potência. 
Isoladamente ou em coligação com outros Estados, podem tentar garantir 
sua segurança através de um processo de contrabalançar a potência que 
surge, contê-la e, se necessário, ir à guerra para derrotá-la. Ou então os 
Estados podem tentar atrelar-se à potência que surge, se acomodar a ela 
e assumir uma posição secundária ou subordinada em relação à potência 
em ascensão, com a expectativa de que seus interesses básicos serão 
protegidos. Ou ainda, é concebível que os Estados tentem alguma mescla 
de contrabalançar e de se atrelar, embora isso acarrete o risco de, ao 
mesmo tempo, antagonizar a potência em ascensão e não ter proteção 
alguma contra ela. Segundo a teoria ocidental das relações internacionais, 
geralmente contrabalançar é uma opção mais desejável e, na realidade, 
tem sido adotada com mais freqüência do que a de se atrelar. Como 
argumentou Stephen Walt, 
de modo geral, as avaliações de intenção deveriam encorajar os Estados a 
contrabalançar. Atrelar-se é arriscado porque exige confiança — um Estado 
presta assistência a uma potência dominante na esperança de que ela se 
manterá benévola. É mais seguro contrabalançar, para o caso de a potência 
dominante se mostrar agressiva. Além disso, o alinhamento com o lado mais 
fraco aumenta a influência de um Estado no âmbito da coligação resultante, 
porque o lado mais fraco tem maior necessidade de assistência . 33 

A análise feita por Walt da formação de alianças no Sudoeste 
Asiático revelou que quase sempre os Estados tentaram contrabalançar 
diante de ameaças externas. Também se supôs, de modo geral, que o 
comportamento de contrabalanceamento era a norma durante a maior 
parte da história européia, com várias potências alterando suas alianças 
de modo a contrabalançar e conter as ameaças que viam configuradas 
em Felipe II, Luís XIV, Frederico, o Grande, Napoleão, o Kaiser e Hitler. 
Walt admite, entretanto, que os Estados podem optar por atrelar-se “sob 
algumas condições” e, como argumenta Randall Schweller, “há uma 
probabilidade de que Estados revisionistas se atrelem a uma potência em 
ascensão por estarem descontentes e terem a esperança de se beneficia¬ 
rem com as mudanças do status quo”. òA Além disso, como indica Walt, 
o atrelar-se de fato requer um certo grau de confiança nas intenções 
não-malévolas do Estado mais poderoso. 

Ao contrabalançar poder, os Estados podem desempenhar um 
papel primário ou secundário. O Estado A pode tentar contrabalançar 
poder contra o Estado B, que ele considera como um adversário real ou 
potencial, estabelecendo alianças com os Estados C e D, desenvolvendo 
seu próprio poder militar e de outra natureza (o que provavelmente levará 
a uma corrida armamentista), ou através de uma combinação dessas 
linhas de ação. Nessa situação, os Estados A e B são os contrabalancea- 
dores primários um do outro. Na outra hipótese, o Estado A pode não 
considerar nenhum outro Estado como um adversário imediato, mas 
pode ter interesse em promover um equilíbrio de poder entre os Estados 
B e C, pois se qualquer deles ficasse forte demais poderia se constituir 
numa ameaça para o Estado A. Nessa situação, o Estado A atua como 
um contrabalanceador secundário em relação aos Estados B e C, que 
podem ser contrabalanceadores primários um do outro. 

Como irão os países reagir à China se ela começar a surgir como 
potência hegemônica na Ásia Oriental? As reações, sem dúvida, variarão 
amplamente. Pelas razões indicadas aqui e porque a China definiu os 
Estados Unidos como o seu inimigo principal, a inclinação norte-ameri¬ 
cana predominante será a de agir como contrabalanceador primário e 
evitar a hegemonia chinesa. A adoção de tal papel estaria acorde com a 
preocupação tradicional norte-americana de evitar a dominação quer da 
Europa quer da Ásia por qualquer potência isolada. Esse objetivo já não 
é relevante na Europa, mas ainda poderia sê-lo na Ásia. Uma federação 
flexível na Europa Ocidental, intimamente ligada aos Estados Unidos 
cultural, política e economicamente, não constituirá ameaça para a 
segurança norte-americana. Uma China unificada, poderosa e assertiva 
poderia ser uma ameaça. Será do interesse norte-americano estar pronto 
para ir à guerra, se necessário, para impedir a hegemonia chinesa na Ásia 
Oriental? Se o desenvolvimento econômico chinês se mantiver no atual 

202 

0G2 

ritmo, isso poderia vir a ser a mais grave questão de segurança com que 
se depararão os responsáveis por traçar a política norte-americana no 
começo do século XXI. Se os Estados Unidos de fato quiserem impedir 
a dominação da Ásia Oriental pela China, precisarão redirecionar sua 
aliança com o Japão para essa finalidade, desenvolver estreitos laços 
militares com outras nações asiáticas e aumentar sua presença militar na 
Ásia, bem como o poder militar que possa empregar na região. Se os 
Estados Unidos não estiverem dispostos a lutar contra a hegemonia 
chinesa, terão que abrir mão de seu universalismo, aprender a viver com 
essa hegemonia e se conformar com uma redução acentuada de sua 
capacidade de moldar os acontecimentos no lado oposto do Pacífico. 
Qualquer dessas linhas de ação acarreta grandes custos e riscos. O maior 
perigo é o de que os Estados Unidos não façam uma opção clara e acabem 
se vendo em guerra com a China sem terem avaliado cuidadosamente 
se isso atende ao seu interesse nacional e sem estarem preparados para 
travar de modo eficaz uma guerra desse tipo. 

Teoricamente, os Estados Unidos poderiam tentar conter a China 
desempenhando um papel de contrabalanceamento secundário, se algu¬ 
ma outra potência importante atuasse como o contrabalanceador primᬠ
rio da China. A única possibilidade concebível é o Japão, e isso exigiria 
grandes mudanças na política japonesa: intensificação do rearmamento 
japonês, obtenção de armas nucleares e uma ativa competição com a 
China em busca de apoio das outras potências asiáticas. Embora o Japão 
pudesse estar disposto a participar de uma coligação encabeçada pelos 
Estados Unidos para se contrapor à China, ainda que isso também seja 
incerto, é improvável que ele se torne o contrabalanceador primário da 
China. Além disso, os Estados Unidos não mostraram grande interesse 
ou capacidade num papel de contrabalanceamento secundário. Quando 
ainda eram um país jovem e pequeno, tentaram fazer isso durante a era 
napoleônica e acabaram em guerra tanto com a Grã-Bretanha como com 
a França. Durante a primeira parte do século XX, os Estados Unidos 
fizeram apenas esforços mínimos para promover contrabalanceaméntos 
entre países europeus e asiáticos e, em conseqüência, se viram engajados 
em guerras mundiais para restabelecer equilíbrios que tinham sido 
desfeitos. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos não tiveram alterna¬ 
tiva senão serem o contrabalanceador primário da União Soviética. 
Portanto, como grande potência, os Estados Unidos nunca foram um 
contrabalanceador secundário. Para sê-lo é preciso desempenhar um 
papel sutil, flexível, ambíguo e até mesmo insincero. Isso podería implicar 

294 

mudar o apoio de um lado para outro, recusar-se a apoiar ou se opor a 
um Estado que, pelos valores norte-americanos, parecesse estar moral¬ 
mente certo e apoiar um Estado que estivesse moralmente errado. Mesmo 
que o Japão emergisse como o contrabalanceador primário da China na 
Ásia, fica em aberto a questão da capacidade dos Estados Unidos de 
apoiar esse contrabalanceamento. Os Estados Unidos são muito mais 
capazes de se mobilizar diretamente contra uma ameaça existente do que 
de contrabalançar uma contra a outra duas ameaças em potencial. Por 
último, é provável que exista entre as potências asiáticas uma propensão 
a se atrelar, o que inviabilizaria qualquer tentativa norte-americana de 
contrabalanceamento secundário. 

Na medida em que o atrelar-se depende de confiança, apresentam- 
se três proposições. Em primeiro lugar, há mais probabilidade de que o 
atrelar-se ocorra entre Estados que pertencem à mesma civilização ou 
compartilham de alguma outra maneira aspectos culturais comuns, do 
que entre Estados que carecem de tais aspectos em comum. Em segundo 
lugar, é provável que os níveis de confiança variem conforme o contexto. 
Um menino pequeno se atrelará ao irmão mais velho quando eles 
enfrentarem,outros meninos; é menos provável que ele confie no irmão 
mais velho quando estiverem sozinhos em casa. Por conseguinte, as 
interações mais freqüentes entre Estados de civilizações diferentes es¬ 
timularão ainda mais o atrelar-se no seio de cada civilização. Em terceiro 
lugar, a propensão para atrelar-se e para contrabalançar pode variar de uma 
civilização para outra, porque os níveis de confiança entre seus integrantes 
são diferentes. A predominância do contrabalanceamento no Oriente 
Médio, por exemplo, pode refletir os níveis proverbialmente baixos de 
confiança que existem na cultura árabe e nas outras culturas dessa região. 

Além dessas influências, a propensão para atrelar-se ou para 
contrabalançar será condicionada pelas expectativas e preferências no 
que se refere à distribuição do poder. As sociedades européias passaram 
por uma fase de absolutismo, porém evitaram os longos impérios 
burocráticos ou “despotismos orientais’' que caracterizaram a Ásia duran¬ 
te grande parte de sua história. O feudalismo proporcionou uma base 
para o pluralismo e para o pressuposto de que uma certa dispersão de 
poder era tanto natural como desejável. Assim, também no nível inter¬ 
nacional um equilíbrio de poder era considerado natural e desejável, e 
a responsabilidade dos estadistas era protegê-lo e sustentá-lo. Em con¬ 
seqüência, quando o equilíbrio ficava ameaçado, precisava-se de uma 
conduta de contrabalanceamento para restabelecê-lo. Em resumo, o 
modelo europeu de sociedade internacional refletia o modelo europeu 
de sociedade doméstica. 

Em contraste, os impérios burocráticos da Ásia não deixavam muito 
espaço para o pluralismo político e a divisão de poder. Dentro da China, 
o atrelar-se parece ter sido muito mais importante em comparação com 
o contrabalanceamento do que na Europa. Lucian Pye assinala que, 
durante a década de 20, “os chefes guerreiros procuraram, primeiro, ver 
o que poderiam ganhar se identificando com os fortes, e só depois 
exploraram as vantagens de se aliar com os fracos. (...) para os chefes 
guerreiros chineses, a autonomia não era o valor definitivo, como era 
nos cálculos tradicionais europeus de equilíbrio de poder. Ao contrário, 
eles baseavam suas decisões na associação com o poder”. Em sentido 
semelhante, Avery Goldstein argumenta que o atrelar-se caracterizou a 
política na China comunista enquanto a estrutura de autoridade era 
relativamente clara, de 1949 a 1966. Quando a Revolução Cultural criou 
as condições de quase anarquia e incerteza a respeito da autoridade e 
ameaçou a sobrevivência dos atores políticos, começou a prevalecer o 
comportamento de contrabalanceamento. 35 Pode-se supor que o res¬ 
tabelecimento de uma estrutura de autoridade definida com maior clareza 
depois de 1978 também restabeleceu o atrelar-se como o padrão domi¬ 
nante de comportamento político. 

Historicamente, os chineses jamais fizeram uma distinção nítida 
entre os assuntos internos e externos. Sua “imagem da ordem mundial 
não passava de um corolário da ordem interna chinesa e, assim, era uma 
projeção ampliada da identidade civilizacional chinesa”, que “se pres¬ 
supunha que se repetia em círculos concêntricos cada vez maiores, como 
a correta ordem cósmica”. Ou, como expressou Roderick MacFarquhar, “a 
visão chinesa tradicional do mundo era ym reflexo da visão confuciana de 
uma sociedade hierárquica cuidadosamente articulada. Pressupunha-se que 
os monarcas e Estados estrangeiros eram tributários do Reino do Meio: ‘Não 
há dois sóis no céu; não pode haver dois imperadores na Terra’”. Como 
conseqüência, os chineses não mostraram apreço por “concepções de 
segurança multipolares nem mesmo multilaterais”. De modo geral, os 
asiáticos estão dispostos a “aceitar a hierarquia” nas relações internacio¬ 
nais, e as guerras hegemônicas do tipo europeu não aparecem na história 
da Ásia Oriental. Um sistema de equilíbrio de poder em funcionamento, 
que historicamente era típico na Europa, foi estranho à Ásia. Até a 
chegada dos europeus em meados do século XIX, as relações interna¬ 
cionais na Ásia Oriental eram sinocêntricas, com as demais sociedades 

7Q6 

dispostas em diferentes graus de subordinação, cooperação ou autonomia 
com relação a Pequim. 36 O ideal confuciano da ordem mundial, evidente¬ 
mente, nunca se concretizou na prática. Não obstante, o modelo asiático 
de relações internacionais baseadas numa hierarquia de poder contrasta 
de forma espetacular com o modelo europeu de equilíbrio de poder. 

Em conseqüência dessa imagem da ordem mundial, a propensão 
chinesa para atrelar-se no campo da política interna também ocorre nas 
relações internacionais. O grau em que isso molda a política externa de 
cada Estado tende a variar de acordo com o grau com que compartilham 
da cultura confuciana e do seu relacionamento histórico com a China. A 
Coréia tem muito em comum no campo cultural com a China, e 
historicamente se inclinou para a China, motivada em boa medida por 
seu antagonismo e medo em relação ao Japão. Para Singapura, a China 
comunista era um inimigo durante a Guerra Fria. Nos anos 80, porém, 
Singapura começou a mudar sua posição e, ao se chegar a meados da 
década de 90, tinha se tomado um dos grandes investidores na China. 
Seus dirigentes sustentavam de forma incisiva a necessidade de que os 
Estados Unidos e outros países se adaptassem às realidades do poderio 
chinês. A Malásia, com sua grande população chinesa e a tendência 
antiocidental de seus dirigentes, também se inclina fortemente na direção 
da China. A Tailândia manteve sua independência nos séculos X3X e XX 
acomodando-se ao imperialismo europeu e ao japonês, e tem demons¬ 
trado a firme intenção de fazer o mesmo em relação à China, numa 
tendência que é reforçada pela ameaça de segurança em potencial que 
ela vê no Vietnã. 

A Indonésia e o Vietnã são os dois países do Sudeste Asiático mais 
inclinados a contrabalançar e conter a China. A Indonésia é grande, 
muçulmana e está distante da China, mas, sem o auxílio de outros países, 
não pode impedir que a China afirme o seu controle sobre o Mar do Sul da 
China. No outono de 1995, a Indonésia e a Austrália estabeleceram um 
acordo de segurança pelo qual se comprometeram a consultas mútuas na 
eventualidade de “confrontações adversas” à sua segurança. Embora ambas 
as partes negassem que se tratava de um acordo contra a China, na realidade 
identificaram-na como a fonte mais provável de confrontações adversas. 37 
O Vietnã possui uma cultura predominantemente confuciana, porém teve 
historicamente um relacionamento antagônico com a China e, em 1979, 
travou com ela uma curta guerra. Tanto o Vietnã como a China 
reivindicam a soberania sobre as Ilhas Spratly, e suas marinhas de guerra 
travaram escaramuças esporádicas nas décadas de 70 e 80. 

7Q7 

Nos anos 90, a capacidade militar do Vietnã estava em declínio em 
relação à da China. Consequentemente, mais do que qualquer outro país 
da Ásia Oriental, o Vietnã tinha motivos para buscar parceiros a fim de 
contrabalançar a China. Sua admissão na ASEAN e a normalização de 
suas relações com os Estados Unidos em 1995 representaram dois passos 
nessa direção. Entretanto, as dissensões no seio da ASEAN e a relutância 
dessa associação em confrontar a China tomam improvável que a ASEAN 
possa vir a ser uma aliança contra a China ou que dê muito apoio ao 
Vietnã numa confrontação com ela. Os Estados Unidos teriam mais 
disposição para conter a China, porém, em meados dos anos 90, não 
estava claro até que ponto iriam para contestar a afirmação do controle 
chinês sobre o Mar do Sul da China. No final, para o Vietnã “a alternativa 
menos ruim” poderia ser a de se acomodar com a China e aceitar sua 
finlandização, a qual, embora “ferisse o orgulho vietnamita (...) podería 
assegurar sua sobrevivência”. 38 

Nos anos 90, praticamente todas as nações da Ásia Oriental, afora 
China e Coréia do Norte, expressavam seu apoio à manutenção de uma 
presença militar norte-americana na região. Entretanto, na prática, a não 
ser o Vietnã, todas elas tendiam a se acomodar com a China. As Filipinas 
puseram termo às bases aérea e naval norte-americanas em seu território. 
Em Okinawa, aumentou a oposição à enorme quantidade de efetivos 
militares norte-americanos baseados na ilha. Em 1994, a Tailândia, a 
Malásia e a Indonésia rejeitaram os pedidos norte-americanos para 
ancorar em suas águas seus navios de suprimento, como uma espécie 
de base flutuante para facilitar uma intervenção militar pelos Estados 
Unidos, quer no Sudeste quer no Sudoeste Asiático. Numa outra demons¬ 
tração de deferência, na sua primeira reunião o Foro Regional da ASEAN 
concordou com a solicitação chinesa de que as questões envolvendo 
as Ilhas Spratly fossem mantidas fora da agenda. Além disso, a 
ocupação pela China do Recife do Engano, ao largo da costa das 
Filipinas, em 1995, não suscitou protestos de nenhum outro país da 
ASEAN. Em 1995-96, quando a China ameaçou verbal e militarmente 
Taiwan, os governos asiáticos mais um vez responderam com um silêncio 
ensurdecedor. Michael Oksemberg sintetizou muito bem a propensão 
desses países para se atrelarem: “Os dirigentes asiáticos de fato se 
preocupam com que a balança de poder possa se inclinar a favor da 
China, porém, numa angustiada antecipação do futuro, não querem 
confrontar Pequim agora” e “não se juntarão aos Estados Unidos numa 
cruzada anti-China.” 39 

298 

A ascensão da China criará um grande desafio para o Japão, e os 
japoneses estão profundamente divididos quanto a que estratégia seu 
país deveria adotar. Será que ele déveria tentar se acomodar com a China, 
talvez com certa contrapartida, reconhecendo seu predomínio político- 
militar em troca do reconhecimento da primazia do Japão em assuntos 
econômicos? Será que ele deveria dar um novo significado à aliança 
nipo-norte-americana como o núcleo de uma coligação para contraba¬ 
lançar e conter a China? Será que ele deveria tentar desenvolver seu 
próprio poderio militar a fim de defender seus interesses contra quaisquer 
incursões chinesas? Provavelmente, o Japão evitará o máximo que puder 
dar uma resposta clara a qualquer dessas perguntas. 

O núcleo de qualquer esforço significativo para contrabalançar 
e conter a China teria que ser a aliança militar nipo-norte-americana. 
É concebível que o Japão possa, lentamente, assentir no redireciona- 
mento da aliança para essa finalidade. Se o Japão fará isso ou não, 
dependerá de o Japão confiar: (1) na capacidade geral dos Estados 
Unidos de se manterem como a única superpotência do mundo e de 
manterem sua liderança ativa nos assuntos mundiais; (2) no empenho 
dos Estados Unidos de manterem sua presença na Ásia e de comba¬ 
terem de forma -ativa os esforços da China por expandir sua influência; 
e (3) a capacidade dos Estados Unidos e do Japão de conterem a China 
sem altos custos em termos de recursos ou altos riscos em termos de 
guerra. 

Na ausência de uma grande e improvável demonstração de deter¬ 
minação e empenho dos Estados Unidos, é provável que o Japão trate 
de se acomodar com a China. Com exceção dos anos 30 e 40, quando 
adotou uma política unilateral de conquista na Ásia Oriental, com 
conseqüências desastrosas, historicamente o Japão buscou sua segurança 
através de alianças com o que ele percebia como sendo a potência 
dominante relevante. Mesmo na década de 30, ao se juntar ao Eixo, ele 
estava se alinhando com o que parecia então ser a força militar-ideológica 
mais dinâmica na política mundial. Mais no começo do século, o Japão 
havia, de modo muito consciente, estabelecido uma aliança nipo-britâ- 
nica porque a Grã-Bretanha era a potência líder em assuntos mundiais. 
Nos anos 50, o Japão analogamente se associou com os Estados Unidos 
como o país mais poderoso do mundo e que podia garantir a segurança 
do Japão. Tal como os chineses, os japoneses vêem a política internacio¬ 
nal em termos hierárquicos, porque assim é sua política interna. Como 
assinalou um estudioso japonês: 

Quando os japoneses pensam na sua nação dentro da sociedade 
internacional, muitas vezes os modelos internos japoneses oferecem 
analogias. Os japoneses tendem a ver uma ordem internacional expres¬ 
sando extemamente os padrões culturais que se manifestam intemamen- 
te no âmbito da sociedade japonesa, que se caracteriza pela relevância 
de estruturas organizadas verticalmente. Tal imagem da ordem interna¬ 
cional foi influenciada pela longa experiência do Japào com o relacio¬ 
namento sino-japonês pré-moderno (um sistema tributário). 

Conseqüentemente, o comportamento japonês quanto a alianças tem 
sido “basicamente o de se atrelar, não o de contrabalançar”, e “de 
alinhamento com a potência dominante”. 40 Um ocidental que vive hã 
muito tempo no Japão confirmou que os japoneses “mais depressa do 
que outros povos se curvam à force majeure e cooperam com os que 
eles percebem como lhes sendo moralmente superiores. (...) e mais 
depressa detestam abusos de uma potência hegemônica moralmente 
frouxa e em retirada”. À medida que o papel dos Estados Unidos na Ásia 
declina e o da China é cada vez mais predominante, a política japonesa 
se adaptará de acordo com essa evolução. Na realidade, ela já começou 
a se desenvolver nesse sentido. Kishore Mahbubani assinalou que a 
questão-chave no relacionamento sino-japonês é: “Quem é o número 
um? . E a resposta está ficando clara. “Não vai haver nenhuma declaração 
e nenhum acordo explícitos, mas foi significativo que o imperador do 
Japão tenha resolvido visitar a China em 1992, numa época em que 
Pequim ainda estava relativamente isolada no âmbito internacional.” 4 ^ 
Do ponto de vista ideal, os dirigentes e o povo japoneses sem 
dúvida prefeririam os padrões das várias décadas recentes e continuar sob 
o braço protetor dos Estados Unidos, que manteriam uma posição predo¬ 
minante. Entretanto, à medida que diminui o envolvimento norte-americano 
na Asia, as forças que no Japão insistem para que o país se “reasiatize” 
ganharão vigor e os japoneses acabarão aceitando como inevitável o 
renovado predomínio da China no cenário da Ásia Oriental. Assim, por 
exemplo, ante a indagação, em 1994, sobre que nação iria exercer maior 
influência na Ásia no século XXI, 44 por cento da opinião pública 
japonesa responderam China, 30 por cento responderam Estados Unidos 
e apenas 16 por cento disseram Japão 42 Como previu em 1995 um alto 
funcionário japonês, o Japão terá a “disciplina” de se adaptar à ascensão 
da China. Ele então perguntou se os Estados Unidos a teriam. Sua proposição 
inicial é plausível; a resposta à pergunta que se seguiu é incerta. 

A hegemonia chinesa reduzirá a instabilidade e os conflitos na Ásia 
Oriental. Ela também reduzirá a influência norte-americana e ocidental 
na região e obrigará os Estados Unidos a aceitarem o que eles, 
historicamente, tentaram impedir: a dominação de uma região-chave 
do mundo por outra potência. Contudo, o grau em que essa hegemo¬ 
nia ameaçará os interesses de outros países asiáticos ou dos Estados 
Unidos dependerá, em parte, do que acontecer na China. O cresci¬ 
mento econômico gera poder militar e influência política, mas também 
pode estimular um desenvolvimento político e um movimento na 
direção de uma forma de política mais aberta, pluralista e, pos¬ 
sivelmente, democrática. Pode-se admitir que isso já funcionou na 
Coréia do Sul e em Taiwan. Entretanto, nesses países, os líderes mais 
atuantes na promoção da democracia eram cristãos. 

O legado confuciano da China, com a ênfase que atribui autoridade, 
ordem, hierarquia e supremacia da coletividade sobre o indivíduo, cria 
obstáculos à democratização. No entanto, o crescimento econômico está 
criando no sul da China níveis cada vez mais elevados de riqueza, uma 
burguesia dinâmica, o acúmulo de poder econômico fora do controle 
governamental e uma classe média em rápida expansão. Além disso, o 
povo chinês está profundamente envolvido com o mundo exterior em 
termos de comércio, investimentos e instrução. Tudo isso cria uma base 
social para um movimento na direção do pluralismo político. 

Geralmente, o pré-requisito para a abertura política é a chegada ao 
poder de elementos reformistas dentro do sistema autoritário. Será que 
isso acontecerá na China? Provavelmente não na primeira sucessão 
depois de Deng, mas possivelmente na segunda. O novo século poderia 
ver a criação, no sul da China, de grupos com programas políticos, os 
quais, na realidade, se não no nome, seriam partidos políticos embrio¬ 
nários, e que têm probabilidade de ter laços estreitos com os chineses 
em Taiwan, Hong Kong e Singapura, e ser por eles apoiados. Se surgirem 
tais movimentos no sul da China e se uma facção reformista tomar o 
poder em Pequim, poderia ocorrer alguma forma de transição política. 
O resultado não seria uma democracia ocidental, mas possivelmente um 
sistema político pluralista e mais aberto, com o qual os Estados Unidos, 
o Japão e outros países poderiam coexistir com maior facilidade do que 
seria possível com uma ditadura opressora. 

Talvez, como aventou Friedberg, o passado da Europa seja o futuro da 
Ásia. O mais provável, porém, é que o passado da Ásia seja o futuro 
da Ásia. A opção para a Ásia está entre o poder contrabalançado ao custo 
de conflitos ou a paz obtida ao preço da hegemonia. A era que começou 
com as intrusões ocidentais nas décadas de 1840 e 1850 está terminando, 
a China está retomando seu lugar como potência hegemônica regional 
e o Leste está assumindo a posição que lhe cabe. 

Civilizações e Estados-núcleos: Alinhamentos que Surgem 

O mundo pós-Guerra Fria, multipolar e multicivilizacional, carece de uma 
divisória predominante como existia na Guerra Fria. Entretanto, enquanto 
prosseguirem os ímpetos demográfico muçulmano e econômico asiático, 
os conflitos entre o Ocidente e as civilizações desafiantes serão mais 
fundamentais para a política mundial do que outras linhas divisórias. É 
provável que os governos dos países muçulmanos continuem a ficar 
menos amistosos com o Ocidente e que ocorram atos violentos intermi¬ 
tentes, de baixa intensidade e talvez, algumas vezes, de alta intensidade, 
entre grupos islâmicos e sociedades ocidentais. As relações entre os 
Estados Unidos, de um lado, e a China, o Japão e outros países asiáticos, 
do outro, terão uma feição altamente conflituosa, e poderá eclodir uma 
grande guerra se os Estados Unidos contestarem a ascensão da China 
como a potência hegemônica na Ásia. 

Nessas condições, a conexão confuciano-islâmica será mantida e 
talvez se amplie e se aprofunde. Tem sido fundamental para essa conexão 
a cooperação entre as sociedades muçulmana e sínica na oposição ao 
Ocidente a respeito de proliferação de armamentos, direitos humanos e 
outras questões. No centro dessa conexão, situam-se as íntimas relações 
entre Paquistão, Irã e China. Elas se cristalizaram no início dos anos 90 
com a visita do presidente Yang Shangkun ao Irã e ao Paquistão em 
outubro de 1991 e do presidente Rafsanjani ao Paquistão e à China em 
setembro de 1992, que “apontaram para o surgimento de uma aliança 
embrionária entre Paquistão, Irã e China”. A caminho da China, Rafsanjani 
declarou em Islamabad que havia “uma aliança estratégica” entre o Irã 
e o Paquistão e que um ataque contra o Paquistão seria considerado 
um ataque contra o Irã. Reforçando esse quadro, Benazir Bhutto 
visitou o Irã e a China logo depois de se tornar primeiro-ministro em 
outubro de 1993- A cooperação entre os três países incluiu diálogos 
regulares entre autoridades políticas, militares e burocráticas, bem 
como esforços conjuntos numa variedade de campos civis e militares, 
abrangendo produção de material bélico, além de transferências de 
armamentos pela China para os outros dois países. O desenvolvimento 
dessas relações foi apoiado com vigor por aqueles no Paquistão que 
pertencem às escolas de pensamento “independente” e “muçulmano” 
no âmbito da política externa, que visavam a um eixo Teerã-Islamabad- 
Pequim”, enquanto que, emTeerã, sustentava-se que “a natureza diversa 
do mundo contemporâneo” exigia “uma cooperação íntima e consis¬ 
tente” entre Irã, China, Paquistão e Casaquistão. Em meados da década 
de 90, tinha se estabelecido algo parecido com uma aliança de facto 
entre os três países, alicerçada na oposição ao Ocidente, nas preocu¬ 
pações de segurança quanto à índia e no desejo de se contrapor à 
influência da Turquia e da Rússia na Ásia Central. 43 

Será que existe a possibilidade de que esses três países se tomem 
o núcleo de um agrupamento mais amplo, envolvendo outros países 
muçulmanos e asiáticos? Graham Fuller argumenta que se poderia 
materializar uma aliança confuciano-fundamentalista islâmica, não por¬ 
que Maomé e Confúcio sejam contra o Ocidente, mas porque essas 
culturas oferecem um veículo para a expressão de queixas pelas quais o 
Ocidente é em parte responsabilizado — um Ocidente cuja dominação 
política, militar, econômica e cultural é cada vez mais ressentida num 
mundo em que os países sentem que ‘não têm mais que aturar isso de 
ninguém’”. O chamamento mais apaixonado por uma cooperação desse 
tipo veio de Mu’ammar Khadafi, que declarou em março de 1994: 

A nova ordem mundial significa que os judeus e os cristãos contro¬ 
larão os muçulmanos se puderem, que eles, depois disso, irão dominar 
o Confucionismo e outras religiões na índia, na China e no Japão. (...) 

Atualmente, o que os cristãos e os judeus estão dizendo é: “Nós 
estávamos decididos a esmagar o comunismo, e o Ocidente agora tem 
que esmagar o Islamismo e o Confucionismo.” 

Nós esperamos agora ver uma confrontação entre a China, que 
encabeça o campo confucionista, e os Estados Unidos, que encabeçam 
o campo dos cruzados cristãos. Não temos nenhuma justificativa para 
não termos preconceito contra os cruzados. Estamos do lado do 
Confucionismo e, ao nos aliarmos com ele e lutarmos ao seu lado numa 
única frente internacional, eliminaremos nosso adversário mútuo. 

De modo que nós, como muçulmanos, apoiaremos a China na sua 
luta contra nosso inimigo mútuo. (...) 

Fazemos votos pela vitória da China. (...) 44 

Entretanto, o entusiasmo por uma estreita aliança antiocidental dos 
países confucianos e islâmicos tem sido um tanto silencioso por parte da 
China, tendo o presidente Jiang Zemin declarado em 1993 que a China 
não estabeleceria uma aliança com qualquer outro país. É de supor-se 
que essa posição refletia a visão clássica chinesa de que o Reino do Meio, 
a potência central, a China, não precisava de aliados formais, e que os 
outros países veriam que era do seu interesse cooperar com a China. Por 
outro lado, os conflitos da China com o Ocidente significam que ela dará 
valor a parcerias com outros países antiocidentais, dos quais o maior 
número e os mais influentes provêm do Islã. Além disso, as necessidades 
crescentes da China em petróleo provavelmente a impelirão a expandir 
suas relações com Irã, Iraque e Arábia Saudita, bem como com o 
Casaquistão e o Azerbaijão. Um perito em assuntos de energia assinalou 
em 1994 que um eixo armamentos-por-petróleo desse tipo “não precisará 
mais acatar as ordens emanadas de Londres, Paris ou Washington”. 45 

As relações de outras civilizações e seus Estados-núcleos com o 
Ocidente, bem como os seus desafiantes, passarão por grandes variações. 
As civilizações meridionais — a latino-americana e a africana — carecem 
de Estados-núcleos, têm sido dependentes do Ocidente e são relativa¬ 
mente fracas militar e economicamente (embora isso esteja mudando 
rapidamente no caso da América Latina). Nas suas relações com o 
Ocidente, provavelmente elas se moverão em direções opostas. A 
América Latina está culturalmente mais próxima do Ocidente. Durante 
os anos 80 e 90, seus sistemas político e econômico passaram a se parecer 
cada vez mais com os ocidentais. Os dois países latino-americanos que 
em certo período buscaram obter armas nucleares abandonaram essas 
tentativas. Apresentando níveis mais baixos de esforço militar em geral 
do que qualquer outra civilização, os latino-americanos podem não 
gostar da dominação militar dos Estados Unidos, mas não demonstram 
nenhuma intenção de contestá-la. A rápida ascensão do Protestantismo 
em muitas sociedades latino-americanas está, ao mesmo tempo, toman¬ 
do-as mais parecidas com as sociedades com um misto de católicos e 
protestantes do Ocidente e expandindo os laços religiosos entre a 
América Latina e o Ocidente, além daqueles que passam por Roma. Em 
compensação, o fluxo de ingresso nos Estados Unidos de mexicanos, 
centro-americanos e caribenhos, e o decorrente impacto hispânico sobre 
a sociedade norte-americana, também promove uma convergência cul¬ 
tural. As principais questões conflituosas entre a América Latina e o 
Ocidente, este último significando na prática os Estados Unidos, são 
imigração, drogas e terrorismo relacionado com drogas, e integração 
econômica (isto é, admissão de países latino-americanos no NAFTA 
versus expansão de agrupamentos latino-americanos, como o Mercosul 
e o Pactò Andino). Como indicam os problemas que surgiram com 
respeito à participação do México no NAFTA, o casamento das civilizações 
latino-americana e ocidental não será fácil, devendo provavelmente ir 
tomando forma por boa parte do século XXI e podendo jamais se 
consumar. No entanto, as diferenças entre o Ocidente e a América Latina 
continuam sendo pequenas se comparadas com as que existem entre o 
Ocidente e outras civilizações. 

As relações do Ocidente com a África deveriam envolver níveis de 
conflito apenas ligeiramente mais altos, basicamente por causa da 
fraqueza da África. Contudo, há algumas questões importantes. A África 
do Sul não abandonou, como o fizeram Brasil e Argentina, um programa 
para desenvolver armas nucleares, apenas destruiu as armas nucleares 
que já havia produzido. Essas armas foram fabricadas para impedir 
ataques do exterior contra o apartheid por um governo branco, governo 
esse que não queria legá-las a um governo negro, o qual poderia 
empregá-las para outras finalidades. Entretanto, não se pode destruir a 
capacidade de fabricar armas nucleares e é possível que um governo 
pôs-apartheid venha a produzir um novo arsenal nuclear para garantir 
seu papel como Estado-núcleo da África e impedir o Ocidente de intervir 
na África. Direitos humanos, imigração, questões econômicas e ter¬ 
rorismo também estão na contenda entre a África e o Ocidente. Apesar 
dos esforços da França para manter íntimos laços com suas ex-colônias, 
parece que um processo de desocidentalização a longo prazo está em 
andamento na África, os interesses e as influências das potências 
ocidentais estão diminuindo, a cultura autóctone está-se reafirmando e, 
na África do Sul, com o passar tempo, os componentes africâneres e 
ingleses da cultura estão-se subordinando aos componentes africanos. 
Enquanto a América Latina está ficando mais ocidental, a África está 
ficando menos. Não obstante, ambas permanecem, de modos diferentes, 
dependentes do Ocidente e incapazes, salvo nas votações nas Nações 
Unidas, de afetar de forma decisiva o equilíbrio entre o Ocidente e os 
que o desafiam. 

Sem dúvida não é isso que acontece com as três civilizações 
“oscilantes”. Seus Estados-núcleos são atores importantes nos assuntos 
mundiais e geralmente têm um relacionamento misto, ambivalente e 
variável com o Ocidente e os desafiantes. Eles também têm um relacio¬ 
namento variável entre si. Como expusemos, é provável que o Japão, 
com o passar do tempo e depois de grande ansiedade e auto-análises, 
se afaste dos Estados Unidos na direção da China. Tal como outras 
alianças transcivilizacionais da Guerra Fria, os vínculos de segurança do 
Japão com os Estados Unidos se enfraquecerão, embora seja provável 
que nunca sejam formalmente abolidos. Seu relacionamento com a Rússia 
continuará difícil enquanto esta se recusar a chegar a um entendimento 
sobre as Ilhas Kurilas, por ela ocupadas em 1945- O momento, no final 
da Guerra Fria, em que essa questão poderia ter sido resolvida, passou 
logo, com o aumento do nacionalismo russo, e não há nenhuma razão 
para que os Estados Unidos apoiem a reivindicação japonesa no futuro, 
como o fizeram no passado. 

Nas últimas décadas da Guerra Fria, a China jogou de forma eficaz 
a “carta chinesa” contra a União Soviética e os Estados Unidos. No mundo 
pós-Guerra Fria, a Rússia dispõe de uma “carta russa” para jogar. A Rússia 
e a China unidas iriam fazer pesar de forma decisiva a balança euro-asiá- 
tica contra o Ocidente e despertar todas as preocupações que existiam 
na década de 50 a respeito do relacionamento sino-soviético. Uma Rússia 
trabalhando intimamente com o Ocidente proporcionaria uma contrape¬ 
so adicional à conexão confuciano-islâmica no contexto de questões 
mundiais e reacenderia na China seus receios da Guerra Fria quanto a 
uma invasão vinda do Norte. Entretanto, a Rússia também tem problemas 
com ambas essas civilizações vizinhas. Com relação ao Ocidente, eles 
tendem a ser de mais curto prazo — conseqüência do fim da Guerra Fria 
e da necessidade de uma redefinição da balança de poder entre a Rússia 
e o Ocidente e de um acordo entre ambos sobre sua igualdade básica e 
suas respectivas esferas de influência. Na prática isso significaria: 

1. a aceitação pela Rússia da expansão da União Européia e da 
OTAN, a fim de incluir os países cristãos ocidentais da Europa 
Central e Oriental, e um compromisso ocidental de não expandir a 
OTAN mais além, a menos que a Ucrânia se parta em dois países; 

2. um tratado de parceria entre a Rússia e a OTAN, se comprometen¬ 
do à não-agressão, consultas regulares sobre questões de segurança, 
esforços conjuntos para evitar uma corrida armamentista e a nego¬ 
ciação de acordos de controle de armamentos adequados às suas 
necessidades de segurança pós-Guerra Fria; 

3- o reconhecimento ocidental da Rússia como precipuamente 
responsável pela manutenção da segurança entre os países ortodo¬ 
xos e nas áreas em que predomine a Ortodoxia; 

4. reconhecimento ocidental dos problemas de segurança, atuais e 
em potencial, com que a Rússia se depara diante dos povos 
muçulmanos ao Sul e disposição para rever o Tratado sobre Forças 
Convencionais na Europa, além de uma postura favorável em 
relação às medidas que a Rússia poderia ter que tomar a fim de 
lidar com essas ameaças; 

5- acordo mútuo entre a Rússia e o Ocidente a fim de cooperar, em 
condições de igualdade, no tratamento de certas questões, como a 
Bósnia, que envolvam interesses tanto ocidentais como ortodoxos. 

Caso surja um acordo ão longo dessas linhas ou de outras análogas, 
não é provável que a Rússia ou o Ocidente representem uma ameaça à 
segurança um do outro. A Europa e a Rússia são sociedades demografi- 
camente maduras, com baixas taxas de nascimentos e populações em 
processo de envelhecimento. Esse tipo de sociedade não tem o vigor 
jovem para ser expansionista ou de orientação ofensiva. 

No período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria, as 
relações russo-chinesas ficaram muito mais cooperativas. As controvér¬ 
sias de fronteiras foram resolvidas, as forças armadas de ambos os lados 
da fronteira foram reduzidas; o comércio bilateral se expandiu; cada uma 
parou de programar seus mísseis nucleares para atingir alvos na outra; 
os respectivos ministros do Exterior conversaram sobre seus interesses 
comuns no combate ao Itflamismo fundamentalista. Mais importante 
ainda foi que a Rússia encontrou na China um cliente ansioso e de grande 
porte para seu equipamento e tecnologia militares, inclusive tanques, 
aviões de caça, bombardeiros de longo alcance e mísseis terra-ar.46 Do 
ponto de vista da Rússia, esse aquecimento das relações representou uma 
decisão consciente de trabalhar com a China como seu “parceiro” asiático, 
dada a frieza estagnada de suas relações com o Japão, bem como uma 
reação aos seus conflitos com o Ocidente a propósito da expansão da 
OTAN, da reforma econômica, do controle de armamentos, da assistência 
econômica e da admissão ã instituições internacionais do Ocidente. De 
seu lado, a China pode assim demonstrar ao Ocidente que não estava 
isolada no mundo e que poderia obter a capacidade militar necessária 
para implementar sua estr&tégia regional de projeção de poder. Para 
ambos os países, uma conexão russo-chinesa é, tal como a conexão 
confuciano-islâmica, um meio de contrabalançar o poderio e o univer¬ 
salismo ocidentais. 

A sobrevivência a longo prazo dessa conexão depende sobretudo, 
primeiro, do grau em que as relações da Rússia com o Ocidente se 
estabilizem numa base mutuamente satisfatória e, segundo, do grau em 
que a ascensão da China à hegemonia na Ásia Oriental ameace os 
interesses russos dos pontos de vista econômico, demográfico e militar. 

O dinamismo econômico da China alastrou-se para a Sibéria e homens 
de negócios chineses, junto com sul-coreanos e japoneses, estão ex¬ 
plorando e aproveitando as oportunidades aí existentes. Os russos na 
Sibéria cada vez mais visualizam seu futuro econômico como mais ligado 
à Ásia Oriental do que à Rússia européia. Mais ameaçadora para a Rússia 
é a imigração chinesa na Sibéria, com migrantes ilegais chineses somando 
em 1995, ao que consta, de três a cinco milhões, em comparação com 
uma população russa na Sibéria oriental totalizando sete milhões. O 
ministro da Defesa russo, Pavel Grachev, advertiu que “os chineses estão 
em processo de efetuar uma conquista pacífica do Extremo Oriente 
russo”. A mais alta autoridade russa na área de imigração fez eco de suas 
palavras, dizendo que “precisamos resistir ao expansionismo chinês”. 47 
Além disso, o fato de a China estar desenvolvendo as relações econômi¬ 
cas com as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central pode exacerbar seu 
relacionamento com a Rússia. A expansão chinesa poderia também 
assumir uma feição militar se a China decidisse que deveria tentar retomar 
a Mongólia, que os russos desmembraram da China depois da I Guerra 
Mundial e que, durante décadas, foi um satélite soviético. Em algum 
momento, as “hordas amarelas” que atormentaram a imaginação russa 
desde as invasões mongóis podem voltar a ser uma realidade. 

As relações da Rússia com o Islã são moldadas pela herança histórica 
de séculos de expansão, por meio de guerras contra os turcos, os povos 
do Cáucaso Setentrional e os emirados centro-asiáticos. Atualmente, a 
Rússia colabora com seus aliados ortodoxos, Sérvia e Grécia, para se 
contrapor à influência turca nos Bálcãs, e com seu aliado ortodoxo, a 
Armênia, para restringir essa influência no Transcáucaso. A Rússia tentou 
com muito empenho manter sua influência política, econômica e militar 
nas repúblicas da Ásia Central, atraiu-as para a Comunidade dos Estados 
Independentes e mantém tropas baseadas em todas elas. No centro das 
preocupações russas estão as reservas de petróleo e de gás no Mar Cáspio 
e as rotas pelas quais esses recursos chegarão ao Ocidente e à Ásia 
Oriental. A Rússia está engajada numa guerra no Cáucaso Setentrional, 
contra o povo muçulmano da Chechênia, e numa outra guerra no 
Tadjiquistão, apoiando o governo contra uma insurreição que inclui 
fundamentalistas islâmicos. Essas preocupações de segurança constituem 
incentivo adicional para a cooperação com a China, a fim de conter “a 
ameaça islâmica” na Ásia Central, e são também parte dos motivos 
principais para a reaproximação da Rússia com o Irã. A Rússia vendeu 
ao Irã submarinos, aviões de caça sofisticados, caça-bombardeiros, 
mísseis terra-ar e equipamento para reconhecimento e guerra eletrônica. 
Além disso, a Rússia concordou em construir reatores nucleares de água 
leve no Irã e em fomecer-lhe equipamento para enriquecimento de urânio. 
Em troca, a Rússia espera, de modo muito explícito, que o Irã contenha a 
disseminação do fundamentalismo na Ásia Central e, de modo implícito, 
que coopere para deter a expansão da influência turca nessa região e no 
Cáucaso. Nas próximas décadas, as relações da Rússia com o Islã serão 
certamente moldadas por suas percepções das ameaças criadas pela 
explosão populacional muçulmana ao longo de sua periferia meridional. 

Durante a Guerra Fria, a índia, o terceiro dos Estados-núcleos 
“oscilantes”, era aliada da União Soviética e travou uma guerra contra a 
China e várias contra o Paquistão. Suas relações com o Ocidente, 
especialmente com os Estados Unidos, eram distantes, quando não 
acrimoniosas. No mundo pós-Guerra Fria, as relações da índia com o 
Paquistão provavelmente continuarão altamente conflituosas por causa 
de Caxemira, das armas nucleares e, de modo geral, da balança de poder 
militar no Subcontinente. Na medida em que o Paquistão consiga obter 
o apoio de outros países muçulmanos, as relações da índia com o Islã 
serão, em geral, difíceis. Para enfrentar essa situação, é provável que a 
índia desenvolva esforços especiais, como fez no passado, a fim de 
persuadir, numa base individual, países muçulmanos a se distanciarem 
do Paquistão. Com o término da Guerra Fria, os esforços da China para 
estabelecer relações mais amistosas com seus vizinhos se estenderam à 
índia e assim diminuíram as tensões entre as duas. É improvável, porém, 
que essa tendência continue por muito tempo. A China se envolveu 
ativamente na política da Ásia Meridional e é de se presumir que continue 
a agir assim: mantendo uma íntima relação com o Paquistão, reforçando 
a capacidade militar convencional e nuclear do Paquistão e cortejando 
Myanmar com assistência econômica, investimentos e ajuda militar, ao 
mesmo tempo em que possivelmente esteja desenvolvendo instalações 
navais nesse país. No momento, o poderio chinês está-se expandindo e 
o poderio da índia poderia crescer de modo substancial no início do 
século XXI. O conflito parece altamente provável. Um analista comentou 
que “a rivalidade subjacente de poder entre os dois gigantes asiáticos e 
as imagens que fazem de si mesmos, como grandes potências e centros 
de civilização e cultura por natureza, continuarão a levá-los a apoiar 
países e causas diferentes. A índia se esforçará por emergir não só como 
um centro de poder independente no mundo multipolar, mas também 
como um contrapeso ao poderio e influência da China”. 48 

A índia, confrontando pelo menos uma aliança China-Paquistão, 
quando não uma conexão mais ampla confúciano-islâmica, considerará 
claramente do seu interesse manter seu íntimo relacionamento com a 
Rússia e coptinuar sendo um dos principais compradores de equipamen¬ 
to militar fusso. Em meados dos anos 90, a índia estava obtendo da Rússia 
quase todos os principais tipos de armamentos, inclusive um porta-aviões 
e tecnologia criogênica para foguetes, o que levou à aplicação de sanções 
pelos Estados Unidos. Além da proliferação de armamentos, outras 
questões entre a índia e os Estados Unidos abrangeram direitos humanos, 
Caxemira e a liberalização econômica. Entretanto, com o passar do 
tempo, as relações Estados Unidos-Paquistão e seus interesses em comum 
na contenção da China provavelmente aproximarão mais a índia e os 
Estados Unidos. A expansão do poderio indiano na Ásia Meridional não 
pode prejudicar os interesses dos Estados Unidos e poderia até ser-lhes útil. 

As relações entre as civilizações e seus Estados-núcleos são complica¬ 
das, muitas vezes ambivalentes, e de fato se modificam. A maioria dos países 
numa mesma civilização geralmente seguirão a liderança do Estado-núcleo 
no desenvolvimento de suas relações com os países de uma outra civilização. 
Porém nem sempre é assim e, obviamente, nem todos os países de uma 

Figura 9.1 

A Política Mundial das Civilizações: Alinhamentos Emergentes 

mesma civilização têm relações idênticas com todos os países de uma 
segunda civilização. Interesses em comum, geralmente um inimigo 
comum de uma terceira civilização, podem gerar cooperação entre países 
de civilizações diferentes. Obviamente, também ocorrem conflitos dentro 
das civilizações, especialmente do Islã. Além disso, as relações entre os 
grupos situados ao longo de linhas de fratura podem diferir de modo 
significativo das relações entre os Estados-núcleos dessas mesmas civiliza¬ 
ções. Não obstante, tendências amplas ficam evidentes e podem-se fazer 
generalizações plausíveis a respeito do que parecem ser os alinhamentos e 
antagonismos que estão surgindo entre civilizações e Estados-núcleos. Eles 
estão resumidos na Figura 91. A bipolaridade relativamente simples da 
Guerra Fria está dando lugar aos relacionamentos muito mais complexos 
de um mundo multipolar e multicivilizacional. 


Mais Conflituosa Menos Conflituosa 



Capítulo 10 

Das Guerras de Transição às Guerras de Linha de Fratura 

I 

Guerras de Transição: Afeganistão e o Golfo 

O destacado estudioso marroquino Mahdi Elmandjra denominou 
a Guerra do Golfo, quando ela ainda estava se desenrolando, 
de la première guerre civilizationnelle . 1 Na verdade, ela foi a 
segunda. A primeira foi a Guerra Soviético-afegã de 1979-89. Ambas 
começaram como invasões simples e diretas de um país por outro, mas 
se transformaram e, em grande parte, se redefiniram como guerras de 
civilizações. Elas foram, na realidade, guerras de transição para uma era 
dominada por conflitos étnicos e guerras de linha de fratura entre grupos 
de civilizações diferentes. 

A Guerra do Afeganistão começou como um esforço da Uniãc 
Soviética para sustentar um regime satélite^ Ela se" tom5ü'W^rra 
dentro da Guerra Fria quando os Estados Unidos reagiram de modo 
vigoroso e organizaram, financiaram e equiparam os insurgentes afegãos 
que resistiram às forças soviéticas. Para os norte-americanos, a derrota 
soviética foi a confirmação da doutrina Reagan de promover a resistência 
armada aos regimes comunistas, e constituiu uma tranqüilizadora humi- 
açao dos soviéticos, comparável à que os Estados Unidos tinham 
so n o no Vieüia. Ela foi também uma derrota cujas ramificações se 
espalharam por toda a sociedade e estrutura política soviéticas, con¬ 
tribuindo de modo significativo para a desintegração do império sovié¬ 

312 

tico. Para os norte-americanos e para os ocidentais em geral, o Afeganis¬ 
tão foi a vitória final e decisiva, o Waterloo da Guerra Fria. 

Entretanto, para aqueles que lutaram contra os soviéticos, a Guerra 
do Afeganistão foi algo diferente. Um estudioso ocidental assinalou 2 que 
ela foi “a primeira resistência bem-sucedida a uma potência estrangeira 
que não estava baseada em princípios quer nacionalistas quer socialistas’’, 
mas sim em princípios islâmicos, que foi travada como uma jihad e que 
deu um enorme ímpeto à autoconfiança e ao poderio islâmicos. De fato, 
seu impacto sobre o mundo islâmico foi comparável ao que a derrota 
imposta pelos japoneses aos russos em 1905 teve sobre o mundo oriental. 
O que o Ocidente vê como uma vitória para o Mundo Livre, os 
muçulmanos vêem como uma vitória para o Islã. 

Os dólares e os mísseis norte-americanos foram indispensáveis para 
a derrota dos soviéticos. Entretanto, também indispensável foi o esforço 
coletivo do Islã, através do qual uma variedade de governos e de grupos 
competiam entre si, tentando derrotar os soviéticos e produzir uma vitória 
que iria servir aos seus interesses. O apoio financeiro muçulmano para 
a guerra veio basicamente da Arábia Saudita. Entre 1984 e 1986, os 
sauditas deram 525 milhões de dólares à resistência; em 1989, concorda¬ 
ram em fornecer 61 por cento de um total de 715 milhões de dólares, ou 
seja, 436 milhões, ficando o saldo por conta dos Estados Unidos. Em 
4993, os sauditas proporcionaram 193 milhões de dólares para o governo 
afegão. A soma total das contribuições sauditas durante o transcurso da 
guerra foi pelo menos igual, e provavelmente superior, à quantia de três 
a 3,3 bilhões de dólares despendidos pelos Estados Unidos. Durante a 
guerra, cerca de 25 mil voluntários de outros países islâmicos, basica¬ 
mente árabes, participaram da guerra. Recrutados em grande parte na 
Jordânia, esses voluntários foram treinados pela agência de inteligência 
integrada das três forças armadas do Paquistão. Este país também 
proporcionou a indispensável base no exterior para a resistência, bem 
como apoio logístico e de outros tipos. Além disso, o Paquistão foi o 
agente e o conduto para o desembolso do dinheiro norte-americano e, 
propositadamente, dirigiu 75 por cento desses fundos para os grupos 
islâmicos mais fundamentalistas, com a metade dessa parte indo para a 
facção fundamentalista sunita mais extremada, liderada por Gulbuddin 
Hekmaryar. Embora estivessem lutando contra os soviéticos, os árabes 
participantes da guerra eram predominantemente antiocidentais e con¬ 
denavam as agências ocidentais de ajuda humanitária como imorais e 
subversoras do Islamismo. No final, os soviéticos foram derrotados por 

212 

três fatores que não tinham como igualar ou neutralizar de forma eficaz: 
a tecnologia norte-americana, o dinheiro saudita e a devoção e de¬ 
mografia muçulmanas. 3 

A guerra deixou atrás de si uma coligação instável de organizações 
fundamentalistas islâmicas empenhadas na promoção do Islamismo 
contra todas as forças não-muçulmanas. Deixou também uma herança 
de combatentes especializados e experimentados, acampamentos, cam¬ 
pos de treinamento e instalações logísticas, sofisticadas redes transislâ- 
micas de relacionamentos de pessoal e de organizações, considerável 
quantidade de equipamento militar, inclusive de 300 a 500 mísseis Stinger, 
de que não se tem registro, e, o que é mais importante, uma inebriante 
sensação de poder e autoconfiança pelo que haviam conseguido, assim 
como um intenso desejo de seguir adiante, rumo a novas vitórias. Uma 
autoridade norte-americana disse, em 1994, que “as credenciais dajihad, 
religiosas e políticas”, dos voluntários afegãos, “são impecáveis. Eles 
derrotaram uma das duas superpotências mundiais e agora estão traba¬ 
lhando em cima da segunda” Á 

A Guerra do Afeganistão tornou-se uma guerra de civilizações 
porque os muçulmanos em todas as partes a viram como tal e se juntaram 
contra a União Soviética. A Guerra do Golfo tornou-se uma guerra de 
(Civilizações porque o Ocidente interveio militarmente num conflito 
muçulmano, os ocidentais apoiaram de forma majoritária essa interven¬ 
ção e os muçulmanos pelo mundo afora acabaram por ver tal intervenção 
como uma guerra contra eles e se juntaram contra aquilo que viram como 
mais um exemplo do imperialismo ocidental. 

Inicialmente, os governos árabes e muçulmanos ficaram divididos 
a respeito dessa guerra. Saddam Hussein tinha violado a intocabilidade 
das fronteiras e, em agosto de 1990, a Liga Árabe decidiu, por uma maioria 
expressiva de votos (14 a favor, dois contra e cinco abstenções ou 
não-participação na votação), condenar sua ação. O Egito e a Síria 
concordaram em contribuir com uma quantidade considerável de tropas, 
e o Paquistão, Marrocos e Bangladesh com quantidades menores, para 
a formação de uma coligação contra o Iraque organizada pelos Estados 
Unidos. A Turquia fechou o oleoduto que atravessava seu território, indo 
do Iraque até o Mediterrâneo, e permitiu que a coligação utilizasse suas 
bases aéreas. Em troca dessas ações, a Turquia fortaleceu sua pretensão 
de ser admitida na Europa, o Paquistão e o Marrocos reafirmaram seu 
íntimo relacionamento com a Arábia Saudita, o Egito conseguiu o 
cancelamento da dívida externa e a Síria obteve o Líbano. Em contraste, 
os governos do Irã, Jordânia, Líbia, Mauritânia, Iêmen, Sudão e Tunísia, 
bem como organizações como a OLP, o Hamas e a FIS [Frente Islâmica 
de Salvação], apesar do apoio financeiro que muitas tinham recebido da 
Arábia Saudita, apoiaram o Iraque e condenaram a intervenção ocidental. 
Outros governos muçulmanos, como o da Indonésia, assumiram posições 
de acomodação ou tentaram evitar adotar qualquer posição. 

Enquanto os governos muçulmanos ficaram inicialmente divididos, a 
opinião pública árabe e muçulmana se mostrou, desde o princípio, maci¬ 
çamente antiocidental. Um observador norte-americano informou, depois 
de visitar o Iêmen, a Síria, o Egito, a Jordânia e a Arábia Saudita três semanas 
depois da invasão do Kuwait, que “o mundo árabe está (...) fervilhando de 
ressentimento contra os Estados Unidos, mal conseguindo disfarçar sua 
satisfação ante a perspectiva de um líder árabe suficientemente audaz 
para desafiar a maior potência da Terra”. 5 Do Marrocos à China, milhões 
de muçulmanos se congregaram em apoio a Saddam Hussein e “sauda¬ 
ram-no como um herói muçulmano”. 6 O paradoxo da democracia foi “o 
grande paradoxo desse conflito”: o apoio a Saddam Hussein foi “mais 
fervoroso e amplo” naqueles países árabes onde a política era mais aberta 
e a liberdade de expressão sofria menos limitações. 7 No Marrocos, 
Paquistão, Jordânia, Indonésia e em outros países, houve imensas 
demonstrações de rua condenando o Ocidente e os dirigentes políticos 
rei Hassan, Benazir Bhutto e Suharto, que eram vistos como lacaios do 
Ocidente. A oposição à coligação surgiu até na Síria, onde “um amplo 
espectro de cidadãos se opôs à presença de forças estrangeiras no Golfo”, 
e Hafez al-Assad teve que justificar seu envio de tropas como necessário 
para equilibrar e finalmente substituir as forças aliadas. Setenta e cinco 
por cento dos 100 milhões de muçulmanos da índia culparam os Estados 
Unidos pela guerra, e os 171 milhões de muçulmanos da Indonésia 
ficaram “quase unanimemente” contra a ação militar dos Estados Unidos 
no Golfo. Os intelectuais árabes se alinharam de modo análogo e 
formularam complicados raciocínios para não tomar conhecimento da 
brutalidade de Saddam e condenar a intervenção ocidental. 8 

Os árabes e os muçulmanos de modo geral concordavam que 
Saddam Hussein podia ser um tirano sanguinário, porém, imitando o 
pensamento de Franklin Delano Roosevelt, “ele é o nosso tirano sangui¬ 
nário”. Na opinião deles, a invasão tinha sido um assunto de família, a 
ser resolvido no seio da família, e aqueles que intervieram em nome de 
alguma grandiosa teoria de justiça internacional estavam agindo assim 
para proteger seus próprios interesses egoístas e para manter a subordi- 

315 

nação árabe ao Ocidente. Um estudo informou que os intelectuais árabes 
“têm desprezo pelo regime iraquiano e lamentam sua brutalidade e 
autoritarismo, mas o consideram como um centro de resistência ao 
grande inimigo do mundo árabe, o Ocidente”. Um professor palestino 
disse que “o que Saddam fez estava errado, mas não podemos condenar 
o Iraque por enfrentar a intervenção militar ocidental”. Os muçulmanos 
no Ocidente e em outras áreas condenaram a presença de tropas 
não-muçulmanas na Arábia Saudita e a decorrente “violação” dos lugares 
sagrados muçulmanos. 9 Em síntese, a opinião predominante era: Saddam 
esteve errado ao invadir, o Ocidente esteve mais errado em intervir, por 
conseguinte, Saddam esteve certo em lutar contra o Ocidente e nós 
estamos certos em apoiá-lo. 

Saddam Hussein, como os participantes principais em outras guer¬ 
ras de linha de fratura, identificou seu regime, até então secular, com a 
causa que exerceria o máximo de atração: o Islamismo. Embora a Arábia 
Saudita seja estritamente muçulmana nas suas práticas e instituições, com 
as possíveis exceções do Irã e do Sudão, e embora ela tenha financiado 
grupos fundamentalistas islâmicos pelo mundo afora, nenhum movimen¬ 
to fundamentalista islâmico em qualquer país apoiou a coligação ociden¬ 
tal contra o Iraque e praticamente todos condenaram a intervenção 
ocidental. Dado o formato em U da distribuição de identidades no 
mundo islâmico, Saddam não tinha muita opção senão se identificar com 
o Islamismo. Um comentarista egípcio assinalou que essa escolha do 
Islamismo em vez tanto do nacionalismo árabe quanto de um vago . 
antiocidentalismo terceiro-mundista “demonstra o valor do Islamismo 
como ideologia política para mobilizar apoio”. 10 

Para os muçulmanos, essa guerra rapidamente passou a ser uma 
guerra entre civilizações, na qual a inviolabilidade do Islã estava em jogo. 
Os grupos fundamentalistas islâmicos do Egito, Síria, Jordânia, Paquistão, 
Malásia, Afeganistão, Sudão e outros países condenaram-na como uma 
guerra contra “o Islã e sua civilização” por uma aliança de “cruzados e 
sionistas” e proclamaram seu apoio ao Iraque diante da “agressão militar 
e econômica contra o seu povo”. No outono de 1990, o decano do 
Colégio Islâmico de Meca, Safar al-Hawali, declarou numa gravação em 
fita, que circulou amplamente pela Arábia Saudita, que a guerra “não é 
o mundo contra o Iraque. Ela é o Ocidente contra o Islã”. Em termos 
semelhantes, o rei Hussein sustentou que ela era “uma guerra contra 
todos os árabes e todos os muçulmanos, e não apenas contra o Iraque”. 
Além disso, como ressalta Fatima Mernissi, as freqüentes invocações 

316 

retóricas de Deus feitas pelo presidente Bush em nome dos Estados 
Unidos reforçaram a percepção árabe de que era “uma guerra religiosa”, 
com as observações de Bush dando a aparência “dos ataques mercenários 
e calculistas das hordas pré-islâmicas do século VII e as cruzadas cristãs 
que vieram depois”. Por sua vez, os argumentos de que a guerra era uma 
cruzada produzida por uma conspiração ocidental e sionista justificaram, 
e até exigiram, a mobilização de uma jihad em resposta. 11 

A definição muçulmana da guerra como sendo Ocidente versus Islã 
facilitou a diminuição ou a suspensão de antagonismos no seio do mundo 
islâmico. Velhas diferenças entre muçulmanos perderam sua importância 
em comparação com a diferença maior entre o Islã e o Ocidente. No 
decurso da guerra, governos e grupos muçulmanos se moveram sis¬ 
tematicamente no sentido de se afastarem do Ocidente. Como a sua 
antecessora no Afeganistão, a Guerra do Golfo reuniu muçulmanos que 
anteriormente tinham muitas vezes estado se esganando mutuamente: 
secularistas árabes, nacionalistas e fundamentalistas; o governo jordania- 
no e os palestinos; a OLP e o Hamas; Irã e Iraque; partidos de oposição 
e governos, de modo geral. Como colocou Safar al-Hawali, “esses 
ba’athistas do Iraque são nossos inimigos por algumas horas, mas Roma 
é nossa inimiga até o Dia do Juízo Final”. 12 A guerra também deu início 
ao processo de reconciliação entre o Iraque e o Irã. Os líderes religiosos 
xiitas do Irã condenaram a intervenção ocidental e conclamaram a uma 
jihad contra o Ocidente. O governo iraniano se distanciou das medidas 
dirigidas contra seu antigo inimigo, e à guerra seguiu-se uma melhoria 
gradual das relações entre os dois regimes. 

Um inimigo externo também reduz os conflitos dentro de um país. 
Em janeiro de 1991, por exemplo, informou-se que o Paquistão estava 
“inundado de polêmicas antiocidentais” que produziram a união, pelo 
menos por pouco tempo, dentro do país. “O Paquistão nunca esteve tão 
unido. Na província meridional de Sind, onde os sindhis autóctones e os 
imigrantes vindos da índia vêm se matando há cinco anos, as pessoas 
de ambos os lados participam de braços dados das demonstrações contra 
os Estados Unidos. Nas áreas ultraconservadoras da Fronteira do Noroes¬ 
te, até mesmo as mulheres saem às ruas para protestar, muitas vezes em 
locais onde as pessoas nunca se congregaram a não ser para as preces 
de sexta-feira.” 13 

À medida que a opinião pública ficou mais decidida contra a guerra, 
os governos que se tinham inicialmente associado com a coligação deram 
marcha à ré, ficaram divididos ou desenvolveram racionalizações com- 

317 

plicadas para suas ações. Governos de líderes como Hafiz al-Assad que 
tinham contribuído com tropas argumentaram que elas eram necessárias 
para equilibrar e acabar por substituir as forças ocidentais na Arábia 
Saudita, e que, de qualquer modo, elas seriam usadas unicamente para 
fins defensivos e para a proteção dos lugares santos. Na Turquia e no 
Paquistão, os principais líderes militares condenaram publicamente o 
alinhamento de seus governos com a coligação. Os governos egípcio e 
sírio, que contribuíram com a maior parte das tropas, tinham controle 
suficiente sobre suas sociedades para serem capazes de reprimir e ignorar 
pressões antiocidentais. Os governos de países muçulmanos um tanto mais 
abertos foram induzidos a se afastar do Ocidente e adotar posições cada 
vez mais antiocidentais. No Maghreb, “a explosão de apoio ao Iraque” foi 
“uma das maiores surpresas da guerra”. A opinião pública tunisiana era 
fortemente contra o Ocidente e o presidente Ben Ali apressou-se em 
condenar a intervenção ocidental. O governo do Marrocos inicialmente 
contribuiu com 1.500 homens para a coligação, mas depois, à medida que 
grupos antiocidentais se mobilizaram, também endossou uma greve geral 
em favor do Iraque. Na Argélia, uma demonstração pró-Iraque de 400 mil 
pessoas levou o presidente Bendjedid, que inicialmente se inclinara para o 
Ocidente, a mudar sua posição, condenar o Ocidente e declarar que “a 
Argélia ficará ao lado do seu irmão, o Iraque”. 14 Em agosto de 1990, os 
três governos do Maghreb tinham votado na Liga Árabe para condenar 
o Iraque. No outono, respondendo aos intensos sentimentos de seus 
povos, votaram a favor de uma moção para condenar a intervenção 
norte-americana, que foi derrotada pela estreita margem de 10 a 11. 

O esforço militar ocidental também atraiu pouco apoio das pessoas 
de civilizações não-ocidentais e não-muçulmanas. Em janeiro de 1991, 
53 por cento dos japoneses entrevistados se opunham à guerra, enquanto 
25 por cento a apoiavam. Os hindus se dividiram exatamente ao meio 
entre os que culpavam Saddam Hussein e os que culpavam George Bush 
pela guerra, a qual, segundo alertava o The Times of índia, poderia levar 
a uma confrontação muito mais abrangente entre um mundo judaico- 
cristão forte e arrogante e um mundo muçulmano fraco, incendiado pelo 
fervor religioso . A Guerra do Golfo começou assim como uma guerra 
entre o Iraque e o Kuwait, depois se tornou uma guerra entre o Iraque 
e o Ocidente, depois entre o Islã e o Ocidente, e acabou sendo vista por 
muitos não-ocidentais como uma guerra Oriente versus Ocidente, “uma 

guerra do homem branco, um novo surto do imperialismo à moda 
antiga”. 15 

318 

Excetuados os kuwaitianos, nenhum povo islâmico se entusiasmou 
com a guerra, e a maioria deles demonstrou uma oposição majoritária à 
intervenção ocidental. Quando a guerra terminou, os desfiles da vitória 
realizados em Londres e em Nova York não foram repetidos em nenhum 
outro lugar. Sohail H. Hashmi assinalou que “a conclusão da guerra não 
deu motivos para júbilo” em meio aos árabes. Em vez disso, a atmosfera 
predominante foi de intensa decepção, desilusão, humilhação e res¬ 
sentimento. Uma vez mais o Ocidente tinha ganho. Novamente, o mais 
recente Saladin que havia elevado as esperanças árabes tinha caído em 
derrota diante do poderio maciço do Ocidente, que havia sido introdu¬ 
zido pela força na comunidade do Islã. Fatima Memissi indagou: “O que 
de pior poderia ter acontecido aos árabes do que aquilo que a guerra 
produziu, o Ocidente inteiro, com toda a sua tecnologia, lançando 
bombas sobre nós? Foi o horror definitivo.” 16 

Logo após a guerra, a opinião pública árabe fora do Kuwait criticou 
cada vez mais a presença militar norte-americana no Golfo. A liberação 
do Kuwait eliminou qualquer racionalização para se opor a Saddam 
Hussein e deixou pouca justificativa para uma continuação da presença 
militar norte-americana no Golfo. Em conseqüênda, até mesmo em 
países como o Egito, a opinião pública ficou mais favorável ao Iraque. 
Os governos árabes que se haviam juntado à coligação alteraram suas 
posturas. 17 O Egito e a Síria, além de outros, se opuseram à imposição, 
em agosto de 1992, de uma zona de vôo proibido no sul do Iraque. Os 
governos árabes e a Turquia também objetaram aos ataques aéreos contra 
o Iraque em janeiro de 1993- Se o poder aéreo ocidental podia ser 
empregado em resposta a ataques contra muçulmanos xiitas e curdos 
por muçulmanos sunitas, por que ele também não era empregado para 
responder aos ataques contra os muçulmanos bósnios por sérvios 
ortodoxos? Em junho de 1993, quando o presidente Clinton ordenou um 
bombardeio de Bagdá em represália à tentativa iraquiana de assassinar 
o ex-presidente Bush, a reação internacional obedeceu estritamente às 
linhas civilizacionais. Israel e os governos europeus ocidentais apoiaram 
firmemente o ataque aéreo; a Rússia o aceitou como autodefesa “jus¬ 
tificada”; a China expressou sua “profunda preocupação”; a Arábia 
Saudita e os emirados do Golfo nada disseram; outros governos muçul¬ 
manos, inclusive o egípcio, o condenaram como outro exemplo dos dois 
pesos e duas medidas do Ocidente, enquanto o Irã classificou-o de 
“flagrante agressão” impulsionada pelo “neo-expansionismo e egoísmo 
norte-americano. 18 Reiteradamente foi feita a pergunta: por que os 

319 

Estados Unidos e a “comunidade internacional” (ou seja, o Ocidente) não 
reagem de modo análogo ao comportamento abusivo de Israel e às suas 
violações das Resoluções das Nações Unidas? 

A Guerra do Golfo foi a primeira guerra por recursos naturais no 
pós-Guerra Fria travada entre civilizações. Estava em jogo a questão de 
se as maiores reservas mundiais de petróleo ficariam sob o controle dos 
governos sauditas e dos emirados, dependentes do poderio militar 
ocidental para sua segurança, ou de regimes independentes antiociden- 
tais que teriam a capacidade e poderiam ter a disposição de empregar a 
arma do petróleo contra o Ocidente. Embora não tendo conseguido 
derrubar Saddam Hussein, o Ocidente, de certo modo, logrou uma vitória 
ao marcar a dependência do Ocidente em que estão os Estados do Golfo 
em matéria de segurança, bem como ao conseguir uma maior presença 
militar no Golfo em tempo de paz. Antes da guerra, o Irã, o Iraque, o 
Conselho de Cooperação do Golfo e os Estados Unidos disputavam a 
influência sobre o Golfo. Depois da guerra, o Golfo Pérsico virou um 
lago norte-americano. 


Características das Guerras de Linha de Fratura 

As guerras entre clãs, tribos, grupos étnicos, comunidades religiosas e 
nações predominaram em todas as eras e em todas as civilizações porque 
elas têm suas raízes nas identidades das pessoas. Esses conflitos tendem 
a ser particularistas no sentido de que não envolvem questões ideológicas 
ou políticas mais amplas de interesse direto para não-participantes, 
embora possam despertar preocupações humanitárias em grupos de fora. 
Esses conflitos tendem também a ser perversos e sanguinários, uma vez 
que estão em jogo questões fundamentais de identidade. Além disso, eles 
tendem a ser prolongados, podendo ser interrompidos por tréguas ou 
acordos, que, entretanto, tendem a se desfazer, e então os conflitos são 
reiniciados. Por outro lado, uma vitória decisiva por um dos lados numa 
guerra civil por identidade aumenta a probabilidade de um genocídio. 19 

Os conflitos de linha de fratura são conflitos comunitários entre 
Estados ou grupos de civilizações diferentes. As guerras de linha de 
fratura são conflitos que se tomaram violentos. Essas guerras podem 
ocorrer entre Estados, entre grupos não-govemamentais e entre Estados 
e grupos não-govemamentais. Os conflitos de linha de fratura no seio 
de um mesmo Estado podem envolver grupos que estão predominante¬ 
mente localizados em áreas geográficas distintas, caso em que o grupo 

320 

que não detém o controle do governo normalmente luta pela indepen¬ 
dência e pode ou não estar disposto a aceitar uma solução por algo 
menos do que ela. Os conflitos no seio de um Estado podem também 
envolver grupos que estão entremeados geograficamente, caso em que 
as relações continuamente tensas irrompem em violência de tempos em 
tempos, como se dá com os hindus e os muçulmanos na índia e com os 
muçulmanos e os chineses na Malásia; ou então podem ocorrer lutas em 
larga escala, especialmente quando estão sendo estabelecidos novos 
Estados e suas fronteiras, podendo resultar em tentativas, muitas vezes 
brutais, de se separar povos pela força. 

Algumas vezes, os conflitos de linha de fratura são lutas pelo 
controle de pessoas. Com maior freqüência, a questão é o controle de 
território. O objetivo de pelo menos um dos participantes é conquistar 
território e livrá-lo de outras pessoas, expulsando-as, matando-as ou 
fazendo ambas as coisas, ou seja, praticando a “limpeza étnica”. Esses 
conflitos tendem a ser violentos e cruéis, com ambos os lados perpetran¬ 
do massacres, atos de terrorismo, estupros e torturas. O território em 
questão muitas vezes passa a ser para um ou para ambos os lados um 
símbolo de alto significado de sua história ou identidade, uma terra 
sagrada à qual eles têm um direito inviolável: a Margem Ocidental, 
Caxemira, Nagorno-Karabakh, o Vale do Drina, Kosovo. 

As guerras de linha de fratura compartilham de algumas, mas não 
de todas, características das guerras comunitárias em geral. Elas são 
conflitos prolongados. Quando elas se desenrolam no seio de um Estado, 
duram em média seis vezes mais do que as guerras entre Estados. Como 
elas envolvem questões fundamentais de poder e de identidade de grupo, 
são difíceis de resolver através de negociações e acomodações. Quando 
se chega a acordos, muitas vezes eles não são assinados por todas as 
partes de cada lado e geralmente não duram muito tempo. As guerras 
de linha de fratura são do tipo pára-e-recomeça, que pode eclodir numa 
imensa violência e depois ir diminuindo para uma guerra de baixa 
intensidade ou hostilidade soturna, para novamente eclodir. As chamas 
da identidade e do ódio comunitário raramente são extintas por comple¬ 
to, a não ser através do genocídio. Em conseqüência da sua natureza 
prolongada, as guerras de linha de fratura, como outras guerras comu¬ 
nitárias, tendem a gerar grande quantidade de mortos e de refugiados. 
As estimativas de uns e de outros devem ser tratadas com cautela, mas 
as cifras comumente aceitas de mortos em guerras de linha de fratura em 
curso no início dos anos 90 compreendiam: 50 mil nas Filipinas, 50 mil 

321 

a 100 mil em Sri Lanka, 20 mil em Caxemira, 500 mil a um milhão e meio 
no Sudão, 100 mil no Tadjiquistão, 50 mil na Croácia, 50 mil a 200 mil 
na Bósnia, 30 mil a 50 mil na Chechênia, 100 mil no Tibete, 200 mil em 
Timor Oriental. 20 Praticamente todos esses conflitos geraram cifras muito 
mais elevadas de refugiados. 

Muitas dessas guerras contemporâneas são simplesmente a rodada 
mais recente de uma longa história de conflitos sangrentos e, no final do 
século XX, a violência resistiu aos esforços para se acabar com ela de 
modo permanente. As lutas no Sudão, por exemplo, irromperam em 
1956, continuaram até 1972, quando se chegou a um acordo que atribuía 
certa autonomia ao Sudão meridional, porém recomeçaram em 1983. A 
rebelião dos tâmiles em Sri Lanka começou em 1983; as negociações de 
paz para pôr-lhe fim se interromperam em 1991 e foram retomadas em 

1994, chegando-se a um acordo sobre cessar-fogo em janeiro de 1995- 
Entretanto, quatro meses depois, os insurgentes, autodenominados de 
Tigres, romperam a trégua, se retiraram das conversações de paz e a 
guerra recomeçou com violência ainda maior. A rebelião dos Moros nas 
Filipinas começou no início da década de 70 e diminuiu em 1976, depois 
de se chegar a um acordo concedendo certa autonomia a algumas áreas 
de Mindanao. Em 1993, porém, novos atos de violência vinham ocorren¬ 
do com freqüência e numa escala crescente, quando grupos insurgentes 
dissidentes repudiaram as tentativas de pacificação. Os dirigentes russos 
e chechenos chegaram a um acordo de desmilitarização em julho de 

1995, destinado a pôr termo à violência que começara em dezembro do 
ano anterior. A guerra se atenuou por algum tempo, mas logo foi 
reativada com ataques chechenos contra indivíduos russos ou líderes 
pró-Rússia, represálias russas, a incursão chechena no Daguestão em 
janeiro de 1996 e a maciça ofensiva russa do início de 1996. 

Conquanto as guerras de linha de fratura compartilhem das 
características de longa duração, altos níveis de violência e ambivalência 
ideológica que têm as outras guerras comunitárias, elas também diferem 
destas em dois pontos. Primeiro, as guerras comunitárias podem ocorrer 
entre grupos étnicos, religiosos, raciais ou lingüísticos. Entretanto, como 
a religião é a principal característica definitória das civilizações, as guerras 
de linha de fratura são travadas quase sempre entre povos de religiões 
diferentes. Alguns analistas minimizam a importância desse fator. Eles 
apontam, por exemplo, para a etnia e o idioma compartilhados, a coexis¬ 
tência pacífica no passado e a grande quantidade de casamentos entre 
sérvios e muçulmanos na Bósnia, e descartam o fator religioso com 
referências ao “narcisismo das pequenas diferenças” de Freud. 21 Essa 
avaliação, porém, está baseada numa miopia secular. Milênios de História 
da Humanidade demonstraram que a religião não é uma “pequena diferen¬ 
ça”, mas sim talvez a diferença mais profunda que possa existir entre as 
pessoas. A freqüência, a intensidade e a violência das guerras de linha de 
fratura são muito aumentadas pelas crenças em deuses diferentes. 

Segundo, as outras guerras comunitárias tendem a ser pluralistas e, 
em conseqüência, há relativamente pouca probabilidade de que se 
alastrem e envolvam participantes adicionais. As guerras de linha de 
fratura, ao contrário, são por definição travadas entre grupos que formam 
parte de entidades culturais maiores. No conflito comunitário costumeiro, 
o Grupo A está lutando contra o Grupo B, e os Grupos C, D e E não têm 
razão alguma para se envolver, a menos que A ou B ataquem diretamente 
os interesses de C, D ou E. Numa guerra de linha de fratura, ao contrário, 
o Grupo Al está lutando contra o Grupo BI e cada um deles tentará 
expandir a guerra e mobilizar apoio de grupos afins da mesma civilização 
— A2, A3, A4 e B2, B3 e B4 —, e esses grupos, por sua vez, se identificarão 
com seus afins em luta. A expansão dos meios de transporte e comuni¬ 
cações do mundo moderno facilitou o estabelecimento dessas conexões 
e, em conseqüência, a “internacionalização” dos conflitos de linha de 
fratura. A migração criou diásporas em terceiras civilizações. As comuni¬ 
cações facilitam a grupos em litígio apelarem por auxílio, e a seus grupos 
afins tomarem conhecimento imediatamente do destino que estão tendo 
aquelas partes em conflito. O encolhimento generalizado do mundo 
habilita assim os grupos afins a proporcionar apoio moral, diplomático, 
financeiro e material aos grupos em litígio — e torna muito mais difícil 
não fazê-lo. Desenvolvem-se redes internacionais para prestar esse apoio, 
e o apoio, por sua vez, dá sustentação aos participantes e prolonga o 
conflito. Essa “síndrome de país-afim”, para usar a expressão de H. D. S. 
Greenways, é uma faceta fundamental das guerras de linha de fratura do 
final do século XX. 22 De forma mais genérica, até mesmo pequenas doses 
de violência entre pessoas de civilizações diferentes têm ramificações e 
conseqüências que inexistem na violência intercivilizacional. Quando 
pistoleiros sunitas mataram 18 fiéis xiitas numa mesquita em Karachi em 
fevereiro de 1995, eles além disso perturbaram a paz na cidade e criaram 
um problema para o Paquistão. Quando, exatamente um ano depois, um 
colono judeu matou 29 muçulmanos que estavam rezando na Caverna 
dos Patriarcas, em Hebron, ele perturbou a paz no Oriente Médio e criou 
um problema para o mundo. 


INCIDÊNCIA: AS FRONTEIRAS ENSANGÜENTADAS DO ISLÃ 

Os conflitos comunitários e as guerras de linha de fratura fazem parte da 
História e, segundo um levantamento, durante a Guerra Fria ocorreram 
32 conflitos étnicos, inclusive as guerras de linha de fratura entre árabes 
e israelenses, indianos e paquistaneses, muçulmanos e cristãos do Sudão, 
budistas e tâmiles de Sri Lanka e xiitas e maronitas do Líbano. As guerras 
de identidade constituíram cerca da metade de todas as guerras civis 
durante as décadas de 40 e 50, porém representaram cerca de três quartos 
das guerras civis durante as décadas seguintes, e a intensidade das 
rebeliões envolvendo grupos étnicos triplicou entre o começo da década 
de 50 e o final da de 80. 23 Entretanto, dada a abrangência predominante 
da rivalidade entre as duas superpotências, esses conflitos, com algumas 
notáveis exceções, atraíram relativamente pouca atenção e foram vistos 
pelo prisma da Guerra Fria. Quando se encerrou a Guerra Fria, os 
conflitos comunitários se tornaram mais proeminentes e, pode-se dizer, 
mais importantes do que tinham sido anteriormente. Na realidade, 
aconteceu algo muito parecido com um “surto” de conflitos étnicos. 

Esses conflitos étnicos e guerras de linha de fratura não se dis¬ 
tribuíram de maneira uniforme entre as civilizações do mundo. Os 
principais embates se deram entre sérvios e croatas na antiga Iugoslávia 
e entre budistas e hindus em Sri Lanka, enquanto que conflitos menos 
violentos tiveram lugar entre grupos não-muçulmanos em outros pontos. 
Contudo, a enorme maioria dos conflitos de linha de fratura ocorreram ao 
longo dos limites sinuosos que, através da Eurásia e da África, separam os 
muçulmanos dos não-muçulmanos. Enquanto, no nível global ou macro da 
política mundial, o choque central das civilizações se situa entre o Ocidente 
e o resto, no nível local ou micro, ele se situa entre o Islã e os outros. 

Intensos antagonismos e conflitos violentos se espraiam entre povos 
muçulmanos e não-muçulmanos em áreas localizadas. Na Bósnia, os 
muçulmanos travaram uma guerra sangrenta e desastrosa com os sérvios 
ortodoxos e se engajaram em outras ações violentas com os croatas 
católicos. Em Kosovo, os muçulmanos albaneses padecem, descontentes, 
sob a autoridade sérvia e mantêm seu próprio governo paralelo clandes¬ 
tino, havendo grande expectativa ante a probabilidade de violência entre 
os dois grupos. Os governos da Albânia e da Grécia estão às turras em 
relação aos direitos de suas respectivas minorias no território da outra. 
Os turcos e os gregos estão historicamente engalfinhados e seu relacio¬ 
namento é dominado pelos conflitos em torno de Chipre, das reivin¬ 
dicações incompatíveis de soberania no Mar Egeu e de seu poder militar 
relativo. Em Chipre, os turcos muçulmanos e os gregos ortodoxos 
mantêm Estados adjacentes hostis. No Cáucaso, a Turquia e a Armênia 
são inimigos históricos, e os azeris e os armênios estão em guerra pelo 
controle de Nagorno-Karabakh. No Cáucaso setentrional, há 200 anos, 
os chechenos, os ingushes e outros povos muçulmanos lutam de forma 
intermitente por sua independência da Rússia, uma luta que foi reiniciada 
de forma sangrenta pela Rússia e pela Chechênia em 1994. Também 
houve luta entre os ingushes e os ossécios ortodoxos. Na bacia do Volga, 
os tártaros muçulmanos lutaram contra os russos no passado, e chegaram 
atualmente a uma acomodação instável com a Rússia por uma soberania 
limitada. 

Durante todo o século XIX, a Rússia estendeu gradualmente, pela 
força, seu controle sobre os povos muçulmanos da Ásia Central, Na 
década de 80, os afegãos e os russos lutaram numa guerra de vulto e, 
com a retirada russa, sua seqüência prossegue no Tadjiquistão, entre 
forças russas, que apoiam o atual governo, e os insurgentes, em sua 
maioria fundamentalistas islâmicos. Em Xinjiang, os uigures e outros 
grupos muçulmanos lutam contra a sinificação e estão desenvolvendo 
suas relações com seus afins étnicos e religiosos nas ex-repúblicas 
soviéticas. No Subcontinente, o Paquistão e a índia travaram três guerras, 
uma insurreição muçulmana contesta a autoridade indiana em Caxemira, 
imigrantes muçulmanos lutam contra povos tribais no Assam, e muçul¬ 
manos e hindus se engajam periodicamente em distúrbios de rua e 
violência por toda a índia, em erupções alimentadas pela ascensão de 
movimentos fundamentalistas em ambas as comunidades religiosas. Em 
Bangladesh, os budistas protestam contra a discriminação pela maioria 
muçulmana, enquanto que, em Myanmar, os muçulmanos protestam 
contra a discriminação pela maioria budista. Na Malásia e na Indonésia, 
periodicamente os muçulmanos fazem distúrbios de rua contra os 
chineses, protestando contra seu domínio da economia. No sul da 
Tailândia, grupos muçulmanos se envolveram numa insurreição intermi¬ 
tente contra um governo budista, enquanto que, no sul das Filipinas, uma 
insurreição muçulmana luta pela independência de um país e governo 
católico. Na Indonésia, por outro lado, os timorenses orientais lutam 
contra a repressão de um governo muçulmano. 

No Oriente Médio, onde o conflito entre árabes e judeus na Palestina 
data do estabelecimento da pátria judia, ocorreram quatro guerras entre 
Israel e Estados árabes, e os palestinos estão engajados na intifada contra 
a autoridade israelense. No Líbano, os cristãos maronitas travaram uma 
guerra malsucedida contra os xiitas e outros muçulmanos. Na Etiópia, os 
amharas ortodoxos reprimiram historicamente os grupos étnicos muçul¬ 
manos e atualmente enfrentam uma insurreição dos oromos muçulma¬ 
nos. Por todo o bolsão africano, vêm se desenrolando vários conflitos 
entre povos árabes e muçulmanos ao norte e povos negros animistas- 
cristãos ao sul. A mais sangrenta das guerras muçulmano-cristãs se 
desenrola no Sudão, arrastando-se há décadas e tendo produzido 
centenas de milhares de baixas. A vida política nigeriana foi dominada 
pelo conflito entre fulani-hausa muçulmanos ao norte e as tribos cristãs 
ao sul, com freqüentes distúrbios de rua, golpes e uma guerra de vulto. 
No Chade, no Quênia e na Tanzânia, ocorreram lutas semelhantes entre 
grupos muçulmanos e cristãos. 

Em todos esses lugares, as relações entre os muçulmanos e os povos 
de outras civilizações — católica, protestante, ortodoxa, hindu, chinesa, 
budista, judaica — têm de modo geral sido antagônicas. A maioria dessas 
relações tomou-se violenta em algum momento do passado e muitas 
ficaram violentas nos anos 90. Para onde quer que se olhe ao longo do 
perímetro do Islã, os muçulmanos tiveram problemas para viver em paz 
com seus vizinhos. Surge naturalmente a indagação de se esse padrão 
de conflitos no final do século XX entre grupos muçulmanos e não-mu¬ 
çulmanos também se aplica às relações entre grupos de outras civiliza¬ 
ções. Na realidade, não. Os muçulmanos compõem cerca de um quinto 
da população mundial, porém, nos anos 90, eles se envolveram mais em 
violências entre grupos do que os povos de qualquer outra civilização. 
As provas são avassaladoras. 

1. Os muçulmanos participaram de 26 dos 50 conflitos etnopolíticos 
no período de 1993-1994, analisado em profundidade por Ted 
Robert Gurr (Quadro 10.1). Vinte desses conflitos ocorreram entre 
grupos de civilizações diferentes, dos quais 15 foram entre muçul¬ 
manos e não-muçulmanos. Em resumo, houve três vezes mais 
conflitos intercivilizacionais envolvendo muçulmanos do que os 
que ocorreram entre todas as civilizações não-muçulmanas. O 
número de conflitos no seio do Islã também foi maior do que os 
ocorridos dentro de qualquer outra civilização, incluindo os confli¬ 
tos tribais na África. Em contraste com o Islã, o Ocidente se envolveu 
em apenas dois conflitos intracivilizacionais e dois intercivilizacio¬ 
nais. Os conflitos envolvendo muçulmanos também tenderam a ter 


Quadro 10.1 

Conflitos Etnopolíticos / 1993 —1994 

Intracivilizacional Intercivilizacionai Total 

* Dos quais 10 eram conflitos tribais na África. 

Fonte: Ted Robert Gurr, “Peoples Against States: Ethnopolitical Conflict and the Changing World System” [Povos 
Contra Estados: Conflitos Etnopolíticos e o Sistema Mundial em Mutação], International Studies Quarterly, v. 38 
(setembro de 1994), pp. 347*78. Utilizei a classificação dos conflitos de Gurr, exceto ao transferir o conflito 
sino-tibetano, que ele classifica como não-civilizacional, para a categoria de intercivilizacionai, já que ele é 
claramente um conflito entre os chineses han confucionistas e os tibetanos budistas lamaístas. 

quantidade elevada de baixas. Dos seis nos quais Gurr avalia que 
200 mil ou mais pessoas foram mortas, três (Sudão, Bósnia, Timor 
Oriental) foram entre muçulmanos e não-muçulmanos, dois (Somália, 
Iraque-curdos) foram entre muçulmanos e apenas um (Angola) 
envolveu apenas não-muçulmanos. 

2. O New York Times identificou 48 lugares nos quais, em 1993, 
estavam ocorrendo cerca de 59 conflitos étnicos. Na metade desses 
lugares, muçulmanos estavam se batendo contra outros muçulma¬ 
nos ou contra não-muçulmanos. Trinta e um dos 59 conflitos se 
davam entre grupos de civilizações diferentes, e traçando um 
paralelo com os dados de Gurr, dois terços (21) desses conflitos 
intercivilizacionais eram entre muçulmanos e outros povos (Quadro 
10.2). 

3. Numa outra análise ainda, Ruth Leger Sivard identificou 29 guerras 
(definidas como conflitos que envolviam mil ou mais mortos num 
ano) em curso durante 1992. Nove dos 12 conflitos intercivilizacio¬ 
nais foram entre muçulmanos e não-muçulmanos e, uma vez mais, 
os muçulmanos estavam travando mais guerras do que os povos de 
qualquer outra civilização. 24 

2T7 

Portanto, três compilações diversas de dados produzem a mesma 
conclusão: no início dos anos 90, os muçulmanos estavam engajados em 
mais violência entre grupos do que os não-muçulmanos, e de dois terços 
a três quartos das guerras intercivilizacionais se travaram entre muçulma¬ 
nos e não-muçulmanos. As fronteiras do Islã são sangrentas, como 
também o são suas entranhas.* 

A propensão muçulmana para o conflito violento também é in¬ 
dicada pelo grau em que as sociedades muçulmanas são militarizadas. 
Na década de 80, os países muçulmanos tinham proporções de forças 
armadas (isto é, o número de militares por mil habitantes) e índices de 
esforço militar (proporção das forças armadas ajustada à riqueza do país) 
significativamente mais altos do que os de outros países. Em contraste, 
os países cristãos tinham proporções de forças armadas e índices de 
esforço militar significativamente mais baixos do que os de outros países. 
A média das proporções de forças armadas e índices de esforço militar 
dos países muçulmanos era aproximadamente o dobro da dos países 
cristãos (Quadro 10.3). James Payne conclui que, “de modo muito claro, 
há uma conexão entre o Islã e o militarismo”. 25 


Quadro 10.3 

Militarismo em Países Muçulmanos e Cristãos 

Média da proporção das forças armadas 

Média do esforço militar 

Países muçulmanos (n = 25) 

11,8 

17,7 

Outros países (n = 112) 

7,1 

12,3 

Países cristãos (n = 57) 

5,8 

8,2 

Outros países (n = 80) 

9,5 

16,9 


Fonte: James L Payne, l Nhy Nafíons Arm [Por que as Nações se Armam] (Oxford: Basil Blackwell, 1989), pp. 
125,138*39. Os países muçulmanos e cristãos são aqueles em que mais de 80 por cento da população professa 
a religião respectiva. 

Os países muçulmanos também tiveram alta propensão a recorrer 
à violência em crises internacionais, empregando-a para resolver 76 crises 
de um total de 142 nas quais estiveram envolvidos entre 1928 e 1979. Em 
25 casos, a violência foi o principal meio para lidar com a crise; em 51 

Nenhum comentário isolado no meu artigo na Foreign Ajjairs provocou mais comentários 
críticos do que “o Islã tem fronteiras sangrentas”. Formei esse juízo com base num 
levantamento casual de conflitos intercivilizacionais. As provas quantitativas de todas as fontes desinteressadas demonstram, de modo conclusivo, sua validade. 

crises, os países muçulmanos empregaram a violência em acréscimo a 
outros meios. Quando empregaram a violência, os países muçulmanos 
adotaram violência de alta intensidade, recorrendo a guerras plenas em 
41 por cento dos casos em que se empregou violência e se engajando 
em grandes choques em outros 38 por cento dos casos. Enquanto os 
países muçulmanos recorreram à violência em 53,5 por cento de suas 
crises, a violência foi empregada pelo Reino Unido em apenas 11,5 por 
cento, pelos Estados Unidos em 17,9 por cento e pela União Soviética 
em 28,5 por cento das crises em que cada um deles esteve envolvido. 
Dentre as principais potências, apenas a propensão da China para a violência 
excedeu a dos países muçulmanos: ela empregou a violência em 76,9 por 
cento de suas crises. 26 A belicosidade e a violência muçulmanas são fatos 
do final do século XX que nem muçulmanos nem não-muçulmanos 
podem negar. 

Causas: História, Demografia, Política 

O que causou o surto, no final do século XX, das guerras de linha de 
fratura e o papel fundamental que tiveram os muçulmanos nesses 
conflitos? Primeiro, essas guerras tinham suas raízes na História. A 
violência intermitente de linha de fratura entre grupos civilizacionais 
diferentes ocorreu no passado, e continuou existindo nas lembranças 
atuais do passado, o que, por sua vez, gerou temores e inseguranças em 
ambos os lados. Muçulmanos e hindus no Subcontinente, russos e 
caucasianos no Cáucaso Setentrional, armênios e turcos no Transcáucaso, 
árabes e judeus na Palestina, católicos, muçulmanos e ortodoxos nos 
Bálcãs, russos e turcomanos na Ásia Central, cingaleses e tâmiles em Sri 
Lanka, árabes e negros pela África afora: são todos eles relacionamentos 
que, através dos séculos, envolveram alternâncias de coexistência des¬ 
confiada e violência perversa. Um legado histórico de conflitos existe 
para ser explorado e utilizado por aqueles que encontram razões para 
isso. Nesses relacionamentos, a história está viva, pujante e aterrorizadora. 

Entretanto, uma história de matanças intermitentes não explica por 
si só por que a violência voltou a imperar no final do século XX. Afinal 
de contas, como muitos ressaltaram, durante décadas, sérvios, croatas e 
muçulmanos viveram muito pacificamente juntos na Iugoslávia. O mesmo 
fizeram muçulmanos e hindus na índia. Os muitos grupos étnicos e 
religiosos coexistiram na União Soviética, com poucas exceções dignas 
de nota criadas pelo governo soviético. Os tâmiles e os cingaleses 
também viveram trariqüilamente numa ilha com freqüência descrita como 
um paraíso tropical. A História não impediu que esses relacionamentos 
relativamente pacíficos prevalecessem por consideráveis períodos de 
tempo. Por conseguinte, a História não pode, por si só, explicar o 
desmoronamento da paz. Outros fatores têm que se haver intrometido 
nas últimas décadas do século XX. As mudanças na balança demográfica 
foram um desses fatores. A expansão quantitativa de um grupo gera 
pressões políticas, econômicas e sociais sobre outros grupos e induz 
reações para contrabalançá-las. Mais importante ainda, ela produz pres¬ 
sões militares sobre grupos menos dinâmicos demograficamente. O 
colapso no começo da década de 70 da ordem constitucional que existia 
havia 30 anos no Líbano foi, em grande parte, fruto do aumento 
espetacular da população xiita em relação aos cristãos maronitas. Gary 
Fuller mostrou que, em Sri Lanka, o auge da insurreição nacionalista 
cingalesa em 1970 e da insurreição tâmil no final dos anos 80 coincidiu 
exatamente com os anos em que o “bolsão de jovens” de 15 a 24 anos 
de idade desses grupos excedeu os 20 por cento do total da população 
do grupo 27 (ver Fig. 10.1). Um diplomata norte-americano que serviu em 
Sri Lanka observou que os insurretos cingaleses tinham praticamente 
todos menos de 24 anos de idade, e, segundo se informou, os Tigres 
Tâmiles eram “singulares no fato de confiarem no que equivale a um 
exército de crianças”, recrutando “meninos e meninas até de 11 anos de 
idade”, e os que morreram em combates “ainda nem eram adolescentes 
quando morreram, apenas alguns com mais de 18 anos”. TheEconomist 
assinalou que os Tigres estavam conduzindo uma “guerra de menores 

Figura 10.1 

Sri Lanka: Bolsões de Jovens Cingaleses e Tâmiles 

Pofcentagem sobre o total da população, faixa etária 15-24 

de idade”. 28 De modo semelhante, as guerras de linha de fratura entre 
os russos e os povos muçulmanos ao sul foram alimentadas por grandes 
diferenças no crescimento populacional. No início dos anos 90, a taxa 
de fertilidade das mulheres na Federação Russa era de 1,5, enquanto que 
nas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, predominantemente muçul¬ 
manas, a taxa de fertilidade era de cerca de 4,4 e o índice de aumento 
líquido da população (taxa bruta de natalidade menos taxa bruta de 
mortandade) no final dos anos 80 era, nestas últimas, seis vezes maior 
do que na Rússia. 29 A Chechênia era um dos lugares mais densamente 
povoados da Rússia, suas altas taxas de natalidade produzindo migrantes 
e combatentes. De modo análogo, altas taxas de natalidade em Caxemira 
e a migração do Paquistão para lá estimularam uma resistência renovada 
à autoridade indiana. 

Os complicados processos que levaram a guerras intercivilizacionais 
na antiga Iugoslávia tiveram muitas causas e muitos pontos de partida. 
Entretanto, o fator mais importante, tomado isoladamente, que levou a 
esses conflitos, provavelmente foi a mudança demográfica que ocorreu 
em Kosovo. Kosovo era uma província autônoma dentro da República 
Sérvia, com os poderes de facto das seis repúblicas da Iugoslávia, exceto 
o direito à secessão. Em 1961, sua população se compunha de 67 por cento 
de albaneses muçulmanos e 24 por cento de sérvios ortodoxos. Contudo, 
a taxa de natalidade albanesa era a mais alta da Europa, e Kosovo se tomou 
a área de maior densidade populacional da Iugoslávia. Correspondendo a 
quatro por cento do território iugoslavo, Kosovo tinha oito por cento de 
iugoslavos. Ao se chegar aos anos 80, perto de 50 por cento dos albaneses 
tinham menos de 20 anos de idade. Defrontados com essa quantidade, 
os sérvios emigraram de Kosovo em busca de oportunidades econômicas 
em Belgrado e em outros lugares. Em conseqüência, em 1991 Kosovo tinha 
90 por cento de muçulmanos e 10 por cento de sérvios. 50 Não obstante, os 
sérvios consideravam Kosovo como sua “terra santa”, ou “Jerusalém”, o local, 
entre outras coisas, da grande batalha de 28 de junho de 1389, quando 
foram derrotados pelos turcos otomanos e, como resultado, padeceram 
o regime otomano durante quase cinco séculos. 

No final de década de 80, a mudança na balança demográfica levou 
os albaneses a exigirem que Kosovo fosse elevada à condição de 
república iugoslava. Os sérvios e o governo iugoslavo resistiram, teme¬ 
rosos de que uma vez que tivesse o direito à secessão, Kosovo se 
separaria da Iugoslávia e possivelmente se uniria à Albânia. Em março 
de 1981, albaneses irromperam em protestos e distúrbios de rua com 
reivindicações pelo status de república. Segundo os sérvios, intensifica¬ 
ram-se então a discriminação, a perseguição e a violência contra os 
sérvios. Um croata protestante assinalou que “em Kosovo, a partir do 
final da década de 70, (...) ocorreram numerosos incidentes violentos, 
que incluíram danos à propriedade, perda de emprego, provocações, 
estupros, brigas e assassinatos”. Em conseqüência, “os sérvios alegaram 
que a ameaça a eles tinha proporções genocidas e que não iriam mais 
tolerar esse estado de coisas”. As agruras dos sérvios de Kosovo 
repercutiram em outras áreas da Sérvia e, em 1986, geraram uma 
declaração de 200 destacados intelectuais, personalidades políticas, 
líderes religiosos e oficiais das forças armadas sérvios, inclusive os 
editores da revista de oposição liberal Praxis , exigindo do governo 
medidas enérgicas para pôr fim ao genocídio dos sérvios em Kosovo. À 
luz de qualquer definição razoável de genocídio, essa acusação era muito 
exagerada, embora, segundo um observador estrangeiro simpático aos 
albaneses, “durante os anos 80, os nacionalistas albaneses fossem 
responsáveis por uma quantidade de ataques violentos contra os sérvios 
e pela destruição de algumas propriedades de sérvios”. 31 

Tudo isso exacerbou o nacionalismo sérvio, e Slobodan Milosevic 
vislumbrou sua oportunidade. Em 1987, ele pronunciou importante 
discurso em Kosovo, apelando aos sérvios para que resgatassem sua 
própria terra e sua história. “Imediatamente, um grande número de 
sérvios — comunistas, não-comunistas e até anticomunistas — começou 
a se congregar ao seu redor, decididos não só a proteger a minoria sérvia 
em Kosovo, mas também a reprimir os albaneses e transformá-los em 
cidadãos de segunda classe. Em pouco tempo, Milosevic estava sendo 
reconhecido como líder nacional.” 32 Dois anos depois, Milosevic retor¬ 
nou a Kosovo, junto com de um a dois milhões de sérvios, para celebrar 
o 600 Q aniversário da grande batalha que simbolizava sua guerra ininter¬ 
rupta contra os muçulmanos. 

Os temores e o nacionalismo sérvios, provocados pela quantidade 
e poder crescentes dos albaneses, foram acentuados ainda mais pelas 
mudanças demográficas na Bósnia. Em 1961, os sérvios constituíam 43 
por cento e os muçulmanos 26 por cento da população da Bósnia-Her- 
zegovina. Ao se chegar a 1991, as proporções eram quase exatamente o 
oposto: os sérvios tinham caído para 31 por cento e os muçulmanos 
tinham subido para 44 por cento. Durante esses 30 anos, os croatas 
passaram de 22 por cento para 17 por cento. A expansão étnica de um 
grupo levou à limpeza étnica do outro. “Por que matamos meninos?”, 

332 

perguntou em 1992 um combatente sérvio, e ele próprio respondeu: 
“Porque um dia eles irão crescer e nós teremos que matá-los então.” De 
forma menos brutal, as autoridades croatas na Bósnia agiram a fim de 
impedir que suas localidades fossem “ocupadas demograficamente” 
pelos muçulmanos. 33 

Alterações de 20 por cento ou mais nas balanças demográficas e 
nos bolsões de jovens respondem por muitos dos conflitos interciviliza- 
cionais do final do século XX. Entretanto, elas não explicam todos eles. 
As lutas entre sérvios e croatas, por exemplo, não podem ser explicadas 
pela demografia e, aliás, só parcialmente pela História, já que esses dois 
povos viveram juntos numa forma relativamente pacífica até que os 
utachis croatas trucidaram sérvios na II Guerra Mundial. Aqui e ali a 
política também foi uma das causas da luta. O colapso dos impérios 
austro-húngaro, otomano e russo ao final da I Guerra Mundial estimulou 
os conflitos étnicos e civilizacionais entre os povos e Estados que os 
sucederam. O final dos impérios britânico, francês e holandês produziu 
resultados semelhantes depois da II Guerra Mundial. A queda dos 
regimes comunistas na União Soviética e na Iugoslávia fez o mesmo no 
final da Guerra Fria. As pessoas, que não mais podiam se identificar como 
comunistas, cidadãos soviéticos ou iugoslavos, necessitavam deses¬ 
peradamente encontrar novas identidades e as acharam nos velhos 
recursos habituais da etnia e da religião. A ordem opressora, mas pacífica, 
dos Estados devotados à proposição de que não há deus foi substituída 
pela violência dos povos devotados a deuses diferentes. 

Esse processo foi exacerbado pela necessidade das entidades 
políticas que surgiam de adotar procedimentos democráticos. Quando a 
União Soviética e a Iugoslávia começaram a se desagregar, as elites que 
estavam no poder não organizaram eleições nacionais. Se o tivessem 
feito, os líderes políticos teriam competido pelo poder no centro e 
poderiam ter tentado desenvolver apelos multiétnicos e multicivilizacio- 
nais ao eleitorado, formando assim no Parlamento coligações majoritárias 
de composição análoga. Em vez disso, tanto na União Soviética como na 
Iugoslávia, as eleições foram primeiramente organizadas no âmbito das 
repúblicas, o que criou o incentivo irresistível para que os líderes políticos 
fizessem campanha contra o centro, apelassem para o nacionalismo 
étnico e promovessem a independência de suas repúblicas. Até mesmo 
dentro da Bósnia o eleitorado votou segundo linhas estritamente étnicas 
nas eleições de 1990. O Partido Reformista, multiétnfco, e o antigo Partido 
Comunista obtiveram cada um menos de 10 por cento dos votos. Os 

333 

totais de votos recebidos pelo Partido Muçulmano de Ação Democrática 
(34 por cento), pelo Partido Democrático Sérvio (30 por cento) e pela 
União Democrática Croata (18 por cento) reproduziram as proporções 
de muçulmanos, sérvios e croatas na população. As primeiras eleições 
razoavelmente disputadas em quase todas as ex-repúblicas soviéticas e 
iugoslavas foram ganhas por líderes políticos que apelaram para os 
sentimentos nacionalistas e prometeram ação enérgica para defender sua 
nacionalidade contra outros grupos étnicos. A competição eleitoral 
encoraja os chamamentos nacionalistas e, desse modo, promove a 
intensificação dos conflitos de linha de fratura e as guerras de linha de 
fratura. Quando, na frase de Bogdan Denitch, “etnos se toma demof^ 
o resultado é polemos (guerra). Posteriormente, porém, quando uma ou 
mais partes em guerra se exaurem, os eleitores podem favorecer os líderes 
políticos que promovam as negociações e uma acomodação, como 
aconteceu nas eleições de 1994 em Sri Lanka. 

Persiste a indagação de por que, quando o século XX chega ao fim, 
os muçulmanos estão envolvidos em muito mais violência intergrupos 
do que os povos de outras civilizações. Será que sempre foi assim? No 
passado, cristãos mataram cristãos e outras pessoas em quantidades 
maciças. Avaliar a propensão para a violência das civilizações através da 
História exigiria imensa pesquisa, que é impossível aqui. Contudo, o que 
se pode fazer é identificar as possíveis causas da atual violência de grupo 
dos muçuknanos, tanto dentro do Islã como fora dele, e distinguir entre 
aquelas causas que explicam uma propensão maior para os conflitos de 
grupos através da História, quando ela tiver existido, daquelas que 
explicam uma propensão assim no final do século XX. Seis causas 
possíveis se apresentam. Três delas explicam apenas a violência entre 
muçulmanos e não-muçulmanos, e três explicam tanto essa como a 
violência interna do Islã. Três também explicam apenas a propensão 
contemporânea dos muçulmanos para a violência, enquanto as outras 
três explicam essa e uma propensão muçulmana histórica, caso ela exista. 
Entretanto, se inexiste essa propensão histórica, então suas supostas 
causas, que não são capazes de explicar uma propensão histórica 
inexistente também, supõe-se, não explicam a comprovada propensão 
contemporânea dos muçulmanos para a violência de grupo. Esta última 
só pode ser explicada por causas do século XX que não existiam nos 
séculos anteriores (Quadro 10.4). 

Em primeiro lugar, há quem sustente que o Islamismo foi, desde o 
seu começo, uma religião da espada e que ele glorifica as virtudes 

Quadro 10.4 

Poss íveis Causas da Propensão Muçulmana para o Conflito ___ 

Conflito Extramuçulmano / Conflito Intra e 

Muçulmano _ Extramuçulmano 

Conflitos históricos e Proximidade Militarismo 

contemporâneos Indigestabilidade 

Conflitos contemporâneos Condição de vítima Bolsão demográfico 

__ inexistência de Estado-nucleo 

militares. O Islamismo se originou em meio a “tribos beduínas nômades 
sempre em guerra”, e “essa origem violenta está estampada na fundação 
do Islamismo. O próprio Maomé é recordado como um guerreiro 
empedernido e um hábil comandante militar”. 35 (Ninguém diria o mesmo 
de Cristo ou de Buda.) Argumenta-se que as doutrinas do Islamismo 
ditam a guerra contra os infiéis e, quando a expansão inicial do Islã se 
exauriu, os grupos muçulmanos, muito ao contrario da doutrina, pas¬ 
saram a lutar entre si. A proporção da fitna y ou conflitos internos, para 
a jihad mudou de forma espetacular em favor da primeira. O Corão e 
outros textos do credo muçulmano contêm poucas proibições à violência, 
e não há na doutrina e na prática muçulmanas uma concepção de 
não-violência. 

Em segundo lugar, desde as suas origens na Arábia, o Islamismo se 
espalhou logo pelo Norte da África e grande parte do Oriente Médio e, 
mais tarde, pela Ásia Central, pelo Subcontinente e pelos Bálcãs. Essa 
expansão pôs os muçulmanos em contato direto com muitos povos 
diferentes, que foram conquistados e convertidos, e o legado desse 
processo persiste. Na esteira das conquistas otomanas nos Bálcãs, muitas 
vezes os urbanizados eslavos do Sul se converteram ao Islamismo, 
enquanto que os camponeses das zonas rurais não se converteram, e 
assim nasceu a distinção entre os bósnios muçulmanos e os sérvios 
ortodoxos. Inversamente, a expansão do Império Russo até o Mar Negro, 
o Cáucaso e a Ásia Central colocou-o em conflitos ininterruptos durante 
vários séculos com vários povos muçulmanos. O patrocínio pelo Ociden¬ 
te, no auge do seu poderio em relação ao Islã, de uma pátria judaica no 
Oriente Médio lançou a base para um continuado antagonismo arábico- 
israelense. A expansão por terra de muçulmanos e não-muçulmanos 
resultou assim em que muçulmanos e não-muçulmanos vivam em íntima 
proximidade física através de toda a Eurásia. Em contraste, a expansão 
do Ocidente por mar em geral não levou os povos ocidentais a viverem 
em proximidade territorial de povos não-ocidentais, que ou ficaram 
submetidos à autoridade da Europa ou, com exceção da África do Sul, 
foram praticamente dizimados pelos colonizadores ocidentais. 

Uma terceira possível fonte de conflito entre muçulmanos e não- 
muçulmanos envolve o que um estadista, referindo-se a seu próprio país, 
denominou de “indigestibilidade” dos muçulmanos. Entretanto a indiges- 
tibilidade funciona nos dois sentidos: os países muçulmanos têm proble¬ 
mas com as minorias não-muçulmanas comparáveis aos que os países 
não-muçulmanos têm com minorias muçulmanas. Mais até do que o 
Cristianismo, o Islamismo é uma fé absolutista. Ela funde religião e 
política e traça uma linha nítida entre aqueles do Dar al-Islam e aqueles 
do Daral-harb. Em conseqüência, confucianos, budistas, hindus, cristãos 
ocidentais e cristãos ortodoxos têm menos dificuldade para se adaptar 
uns aos outros e viver uns com os outros do que qualquer deles tem para 
se adaptar aos muçulmanos e viver com os muçulmanos. Os chineses 
étnicos, por exemplo, são uma minoria economicamente predominante 
na maioria dos países do Sudeste Asiático. Eles foram assimilados com 
êxito nas sociedades da Tailândia budista e das Filipinas católicas; 
praticamente não há exemplos significativos de violência antichinesa por 
parte dos grupos majoritários nesses países. Em contraste, ocorreram 
distúrbios de rua e/ou violência antichinesa na Indonésia muçulmana e 
na Malásia muçulmana, e o papel dos chineses nessas sociedades 
continua sendo uma questão potencialmente delicada e explosiva, de 
uma maneira que não se observa na Tailândia nem nas Filipinas. 

Militarismo, indigestibilidade e proximidade de grupos não-muçul¬ 
manos são características persistentes do Islã, e poderiam explicar a 
propensão muçulmana para o conflito ao longo da História, se for o caso. 
Três outros fatores temporariamente limitados poderiam contribuir para 
essa propensão no final do século XX. Uma explicação, exposta por 
muçulmanos, é a de que o imperialismo ocidental e a sujeição de 
sociedades muçulmanas nos séculos XIX e XX produziram uma imagem 
de debilidade militar e econômica muçulmana e, por conseguinte, 
encorajam os grupos não-islâmicos a encarar os muçulmanos como um 
alvo atraente. Segundo esse raciocínio, os muçulmanos são vítimas de 
um preconceito muito difundido, comparável ao anti-semitismo que 
historicamente permeou as sociedades ocidentais. Akbar Ahmed afirma 
que grupos muçulmanos como os palestinos, os bósnios, os caxemiren- 
ses e os chechenos são como “os peles-vermelhas, grupos deprimidos, 
destituídos de dignidade, presos em reservas extraídas de suas terras 
ancestrais”. 36 Contudo, o argumento dos muçulmanos como vítimas não 
explica os conflitos entre maiorias muçulmanas e minorias não-muçul¬ 
manas em países como Sudão, Egito, Irã e Indonésia. 

Um fator mais convincente que possivelmente explica os conflitos 
tanto intra como extra-islâmicos é a inexistência de um ou mais Estados- 
núcleos no Islã. Os países que aspiram a ser líderes do Islã, como a Arábia 
Saudita, o Irã, o Paquistão, a Turquia e, potencialmente, a Indonésia, 
competem por influência no mundo muçulmano. Nenhum deles está 
numa posição forte para mediar os conflitos dentro do Islã. E nenhum 
deles é capaz de atuar com autoridade em nome do Islã ao lidar com 
conflitos entre grupos muçulmanos e não-muçulmanos. 

Finalmente, e de maior importância, a explosão demográfica nas 
sociedades muçulmanas e a disponibilidade de grande quantidade de 
homens freqüentemente desempregados, entre as idades de 15 e 30 anos, 
é uma fonte natural de instabilidade e violência, tanto no seio do Islã 
como contra não-muçulmanos. Quaisquer outras causas podem estar 
operando, mas esse fator sozinho muito serviria para explicar a violência 
nos anos 80 e 90. O envelhecimento dessa geração de filhotes de tigre 
ao se chegar à terceira década do século XXI e o desenvolvimento 
econômico das sociedades muçulmanas, se e quando ele ocorrer, 
poderiam conseqüentemente levar a uma redução significativa da pro¬ 
pensão muçulmana para a violência e, por conseguinte, a uma diminui¬ 
ção geral da freqüência e intensidade das guerras de linha de fratura. 


Capítulo 11 


A Dinâmica das Guerras de Linha de Fratura 

IDENTIDADE: O AUMENTO DA CONSCIÊNCIA ClVILIZACIONAL 

A s guerras de linha de fratura passam por processos de intensificação, 
expansão, contenção, interrupção e, raramente, solução. Esses 
processos geralmente começam em forma seqüencial, porém muitas 
vezes também se superpõem e podem ser repetidos. Uma vez iniciadas, as 
guerras de linha de fratura, tal como outros conflitos comunitários, tendem 
a adquirir vida própria e a se desenvolver num padrão de ação e reação. 
Identidades que anteriormente tinham sido múltiplas e descontraídas pas¬ 
sam a ser intensas e enrijecidas — é muito apropriado que os conflitos 
comunitários sejam denominados “guerras de identidade”. 1 À medida que 
a violência aumenta, as questões que estavam inicialmente em pauta tendem 
a ser redefinidas de modo mais exclusivo como “nós” contra “eles”, e 
aumentam a coesão e dedicação do gmpo. Os líderes políticos ampliam e 
aprofundam seus apelos a lealdades étnicas e religiosas, e a consciência da 
civilização se reforça em relação a outras identidades. Surge uma “dinâmica 
de ódio”, comparável ao “dilema da segurança” nas relações internacionais, 
na qual os temores, a desconfiança e o ódio recíprocos se alimentam 
mutuamente. 2 Cada lado dramatiza e amplia a distinção entre as forças 
da virtude e as forças do mal, e acaba tentando transformar essa distinção 
na que irá ser a definitiva, entre a rapidez e a morte. 

À medida que as revoluções evoluem, os moderados, os girondinos 
e os mencheviques perdem para os radicais, os jacobinos e os bolchevi¬ 
ques. Um processo análogo tende a ocorrer nas guerras de linha de 
fratura. Os moderados, que têm metas mais limitadas, como autonomia 
em vez de independência, não as atingem através da negociação, que 
quase sempre fracassa inicialmente, e são suplementados ou suplantados 
por radicais dedicados a atingir metas mais extremadas através da 
violência. No conflito moro-filipino, o principal grupo insurreto, a Frente 
Moro de Libertação Nacional, foi primeiro suplementada pela Frente 
Moro Islâmica de Libertação, que tinha uma posição mais extremada, e 
depois por Abu Sayyaf, que era ainda mais extremado e rejeitou os 
cessar-fogo que outros grupos haviam negociado com o governo filipino. 
No Sudão, durante a década de 80, o governo adotou posições fun- 
damentalistas islâmicas cada vez mais extremadas e, no começo dos anos 
90, a insurreição cristã se rachou, com um novo grupo, o Movimento de 
Independência do Sudão Meridional, advogando a independência em 
vez de apenas a autonomia. No conflito contínuo entre israelenses e 
árabes, à medida que a Organização de Libertação Palestina, da maioria, 
se movia no sentido das negociações com o governo israelense, o Hamas, 
da Irmandade Muçulmana, entrou em disputa com ela pela lealdade dos 
palestinos. Simultaneamente, o engajamento do governo israelense em 
negociações gerou protestos e violência por parte de grupos religiosos 
extremados em Israel. Quando o conflito checheno com a Rússia se 
intensificou em 1992-93, o governo Dudayev passou a ser dominado 
“pelas facções mais radicais dos nacionalistas chechenos que se opunham 
a qualquer acomodação com Moscou, e as forças mais moderadas foram 
empurradas para a oposição”. No Tadjiquistão ocorreu uma alteração 
semelhante. “Quando o conflito entrou numa escalada durante 1992, os 
grupos nacionalistas e democratas tadjiques gradualmente cederam 
influência para os grupos fundamentalistas islâmicos, que haviam tido 
mais êxito na mobilização dos pobres da zona rural e dos jovens 
descontentes nas áreas urbanas. A mensagem fundamentalista islâmica 
também se tornou progressivamente mais radicalizada, à medida que 
emergiam líderes mais jovens para contestar a hierarquia religiosa mais 
tradicional e pragmática.” Um dos líderes tadjiques declarou: “Estou 
fechando o dicionário da diplomacia. Estou começando a usar a lingua¬ 
gem do campo de batalha, que é a única apropriada, dada a situação 
criada pela Rússia na minha pátria.” 3 Na Bósnia, no seio do Partido 
Muçulmano de Ação Democrática (SDA), a facção nacionalista mais 
extremada, liderada por Alija Izetbegovic, passou a ter mais influência 
do que a facção mais tolerante, de orientação multicultural, liderada por 
Haris Silajdzic. 4 

A vitória dos extremistas não é necessariamente permanente. A 
violência extremista não tem maior probabilidade do que a acomodação 
moderada de pôr termo a uma guerra de linha de fratura. À medida que 
aumentam os custos em mortes e destruição, com poucos resultados para 
serem mostrados em troca, há probabilidade de que reapareçam os 
moderados de cada lado, mais uma vez apontando a “falta, de sentido” 
de tudo isso e instando para que se faça outra tentativa de terminar o 
conflito através de negociações. 

No curso da guerra, as identidades múltiplas se desvanecem e a 
identidade mais relevante em relação ao conflito passa a predominar. 
Essa identidade quase sempre é definida pela religião. Psicologicamente, 
a religião proporciona a justificativa mais tranqüilizadora e revigorante 
para a luta contra as forças “sem deus”, que são vistas como ameaçadoras. 
Em termos práticos, a comunidade religiosa ou civilizacional é a comu¬ 
nidade mais ampla à qual pode recorrer, em busca de apoio, o grupo 
envolvido no conflito. Se, numa guerra local entre duas tribos africanas, 
uma tribo puder se definir como muçulmana e a outra como cristã, a 
primeira pode ter a esperança de ser reforçada por dinheiro saudita, 
mujahedim afegãos e armas e assessores militares iranianos, enquanto 
que a segunda pode procurar ajuda econômica e humanitária ocidental 
e apoio político e diplomático de governos ocidentais. A menos que um 
grupo possa fazer como os muçulmanos da Bósnia e se apresentar, de 
modo convincente, como vítima de genocídio e com isso suscitar apoio 
do Ocidente, ele só pode esperar receber assistência significativa de seus 
afins civilizacionais, e assim tem sido, com exceção dos muçulmanos da 
Bósnia. As guerras de linha de fratura são, por definição, guerras locais 
entre grupos locais com conexões mais amplas, e, portanto, promovem 
as identidades civilizacionais entre os que delas participam. 

O fortalecimento de identidades civilizacionais ocorreu entre parti¬ 
cipantes de guerras de linha de fratura de outras civilizações, mas 
aconteceu com especial intensidade entre muçulmanos. Uma guerra de 
linha de fratura pode ter origem em conflitos de família, clã ou tribo, mas 
como as identidades no mundo muçulmano tendem a ter o formato de U, 
à medida que a luta progride os participantes muçulmanos logo buscam 
ampliar sua identidade e apelar para todo o Islã. Até mesmo um antifím- 
damentalista secularista como Saddam Hussein, quando engajado num 
conflito com o Ocidente, rapidamente adota uma identidade muçulmana 
e tenta congregar apoio através de toda a ummah . Um ocidental assinalou 
que, de modo análogo, o governo do Azerbaijão recorreu ao “trunfo 
islâmico”. No Tadjiquistão, numa guerra que começou como um conflito 
regional, os insurretos cada vez mais definiram sua causa como a causa 
do Islã. Nas guerras do século XIX entre os povos do Cáucaso Setentrional 
e os russos, Shamil se intitulou um fundamentalista islâmico e uniu 
dezenas de grupos étnicos e lingüísticos “com base no Islamismo e na 
resistência à conquista russa”. Nos anos 90, Dudayev capitalizou sobre o 
Ressurgimento Islâmico que tinha ocorrido no Cáucaso na década de 80 
para adotar uma estratégia semelhante. Ele recebeu o apoio de sacerdotes 
muçulmanos e de partidos fundamentalistas islâmicos, fez seu juramento 
de posse sobre o Corão (do mesmo modo que Yeltsin o fez sobre a 
Bíblia) e, em 1994, propôs que a Chechênia se tomasse um Estado 
islâmico governado segundo a shari*a. As tropas chechenas usavam 
lenços verdes, “inscritos com a palavra ‘Gavazat , que quer dizer guerra 
santa em checheno”, e gritavam “Allahu Akbar” quando se lançavam ao 
combate. 5 De maneira semelhante, a autodefinição de muçulmanos de 
Caxemira mudou de uma identidade regional que abrangia muçulmanos, 
hindus e budistas, ou uma identificação com o secularismo indiano, para 
uma terceira identidade que se refletia “na ascensão do nacionalismo 
muçulmano em Caxemira e na difusão de valores fundamentalistas 
islâmicos transnacionais, que fizeram com que os muçulmanos caxemi- 
renses se sentissem parte tanto do Paquistão islâmico como do mundo 
islâmico”. A insurreição de 1989 contra a índia foi originariamente 
liderada por uma organização “relativamente secular”, apoiada pelo 
governo paquistanês. O apoio do Paquistão depois passou para grupos 
fundamentalistas islâmicos, que passaram a predominar. Esses grupos 
incluíam “insurretos convictos” que pareciam “dedicados a prosseguir na 
sua jihad por si mesma, qualquer que fosse a esperança e o desenlace”. 
Um outro observador informou que “os sentimentos nacionalistas foram 
acentuados pelas diferenças religiosas; a ascensão mundial da militância 
islâmica deu estímulo aos insurretos caxemirenses e erodiu a tradição de 
tolerância hindu-muçulmana da Caxemira”. 6 

Um acirramento espetacular de identidades civilizacionais ocorreu 
na Bósnia, especialmente em sua comunidade muçulmana. Historica¬ 
mente, as identidades comunitárias na Bósnia não foram fortes: sérvios, 
croatas e muçulmanos viviam juntos pacificamente como vizinhos, eram 
comuns os casamentos entre eles, as identificações religiosas eram 
tênues. Dizia-se que os muçulmanos eram bósnios que não iam à 
mesquita, os croatas eram bósnios que não iam à catedral e os sérvios 
eram bósnios que não iam à igreja ortodoxa. Contudo, quando a 
identidade iugoslava, mais genérica, se desfez, essas descontraídas 
identidades religiosas adquiriram nova relevância e, quando os combates 
começaram, intensificaram-se. O multicomunitarismo se evaporou e cada 
grupo se identificou cada vez mais com sua comunidade cultural ampla, 
definindo-se em termos religiosos. Os sérvios da Bósnia se tomaram 
nacionalistas sérvios extremados, identificando-se com a Grande Sérvia, 
a Igreja Ortodoxa Sérvia e toda a comunidade ortodoxa. Os croatas da 
Bósnia passaram a ser os mais fervorosos nacionalistas croatas, se 
consideraram cidadãos da Croácia, acentuaram seu Catolicismo e, junta¬ 
mente com os croatas da Croácia, sua identidade com o Ocidente católico. 

A mudança dos muçulmanos no sentido da consciência civilizacio- 
nal foi ainda mais marcada. Até que a guerra começasse, os muçulmanos 
da Bósnia eram profundamente seculares em suas concepções, se viam 
como europeus e eram os mais firmes defensores de uma sociedade e 
de um Estado bósnios multiculturais. Entretanto, isso começou a mudar 
com o esfacelamento da Iugoslávia. Tal como os croatas e os sérvios, nas 
eleições de 1990, os muçulmanos repudiaram os partidos multicomuni- 
tários, votando maciçamente pelo Partido Muçulmano de Ação Demo¬ 
crática (SDA), liderado por Izetbegovic. Trata-se de um muçulmano 
praticante, posto na prisão por seu ativismo fundamentalista islâmico pelo 
governo comunista, que num livro — The Islamic Declamtion [A 
Declaração Islâmica] —, publicado em 1970, sustentou “a incompatibili¬ 
dade do Islamismo com sistemas não-islâmicos. Não pode haver nem 
paz nem coexistência entre a religião islâmica e as instituições sociais e 
políticas não-islâmicas”. Quando o movimento islâmico for suficiente¬ 
mente forte, ele tem que assumir o poder e criar uma república islâmica. 
Nesse novo Estado, é particularmente importante que a educação e a 
mídia “estejam nas mãos de pessoas cujas autoridade intelectual e moral 
islâmica sejam indiscutíveis”. 7 

Quando a Bósnia ficou independente, Izetbegovic promoveu um 
Estado multiétnico, no qual os muçulmanos seriam o grupo dominante, 
embora sem conseguir ser maioria. Entretanto, ele não era a pessoa para 
resistir à islamização de seu país produzida pela guerra. Ele nunca 
repudiou publicamente o que escrevera em The Islamic Declamtion, o 
que gerou temores entre os não-muçulmanos. À medida que prosseguia 
a guerra, sérvios e croatas da Bósnia se mudaram das áreas controladas 
pelo governo bósnio, e aqueles que permaneceram nelas se viram 
gradualmente excluídos dos empregos desejáveis e de participação nas 
instituições sociais. “O Islamismo adquiriu maior importância no seio da 
comunidade muçulmana nacional e (...) uma forte identidade nacional 
muçulmana se tomou parte da política e da religião.” O nacionalismo 
muçulmano, em contraposição ao nacionalismo multicultural bósnio, pas¬ 
sou a ser cada vez mais expresso na mídia. O ensino religioso se expandiu 
nas escolas e os novos livros didáticos enfatizavam os benefícios do regime 
otomano. O idioma bósnio foi promovido como distinto do servo-croata, e 
mais e mais palavras turcas e árabes foram a ele incorporadas. Os 
funcionários do governo atacavam os casamentos mistos e a transmissão de 
música “agressora” ou sérvia. O governo incentivou a religião islâmica e deu 
preferência aos muçulmanos nas admissões e promoções de pessoal. Mais 
importante ainda, o exército bósnio ficou islamicizado, com os muçul¬ 
manos constituindo mais de 90 por cento de seus efetivos em 1995. Um 
número cada vez maior de unidades do exército se identificou com o 
Islamismo, se dedicou a práticas islâmicas e fazia uso de símbolos 
muçulmanos, com as unidades de elite sendo as mais profundamente 
islamicizadas e em maior quantidade. Essa tendência levou a um protesto 
por cinco membros (dos quais dois croatas e dois sérvios) da Presidência 
da Bósnia a Izetbegovic, que o rejeitou, e levou também à renúncia em 
1995 do primeiro-ministro Haris Silajdzic, 8 de orientação multicultural. 

No campo político, o partido muçulmano de Izetbegovic, o SDA, 
ampliou seu controle sobre o Estado e a sociedade bósnios. Ao se chegar 
a 1995, ele dominava “o exército, o serviço público e as empresas 
estatais”. Segundo se informou, “os muçulmanos que não pertencem ao 
partido, para não mencionar os não-muçulmanos, têm dificuldade para 
encontrar bons empregos”. Os que criticavam o partido acusaram-no de 
“se haver transformado no veículo de um autoritarismo islâmico marcado 
pelos hábitos do governo comunista”. 9 Um outro observador informou 
que, de forma geral, 
o nacionalismo muçulmano está ficando mais extremado. Atualmente 
ele não leva absolutamente em consideração outras sensibilidades 
nacionais. Ele é propriedade, privilégio e instrumento político da 
recém-predominante nação muçulmana. (...) 

O principal resultado desse novo nacionalismo muçulmano é um 
movimento em direção à homogeneização nacional. (...) 

Cada vez mais, o fiindamentalismo islâmico também está ganhando 
preponderância na determinação dos interesses nacionais muçulma- 

ZÁ2 

A intensificação da identidade religiosa produzida pela guerra e pela 
limpeza étnica, as preferências de seus líderes e o apoio e pressão de 
outros Estados muçulmanos estavam, de forma lenta mas clara, 
transformando a Bósnia, da Suíça dos Bálcãs , no írã dos Bálcãs. 

Psicológica e pragmaticamente, cada lado tem incentivos para 
enfatizar não só sua própria identidade civilizacional como também a do 
outro lado. Em sua guerra local, ele se vê combatendo não apenas um 
outro grupo étnico local, mas uma outra civilização. A ameaça é assim 
ampliada e acentuada pelos recursos de uma grande civilização, e a 
derrota tem conseqüências não só para o grupo como para toda a sua 
própria civilização. Daí a necessidade imperiosa para sua própria civili¬ 
zação de se congregar em seu apoio no conflito. A guerra local passa a 
ser redefinida como uma guerra de religiões, um choque de civilizações, 
pleno de conseqüências para enormes segmentos da Humanidade. No 
começo dos anos 90, quando a religião e a Igreja Ortodoxa voltaram a 
ser elementos fundamentais da identidade nacional russa, que “es¬ 
premeram outros credos russos, dos quais o Islamismo é o mais 
importante”, n os russos concluíram que era do seu interesse classificar 
a guerra entre clãs e regiões no Tadjiquistão e a guerra com a Chechênia 
como partes de um choque mais amplo, que remontava a séculos atrás, 
entre a Ortodoxia e o Islamismo, com os seus adversários locais agora 
dedicados ao fundamentalismo islâmico e à jihad e representando 
Islamabad, Teerã, Riade e Ancara. 

Na antiga Iugoslávia, os croatas se consideram os valorosos guar¬ 
diães da fronteira do Ocidente contra o ataque da Ortodoxia e do 
Islamismo. Os sérvios reconhecem como seus inimigos não apenas os 
croatas e os muçulmanos da Bósnia, mas “o Vaticano” e “fundamentalistas 
islâmicos e “turcos infames” que vêm ameaçando o Cristianismo há 
séculos. Um diplomata ocidental disse, referindo-se ao líder dos sérvios 
da Bósnia: “Karadzic encara isso como a guerra antiimperialista na 
Europa. Ele fala de ter a missão de erradicar os últimos vestígios do 
império turco-otomano na Europa.” 12 Os muçulmanos da Bósnia, por 
sua vez, se identificam como as vítimas do genocídio, ignorado pelo 
Ocidente por causa de sua religião, e, portanto, merecedores do apoio 
do mundo muçulmano. Todas as partes envolvidas nas guerras iugoslavas 
e a maioria dos observadores de fora — passaram assim a considerá-las 
como guerras religiosas ou étnico-religiosas. Misha Glenny destacou que 
o conflito “assimilou cada vez mais as características de uma luta religiosa, 
definida pelos três grandes credos europeus — Catolicismo Romano, 
Ortodoxia Oriental e Islamismo — as sobras das crenças religiosas dos 
impérios cujas fronteiras colidiram na Bósnia”. 13 

A percepção das guerras de linha de fratura como choques civili- 
zacionais também deu novo alento à teoria do dominó, que existira 
durante a Guerra Fria. Atualmente, porém, são os principais Estados das 
civilizações que vêem a necessidade de evitar a derrota num conflito 
local, que poderia desencadear uma seqüência de perdas em escalada 
que levaria ao desastre. A dura postura assumida pela índia a respeito 
de Caxemira derivou em grande parte do receio de que sua perda 
estimulasse outras minorias étnicas e religiosas a buscar a independência 
e, assim, conduzisse ao esfacelamento do índia. O ministro russo do 
Exterior, Kozyrev, advertiu que, se a Rússia não pusesse fim à violência 
política no Tadjiquistão, esta provavelmente se alastraria para o Casa- 
quistão e para o Uzbequistão. Argumentou-se que isso poderia então 
promover movimentos secessionistas nas repúblicas muçulmanas da 
Federação Russa, com algumas pessoas aventando a hipótese de que o 
resultado final poderia ser o fundamentalismo islâmico na Praça Verme¬ 
lha. Por conseguinte, disse Yeltsin, a fronteira tadjique-afegã é, “na 
realidade, a da Rússia”. Os europeus, por sua vaz, expressaram a 
preocupação de que o estabelecimento de um Estado muçulmano na 
antiga Iugoslávia criasse uma base para a disseminação de imigrantes 
muçulmanos e do fundamentalismo islâmico, reforçando aquilo a que 
Jacques Chirac se referiu como “les odeurs dlslani ’ na Europa. 14 A 
fronteira da Croácia é, na realidade, a da Europa. 

À medida que uma guerra de linha de fratura se intensifica, cada 
lado pinta com as piores tintas seus adversários, freqüentemente 
apresentando-os como subumanos e, assim, tornando legítimo matá-los^ 
Referindo-se às guerrilhas chechenas, Yeltsin disse que “os cães raivosos 
devem ser abatidos a bala”. O general indonésio Try Sutrisno, referindo- 
se ao massacre de timorenses orientais em 1991 disse: “Essas pessoas 
malformadas têm que ser abatidas a bala (...) e nós as abateremos a 
bala,” Os demônios do passado são ressuscitados no presente: os croatas 
se tornam “ustachis”; os muçulmanos, “turcos”; e os sérvios, “chetniks”. 
Assassinatos em massa, torturas, estupros e brutais expulsões de civis são 
todos justificáveis à medida que o ódio comunitário se alimenta do ódio 
comunitário. Os símbolos e artefatos fundamentais da cultura adversária 
passam a ser alvos. Os sérvios destruíram sistematicamente mesquitas e 
mosteiros franciscanos, enquanto que os croatas fizeram explodir mos¬ 
teiros ortodoxos. Como repositórios de cultura, os museus e as bibliotecas 
são vulneráveis. Assim, as forças de segurança cingalesas incendiaram a 
biblioteca pública de Jaffna, destruindo “documentos históricos e literᬠ
rios insubstituíveis” relacionados com a cultura tâmil, e artilheiros sérvios 
bombardearam e destruíram o Museu Nacional em Sarajevo. Os sérvios 
“limparam” a cidade bósnia de Zvomik de seus 40 mil muçulmanos e 
fincaram uma cruz no local da torre otomana que acabavam de mandar 
pelos ares e que substituíra a igreja ortodoxa arrasada pelos turcos em 
1463. 15 Nas guerras entre culturas, a cultura perde. 

CIVILIZAÇÕES QUE SE CONGREGAM: PAÍSES AFINS E DlÁSPORAS 

Durante os 40 anos da Guerra Fria, os conflitos foram se espalhando num 
sentido descendente à medida que as superpotências tentavam recrutar 
aliados e parceiros, bem como subverter, converter ou neutralizar os 
aliados e parceiros da outra superpotência. Evidentemente, a competição 
era mais intensa no Terceiro Mundo, onde Estados novos e fracos eram 
pressionados pelas superpotências para se juntarem à grande competição 
mundial. No mundo pós-Guerra Fria, inúmeros conflitos comunitários 
substituíram o conflito isolado das superpotências. Quando esses confli¬ 
tos comunitários envolvem grupos de civilizações diferentes, tendem a 
se expandir e a entrar numa escalada. À medida que o conflito se toma 
mais intenso, cada lado tenta reunir apoio de países e grupos que 
pertencem à sua civilização. Apoio de uma ou outra forma, oficial ou 
não-oficial, ostensivo ou clandestino, material, humano, diplomático, 
financeiro, simbólico ou militar, está sempre vindo de um ou mais países 
ou grupos afins. Quanto mais tempo durar um conflito, maior a proba¬ 
bilidade de que mais países afins fiquem envolvidos em papéis de apoio, 
de contenção e de mediação. Em conseqüência dessa “síndrome de país 
afim”, os conflitos de linha de fratura têm um potencial muito maior para 
a escalada do que os conflitos intracivilizacionais, e geralmente requerem 
a cooperação intercivilizacional para serem contidos ou terminados. Em 
contraste com a Guerra Fria, o conflito não flui de cima para baixo, mas 
borbulha de baixo para cima. 

Nas guerras de linha de fratura, os Estados e grupos têm níveis 
diferentes de envolvimento. No nível primário, estão as partes que 
efetivamente estão combatendo e matando umas às outras. Elas podem 
ser Estados, como nas guerras entre a índia e o Paquistão e entre Israel 
e seus vizinhos, mas também podem ser grupos locais, que não são 
Estados ou, na melhor das hipóteses, são Estados embrionários, como 
foi o caso na Bósnia e dos armênios em Nagorno-Karabakh. Esses 
conflitos também podem envolver participantes de um nível secundário, 
geralmente Estados diretamente relacionados com as partes primárias, 
tais como os governos da Sérvia e da Croácia na antiga Iugoslávia, e os 
da Armênia e do Azerbaijão no Cáucaso. Vinculados de modo ainda mais 
remoto com o conflito se encontram os Estados terciários, mais afastados 
dos combates em si, porém com laços civilizacionais com os participan¬ 
tes, tais como a Alemanha, a Rússia e os Estados islâmicos em relação à 
antiga Iugoslávia, e a Rússia, a Turquia e o Irã no caso da disputa 
armênio-azeri. Esses participantes de terceiro nível freqüentemente são 
os Estados-núcleos de suas respectivas civilizações. 

As diásporas dos participantes do nível primário, quando existem, 
também desempenham um papel nas guerras de linha de fratura. Dadas 
as quantidades pequenas de pessoas e armas geralmente envolvidas no 
nível primário, quantidades relativamente modestas de ajuda externa, sob 
a forma de dinheiro, armas ou voluntários, muitas vezes podem ter um 
impacto significativo no desfecho da guerra. 

O que as outras partes têm em jogo no conflito não é idêntico ao 
que têm os participantes do nível primário. O apoio mais dedicado e 
sincero para os participantes do nível primário normalmente vem das 
comunidades da diáspora, que se identificam intensamente com a causa 
de seus afins e se tornam “mais católicos do que o Papa”. Os interesses 
dos governos no segundo e no terceiro níveis são mais complicados. 
Geralmente, eles também proporcionam apoio aos participantes do 
primeiro nível e, mesmo que não o façam, os grupos adversários 
suspeitam que o fazem, o que justifica que estes últimos apoiem seus 
afins respectivos. Além disso, entretanto, os governos nos segundo e 
terceiro níveis têm interesse em conter os combates e não se envolver 
diretamente eles próprios. Por isso, embora apoiando os participantes do 
nível primário, eles também tentam contê-los e induzi-los a moderar seus 
objetivos. Geralmente, eles tentam negociar com seus correspondentes 
de segundo e terceiro níveis situados do outro lado da linha de fratura 
e, desse modo, evitar que uma guerra local se transforme numa guerra 
mais ampla que envolva Estados-núcleos. A Figura 11.1 delineia os 
relacionamentos entre os que podem ser participantes em guerras de 
linha de fratura. Nem todas essas guerras têm todo esse elenco de 
personagens, porém muitas o têm, inclusive as na antiga Iugoslávia e no 
Transcáucaso, e quase todas as guerras de linha de fratura poderiam se 
expandir para vir a envolver todos os níveis de participantes. 

Figura 11.1 

A Estrutura de uma Complexa Guerra de Unha de Fratura 


Civilização A Civilização B 

- apoio 

------ contenção 

-negociação 

De um modo ou de outro, diásporas e países afins estiveram 
envolvidos em todas as guerras de linha de fratura dos anos 90. Dado o 
amplo papel primário de grupos muçulmanos nesse tipo de guerras, os 
governos e associações muçulmanos são os mais freqüentes participantes 
secundários e terciários. Os mais atuantes foram os governos da Arábia 
Saudita, Paquistão, Irã, Turquia e Líbia, que proporcionaram juntos, e às 
vezes com outros Estados muçulmanos, diferentes graus de apoio aos 
muçulmanos que lutavam contra não-muçulmanos na Palestina, Líbano, 
Bósnia, Chechênia, Transcáucaso, Tadjiquistão, Caxemira, Sudão e Filipi¬ 
nas. Além do apoio governamental, muitos grupos muçulmanos do nível 
primário foram reforçados pela internacional fundamentalista islâmica 
composta, de modo informal, pelos combatentes oriundos da Guerra do 
Afeganistão, que participaram de conflitos que vão da guerra civil na Argélia 
e da luta na Chechênia até o conflito nas Filipinas. Um analista observou 
que essa internacional islâmica esteve envolvida “no envio de voluntários 
a fim de estabelecer um regime fundamentalista islâmico no Afeganistão, 
em Caxemira e na Bósnia; em guerras de propaganda conjunta contra 
governos que se opunham aos fúndamentalistas islâmicos num ou noutro 
país; no estabelecimento de centros islâmicos na diáspora, que servem de 
quartel-general conjunto para todas essas partes”.^ A Liga Árabe e a 
Organização da Conferência Islâmica também proporcionaram apoio e 
tentaram coordenar os esforços de seus membros para reforçar os grupos 
muçulmanos em conflitos intercivilizacionais. 

A União Soviética foi um participante primário na Guerra do 
Afeganistão e, nos anos pós-Guerra Fria, a Rússia foi um participante 
primário na Guerra da Chechenia, um participante secundário nas lutas 
no Tadjiquistão e um participante terciário nas guerras na antiga 
Iugoslávia. A índia tem um envolvimento primário em Caxemira e um 
secundário em Sri Lanka. Os principais Estados ocidentais têm sido 
participantes terciários nos embates iugoslavos. As diásporas desem¬ 
penharam papel importante em ambos os lados das longas lutas entre 
israelenses e palestinos, bem como ao dar apoio a armênios, croatas e 
chechenos em seus respectivos conflitos. Através da televisão, por faxes 
e pelo correio eletrônico, “os engajamentos das diásporas são revigorados 
e às vezes polarizados pelo contato constante com seus antigos lares; 
‘antigos’ não tem mais o mesmo significado anterior”. 17 

Na guerra de Caxemira, o Paquistão deu explícito apoio político e 
diplomático aos insurretos e, segundo fontes militares paquistanesas, 
considerável quantidade de armas e dinheiro, bem como treinamento, 
apoio logístico e um lugar de refúgio. Também fez gestões junto a 
governos muçulmanos em nome deles. Ao se chegar a 1995, segundo se 
informou, os insurretos haviam sido reforçados por 1.200 combatentes 
mujahedins pelo menos, provenientes do Afeganistão, Tadjiquistão e 
Sudão, equipados com mísseis Stinger e outras armas fornecidas pelos 
norte-americanos para sua guerra contra a União Soviética. 1 ® A insur¬ 
reição dos Moros nas Filipinas se beneficiou, durante um certo tempo, 
de fundos e equipamento da Malásia, governos árabes proporcionaram 
fundos adicionais, vários milhares de insurretos foram treinados na Líbia 
e o grupo insurreto extremista Abu Sayyaf foi organizado por fun¬ 
damentalistas paquistaneses e afegães. 1 ^ Na África, o Sudão ajudou 
sistematicamente os rebeldes muçulmanos da Eritréia que lutavam contra 
a Etiópia e, em represália, a Etiópia forneceu “apoio logístico e áreas de 
refúgio” para os “rebeldes cristãos” que lutavam no Sudão. Estes últimos 
também receberam ajuda semelhante de Uganda, o que refletia em parte 
“seus fortes laços religiosos, raciais e étnicos com os rebeldes sudaneses”. 

*49 

O governo sudanês, por outro lado, recebeu do Irã armamento chinês 
no valor de 300 milhões de dólares e treinamento ministrado por 
assessores militares iranianos, que o habilitaram a lançar uma grande 
ofensiva contra os rebeldes em 1992. Várias organizações cristãs ociden¬ 
tais forneceram alimentos, medicamentos, material diverso e, segundo o 
governo sudanês, armas para os rebeldes cristãos. 20 

Em Sri Lanka, na guerra entre os insurretos tâmiles hindus e o 
governo cingalês budista, o governo indiano inicialmente deu apoio 
considerável aos insurretos, treinando-os na índia meridional e dando- 
lhes armas e dinheiro. Em 1987, quando as forças governamentais 
cingalesas estavam prestes a derrotar os Tigres Tâmiles, a opinião pública 
indiana se levantou contra esse “genocídio” e o governo indiano organi¬ 
zou uma ponte aérea para levar alimentos para os tâmiles, “na realidade 
indicando ao [presidente] Jayewardene que a índia pretendia impedi-lo 
do esmagar os Tigres pela força”. 21 Os governos indiano e cingalês 
chegaram então a um acordo pelo qual Sri Lanka outorgaria um grau 
considerável de autonomia às áreas tâmiles e os insurretos entregariam 
suas armas ao exército indiano. A índia enviou 50 mil homens para a 
ilha a fim de garantir a implementação do acordo, porém os Tigres se 
recusaram a entregar as armas e os militares indianos logo se viram eles 
próprios engajados numa guerra contra as forças guerrilheiras que tinham 
apoiado anteriormente. As forças indianas foram retiradas a partir de 
1988. Em 1991, o primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, foi assas¬ 
sinado, segundo os indianos, por uma partidária dos insurretos tâmiles, 
e a atitude do governo indiano para com a insurreição ficou cada vez 
mais hostil. Mesmo assim, o governo não podia deter a simpatia pelos 
insurretos e o apoio aos mesmos no meio dos 50 milhões de tâmiles da 
índia meridional. Refletindo essa postura, funcionários do governo de 
Tamil Nadu, em desobediência a Nova Délhi, permitiram que os Tigres 
Tâmiles operassem nesse estado com “virtual liberdade” ao longo do seu 
litoral de 800km e enviassem suprimentos e armas para os insurretos em 
Sri Lanka através do curto Estreito de Palk. 22 

A partir de 1979, os soviéticos e depois os russos ficaram envolvidos 
em três grandes guerras de linha de fratura com seus vizinhos muçulma¬ 
nos ao sul: a Guerra do Afeganistão de 1979-89, sua seqüela — a guerra 
no Tadjiquistão —, que começou em 1992, e a guerra na Chechênia, que 
se iniciou em 1994. Depois do colapso da União Soviética, um governo 
comunista chegou ao poder no Tadjiquistão. Esse governo foi contestado, 
na primavera de 1992, por uma oposição composta de grupos étnicos e 
regionais rivais, abrangendo tanto seculares como fundamentalistas 
islâmicos. Essa oposição, reforçada por armas recebidas do Afeganistão, 
em setembro de 1992, expulsou da capital, Dushanbe, o governo 
pró-russo. Os governos russo e uzbeque reagiram de maneira enérgica, 
advertindo contra o alastramento do fundamentalismo islâmico. A 201- 
Divisão de Infantaria Motorizada, que havia permanecido no Tadjiquis¬ 
tão, forneceu armas às forças pró-govemo e a Rússia enviou mais tropas 
para guardar a fronteira com o Afeganistão. Em novembro de 1992, a 
Rússia, o Uzbequistão, o Casaquistão e a Quirguízia concordaram com a 
intervenção militar russa e uzbeque, ostensivamente para a manutenção 
da paz, mas na realidade para participar da guerra. Com esse apoio e 
mais as armas e o dinheiro russos, as forças do antigo governo conse¬ 
guiram recapturar Dushanbe e estabelecer o controle sobre grande parte 
do país. Seguiu-se um processo de limpeza étnica, e os refugiados e as 
tropas da oposição recuaram para o Afeganistão. 

Governos muçulmanos do Oriente Médio protestaram contra a 
intervenção militar russa. Irã, Paquistão e Afeganistão deram assistência 
à oposição, cada vez mais dominada pelos fundamentalistas islâmicos, 
fornecendo dinheiro, armas e treinamento. Segundo se informou, em 
1993 havia muitos milhares de combatentes sendo treinados pelos 
mujahedins afegães e, na primavera e verão de 1993, os insurretos 
tadjiques desfecharam vários ataques através da fronteira, a partir do 
Afeganistão, matando muitos guardas de fronteira russos. A Rússia reagiu 
mandando mais tropas para o Tadjiquistão e lançando uma barragem 
“maciça de artilharia e morteiros” e ataques aéreos contra alvos no 
Afeganistão. Entretanto, governos árabes forneceram aos insurretos 
fundos para adquirir mísseis Stinger para se defender dos aviões. Ao se 
chegar a 1995, a Rússia tinha cerca de 25 mil homens no Tadjiquistão e 
estava fornecendo bem mais da metade dos fundos necessários para 
sustentar seu governo. Por outro lado, os insurretos estavam sendo 
ativamente apoiados pelo governo afegão e por outros Estados muçul¬ 
manos. Como acentuou Bamett Rubin, o fato de as agências internacio¬ 
nais ou o Ocidente não terem dado nenhuma ajuda significativa quer ao 
Tadjiquistão quer ao Afeganistão fez com que o primeiro ficasse total¬ 
mente dependente dos russos e o segundo dependente dos seus afins 
civilizacionais muçulmanos. “Atualmente, qualquer comandante afegão 
que espere por ajuda externa precisa satisfazer os desejos dos financia¬ 
dores árabes e paquistaneses, que querem estender a jihad para a Ásia 
Central, ou se juntar ao tráfico de drogas.” 23 

350 

351 

A terceira guerra antimuçulmana dos russos, que ocorreu no Cáu- 
caso Setentrional contra os chechenos, teve prólogo nas lutas em 1992-93 
entre os ossécios ortodoxos e os vizinhos ingushes muçulmanos. Estes 
últimos, junto com os chechenos e outros povos muçulmanos, foram 
deportados para a Ásia Central durante a II Guerra Mundial. Os ossécios 
permaneceram e tomaram propriedades dos ingushes. Em 1936-57, os 
povos deportados tiveram permissão para retornar, e as disputas come¬ 
çaram em torno da propriedade de terras e imóveis e do controle do 
território. Em novembro de 1992, os ingushes desfecharam ataques a 
partir de sua república para retomar a região de Prigorodny, que o 
governo soviético havia atribuído aos ossécios. Os russos reagiram com 
uma intervenção maciça, inclusive com unidades cossacas, em apoio aos 
ossécios ortodoxos. Um comentarista de fora fez a seguinte descrição: 
“Em novembro de 1992, as aldeias ingushes na Ossécia foram cercadas 
e bombardeadas por tanques russos. Os que sobreviveram ao bombar¬ 
deio foram mortos ou levados embora. O massacre foi levado a cabo por 
pelotões da OMON [polícia especial] ossécia, mas as tropas russas 
enviadas para a região ‘a fim de manter a paz’ lhes deram cobertura/’ 24 
The Economist informou que era '“difícil compreender que tanta des¬ 
truição tivesse ocorrido em menos de uma semana”. Essa foi “a primeira 
operação de limpeza étnica na Federação Russa”. A Rússia recorreu a 
esse conflito para ameaçar os aliados chechenos dos ingushes, o que, 
por sua vez, “levou à imediata mobilização da Chechênia e da [majorita- 
riamente muçulmana] Confederação dos Povos do Cáucaso (KNK). A 
KNK ameaçou enviar 500 mil voluntários contra as forças russas caso elas 
não se retirassem do território checheno. Depois de um tenso impasse, 
Moscou recuou a fim de evitar a escalada do conflito entre ossécios 
setentrionais e ingushes, numa conflagração em toda a região”. 25 

Uma conflagração mais intensa e ampla eclodiu em dezembro de 
1994, quando a Rússia desfechou um ataque militar em grande escala 
contra a Chechênia. Os dirigentes das duas repúblicas ortodoxas, a 
Geórgia e a Armênia, apoiaram a ação russa, enquanto o presidente da 
Ucrânia se mostrou “diplomaticamente vago, apelando apenas por uma 
solução pacífica da crise”. A ação russa foi endossada pelo governo 
ortodoxo da Ossécia do Norte e por 55 a 60 por cento do povo ossécio 
setentrional 26 Em contraste, os muçulmanos dentro e fora da Federação 
Russa se puseram majoritariamente do lado dos chechenos. A interna¬ 
cional fundamentalista islâmica imediatamente contribuiu com comba¬ 
tentes do Azerbaijão, Afeganistão, Paquistão, Sudão e de outros países. 

352 

Os Estados muçulmanos endossaram a causa chechena e, ao que consta, 
a Turquia e o Ira forneceram ajuda material, dando à Rússia mais 
incentivo para tentar se reconciliar com o Irã. Um fluxo contínuo de armas 
para os chechenos começou a entrar na Federação Russa vindo do 
Azerbaijão, levando os russos a fechar sua fronteira com esse país, 
vedando desse modo a chegada à Chechênia de suprimentos de medi¬ 
camentos e de outros tipos 27 

Os muçulmanos dentro da Federação Russa se congregaram do lado 
dos chechenos. Embora os chamamentos para uma guerra santa muçul¬ 
mana contra a Rússia em todo o Cáucaso não tenham surtido efeito, os 
dirigentes das seis repúblicas da região Volga-Urais exigiram que a Rússia 
cessasse com sua ação militar, e representantes das repúblicas muçulma¬ 
nas do Cáucaso conclamaram por uma campanha de desobediência civil 
contra a autoridade russa. O presidente da república Chuvash isentou os 
jovens chuvashes que estivessem prestando serviço militar de atuar contra 
seus co-muçulmanos. Os “maiores protestos contra a guerra” surgiram 
nas duas repúblicas vizinhas à Chechênia — Ingushécia e Daguestão. Os 
ingushes atacaram tropas russas que estavam se deslocando para a 
Chechênia, levando o ministro da Defesa russo a afirmar que o governo 
ingushe “tinha praticamente declarado guerra à Rússia”. Também no 
Daguestão ocorreram ataques contra forças russas. Os russos respon¬ 
deram com bombardeios de artilharia sobre aldeias ingushes e dagues- 
tanenses. 28 Depois do ataque relâmpago checheno contra a cidade de 
Kizlyar, em janeiro de 1996, os russos arrasaram a aldeia de Pervomaiskoye, 
o que acirrou ainda mais a hostilidade dos daguestanenses contra eles. 

A causa chechena também foi auxiliada pela diáspora chechena, 
que tinha sido criada, em grande parte, pela agressão russa no século 
XIX contra os povos das montanhas do Cáucaso. A diáspora levantou 
fundos, obteve armas e forneceu voluntários para as forças chechenas. 
Essa diáspora era particularmente numerosa na Jordânia e na Turquia, o 
que levou a Jordânia a assumir uma postura enérgica contra os russos e 
reforçou a disposição da Turquia de dar assistência aos chechenos. Em 
janeiro de 1996, quando a guerra se alastrou para a Turquia, a opinião 
pública turca manifestou sua simpatia pela captura de uma barca de travessia 
e de reféns russos por membros da diáspora. Com a ajuda de dirigentes 
chechenos, o governo turco negociou a solução da crise de um modo 
que agravou ainda mais as já tensas relações entre a Turquia e a Rússia. 

A incursão chechena no Daguestão, a reação russa e a captura da 
barca no início de 1996 ressaltaram a possibilidade da expansão do 

353 

conflito para um plano generalizado entre os russos e os povos das 
montanhas, seguindo as linhas da luta que durou décadas no século XIX. 
Fiona Hill advertiu em 1995 que “o Cáucaso Setentrional é um barril de 
pólvora, em que um conflito numa república tem o potencial de detonar 
uma conflagração regional que se alastrará para além de suas fronteiras, 
para o resto da Federação Russa, e conduzirá ao envolvimento da 
Geórgia, Azerbaijão, Turquia e Irã, bem como das diásporas dos cauca¬ 
sianos setentrionais. Como demonstrou a guerra na Chechênia, os 
conflitos nessa região não são fáceis de conter (...) e a luta se espraiou 
para as repúblicas e territórios adjacentes à Chechênia”. Um analista russo 
concordou, argumentando que se estavam desenvolvendo “coligações 
informais” obedecendo a linhas civilizacionais. “Geórgia, Armênia, Na- 
gomo-Karabakh e Ossécia do Norte — cristãs — estão-se alinhando 
contra Azerbaijão, Abkhásia, Chechênia e Ingushécia — muçulmanas.” 
A Rússia, que já estava combatendo no Tadjiquistão, estava “correndo o 
risco de ser envolta numa longa confrontação com o mundo muçulmano”. 29 

Numa outra guerra de linha de fratura entre ortodoxos e muçulma¬ 
nos, os participantes primários eram os armênios do enclave de Nagor- 
no-Karabakh e o governo e povo azerbaidjanos, com aqueles lutando 
por sua independência destes. O governo da Armênia era um participante 
secundário, e Rússia, Turquia e Irã tinham envolvimentos terciários. Além 
disso, a considerável diáspora armênia na Europa Ocidental e na América 
do Norte desempenhou um papel importante. As lutas começaram em 
1988, antes do fim da União Soviética, se intensificaram durante 1992-93 
e diminuíram depois da negociação de um cessar-fogo em 1994. Os turcos 
e outros muçulmanos apoiaram o Azerbaijão, enquanto que a Rússia 
apoiou os armênios, mas depois usou da sua influência junto a eles 
também para contestar a influência turca no Azerbaijão. Essa guerra foi 
o mais recente episódio na luta que data de séculos, desde os embates 
entre o Império Russo e o Império Otomano pelo controle da região do 
Mar Negro e do Cáucaso, bem como no intenso antagonismo entre 
armênios e turcos, que vem desde os massacres dos primeiros pelos 
segundos no início do século XX. 

Nessa guerra, a Turquia, de maneira consistente, apoiou o Azerbai¬ 
jão e se opôs aos armênios. A Turquia, ao dar seu reconhecimento formal 
ao Azerbaijão, foi o primeiro país a reconhecer a independência de uma 
república soviética não-báltica. Durante todo o conflito, a Turquia deu 
apoio financeiro e material ao Azerbaijão e treinou soldados desse país. 
Quando, em 1991-92, a violência se intensificou e os armênios avançaram 
para o território do Azerbaijão, a opinião pública turca se inflamou e o 
governo turco ficou sob pressão para apoiar aquele povo com o qual 
tinha afinidades étnicas e religiosas. O governo turco receou também que 
isso iria ressaltar a divisória entre muçulmanos e cristãos, produzir uma 
avalanche de apoio ocidental para a Armênia e antagonizar seus aliados 
na OTAN. A Turquia se defrontava assim com as clássicas pressões 
cruzadas de um participante secundário numa guerra de linha de fratura. 
Entretanto o governo turco viu que era do seu interesse apoiar o 
Azerbaijão e confrontar a Armênia. Um funcionário turco disse que “é 
impossível não se sentir afetado quando seus afins são mortos”, e um 
outro acrescentou: “Estamos sob pressão. Nossos jornais estão cheios de 
fotografias de atrocidades. (...) Talvez devêssemos mostrar à Armênia 
que existe uma grande Turquia nesta região.” O presidente Turgut Õzal 
concordou, dizendo que a Turquia “devia amedrontar um pouquinho os 
armênios”. A Turquia, juntamente com o Irã, advertiu os armênios de que 
não toleraria qualquer alteração de fronteiras. Õzal impôs um bloqueio 
para impedir que alimentos e outros suprimentos chegassem à Armênia 
através da Turquia, em conseqüência do que a população da Armênia 
ficou à beira da fome no inverno de 1992-93. Também como resultado 
disso, o marechal russo Yevgeny Shaposhnikov advertiu que, “se um 
outro lado [ou seja, a Turquia] se envolver” nessa guerra, “estaremos à 
beira da III Guerra Mundial”. Um ano depois, Õzal ainda se mostrava 
belicoso e lançou a provocação: “O que podem fazer os armênios se 
acontecer de tiros serem disparados? (...) Marchar para dentro da 
Turquia?” Nesse caso, a Turquia “mostrará suas presas”. 30 

No verão e outono de 1993, a ofensiva armênia, que estava se 
aproximando da fronteira iraniana, produziu mais reações tanto da 
Turquia como do Irã, que estava competindo por influência dentro do 
Azerbaijão e nos Estados muçulmanos da Ásia Central. A Turquia 
declarou que a ofensiva constituía uma ameaça para sua segurança, 
exigiu que as forças armênias se retirassem do território do Azerbaijão 
imediata e incondicionalmente” e enviou reforços para sua fronteira com 
a Armênia. Ao que consta, tropas turcas e russas trocaram tiros através 
dessa fronteira. A primeira-ministra da Turquia, Tansu Ciller, afirmou que 
solicitaria uma declaração de guerra se tropas armênias entrassem no 
enclave azerbaijano de Nakhichevan, próximo da Turquia. O Irã também 
deslocou forças para diante e para dentro do território do Azerbaijão, 
supostamente para estabelecer acampamentos para os refugiados que 
haviam fugido das ofensivas armênias. Ao que consta, a ação iraniana 
levou os turcos a acharem que podiam tomar medidas adicionais sem 
provocar contramedidas russas, e também lhes deu incentivo adicional 
para competir com o Irã em dar proteção ao Azerbaijão. A crise acabou 
sendo atenuada por negociações em Moscou entre os dirigentes da 
Turquia, da Armênia e do Azerbaijão, por pressão norte-americana sobre 
o governo armênio e por pressão do governo armênio sobre os armênios 
de Nagorno-Karabakh 31 

Os armênios vivem num pequeno país mediterrâneo, com escassos 
recursos naturais, cercados por povos túrquicos hostis e, historicamente, 
buscaram proteção junto a seus afins ortodoxos, a Geórgia e a Rússia. 
Esta, em especial, tem sido vista como um irmão maior. Contudo, quando 
a União Soviética estava se esfacelando e os armênios de Nagorno-Ka¬ 
rabakh desencadearam seu movimento pela independência, o governo 
Gorbachev rejeitou suas exigências e enviou tropas para a região a fim 
de apoiar o que era considerado um governo comunista fiel em Baku. 
Depois do fim da União Soviética, essas considerações cederam lugar a 
outras mais antigas, de índole histórica e cultural, com o Azerbaijão 
acusando “o governo russo de dar uma volta de 180 graus” e apoiar 
ativamente a Armênia cristã. A ajuda militar russa aos armênios tinha, na 
realidade, começado antes no exército soviético, no qual os armênios 
eram promovidos a postos mais altos e designados para unidades de 
combate com muito maior freqüência do que os muçulmanos. Depois 
que começou a guerra, o 366 g Regimento de Infantaria Motorizado do 
Exército russo, baseado em Nagorno-Karabakh, teve um papel destacado 
no ataque armênio à cidade de Khodjali, no qual se diz que mil azeris 
foram massacrados. Posteriormente, tropas spetsnaz russas também 
tomaram parte nos combates. Durante o inverno de 1992-93, quando a 
Armênia padeceu devido ao bloqueio turco, foi “salva do completo 
colapso econômico por uma injeção de bilhões de rublos em créditos 
abertos pela Rússia”. Nessa primavera, tropas russas se juntaram a forças 
regulares armênias para abrir um corredor ligando a Armênia a Nagor¬ 
no-Karabakh. Uma força blindada russa de 40 tanques participou então, 
ao que consta, da ofensiva em Karabakh no verão de 1993- 32 Conforme 
assinalam Hill e Jewett, a Armênia por sua vez “praticamente não tinha 
opção senão se aliar intimamente com a Rússia. Ela depende da Rússia 
para obter matérias-primas, energia e alimentos, além de defesa contra 
seus inimigos históricos sobre suas fronteiras, como o Azerbaijão e a 
Turquia. A Armênia assinou todos os acordos econômicos e militares da 
CEI, permitiu que tropas russas ficassem aquarteladas em seu território 
e abriu mão de todas as reivindicações de bens anteriormente soviéticos 
em favor da Rússia.” 33 

O apoio russo aos armênios aumentou a influência da Rússia junto 
ao Azerbaijão. Em junho de 1993, o dirigente nacionalista desse país, 
Abulfez Elchibei, foi derrubado por um golpe e substituído por Gaider 
Aliyev, ex-comunista e supostamente pró-russo. Aliyev reconhecia a 
necessidade de agradar a Rússia a fim de conter a Armênia. Ele 
abandonou a recusa do Azerbaijão de aderir à Comunidade dos Estados 
Independentes e de permitir o aquartelamento de tropas russas em seu 
território. Também abriu caminho para a participação russa num consór¬ 
cio internacional para desenvolver a exploração do petróleo do país. Em 
troca, a Rússia começou a treinar tropas azerbaijanas e pressionou a 
Armênia para cessar seu apoio às forças em Karabakh e induzi-las a se 
retirar de território azerbaijano. Mudando de um lado para o outro, a 
Rússia conseguiu também produzir resultados para o Azerbaijão e se 
contrapor à influência iraniana e turca nesse país. Assim, o apoio russo 
à Armênia não só fortaleceu seu melhor aliado no Cáucaso, como também 
enfraqueceu seus principais rivais muçulmanos nessa região. 

Afora a Rússia, a principal fonte de apoio da Armênia era sua 
diáspora grande, rica e influente na Europa Ocidental e na América do 
Norte, inclusive cerca de um milhão de armênios nos Estados Unidos e 
450 mil na França. Eles proporcionaram dinheiro e suprimentos para 
ajudar a Armênia a sobreviver ao bloqueio turco, funcionários para o 
governo armênio e voluntários para as forças armadas armênias. As 
contribuições para o socorro aos armênios por parte da comunidade 
norte-americana totalizou de 50 a 75 milhões de dólares por ano em 
meados da década de 90. Os membros da diáspora também exerceram 
considerável influência política junto aos governos dos países onde 
viviam. As maiores comunidades armênias nos Estados Unidos se encon¬ 
tram em estados-chave como Califórnia, Massachusetts e Nova Jersey. 
Em conseqüência, o Congresso proibiu qualquer ajuda externa ao 
Azerbaijão e transformou a Armênia no terceiro maior recipiente per 
capita de assistência norte-americana. Esse apoio do exterior foi essencial 
para a sobrevivência da Armênia e lhe valeu o apropriado apelido de 
“Israel do Cáucaso”. 34 Do mesmo modo como os ataques russos no 
século XIX sobre o Cáucaso Setentrional geraram a diáspora que ajudou 
os chechenos a resistir aos russos, os massacres turcos de armênios no 
início do século XX produziram uma diáspora que permitiu à Armênia 
resistir à Turquia e derrotar o Azerbaijão. 

A antiga Iugoslávia foi o lugar do mais complexo, confuso e 
completo conjunto de guerras de linha de fratura do começo dos anos' 
90. No nível primário, na Croácia o governo croata e os croatas 
combateram os sérvios da Croácia, e na Bósnia-Herzegovina, o governo 
bósnio combateu os sérvios da Bósnia e os croatas da Bósnia, que 
também lutaram entre si. No nível secundário, o governo sérvio promo¬ 
veu uma “Grande Sérvia”, ajudando os sérvios da Bósnia e da Croácia, 
e o governo croata aspirou a uma “Grande Croácia” e apoiou os croatas 
da Bósnia. No nível terciário, um apoio maciço de civilizações incluiu 
Alemanha, Áustria, Vaticano, outros países e grupos europeus católicos 
e, mais tarde, os Estados Unidos em favor da Croácia; a Rússia, a Grécia 
e outros países e grupos ortodoxos se colocaram do lado dos sérvios; o 
Irã, a Arábia Saudita, a Turquia, a Líbia, a internacional fundamentalista 
islâmica e os países islâmicos em geral ficaram a favor dos muçulmanos 
da Bósnia. Estes últimos receberam auxílio dos Estados Unidos, uma 
anomalia não-civilizacional no que, no restante, formou um padrão de 
afim apoiando afim. A diáspora croata na Alemanha e a diáspora bósnia 
da Turquia foram em apoio de suas pátrias de origem. As igrejas e os 
grupos religiosos estiveram atuantes em todos os três lados. As ações, 
pelo menos, dos governos alemão, turco, russo e norte-americano foram 
influenciadas de modo significativo por grupos de pressão e pela opinião 
pública em suas respectivas sociedades. 

O apoio prestado pelas partes secundárias e terciárias foi essencial 
para a condução da guerra, e as limitações que elas impuseram foi essencial 
para fazê-la cessar. Os governos croata e sérvio forneceram armas, supri¬ 
mentos, fundos, refúgios e, às vezes, efetivos militares para sua gente que 
estava combatendo em outras repúblicas. Sérvios, croatas e muçulmanos 
receberam, todos, ajuda substancial de seus afins civilizacionais qué estavam 
fora da antiga Iugoslávia, sob a forma de dinheiro, armas, suprimentos, 
voluntários, treinamento militar e apoio político e diplomático. Os sérvios e 
os croatas situados no nível primário não-govemamental eram, de modo 
geral, mais extremados em seu nacionalismo, irredutíveis em suas exigências 
e militantes na perseguição de seus objetivos. Os governos sérvio e croata, 
no segundo nível, inicialmente apoiaram vigorosamente seus afins do 
nível primário, porém depois seus próprios interesses, mais diversifica¬ 
dos, levaram-nos a desempenhar papéis mais de mediação e contenção. 
De maneira paralela, os governos russo, alemão e norte-americano, no 
terceiro nível, pressionaram os governos do segundo nível, que vinham 
apoiando, na direção da contenção e da acomodação. 
O esfacelamento da Iugoslávia começou em 1991, quando a 
Eslovênia e a Croácia se movimentaram rumo à independência e 
pleitearam o apoio das potências européias ocidentais. A resposta do 
Ocidente foi definida pela Alemanha, e essa resposta foi, em grande parte, 
definida pela conexão católica. O governo de Bonn foi pressionado a 
atuar pela hierarquia católica alemã, pelo partido União Social Cristã, da 
Bavária, parceiro da coalizão situacionista, e pelo FrankfurterAllgemeine 
Zeitung e outros órgãos da mídia. A mídia bávara em especial desempe¬ 
nhou um papel crucial no desenvolvimento de um sentimento pelo 
reconhecimento daqueles países na opinião pública alemã. Flora Lewis 
observou que “a TV bávara, sob grande pressão do governo bávaro 
ultraconservador, e a Igreja Católica bávara, muito afirmativa e que tinha 
íntimas ligações com a igreja da Croácia, forneceram as informações 
televisionadas para toda a Alemanha quando a guerra [com os sérvios] 
começou de fato. A cobertura foi muito parcial”. O governo alemão estava 
hesitando quanto a conceder seu reconhecimento, porém, dadas as 
pressões da sociedade alemã, não teve muita escolha. “O apoio ao 
reconhecimento da Croácia pela Alemanha foi empurrado pela opinião 
pública e não suscitado pelo governo.” A Alemanha pressionou a União 
Européia para que reconhecesse a independência da Eslovênia e da 
Croácia e depois, tendo obtido essa decisão, prosseguiu por conta própria 
e a reconheceu antes que a União o fizesse em dezembro de 1991- Um 
estudioso alemão assinalou em 1995 que, “durante todo o conflito, Bonn 
considerou a Croácia e seu líder Franjo Tudjman como algo parecido 
com um protegido da política externa alemã, o qual, apesar de um 
comportamento errático que causava irritação, ainda podia contar com 
o firme apoio da Alemanha”. 55 

A Áustria e a Itália prontamente agiram no sentido de reconhecer 
os dois novos Estados e, com grande rapidez, o mesmo fizeram os demais 
países ocidentais, inclusive os Estados Unidos. O Vaticano também 
desempenhou um papel fundamental. O Papa declarou que a Croácia 
era “a muralha do Cristianismo [Ocidental]”, e apressou-se em dar 
reconhecimento diplomático aos dois Estados antes que a União Européia 
o fizesse. 56 Desse modo, o Vaticano tomou partido no conflito, o que 
teve suas conseqüências em 1994, quando o Papa planejava visitas às 
três repúblicas. A oposição da Igreja Ortodoxa Sérvia impediu-o de ir a 
Belgrado, e a falta de disposição da Sérvia para garantir sua segurança 
levou ao cancelamento de sua visita a Sarajevo. Contudo, ele foi a Zagreb, 
onde homenageou o cardeal Alojzieje Septinac, que era associado com 
o regime fascista croata na II Guerra Mundial, o qual perseguira e 
massacrara sérvios, ciganos e judeus. 

Tendo assegurado o reconhecimento pelo Ocidente de sua in¬ 
dependência, a Croácia começou a desenvolver seu poderio militar, 
apesar do boicote de armamentos imposto em setembro de 1991 pelas 
Nações Unidas a todas as antigas repúblicas iugoslavas. Houve um fluxo 
de armamentos para a Croácia proveniente de países católicos europeus, 
como Alemanha, Polônia e Hungria, bem como de países latino-ameri¬ 
canos como Panamá, Chile e Bolívia. Quando a guerra entrou numa 
escalada em 1991, as exportações de armamentos pela Espanha, supos¬ 
tamente “controladas em grande parte pela Opus Dei”, aumentaram seis 
vezes num curto período de tempo, a maioria delas presumivelmente 
chegando até Ljubliana e Zagreb. Ao que consta, em 1993 a Croácia 
adquiriu vários Mig-21 na Alemanha e na Polônia, com o conhecimento 
dos respectivos governos. As forças armadas croatas receberam centenas, 
e talvez milhares, de voluntários “da Europa Ocidental, da diáspora croata 
e dos países católicos da Europa Oriental”, que estavam ansiosos por 
lutar “numa cruzada cristã contra tanto o comunismo sérvio como o 
fundamentalismo islâmico”. Militares profissionais de países ocidentais 
proporcionaram assistência técnica. Em parte graças a esse auxílio de países 
afins, os croatas puderam fortalecer seu segmento militar e criar uma 
força para se contrapor ao exército iugoslavo dominado pelos sérvios. 37 

O apoio ocidental à Croácia também incluiu não tomar conheci¬ 
mento da limpeza étnica e das violações de direitos humanos e das leis 
da guerra pelas quais os sérvios foram constantemente denunciados. O 
Ocidente ficou em silêncio quando, em 1995, o recomposto exército 
croata desfechou um ataque contra os sérvios de Krajina, que lã estavam 
havia séculos, e expulsou centenas de milhares deles para o exílio na 
Bósnia e na Sérvia. A Croácia também se beneficiou de sua considerável 
diáspora. Croatas ricos na Europa Ocidental e na América do Norte 
contribuíram com fundos para aquisição de armas e equipamentos. As 
associações de croatas nos Estados Unidos fizeram lobby no Congresso 
e junto ao presidente em favor de sua pátria de origem. De especial 
importância e influência foram os 600 mil croatas na Alemanha. Fornecen¬ 
do centenas de voluntários para o exército croata, “as comunidades 
croatas no Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália e na Alemanha se 
mobilizaram para defender sua pátria recém-independente”. 38 

Em 1994, os Estados Unidos aderiram, apoiando o rearmamento 
croata. Ignorando as numerosíssimas violações do boicote de armas das 
Nações Unidas, os Estados Unidos proporcionaram treinamento militar 
aos croatas e autorizaram generais norte-americanos reformados do mais 
alto nível a prestar-lhes assessoramento. Os governos norte-americano e 
alemão deram luz verde para a ofensiva croata sobre Krajina em 1995. 
Assessores militares norte-americanos participaram do planejamento 
desse ataque no estilo norte-americano, o qual, segundo os croatas, 
também se beneficiou de inteligência fornecida por satélites espiões 
norte-americanos. Um funcionário norte-americano declarou que a Croᬠ
cia se tomara “nosso aliado defactd\ Argumentou-se que esse desdo¬ 
bramento refletia “um cálculo de longo prazo, segundo o qual, no final, 
duas potências locais dominarão essa parte do mundo, uma em Zagreb 
e outra em Belgrado — uma vinculada a Washington e a outra presa a 
um bloco eslavo que se estenderá até Moscou”. 39 

As guerras iugoslavas também fizeram com que o mundo ortodoxo 
se congregasse ao lado da Sérvia. Nacionalistas, oficiais das forças 
armadas, parlamentares e líderes da Igreja Ortodoxa russos abertamente 
expressavam seu apoio à Sérvia, menosprezavam os “turcos” bósnios e 
criticavam o imperialismo ocidental e da OTAN. Os nacionalistas russos 
e sérvios atuaram juntos para insuflar em ambos os países oposição à 
“nova ordem mundial” ocidental. Num grau considerável, esses senti¬ 
mentos eram compartilhados pelo povo russo, com mais de 60 por cento 
dos moscovitas, por exemplo, se opondo aos ataques aéreos da OTAN 
no verão de 1995- Grupos nacionalistas russos conseguiram recrutar 
jovens russos em várias cidades grandes para que se juntassem “à causa 
da fraternidade eslava”. Ao que consta, mil ou mais de mil russos, 
juntamente com voluntários da Romênia e da Grécia, se alistaram nas 
forças armadas sérvias para combater o que descreviam como “os 
fascistas católicos” e “os militantes fundamentalistas islâmicos”. Em 1992, 
informou-se que uma unidade russa “com uniformes de cossacos” estava 
operando na Bósnia. Em 1995, havia russos servindo em unidades 
militares de elite sérvias e, segundo um relatório das Nações Unidas, 
combatentes russos e gregos participaram do ataque sérvio contra a área 
protegida pelas Nações Unidas em Zepa. 40 

Apesar do boicote de armamentos, os amigos ortodoxos da Sérvia 
lhe forneceram as armas e os equipamentos de que ela necessitava. No 
início de 1993, órgãos militares e de inteligência da Rússia aparentemente 
venderam aos sérvios tanques T-55, mísseis antimísseis e mísseis antiaé¬ 
reos no valor de 300 milhões de dólares. Segundo consta, técnicos 
militares russos foram enviados à Sérvia a fim de operar esses equipa- 

361 

mentos e treinar os sérvios no seu emprego. A Sérvia adquiriu armamen¬ 
tos de outros países ortodoxos, sendo a Romênia e a Bulgária os 
fornecedores “mais ativos” e a Ucrânia também figurando como fonte. 
Além disso, tropas russas de manutenção da paz que se encontravam na 
Eslavônia desviaram para os sérvios suprimentos das Nações Unidas, 
facilitaram os deslocamentos militares sérvios e ajudaram as forças sérvias 
a obter armas . 41 

Apesar das sanções econômicas, a Sérvia conseguiu se sustentar 
razoavelmente bem em conseqüência do gigantesco contrabando de 
combustível e outros suprimentos de Timisoara organizado por funcio¬ 
nários do governo romeno e da Albânia, neste caso organizado primeiro 
por empresas italianas e depois por empresas gregas, com a conivência 
do governo grego. Os envios de alimentos, produtos químicos, compu¬ 
tadores e outros artigos provenientes da Grécia entravam na Sérvia 
através da Macedônia e por aí saíam quantidades correspondentes de 
exportações sérvias. 42 A combinação da atração dos dólares e da simpatia 
pelos afins culturais transformou em piada as sanções econômicas das 
Nações Unidas contra a Sérvia, assim como ocorreu com o boicote de 
armas das Nações Unidas contra todas as antigas repúblicas iugoslavas. 

Durante todas as guerras iugoslavas, o governo grego se distanciou 
das medidas endossadas pelos membros ocidentais da OTAN, se opôs 
à ação militar da OTAN na Bósnia, apoiou os sérvios nas Nações 
Unidas e fez lobby junto ao governo norte-americano para que 
suspendesse as sanções econômicas contra a Sérvia. Em 1994, o 
primeiro-ministro grego, Andreas Papandreou, ressaltando a importância 
da conexão ortodoxa com a Sérvia, atacou publicamente o Vaticano, a 
Alemanha e as Nações Unidas por sua pressa em conceder reco¬ 
nhecimento diplomático à Eslovênia e à Croácia no final de 1991. 43 

Como dirigente de um participante terciário, Boris Yeltsin sofreu 
pressões em sentidos contrários: por um lado, pelo desejo de manter, 
ampliar e aproveitar as boas relações com o Ocidente e, por outro lado, 
pelo desejo de ajudar os sérvios e neutralizar sua oposição política, que 
o acusava sistematicamente de se curvar ao Ocidente. No cômputo geral, 
esta última preocupação se impôs e a Rússia deu aos sérvios um apoio 
diplomático freqüente e consistente. Em 1993 e em 1995, o governo russo 
se opôs energicamente a que fossem aplicadas à Sérvia sanções econô¬ 
micas mais severas e o Parlamento russo aprovou, quase por unanimi¬ 
dade, resoluções a favor da suspensão das sanções em vigor contra os 
sérvios. A Rússia também pressionou pelo fortalecimento do bloqueio 

362 

de armas contra os muçulmanos e pela aplicação de sanções econômicas 
contra a Croácia. Em dezembro de 1993, a Rússia instou pelo abran¬ 
damento das sanções econômicas contra a Sérvia a fim de que lhe fosse 
permitido suprir esse país com gás natural para o inverno, proposta que 
foi bloqueada pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Em 1994 e 
novamente em 1995, a Rússia se opôs tenazmente aos ataques aéreos 
contra os sérvios da Bósnia. Neste último ano, a Duma russa condenou 
o bombardeio por uma votação quase unânime e exigiu a renúncia do 
ministro do Exterior, Andrei Kozyrev, pela defesa ineficaz dos interes¬ 
ses nacionais russos nos Bálcãs. Ainda em 1995, a Rússia acusou a 
OTAN de cometer “genocídio” contra os sérvios e o presidente Yeltsin 
advertiu que a continuação dos bombardeios afetaria de modo drástico 
a cooperação da Rússia com o Ocidente, inclusive sua participação na 
Parceria para a Paz da OTAN. Perguntou retoricamente: “Como 
podemos celebrar um acordo com a OTAN, quando ela está bom¬ 
bardeando sérvios?” Segundo ele, o Ocidente estava claramente usan¬ 
do dois pesos e duas medidas: “Como pode ser que, quando os 
muçulmanos atacam, nenhuma ação é empreendida contra eles? Quando 
os croatas atacam tampouco.” 44 A Rússia também se opôs de modo 
consistente aos esforços por suspender o boicote de armas contra as antigas 
repúblicas iugoslavas, que produzia impacto principalmente sobre os 
muçulmanos da Bósnia, e tentou sistematicamente reforçar esse boicote. 

A Rússia utilizou por várias outras formas sua posição nas Nações 
Unidas e em outros foros para defender os interesses sérvios. Em dezembro 
de 1994, ela vetou uma resolução do Conselho de Segurança das Nações 
Unidas, proposta por países muçulmanos, que teria vedado o forneci¬ 
mento de combustível pela Sérvia aos sérvios da Bósnia e da Croácia. 
Em abril de 1994, a Rússia bloqueou uma resolução das Nações Unidas 
que condenava os sérvios por perpetrarem limpeza étnica. Ela também 
impediu a designação de qualquer pessoa de país integrante da OTAN 
como promotor das Nações Unidas para crimes de guerra, devido a uma 
provável prevenção contra os sérvios, objetou à indiciação do comandante 
militar sérvio da Bósnia, Ratko Mladic, pelo Tribunal Internacional de Crimes 
de Guerra, e ofereceu-lhe asilo na Rússia. 45 Em setembro de 1993, a Rússia 
reteve a renovação da autorização das Nações Unidas para a permanência 
dos 22 mil integrantes da força de paz das Nações Unidas na antiga 
Iugoslávia. No verão de 1995, a Rússia se opôs, porém sem recorrer ao 
veto, a uma resolução do Conselho de Segurança que autorizava o envio 
de mais 12 mil elementos para a força de paz, e atacou tanto a ofensiva 

363 

croata contra os sérvios em Krajina como o fato de os governos ocidentais 
não terem tomado qualquer medida contra essa ofensiva. 

A congregação civilizacional mais ampla e mais eficaz foi a do 
mundo islâmico em favor dos muçulmanos da Bósnia. A causa bósnia 
era universalmente popular nos países muçulmanos. A ajuda para os 
bósnios provinha de várias fontes, públicas e privadas. Os governos 
muçulmanos, mais notadamente os do Irã e da Arábia Saudita, competiam 
entre si para dar apoio aos bósnios e para obter a influência que o mesmo 
gerava. As sociedades sunitas e xiitas, fundamentalistas e seculares, 
muçulmanas árabes e não-árabes, do Marrocos à Malásia, todas aderiram. 
As modalidades de apoio muçulmano para os bósnios variaram de ajuda 
humanitária (inclusive 90 milhões de dólares levantados em 1995 na 
Arábia Saudita), passando por apoio diplomático e enorme assistência 
militar, até atos de violência, como o assassinato de 12 croatas em 1993, 
na Argélia, por extremistas fundamentalistas islâmicos “em resposta ao 
massacre de nossos confrades muçulmanos cujas gargantas foram corta¬ 
das na Bósnia”. Essa congregação teve grande impacto sobre o curso 
da guerra. Ela foi fundamental para a sobrevivência do Estado bósnio e 
para seu êxito em reconquistar território depois das amplas vitórias 
iniciais dos sérvios. Ela estimulou enormemente a islamização da socie¬ 
dade bósnia e a identificação dos muçulmanos da Bósnia com a 
comunidade islâmica mundial. E ela deu aos Estados Unidos um incentivo 
para ser compreensivo para com as necessidades bósnias. 

Os governos muçulmanos, individual e coletivamente, expressaram 
repetidas vezes sua solidariedade aos bósnios irmãos na religião. O Irã 
tomou a frente em 1992, descrevendo a guerra como um conflito religioso 
com sérvios cristãos engajados no genocídio dos muçulmanos da Bósnia. 
Fouad Ajami assinalou que, ao assumir essa liderança, o Irã fez “um 
pagamento inicial pela gratidão do Estado bósnio” e estabeleceu o 
modelo e criou o estímulo para que outras potências muçulmanas, como 
a Turquia e a Arábia Saudita, o seguissem. Por insistência do Irã, a 
Organização da Conferência Islâmica assumiu a questão e criou um grupo 
para empreender um lobby pela causa bósnia nas Nações Unidas. Em 
agosto de 1992, representantes islâmicos condenaram o alegado genocí¬ 
dio na Assembléia Geral das Nações Unidas e, em nome da OCI, a 
Turquia apresentou um projeto de resolução pleiteando a intervenção 
militar nos termos do Artigo 7 da Carta das Nações Unidas. No início de 
1993, os países muçulmanos fixaram um prazo para que o Ocidente 
agisse a fim de proteger os bósnios, após a expiração do qual eles se 

164 

considerariam livres para fornecer armas à Bósnia. Em maio de 1993, a 
OCI condenou o plano montado pelas nações ocidentais e pela Rússia 
para proporcionar áreas de refúgio para os muçulmanos e para monitorar 
a fronteira com a Sérvia, mas afastando qualquer intervenção militar. Ela 
exigiu o término do boicote de armamentos, o emprego da força contra 
as armas pesadas dos sérvios, um patrulhamento agressivo da fronteira 
sérvia e a inclusão de tropas muçulmanas nas forças de paz. No mês 
seguinte, a OCI, passando por cima das objeções ocidentais e russas, fez 
com que a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos 
aprovasse uma resolução condenando a agressão sérvia e croata e 
pedindo o término do boicote de armamentos. Em julho de 1993, para 
um certo embaraço do Ocidente, a OCI ofereceu fornecer 18 mil homens 
para as forças de paz das Nações Unidas, com soldados provenientes do 
Irã, Turquia, Malásia, Tunísia, Paquistão e Bangladesh. Os Estados Unidos 
vetaram o Irã e os sérvios objetaram energicamente às tropas turcas. Não 
obstante, estas últimas chegaram à Bósnia no verão de 1994 e, em 1995, 
o efetivo de 25 mil homens da Força de Proteção das Nações Unidas 
compreendia sete mil homens da Turquia, Paquistão, Malásia, Indonésia 
e Bangladesh. Em agosto de 1993, uma delegação da OCI, chefiada pelo 
ministro do Exterior turco, fez gestões junto a Boutros Boutros-Ghali e 
Warren Christopher a fim de que apoiassem ataques aéreos imediatos da 
OTAN para proteger os bósnios de ataques sérvios. Ao que se informou, 
o fato de o Ocidente não haver adotado essa linha de ação criou graves 
tensões entre a Turquia e seus aliados da OTAN. 47 

Posteriormente, os primeiros-ministros da Turquia e do Paquistão 
fizeram uma visita, que teve ampla divulgação, a Sarajevo a fim de 
ressaltar a preocupação muçulmana, e a OCI voltou a repetir suas 
exigências de assistência militar aos bósnios. No verão de 1995, o fato 
de o Ocidente não ter defendido as áreas de refúgio contra ataques sérvios 
levou a Turquia a aprovar a prestação de ajuda à Bósnia e a treinar tropas 
bósnias, a Malásia a se comprometer a vender-lhe armas em violação do 
boicote decretado pelas Nações Unidas e os Emirados Árabes Unidos a 
concordarem em proporcionar fundos para fins militares e humanitários. 
Em agosto de 1995, os ministros do Exterior de nove países-membros da 
OCI aprovaram a assistência econômica e em armas à Bósnia. 

Enquanto nenhuma outra questão gerou apoio tão unânime em 
todo o Islã, o sofrimento dos muçulmanos da Bósnia teve especial 
repercussão na Turquia. A Bósnia fizera parte do Império Otomano até 1878, 
na prática, e até 1908 em teoria, e os imigrantes e refugiados bósnios 

365 

compõem aproximadamente cinco por cento da população da Turquia. 
A simpatia pela causa bósnia e a indignação pelo que se percebia como 
inação do Ocidente para proteger os bósnios se estenderam por todo o 
povo turco, e o Partido Fundamentalista Islâmico de Bem-Estar, de 
oposição, explorou essa questão contra o governo. Funcionários turcos, 
por sua vez, ressaltaram as responsabilidades especiais da Turquia com 
relação a todos os muçulmanos dos Bálcãs e o governo fez gestões de 
forma sistemática pela intervenção militar das Nações Unidas, a fim de 
salvaguardar os muçulmanos da Bósnia. 48 

De longe o tipo de ajuda mais importante que a ummah deu aos 
muçulmanos da Bósnia foi a assistência militar: armas, dinheiro para 
comprar armas, treinamento militar e voluntários. Logo que a guerra 
começou, o governo bósnio abriu as portas para o envio de mujahedins 
e, ao que consta, o total de voluntários chegou a quatro mil, mais do que 
os estrangeiros que combateram do lado dos sérvios ou dos croatas. Aí 
se incluíam unidades da Guarda Republicana Iraniana e muitos que 
haviam combatido no Afeganistão. Dentre eles havia cidadãos do Paquis¬ 
tão, Turquia, Irã, Argélia, Arábia Saudita, Egito e Sudão, além de albaneses 
e turcos que estavam, como imigrantes temporários, trabalhando na 
Alemanha, Áustria e Suíça. Organizações religiosas sauditas patrocinaram 
muitos voluntários; mais de duas dezenas de sauditas foram mortos logo 
nos primeiros meses da guerra, em 1992; e a Assembléia Mundial da 
Juventude Islâmica transportou combatentes feridos de avião para aten¬ 
dimento médico em Jedah. No outono de 1992, guerrilheiros do Hezbol- 
lah xiita libanês chegaram a fim de treinar o exército bósnio, treinamento 
que foi posteriormente assumido pela Guarda Republicana Iraniana. Na 
primavera de 1994, serviços de inteligência ocidentais informaram que 
uma unidade da Guarda Republicana Iraniana, com 400 homens, estava 
organizando unidades extremistas de guerrilha e terrorismo. Um funcio¬ 
nário norte-americano disse que “os iranianos vêem nisso um meio de 
atingir o ventre vulnerável da Europa”. Segundo as Nações Unidas, os 
mujahedins treinaram de três a cinco mil bósnios para as brigadas 
especiais fundamentalistas islâmicas. O governo bósnio empregou os 
mujahedins em “atividades terroristas e ilegais e como tropas de choque”, 
embora essas unidades muitas vezes molestassem as populações locais 
e criassem outros problemas para o governo. Os acordos de Dayton 
exigiram que todos os combatentes estrangeiros saíssem da Bósnia, 
porém o governo bósnio ajudou alguns combatentes a ficar, outorgan- 
do-lhes cidadania bósnia e contratando homens da Guarda Republicana 
Iraniana como trabalhadores. Um funcionário norte-americano advertiu 
no início de 1996 que “o governo bósnio muito deve a esses grupos e 
especialmente aos iranianos. O governo se mostrou incapaz de confron¬ 
tá-los. Dentro de 12 meses, nós teremos partido, mas os mujahedins 
pretendem ficar”. 40 

Os países ricos da ummah, encabeçados pela Arábia Saudita e pelo 
Irã, contribuíram com enormes quantias para desenvolver o poderio 
militar bósnio. Nos primeiros meses da guerra, em 1992, o governo 
saudita e fontes privadas forneceram 150 milhões de dólares em ajuda 
para os bósnios, ostensivamente para fins humanitários, que, porém, 
como se admitia amplamente, foram utilizados sobretudo para fins 
militares. Segundo consta, os bósnios receberam armas no valor de 160 
milhões de dólares durante os primeiros dois anos da guerra. No período 
1993-95, os bósnios receberam dos sauditas mais 300 milhões de dólares 
para comprar armas, além de 500 milhões de dólares supostamente em 
ajuda humanitária. O Irã também foi uma grande fonte de assistência 
militar e, segundo funcionários norte-americanos, despendeu centenas 
de milhões de dólares por ano em armas para os bósnios. Segundo um 
outro relatório, do valor total de dois bilhões de dólares em armas que 
foram para a Bósnia nos primeiros anos de luta, de 80 a 90 por cento 
foram para os muçulmanos. Graças a essa ajuda financeira, os bósnios 
puderam comprar milhares de toneladas de armamentos. Dentre os 
embarques interceptados, havia um de quatro mil fuzis e um milhão de 
tiros de munição, um segundo de 11 mil fuzis, 30 morteiros e 750 mil 
tiros de munição, e um terceiro com foguetes terra-terra, munição, jipes 
e pistolas. Todos esses embarques se originavam no Irã, que era a 
principal fonte de armamentos, mas a Turquia e a Malásia também eram 
importantes fornecedores de armas. Algumas armas foram transportadas 
por via aérea diretamente para a Bósnia, mas a maioria chegou através 
da Croácia, quer por via aérea até Zagreb e depois, por terra ou por mar, 
para Split e outros portos croatas, e finalmente por terra. Em troca de 
permitir esse procedimento, os croatas ficavam com uma parte, ao que 
consta um terço, das armas e, pensando na possibilidade de ter que vir 
a combater a Bósnia no futuro, proibiam o transporte de tanques e 
artilharia pesada através de seu território. 50 

O dinheiro, os homens, o treinamento e as armas do Irã, Arábia 
Saudita, Turquia e outros países muçulmanos possibilitaram aos bósnios 
converter o que todos chamavam de um exército “improvisado” numa 
competente força militar modestamente bem equipada. Ao se chegar ao 
inverno de 1994, observadores de fora informaram constatar aumentos 
espetaculares na sua coerência organizacional e na sua eficácia militar. 51 
Pondo sua nova força militar para funcionar, os bósnios romperam o 
cessar-fogo e desencadearam ofensivas bem-sucedidas, primeiro contra 
as milícias croatas e depois, mais no final da primavera, contra os sérvios. 
No outono de 1994, o Quinto Corpo bósnio se deslocou da área de 
refúgio das Nações Unidas em Bihac e fez recuar as forças sérvias, 
produzindo a maior vitória bósnia até então e retomando considerável 
parte de território dos sérvios, que foram prejudicados pela proibição 
imposta pelo presidente Milosevic de que lhes fosse dado auxílio. Em 
março de 1995, o exército bósnio tornou a romper a trégua e iniciou uma 
grande ação perto de Tuzla, a que se seguiu uma ofensiva em junho em 
torno de Sarajevo. O apoio de seu afins muçulmanos foi fator imprescin¬ 
dível e decisivo para possibilitar ao governo bósnio fazer essas alterações 
na balança de poder militar na Bósnia. 

A guerra na Bósnia foi uma guerra de civilizações. Os três partici¬ 
pantes primários provinham de civilizações diferentes e professavam 
religiões diferentes. Com uma exceção parcial, a participação dos atores 
secundários e terciários seguiu exatamente o modelo civilizacional. De 
maneira universal, os Estados e organizações muçulmanos se congrega¬ 
ram em apoio dos muçulmanos da Bósnia e em oposição aos croatas e 
aos sérvios. De maneira universal, os Estados e organizações ortodoxos 
apoiaram os sérvios e se opuseram a croatas e muçulmanos. Os governos 
e as elites ocidentais apoiaram os croatas, fustigaram os sérvios e, de 
modo geral, se mostraram indiferentes aos muçulmanos, ou temerosos. 
À medida que prosseguia a guerra, os ódios e as divisões entre os grupos 
se aprofundaram e suas identidades religiosas e cívilizacionais se inten¬ 
sificaram, sobretudo entre os muçulmanos. De modo genérico, as lições 
que se podem extrair da guerra na Bósnia são: primeiro, os participantes 
primários em guerras de linha de fratura podem contar com a ajuda, que 
pode ser considerável, de seus afins cívilizacionais; segundo, essa ajuda 
pode afetar de modo significativo o curso da guerra; e terceiro, os governos 
e povos de uma civilização não despendem sangue ou riquezas para 
ajudar povos de outra civilização a lutar numa guerra de linha de fratura. 

A única exceção pardal desse padrão civilizacional foram os Estados 
Unidos, cujos dirigentes favoreceram retoricamente os muçulmanos. Na 
prática, entretanto, o apoio norte-americano foi limitado. O governo 
Clinton autorizou o emprego de poder aéreo norte-americano, mas não 
de tropas no solo, para proteger as áreas de refúgio das Nações Unidas, 

368 

e advogou o término do boicote de armas. Ele não pressionou com 
energia seus aliados para que apoiassem essa diretriz, mas coonestou 
tanto os embarques iranianos de armas para os bósnios como o finan¬ 
ciamento saudita para as compras de armamentos pelos bósnios, e, em 
1994, parou de acatar o boicote. 52 Com esse comportamento, os Estados 
Unidos antagonizaram seus aliados e deram lugar ao que se via de maneira 
geral como uma grande crise dentro da OTAN. Depois que foram assinados 
os acordos de Dayton, os Estados Unidos concordaram em cooperar com 
a Arábia Saudita e outros países muçulmanos para treinar e equipar as forças 
bósnias. A pergunta então é a seguinte: por que, durante e depois da guerra, 
os Estados Unidos foram o único país a romper com o molde civilizacional 
e se tornar o único país não-muçulmano a promover os interesses dos 
muçulmanos da Bósnia e trabalhar com os países muçulmanos em seu 
favor? O que explica essa anomalia norte-americana? 

Uma possibilidade é a de que, na realidade, não tenha sido uma 
anomalia, mas sim uma conduta cuidadosamente calculada de realpolitik 
civilizacional. Ao se pôr do lado dos bósnios e propor, sem êxito, que 
se terminasse o boicote, os Estados Unidos estavam tentando reduzir a 
influência de países muçulmanos fundamentalistas, como Irã e Arábia 
Saudita, junto aos bósnios, até então seculares e orientados para a Europa. 
Contudo, se esse foi o motivo por que os Estados Unidos assentiram à 
ajuda iraniana e saudita, por que não se empenharam com mais vigor 
para que se terminasse o boicote, que teria legitimado a ajuda ocidental? 
Por que os funcionários norte-americanos não fizeram advertências 
públicas sobre os perigos do fundamentalismo islâmico nos Bálcãs? Uma 
explicação alternativa para o comportamento norte-americano é que o 
governo norte-americano estava sob pressão de seus amigos no mundo 
islâmico, mais especialmente a Turquia e a Arábia Saudita, e aquiesceu 
aos seus desejos a fim de preservar as boas relações com eles. Entretanto, 
essas relações estão baseadas nas convergências de interesses que não 
têm nenhuma vinculação com a Bósnia, e provavelmente não seriam 
prejudicadas pelo fato de os Estados Unidos não ajudarem a Bósnia. Além 
disso, esse raciocínio não explica por que os Estados Unidos aprovaram 
implicitamente que enormes quantidades de armamentos iranianos en¬ 
trassem na Bósnia numa época em que estavam confrontando o Irã em 
outras frentes e a Arábia Saudita estava competindo com o Irã por adquirir 
influência na Bósnia. 

Conquanto considerações de realpolitik civilizacional possam ter 
tido algum papel na definição das atitudes norte-americanas, outros 
fatores parecem ter tido maior influência. Em qualquer conflito entre 
terceiros, os norte-americanos querem identificar as forças do bem e as 
forças do mal e se alinhar com as primeiras. As atrocidades dos sérvios 
no início da guerra levaram-nos a serem retratados como os “maus”, 
matando inocentes e perpetrando genocídio, enquanto os bósnios 
conseguiram promover uma imagem de si mesmos como vítimas impo¬ 
tentes. Durante toda a guerra, a imprensa norte-americana dedicou pouca 
atenção às limpezas étnicas e crimes de guerra por parte de croatas e 
muçulmanos, ou às violações de áreas de refúgio das Nações Unidas e 
de acordos de cessar-fogo pelas forças bósnias. Para os norte-americanos, 
os bósnios se tornaram, para usar a expressão de Rebecca West, seu 
“povo balcânico favorito, implantado nos seus corações como sofredores 
e inocentes, etemamente sendo massacrados e nunca massacradores”. 53 

As elites norte-americanas tinham uma predisposição favorável para 
com os bósnios porque gostavam da idéia de um país multicultural e, 
nas etapas iniciais da guerra, o governo bósnio conseguiu promover essa 
imagem. Durante toda a guerra, a política norte-americana se manteve 
teimosamente empenhada por uma Bósnia multiétnica, apesar do fato de 
que os sérvios da Bósnia e os croatas da Bósnia a rejeitaram de forma ampla. 
Embora a criação de um Estado multiétnico fosse obviamente impossível se 
um grupo étnico estava cometendo genocídio contra outro, como elas 
também acreditavam, as elites norte-americanas combinaram em suas 
mentes essas imagens contraditórias para chegar a uma simpatia generali¬ 
zada pela causa bósnia. O idealismo, o moralismo, os instintos humani¬ 
tários, a ingenuidade e a ignorância dessas elites norte-americanas a 
respeito dos Bálcãs levaram-nas assim a serem pró-bósnios e anti-sérvios. 
Ao mesmo tempo, a falta tanto de significativos interesses de segurança 
norte-americanos na Bósnia como de qualquer conexão cultural não dava 
ao governo norte-americano razão alguma para fazer muito no sentido de 
ajudar os bósnios, a não ser permitir que os iranianos e os sauditas os 
armassem. Ao se recusar a identificar a guerra pelo que ela era, o governo 
norte-americano alienou seus aliados, prolongou a luta e ajudou a criar nos 
Bálcãs um Estado muçulmano fortemente influenciado pelo Irã. No final, 
os bósnios sentiam uma profunda amargura para com os Estados Unidos, 
que tinham falado bonito mas feito pouco, e uma profunda gratidão por 
seus afins muçulmanos, que tinham comparecido com o dinheiro e as armas 
necessários para que eles sobrevivessem e conseguissem vitórias militares. 

Bernard-Henri Lévy comentou, e um editor saudita concordou, que 
“A Bósnia é a nossa Espanha. A guerra na Bósnia-Herzegovina tornou-se 
o equivalente emocional da luta contra o fascismo na Guerra Civil 
Espanhola. Os que morreram são considerados mártires que tentaram 
salvar seus irmãos muçulmanos.” 54 A comparação é apropriada. Numa 
era das civilizações, a Bósnia é a Espanha de todos. A Guerra Civil 
Espanhola foi uma guerra entre ideologias e sistemas políticos; a Guerra 
da Bósnia é uma guerra entre civilizações e religiões. Democratas, 
comunistas e fascistas foram para a Espanha a fim de lutar ao lado de 
seus irmãos ideológicos, e os governos democráticos, comunistas e, de 
forma mais ativa, fascistas proporcionaram ajuda. As guerras iugoslavas 
viram uma maciça mobilização análoga de apoio externo pelos cristãos 
ocidentais, cristãos ortodoxos e muçulmanos em favor de seus afins 
civilizacionais. As principais potências da Ortodoxia, do Islã e do 
Ocidente ficaram todas profundamente envolvidas. Depois de quatro 
anos, a Guerra Civil Espanhola chegou ao seu final com a vitória das 
forças de Franco. As guerras entre as comunidades religiosas nos Bálcãs 
podem se reduzir e até cessar temporariamente, porém não há proba¬ 
bilidade de que qualquer lado consiga uma vitória decisiva, e a falta de 
vitória significa a falta de final. A Guerra Civil Espanhola foi o prelúdio 
da II Guerra Mundial. A Guerra da Bósnia é mais um episódio sangrento 
de um choque continuado de civilizações. 

Como se Param as Guerras de Linha de Fratura 

“Toda guerra tem que terminar.” Esta é a sabedoria convencional. Ela se 
aplica a guerras de linha de fratura? Sim e não. A violência de linha de 
fratura pode cessar por completo durante certo período de tempo, porém 
raramente ela termina de modo permanente. As guerras de linha de 
fratura são marcadas por freqüentes tréguas, cessar-fogos, armistícios, 
mas não por tratados abrangentes de paz que solucionem questões 
políticas fundamentais. Elas têm essa característica de pára-e-recomeça 
porque têm suas raízes em conflitos profundos de linha de fratura, que 
envolvem relações antagônicas duradouras entre grupos de civilizações 
diferentes. Os conflitos, por sua vez, provêm de proximidade geográfica, 
religiões e culturas diferentes, estruturas sociais separadas e recordações 
históricas das duas sociedades. No decurso de séculos, tudo isso pode 
evoluir e o conflito subjacente pode se evaporar. Ou o conflito pode 
desaparecer de forma rápida e brutal se um grupo extermina o outro. 
Entretanto, se nenhuma dessas duas hipóteses acontecer, o conflito 
prossegue, bem como os repetidos períodos de violência. As guerras de 
linha de fratura sào intermitentes; os conflitos de linha de fratura são 
intermináveis. 

Até mesmo uma parada temporária numa guerra de linha de fratura 
geralmente depende de duas ocorrências. A primeira é a exaustão dos 
participantes primários. Em algum momento, quando as baixas subiram 
a dezenas de milhares, os refugiados a centenas de milhares e as cidades 

_Beirute, Grozny, Vukovar — foram reduzidas a escombros, as pessoas 

gritam “isso é loucura, isso é loucura, já basta”, os radicais de ambos os 
lados já não conseguem mobilizar a fúria popular, as negociações que 
vinham se arrastando improdutivamente há anos recobram vitalidade e 
os moderados se reafirmam e chegam a algum tipo de entendimento para 
deter a carnificina. Ao se chegar à primavera de 1994, a guerra de seis 
anos em torno de Nagorno-Karabakh tinha “exaurido” tanto armênios 
como azerbaijanos e, por conseguinte, eles concordaram com uma 
trégua. No outono de 1995, analogamente noticiou-se que, na Bósnia, 
“todos os lados estão exaustos”, e vieram os acordos de Dayton. 55 
Entretanto essas paradas são autolimitativas, elas apenas habilitam ambos 
os lados a descansar e recompletar seus recursos. Então, quando um dos 
lados vê a oportunidade de ganho, a guerra recomeça. 

Para se conseguir uma pausa temporária também é necessário um 
segundo fator: o envolvimento de participantes de outro nível que não 
o primário, com o interesse e a força para obrigar as partes em luta a 
dialogarem. As guerras de linha de fratura quase nunca são detidas por 
negociações diretas entre as partes primárias isoladamente e só raramente 
através de mediação de partes desinteressadas. O distanciamento cultural, 
os ódios intensos e a violência mútua que se infligiram uma à outra 
tornam extremamente difícil para as partes primárias sentar-se e se 
engajar num debate produtivo em busca de alguma forma de cessar-fogo. 
As questões políticas subjacentes, quem controla que território e pessoas, 
e em que termos, ficam vindo à tona e impedem um acordo sobre 
questões mais limitadas. 

Os conflitos entre países ou grupos com uma cultura comum 
podem, às vezes, ser resolvidos através da mediação por uma terceira 
parte desinteressada que compartilhe dessa cultura, tenha uma legitimi¬ 
dade reconhecida no âmbito dessa cultura e, por conseguinte, possa ter 
a confiança de ambas as partes de que encontrará uma solução baseada 
nos valores dessa cultura. O Papa pôde mediar com êxito na controvérsia 
de fronteira argentino-chilena. Em conflitos entre grupos de civilizações 
diferentes, entretanto, não há partes desinteressadas. É extremamente 
difícil encontrar uma pessoa, uma instituição ou um Estado que ambas 
as partes considerem ser de confiança. Qualquer mediador em potencial 
pertence a uma das civilizações em conflito ou a uma terceira civilização, 
ainda com uma outra cultura ou outros interesses, que não inspira 
confiança em nenhuma das partes em conflito. O Papa não será chamado 
pelos chechenos e pelos russos, ou pelos tâmiles e cingaleses. Geralmen¬ 
te, também os organismos internacionais não são aceitáveis porque 
carecem da capacidade de impor custos significativos ou de oferecer 
benefícios significativos às partes. 

As guerras de linha de fratura são terminadas não por indivíduos, 
grupos ou organizações desinteressados, mas sim por partes secundárias 
e terciárias interessadas, que acorreram em apoio de seus afins e têm a 
capacidade, por um lado, de negociar acordos com suas contrapartes e, 
por outro, de induzir seus afins a aceitarem esses acordos. Conquanto o 
congregar intensifique e prolongue a guerra, de modo geral é uma 
condição necessária, embora não suficiente, para limitar e fazer cessar a 
guerra. Os elementos secundários e terciários que se congregam geral¬ 
mente não querem ser transformados em combatentes de nível primário 
e por isso tentam manter a guerra sob controle. Eles também têm 
interesses mais diversificados do que os participantes primários, que 
estão exclusivamente concentrados na guerra, e se preocupam com 
outras questões em suas relações mútuas. Portanto, em algum momento 
eles provavelmente verão que é do seu interesse parar a luta. Como eles 
se congregaram do lado de seus afins, têm influência sobre estes. Os que 
se congregam se transformam assim nos que contêm e fazem parar. 

Guerras em que não haja partes secundárias nem terciárias têm 
menor probabilidade de se expandir do que as outras, mas são mais 
difíceis de serem paradas, como o sào as guerras entre grupos de 
civilizações que carecem de Estados-núcleos. As guerras de linha de 
fratura que envolvem uma insurreição dentro de um Estado estabelecido 
e que carecem de elementos significativos que se congreguem também 
constituem problemas especiais. Se a guerra prossegue por um determi¬ 
nado período, as exigências dos insurretos tendem a aumentar de alguma 
forma de autonomia para a independência completa, que o governo 
rejeita. Geralmente, o governo exige que os insurretos deponham as 
armas como um primeiro passo para fazer cessar a luta, o que é rejeitado 
pelos insurretos. O governo, também naturalmente, resiste ao envolvi¬ 
mento de elementos de fora no que ele considera um problema 
puramente interno, envolvendo “criminosos”. A definição de questão 

2"72 

interna também dá a outros Estados o pretexto para não se envolverem, 
como foi o caso das potências ocidentais em relação à Chechênia. 

Esses problemas se complicam quando as civilizações envolvidas 
carecem de Estados-núcleos. A guerra no Sudão, por exemplo, que 
começou em 1956, foi parada em 1972, quando as partes estavam 
exaustas, e o Conselho Mundial de Igrejas e o Conselho Pan-africano de 
Igrejas, numa conquista virtualmente única para organizações internacio¬ 
nais não-govemamentais, tiveram êxito em negociar o acordo de Adis- 
Abeba, que outorgou autonomia ao Sudão meridional. Entretanto, uma 
década depois, o governo revogou o acordo, a guerra recomeçou, os 
insurretos ampliaram seus objetivos, a posição do governo se endureceu 
e os esforços por negociar outra parada fracassaram. Nem o mundo árabe 
nem a África tinham Estados-núcleos com o interesse e a força para 
pressionar os participantes. Os esforços de mediação de Jimmy Cárter e 
diversos líderes africanos não teve resultado, como tampouco tiveram os 
esforços de uma comissão de Estados da África Oriental, composta por 
Quênia, Eritréia, Uganda e Etiópia. Os Estados Unidos, que têm relações 
profundamente antagônicas com o Sudão, não podiam atuar diretamente, 
e tampouco podiam pedir ao Irã, ao Iraque ou à Líbia, que têm estreitas 
relações com o Sudão, que desempenhassem papéis ativos. Em conse- 
qüência, eles ficaram reduzidos a recorrer à Arábia Saudita, mas a 
influência saudita sobre o Sudão era limitada. 5 ^ 

De modo geral, as negociações para um cessar-fogo são beneficia¬ 
das na medida em que haja um envolvimento relativamente paralelo e 
equilibrado das partes secundárias e terciárias de ambos os lados. 
Contudo, em algumas circunstâncias, um único Estado-núcleo pode ser 
suficientemente forte para produzir uma parada. Em 1992, a Conferência 
sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) tentou mediar na guerra 
Armênia-Arzebaijão. Uma comissão — o Grupo de Minsk — foi criada, 
incluindo partes primárias, secundárias e terciárias do conflito (armênios 
de Nagorno-Karabakh, a Armênia, o Arzebaijão, a Rússia e a Turquia), e 
mais a França, a Alemanha, a Itália, a Suécia, a República Checa, a 
Bielo-Rússia e os Estados Unidos. Afora os Estados Unidos e a França, 
com consideráveis diásporas armênias, esses últimos países tinham 
pouco interesse, e pouca ou nenhuma capacidade, de produzir um fim 
para a guerra. Quando as duas partes terciárias — a Rússia e a Turquia —, 
além dos Estados Unidos, se puseram de acordo sobre um plano, ele foi 
rejeitado pelos armênios de Nagorno-Karabakh. Entretanto a Rússia 
patrocinou independentemente uma longa série de negociações em 
Moscou entre a Armênia e o Azerbaijão, que “criou uma alternativa para 
o Grupo de Minsk e (...) desse modo dissipou o esforço da comunidade 
internacional”. 57 No final, depois que os litigantes primários tinham ficado 
exaustos e os russos haviam obtido o apoio do Irã para as negociações, 
o esforço russo produziu um cessar-fogo. Na condição de partes secun¬ 
dárias, a Rússia e o Irã também cooperaram nas tentativas, com êxitos 
intermitentes, para conseguir um cessar-fogo no Tadjiquistão. 

A Rússia será uma presença constante no Transcáucaso e terá a 
capacidade de fazer respeitar o cessar-fogo por ela patrocinado enquanto 
ela tiver interesse em fazê-lo. Isso contrasta com a situação dos Estados 
Unidos em relação à Bósnia. Os acordos de Dayton foram montados 
sobre propostas que tinham sido desenvolvidas pelo Grupo de Contato 
dos Estados-núcleos interessados (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Rús¬ 
sia e Estados Unidos), porém nenhuma das outras partes terciárias esteve 
intimamente envolvida na elaboração do acordo final, e duas das três 
partes primárias da guerra ficaram à margem das negociações, A impo¬ 
sição da observância do acordo fica a cargo de uma força da OTAN 
dominada pelos norte-americanos. Se os Estados Unidos retirarem suas 
tropas da Bósnia, nem as potências européias nem a Rússia terão 
incentivos para continuar a implementar o acordo; o governo bósnio, os 
sérvios e os croatas terão todos os incentivos para reiniciar a luta uma 
vez que se tenham recuperado; e os governos sérvio e croata serão 
tentados a aproveitar a oportunidade de concretizar seus sonhos de uma 
Grande Sérvia e de uma Grande Croácia. 

Robert Putnam salientou a medida em que as negociações entre os 
Estados são “jogos em dois níveis”, nos quais os diplomatas negociam 
simultaneamente com os grupos de interesse dentro de seu próprio país 
e com seus equivalentes no outro país. Numa análise paralela, Huntington 
demonstrou que, num governo autoritário, os reformistas que estejam 
negociando uma transição para a democracia com moderados na oposi¬ 
ção também precisam negociar com os linhas-duras de dentro do 
governo, ou então neutralizá-los, da mesma forma que os moderados 
precisam negociar com os radicais na oposição. 58 Esses jogos em dois 
níveis envolvem no mínimo quatro participantes e pelo menos três linhas 
de relacionamento entre si, e muitas vezes quatro dessas linhas. Entre¬ 
tanto, uma guerra de linha de fratura complexa é um jogo em três níveis, 
com pelo menos seis partes e pelo menos sete relações entre elas (ver 
Figura 11.1). As relações horizontais que atravessam as linhas de fratura 
existem entre pares de partes primárias, secundárias e terciárias. As 
relações verticais existem entre as partes nos diferentes níveis dentro de 
cada civilização. Assim sendo, para se conseguir uma parada na luta 
numa guerra de “modelo completo”, é preciso: 

• envolvimento ativo das partes secundárias e terciárias; 

• negociação pelas partes terciárias dos termos amplos para fazer 
parar a luta; 

• emprego pelas partes terciárias de recompensas e penalidades 
para conseguir que as partes secundárias aceitem esses termos e 
pressionem as partes primárias para que os aceitem; 

• retirada pelas partes secundárias do seu apoio às partes primárias, 
e, na realidade, traição a estas últimas; 

• como resultado dessa pressão, a aceitação dos termos pelas 
partes primárias, os quais, evidentemente, elas violarão quando 
acharem que é do seu interesse fazê-lo. 

O processo de paz na Bósnia envolveu todos esses elementos. Os 
esforços de atores individuais, dos Estados Unidos, da Rússia, da União 
Européia, para produzir um acordo se notabilizaram pelo fracasso. As 
potências ocidentais relutavam em incluir a Rússia como parceiro pleno 
no processo. Os russos protestaram energicamente contra sua exclusão, 
argumentando que tinham laços históricos com os sérvios e também 
interesses mais diretos nos Bálcãs do que qualquer outra das principais 
potências. A Rússia insistiu em participar plenamente dos esforços para 
resolver os conflitos e condenou energicamente a “tendência por parte 
dos Estados Unidos de ditar seus próprios termos”. A necessidade de 
incluir os russos ficou clara em fevereiro de 1994, Sem consultar a Rússia, 
a OTAN deu um ultimato a os sérvios da Bósnia para que retirassem seu 
armamento pesado do perímetro em tomo de Sarajevo sob pena de 
ataques aéreos. Os sérvios resistiram a essa exigência e parecia provável 
um encontro violento com a OTAN. Yeltsin advertiu que “algumas 
pessoas estão tentando resolver a questão da Bósnia sem a participação 
da Rússia” e “nós não permitiremos isso”. O governo russo então tomou 
a iniciativa e persuadiu os sérvios a retirarem seu armamento caso a 
Rússia colocasse tropas de manutenção de paz na área de Sarajevo. Esse 
golpe diplomático evitou a escalada da violência, demonstrou ao Oci¬ 
dente o poder russo sobre os sérvios e levou tropas russas para o coração 
da área em disputa entre os muçulmanos da Bósnia e os sérvios da 
Bósnia.59 Por meio dessa manobra, a Rússia de fato fez valer sua 
reivindicação de “parceria em igualdade de condições” com o Ocidente 
no tratamento da questão da Bósnia. 

Não obstante, em abril, a OTAN mais uma vez autorizou o bombar¬ 
deio de posições sérvias sem consultar a Rússia. Isso produziu uma 
imensa reação negativa em todo o espectro político russo e reforçou a 
oposição nacionalista contra Yeltsin e Kozyrev. Imediatamente depois 
disso, as potências terciárias relevantes — Grã-Bretanha, França, Alema¬ 
nha, Rússia e Estados Unidos — constituíram o Grupo de Contato para 
estruturar um acordo. Em junho de 1994, o grupo produziu um plano 
que atribuía 51 por cento da Bósnia a uma federação muçulmano-croata 
e 49 por cento aos sérvios da Bósnia. Esse plano tomou-se a base para 
o posterior acordo de Dayton. No ano seguinte, foi preciso acertar 
providências para a participação de tropas russas na imposição da 
Observância dos acordos de Dayton. 

É preciso convencer as partes secundárias e primárias dos acordos 
entre as partes terciárias. Como disse o diplomata russo Vitaly Churkin, 
os norte-americanos precisam aplicar pressão sobre os bósnios, os 
alemães sobre os croatas e os russos sobre os sérvios. 60 Nas etapas iniciais 
das guerras iugoslavas, a Rússia fez uma monumental concessão ao 
concordar com as sanções econômicas contra a Sérvia, Na qualidade de 
país afim, no qual os sérvios podiam confiar, a Rússia também foi algumas 
vezes capaz de impor limitações aos sérvios e pressioná-los a aceitar 
acomodações que de outro modo eles rejeitariam. Em 1995, por exemplo, 
a Rússia, juntamente com a Grécia, intercedeu junto aos sérvios da Bósnia 
para obter a libertação de soldados holandeses da força de paz que 
tinham sido tomados como reféns. Em algumas ocasiões, porém, os 
sérvios da Bósnia voltaram atrás em acordos que tinham feito sob pressão 
russa, com o que criaram embaraços para a Rússia, por não ter sido capaz 
de levar seus afins a cumprirem o acordado. Em abril de 1994, por 
exemplo, a Rússia obteve a concordância dos sérvios da Bósnia para 
cessarem seu ataque a Goradze, mas depois os sérvios violaram o acordo. 
Os russos ficaram furiosos. Um diplomata russo disse que os sérvios da 
Bósnia “tinham ficado loucos pela guerra”, Yeltsin insistiu que “a 
liderança sérvia precisa cumprir com a obrigação que assumiu com a 
Rússia” e a Rússia retirou suas objeções aos ataques aéreos pela OTAN 61 

Embora apoiassem e fortalecessem a Croácia, a Alemanha e outros 
Estados ocidentais também eram capazes de conter o comportamento 
croata. O presidente Tudjman estava profundamente empenhado em que 
seu país católico fosse aceito como um país europeu e admitido em 
organizações européias. As potências ocidentais exploraram o apoio 
diplomático, econômico e militar que davam à Croácia e o desejo croata 
de ser aceito no “clube” para induzir Tudjman a aceitar acomodações em 
relação a muitas questões. Em março de 1995, foi dito a Tudjman que, 
se ele queria fazer parte do Ocidente, precisava permitir que a Força de 
Proteção das Nações Unidas permanecesse em Krajina. Um diplomata 
ocidental comentou que “é muito importante para Tudjman poder 
juntar-se ao Ocidente. Ele não quer ser deixado sozinho com os sérvios 
e os russos”. Ele também foi advertido a restringir a limpeza étnica 
quando suas tropas conquistassem território em Krajina e em outras áreas 
habitadas por sérvios e a abster-se de estender sua ofensiva à Eslavônia 
Oriental. Numa outra questão, foi dito aos croatas que, se eles não 
integrassem a federação com os muçulmanos, “a porta para o Ocidente 
lhes será fechada para sempre”, nas palavras de um funcionário norte- 
americano.^ 2 Na condição de principal fonte externa de apoio financeiro 
da Croácia, a Alemanha estava numa posição particularmente forte para 
influir sobre o comportamento croata. O estreito relacionamento que os 
Estados Unidos haviam desenvolvido com a Croácia também ajudou a 
evitar, pelo menos durante 1995, que Tudjman implementasse seu desejo, 
freqüentemente expressado, de efetuar a partição da Bósnia-Herzegovina 
entre a Croácia e a Sérvia. 

Ao contrário da Rússia e da Alemanha, os Estados Unidos careciam 
de aspectos culturais em comum com seu cliente bósnio e por isso estavam 
numa posição fraca para pressionar os muçulmanos a aceitarem uma 
acomodação. Além disso, à parte a retórica, os Estados Unidos apenas 
ajudaram os bósnios fazendo vistas grossas às violações do boicote de armas 
pelo Irã e por outros Estados muçulmanos. Conseqüentemente, os muçul¬ 
manos da Bósnia se sentiam cada vez mais gratos à comunidade islâmica 
em geral e cada vez mais identificados com ela. Ao mesmo tempo, 
condenavam os Estados Unidos por adotar “dois pesos e duas medidas” e 
não repelir a agressão contra eles como haviam feito no Kuwait. O fato de 
se fazerem de vítimas tomou ainda mais difícil para os Estados Unidos 
pressioná-los a acederem a acomodações. Nessas circunstâncias, eles 
puderam rejeitar as propostas de paz, aumentar seu poderio militar com 
a ajuda de seus amigos muçulmanos e acabaram por tomar a iniciativa 
e retomar parte considerável do território que haviam perdido. 

A resistência à acomodação é intensa entre as partes primárias. Na 
Guerra do Transcáucaso, a ultranacionalista Federação Revolucionária 
Armênia (Dashnak), que tinha muita força na diáspora armênia, dominou 
a entidade Nagomo-Karabakh, rejeitou a proposta de paz turco-russo- 
norte-americana de maio de 1993 — aceita pelos governos da Armênia 
e do Azerbaijão —, empreendeu ofensivas militares que provocaram 
acusações de limpeza étnica, suscitaram a perspectiva de uma guerra 
mais ampla e pioraram seu relacionamento com o governo armênio, mais 
moderado. O êxito da ofensiva em Nagorno-Karabakh causou problemas 
para a Armênia, que estava ansiosa por melhorar suas relações com a 
Turquia e o Irã a fim de atenuar a escassez de alimentos e energia 
resultante da guerra e do bloqueio turco. Um diplomata ocidental 
comentou que “quanto melhor vão as coisas em Karabakh, mais difícil 
fica para Yerevan”. 63 O presidente da Armênia, Levon Ter-Petrossian, tal 
como o presidente Yeltsin, tinha que equilibrar as pressões dos na¬ 
cionalistas em sua legislatura com os interesses mais amplos da política 
externa em apaziguar outros países e, no final de 1994, seu governo 
expulsou da Armênia o partido Dashnak. 

Do mesmo modo que os armênios de Nagorno-Karabakh, os sérvios 
da Bósnia e os croatas da Bósnia adotaram posições de linha-dura. Em 
conseqüência, quando os governos croata e sérvio foram pressionados 
para ajudar no processo de paz, surgiram problemas nas suas relações 
com seus afins na Bósnia. Com os croatas esses problemas foram menos 
graves, quando os croatas da Bósnia concordaram na forma, senão na 
prática, em se juntar à federação com os muçulmanos. Em contraste, o 
conflito entre o presidente Milosevic e o líder sérvio da Bósnia, Radovan 
Karadzic, se tomou mais intenso e público, impelido por antagonismo 
pessoal. Em agosto de 1994, Karadzic rejeitou o plano de paz que havia 
sido aprovado por Milosevic. O governo sérvio, ansioso para que 
acabassem as sanções, anunciou que estava cortando todo o comércio 
com os sérvios da Bósnia, com exceção de alimentos e medicamentos. 
Em troca, as Nações Unidas atenuaram suas sanções contra a Sérvia. No 
ano seguinte, Milosevic permitiu que o exército croata expulsasse os 
sérvios de Krajina, e forças croatas e muçulmanas os forçaram a retornar 
para o noroeste da Bósnia. Ele também concordou com Tudjman para 
permitir o restabelecimento gradual do controle croata sobre a Eslavônia 
Oriental, ocupada pelos sérvios. Com a aprovação das grandes potências, 
ele então de fato “levou” os sérvios da Bósnia para as negociações de 
Dayton, incorporando-os à sua delegação. 

As ações de Milosevic conduziram ao fim das sanções das Nações 
Unidas contra a Sérvia. Elas também lhe valeram a aprovação de uma 
comunidade internacional um tanto surpresa. O belicoso nacionalista, 
agressivo, promotor da limpeza étnica e da Grande Sérvia de 1992 
transformara-se no promotor da paz de 1995. Entretanto, para muitos 
sérvios, ele havia se transformado num traidor. Ele foi condenado em 
Belgrado por nacionalistas sérvios e líderes da Igreja Ortodoxa e foi 
duramente acusado de traição pelos sérvios da Bósnia e de Krajina. Nisso, 
é claro, eles reproduziram as acusações dos colonos da Margem Ociden¬ 
tal desferidas contra o governo israelense por seu acordo com a OLP. A 
traição dos afins é o preço da paz numa guerra de linha de fratura. 

A exaustão da guerra e os incentivos e pressões de partes terciárias 
obrigam a mudanças nas partes secundárias e primárias. Ou os modera¬ 
dos substituem no poder os extremistas, ou os extremistas, como 
Milosevic, vêem que é do seu interesse tomar-se moderados. Eles o 
fazem, porém, correndo certos riscos. Aqueles que são vistos como 
traidores despertam ódio muito mais apaixonado do que os inimigos. Os 
líderes dos muçulmanos de Caxemira, dos chechenos e dos cingaleses 
em Sri Lanka tiveram o destino de Sadat e Rabin por trair a causa e tentar 
encontrar uma solução de acomodação com o arquiinimigo. Em 1914, 
um nacionalista sérvio assassinou um arquiduque austríaco. Na esteira 
de Dayton, seu alvo mais provável seria Slobodan Milosevic. 

Um acordo para pôr termo a uma guerra de linha de fratura terá 
êxito, ainda que apenas temporário, na medida em que refletir o 
equilíbrio de poder local entre as partes primárias e os interesses das 
partes terciárias e secundárias. A divisão da Bósnia em 51 e 49 por cento 
não era viável em 1994, quando os sérvios controlavam 70 por cento do 
país. Ela se tornou viável quando as ofensivas croata e muçulmana 
reduziram o controle sérvio a quase a metade. O processo de paz também 
foi auxiliado pela limpeza étnica que foi realizada, com os sérvios 
reduzidos a menos de três por cento da população da Croácia e membros 
de todos os três grupos ficando separados dentro da Bósnia, violenta ou 
voluntariamente. Além disso, as partes secundárias e terciárias, estas 
últimas muitas vezes os Estados-núcleos das civilizações, precisam ter 
reais interesses de segurança ou comunitários numa guerra, a fim de 
patrocinarem uma solução viável. Os participantes primários não podem, 
sozinhos, fazer parar guerras de linha de fratura. Fazê-las parar ou 
impedir sua escalada em guerras globais depende precipuamente dos 
interesses e das ações dos Estados-núcleos das principais civilizações do 
mundo. As guerras de linha de fratura borbulham de baixo para cima, 
as pazes de linha de fratura escorrem em gotas de cima para baixo. 

380 

0 Futuro das Civilizações 

Capítulo 12 


O Ocidente, as Civilizações e a Civilização 

A RENOVAÇÃO DO OCIDENTE? 

A história chega ao fim pelo menos uma vez e, ocasionalmente, com 
maior freqüência na história de cada civilização. Quando surge o 
Estado universal de uma civilização, seu povo fica cego pelo que 
Toynbee denominou “a miragem da imortalidade”, e convicto de que a 
sua é a forma definitiva da sociedade humana. Assim foi com o Império 
Romano, o Califado dos Abassidas, o Império Mogol e o Império 
Otomano. Os cidadãos de um desses Estados universais, “desafiando 
fatos aparentemente óbvios, (...) tendem a considerá-lo não apenas como 
um abrigo noturno no descampado, mas como a Terra Prometida, a meta 
dos empreendimentos humanos”. O mesmo se aplicava no auge da Pax 
Britannica . Para a classe média inglesa em 1897, “a História, tal como a 
viam, tinha terminado. (...) E tinham todos os motivos para se felicitar 
pelo estado permanente de felicidade ante essa conclusão que a História 
lhes havia outorgado”. 1 Entretanto, as sociedades que supõem que a sua 
história chegou ao fim geralmente são as sociedades cuja história está 
prestes a entrar em declínio. 

Será o Ocidente uma exceção a esse padrão? As duas indagações- 
chave foram formuladas por Melko: 

383 

Primeira: será a civilização ocidental uma nova espécie, numa 
categoria própria, incomparavelmente diferente de todas as outras 
civilizações que existiram até hoje? 

Segunda: será que sua expansão por todo o mundo apresenta o risco 
(ou a promessa) de acabar com a possibilidade de desenvolvimento de 
quaisquer outras civilizações ? 2 

Muito naturalmente, a inclinação da maioria dos ocidentais é de respon¬ 
der afirmativamente a ambas as perguntas. E talvez tenham razão. 
Entretanto, no passado, os povos de outras civilizações pensaram da 
mesma forma, e pensaram errado, 

É óbvio que o Ocidente difere de todas as outras civilizações 
anteriores pelo fato de que ele produziu um impacto avassalador sobre 
todas as outras civilizações que existiram a partir de 1500. Ele também 
inaugurou os processos de modernização e de industrialização, que se 
tornaram mundiais, e, em conseqüência, as sociedades em todas as outras 
civilizações têm tentado alcançar o Ocidente em riqueza e modernidade. 
Contudo, será que essas características do Ocidente significam que os 
seus padrões prevaleceram em todas as outras civilizações? As provas da 
História e os julgamentos dos estudiosos da história comparativa das 
civilizações sugerem algo diferente. O desenvolvimento do Ocidente até 
hoje não se afastou de modo significativo dos padrões evolutivos comuns 
às civilizações ao longo da História. O Ressurgimento Islâmico e o 
dinamismo econômico da Ásia demonstram que outras civilizações estão 
vivas e atuantes e, pelo menos em termos potenciais, constituindo uma 
ameaça para o Ocidente. Uma guerra de grandes proporções entre o 
Ocidente e os Estados-núcleos de outras civilizações não é inevitável, 
mas poderia ocorrer. Alternativamente, o declínio gradual e irregular do 
Ocidente, que se iniciou no começo do século XX, poderia continuar 
durante as próximas décadas ou os próximos séculos. Ou o Ocidente 
poderia passar por um período de revitalização, inverter o declínio de 
sua influência nos assuntos mundiais e reconfirmar sua posição de líder 
que as outras civilizações seguem e emulam. 

Carroll Quigley, na que provavelmente é a mais útil periodização 
da evolução das civilizações históricas, vê um padrão comum de sete 
fases 3 (ver p. 49). Segundo sua argumentação, a civilização ocidental 
começou gradualmente a tomar forma entre 370 e 750 d.C., através da 
mescla de elementos das culturas clássica, semítica, sarracena e bárbara. 
Seu período de gestação, que durou de meados do século VIII até o final 
do século X, foi seguido por um movimento, incomum entre as civiliza- 

384 

ções, de alternância das fases de expansão e fases de conflito. Segundo 
os seus termos, bem como os de outros estudiosos das civilizações, o 
Ocidente parece atualmente estar saindo de sua fase de conflito. A 
civilização ocidental tornou-se uma zona de segurança. As guerras 
“internas” no Ocidente, afora uma guerra fria ocasional, são virtualmente 
impensáveis. Como se argumentou no Capítulo 2, o Ocidente está 
desenvolvendo o seu equivalente de um império universal sob a forma 
de um complexo sistema de confederações, federações, regimes e outros 
tipos de instituições cooperativas que encarnam, no nível civilizacional, 
sua dedicação à política democrática e pluralista. Em suma, o Ocidente 
tornou-se uma sociedade madura que está entrando no que as gerações 
futuras, segundo o padrão repetitivo das civilizações, considerarão como 
uma “idade de ouro”, um período de paz decorrente, nos termos de 
Quigley, “da ausência de quaisquer unidades competidoras dentro do 
âmbito da própria civilização e do distanciamento, ou até mesmo 
inexistência, de lutas com outras sociedades de fora”. É também um 
período de prosperidade que decorre “do fim da destruição pela belige¬ 
rância interna, da redução das barreiras ao comércio interno, do es¬ 
tabelecimento de um sistema comum de pesos, medidas e moeda e de 
um extenso sistema de gastos governamentais associado com o es¬ 
tabelecimento de um império universal”. 

Em civilizações anteriores, essa fase de uma feliz idade de ouro, 
com suas visões de imortalidade, terminou de forma dramática e rápida 
com a vitória de uma sociedade externa, ou lentamente e de modo 
igualmente doloroso pela desagregação interna. O que acontece dentro de 
uma civilização é tão crucial para sua capacidade de resistir à destruição 
proveniente de fontes externas como para conter a deterioração vinda de 
dentro. Quigley argumentou em 1961 que as civilizações crescem porque 
dispõem de um “instrumento de expansão”, ou seja, organização militar, 
religiosa, política ou econômica que acumula os excedentes e os investe 
em inovações produtivas. As civilizações entram em declínio quando cessa 
“a aplicação dos excedentes a novas maneiras de fazer as coisas. Em termos 
modernos, dizemos que a taxa de investimentos diminui”. Isso acontece 
porque os grupos sociais que controlam os excedentes têm um interesse 
próprio em utilizá-los para “fins não-produtivos, mas que satisfazem ao 
ego (...), os quais destinam os excedentes para o consumo mas não 
proporcionam métodos de produção mais eficazes”. As pessoas vivem 
do seu capital e a civilização passa do estágio de Estado universal para 
o estágio de decadência. É um período de 

385 

depressão econômica aguda, padrões de vida em declínio, guerras civis 
entre os diversos interesses próprios e uma crescente falta de cultura. A 
sociedade fica cada vez mais fraca. Fazem-se em vão tentativas de parar 
com o desperdício através de legislação. Mas o declínio continua. Os 
segmentos religioso, intelectual, social e político da sociedade começam 
a perder a lealdade das massas em larga escala. Novos movimentos 
religiosos começam a se espalhar pela sociedade. Há uma relutância 
crescente em lutar pela sociedade ou até mesmo em sustentá-la pelo 
pagamento de impostos. 

A decadência leva então ao estágio da invasão, “quando a civilização, 
que já não é capaz de se defender porque não está mais disposta a se 
defender, fica inteiramente aberta a ‘invasores bárbaros’”, que muitas 
vezes provêm de “uma outra civilização, mais nova e mais poderosa”. 4 

Entretanto, a lição mais importante da história das civilizações é a 
de que muitas coisas são prováveis, mas nada é inevitável. As civilizações 
podem se reformar e se renovar, como de fato já aconteceu. A questão 
fundamental para o Ocidente é se, inteiramente à parte de quaisquer desafios 
externos, ele é capaz de sustar e inverter os processos internos de 
decadência. Será o Ocidente capaz de se renovar ou a deterioração interna 
simplesmente acelerará o seu fim e/ou sua subordinação a outras 
civilizações mais dinâmicas econômica e demograficamente?* 

Em meados dos anos 90, o Ocidente tinha muitas características 
identificadas por Quigley como as de uma civilização madura à beira da 
decadência. Economicamente, o Ocidente era muito mais rico do que 
qualquer outra civilização, mas ele também tinha baixas taxas de 
crescimento econômico, de poupança e de investimentos, especialmente 
em comparação com as sociedades da Ásia Oriental. O consumo 
individual e coletivo tinha prioridade sobre a criação da capacidade para 
futuro poder econômico e militar. O crescimento natural da população 
era baixo, especialmente em comparação com o dos países islâmicos. 
Entretanto, nenhum desses problemas teria inevitavelmente conseqüên- 
cias catastróficas. As economias ocidentais ainda estavam crescendo. De 

* Numa previsão que bem pode estar correta, mas que, na realidade, não é sustentada por sua 
análise teórica e empírica, Quigley conclui: “A civilização ocidental não existia por volta de 
500 d.C, existia em pleno vigor por volta do ano 1500 d.C. e certamente terá deixado de 
existir em algum ponto do futuro, talvez antes de 2500 d.C..” Segundo ele, novas civilizações 
na China e na índia, que substituirão as que o Ocidente destruiu, passarão então para seus 
estágios de expansão e ameaçarão as civilizações ocidental e ortodoxa. Carroll Quigley, The 
Evolution of Civilizations: An Introduction to Historical Analysis [A Evolução das Civilizações: 
uma Introdução à Análise Histórica] (Indianápolis: Liberty Press, 1979; inicialmente publicada 
por Macmillan em 1961), pp. 127, 164-66. 

386 

forma gerai, os povus uuuciu«fa estavam vivendo melhor. O Ocidente 
ainda era o líder em pesquisa científica e inovação tecnológica. Era 
improvável que as baixas taxas de nascimento fossem sanadas pelos 
governos (cujos esforços nesse sentido geralmente são ainda menos bem- 
sucedidos do que os esforços para reduzir o crescimento populacional). A 
imigração, porém, era uma fonte em potencial de novo vigor e capital humano, 
desde que fossem satisfeitas duas condições: a primeira, que se desse 
prioridade às pessoas capazes, qualificadas e empreendedoras, com os 
talentos e os conhecimentos de que necessitasse o país anfitrião; a segunda, 
que os novos imigrantes e seus filhos fossem assimilados nas culturas do 
país respectivo e do Ocidente. Os Estados Unidos tinham uma proba¬ 
bilidade de ter problemas para satisfazer a primeira condição e os países 
europeus para satisfazer a segunda. No entanto, adotar diretrizes regendo 
os níveis, fontes, características e assimilação de imigrantes está perfei¬ 
tamente dentro da experiência e competência dos governos ocidentais. 

Muito mais importantes do que a economia e a demografia são os 
problemas de declínio moral, suicídio cultural e desunião política no 
Ocidente. As manifestações freqüentemente apontadas de declínio moral 
abrangem: 

1. aumento de formas de comportamento anti-social, como crime, 
uso de drogas e violência em geral; 

2. decadência da família, inclusive índices mais elevados de divór¬ 
cio, ilegitimidade, gravidez de adolescentes e famílias de pai ou mãe 
sozinhos; 

3- pelo menos nos Estados Unidos, um declínio de “capital social”, 
isto é, participação em associações voluntárias e confiança entre as 
pessoas ligadas a essa participação; 

4. um debilitamento generalizado da “ética de trabalho” e aumento 
do culto à satisfação pessoal; 

5. diminuição no empenho pelo aprendizado e pela atividade 
intelectual, manifestado nos Estados Unidos por níveis mais baixos 
de realização acadêmica. 

A futura saúde do Ocidente e sua influência sobre outras sociedades 
dependem, em grau considerável, do êxito que tenha em lidar com essas 
tendências, as quais, é claro, dão lugar a afirmações de superioridade 
moral por parte de muçulmanos e asiáticos. 

387 

A cultura ocidental é contestada por grupos dentro das sociedades 
ocidentais. Uma dessas contestações vem de imigrantes de outras civili¬ 
zações, que repudiam a assimilação e continuam a esposar e propagar 
os valores, costumes e culturas de suas sociedades de origem. Esse 
fenômeno é mais notável entre os muçulmanos na Europa, que cons¬ 
tituem, contudo, pequena minoria. Ele também se manifesta, em menor 
grau, entre os hispânicos nos Estados Unidos, que compõem uma grande 
minoria. Neste caso, se a assimilação fracassar, os Estados Unidos se 
tornarão um país rachado, com todo o potencial para a discórdia e a 
desunião internas que isso acarreta. Na Europa, a civilização ocidental 
também pode ser solapada pelo enfraquecimento de seu componente 
fundamental, o Cristianismo. Uma quantidade cada vez menor de euro¬ 
peus professa crenças religiosas, respeita práticas religiosas e participa 
de atividades religiosas. 5 Essa tendência reflete não tanto hostilidade para 
com a religião, mas sim uma indiferença por ela. Não obstante, os 
conceitos, práticas e valores cristãos permeiam a civilização européia. 
Um sueco comentou que “os suecos provavelmente são o povo menos 
religioso da Europa, mas não se pode de modo algum compreender esse 
país a menos que se perceba que nossas instituições, práticas sociais, 
famílias, política e estilo de vida são essencialmente moldados por nossa 
herança luterana”. Os norte-americanos, ao contrário dos europeus, de 
forma preponderante acreditam em Deus, se consideram um povo 
religioso e freqüentam a igreja em grande número. Embora não houvesse 
indícios de um ressurgimento da religião nos Estados Unidos em meados 
da década de 80, a década seguinte pareceu testemunhar uma intensifi¬ 
cação da atividade religiosa.^ A erosão do Cristianismo entre os ocidentais 
provavelmente será, na pior das hipóteses, uma ameaça de muito longo 
prazo para a saúde da civilização ocidental. 

Nos Estados Unidos, há um desafio mais imediato e mais perigoso. 
Do ponto de vista histórico, a identidade nacional norte-americana foi 
definida culturalmente pelo legado da civilização ocidental e politicamen¬ 
te pelo Credo norte-americano com o qual os norte-americanos concor¬ 
dam amplamente: liberdade, democracia, individualismo, igualdade pe¬ 
rante a lei, constitucionalismo, propriedade privada. No final do século 
XX, ambos os componentes da identidade norte-americana passaram a 
sofrer o ataque concentrado e contínuo de um número pequeno, porém 
influente, de intelectuais e editores. Em nome do multiculturalismo, 
atacaram a identificação dos Estados Unidos com a civilização ocidental, 
negaram a existência de uma cultura comum norte-americana e promo¬ 
veram outras identidades e agrupamentos raciais, étnicos e de outras 
culturas subnacionais. Nas palavras de um de seus relatórios, eles*' 
condenaram “o viés sistemático em direção à cultura européia e seus 
derivados” na educação e “o predomínio da perspectiva monocultural 
europeu-norte-americana”. Como disse Arthur Schlesinger Jr., os mul- 
ticulturalistas são “muitas vezes separatistas etnocêntricôs, que vêem 
pouca coisa no legado ocidental além dos crimes ocidentais”. Seu “estado 
de espírito é livrar os norte-americanos da pecaminosa herança européia 
e buscar infusões redentoras de culturas não-ocidentais”. 7 

A tendência multicultural também se manifestou em vários dis¬ 
positivos legais que se seguiram às leis sobre direitos civis da década de 60 
e, nos anos 90, o governo Clinton fez do estímulo à diversidade uma de 
suas metas principais. O contraste com o passado é impressionante. Os Pais 
da Pátria viam a diversidade como uma realidade e como um problema: daí 
o lema nacional — e pluribus unum — escolhido por um comitê do 
Congresso Continental composto por Benjamin Franklin, Thomas Jefferson 
e John Adams. Líderes políticos posteriores, que também receavam os 
perigos da diversidade racial, sectária, étnica, econômica e cultural (a qual, 
na verdade, produziu a maior guerra do século entre 1815 e 1914), 
responderam ao chamamento para que “nos unamos”, e fizeram da 
promoção da unidade nacional sua responsabilidade fundamental. Theo- 
dore Roosevelt advertiu que “o único meio seguro de levar este país à 
ruína, de impedir de forma absoluta qualquer possibilidade de que ele 
continue sendo uma nação, seria permitir que ele se tornasse um 
emaranhado de nacionalidades em querelas”. 8 Entretanto, nos anos 90, 
os dirigentes dos Estados Unidos não só permitiram como promoveram 
assiduamente a diversidade em vez da unidade do povo que governam. 

Como vimos, os dirigentes de outros países tentaram algumas vezes 
repudiar sua herança cultural e mudar a identidade de seu país de uma 
civilização para outra. Eles não tiveram êxito em nenhum caso até hoje 
e, em vez disso, criaram esquizofrênicos países divididos. De modo 
análogo, os multiculturalistas norte-americanos rejeitam a herança cultu¬ 
ral de seu país. Em vez de tentar identificar os Estados Unidos com outra 
civilização, porém, eles desejam criar um país de muitas civilizações, o que 
equivale a dizer um país que não pertence a nenhuma civilização e que 
carece de um núcleo cultural. A História mostra que nenhum país 
constituído desse modo pode manter por muito tempo uma sociedade 
coerente. Uns Estados Unidos multicivilizacionais não serão os Estados 
Unidos, e sim as Nações Unidas. 

Os multiculturalistas também contestaram um elemento funda¬ 
mental do Credo norte-americano, ao substituir os direitos dos indivíduos 
pelos direitos dos grupos, definidos sobretudo em termos de raça, etnia, 
sexo e preferência sexual. Na década de 40, Gunnar Myrdal disse, 
reforçando os comentários de observadores estrangeiros recuando até 
Hector St. John de Crèvecoeur e Alexis de Tocqueville, que o Credo tinha 
sido “o cimento na estrutura dessa grande e diversificada nação”. Richard 
Hofstader concordou, dizendo que “foi nosso destino como nação não 
ter ideologias, mas ser uma ideologia”. 9 O que acontecerá, então, aos 
Estados Unidos se essa ideologia for repudiada por uma parcela signifi¬ 
cativa de seus cidadãos? O destino da União Soviética, o outro grande 
país cuja unidade, mais ainda do que a dos Estados Unidos, foi definida 
em termos ideológicos, é um exemplo que deveria incutir sensatez nos 
norte-americanos. O filósofo japonês Takeshi Umehara aventou que “o 
completo fracasso do marxismo (...) e o espetacular esfacelamento da 
União Soviética são apenas os precursores do colapso do liberalismo 
ocidental, a principal corrente da modernidade. Longe de ser a alternativa 
do marxismo e a ideologia dominante no final da História, o liberalismo 
será a próxima pedra de dominó a cair”. 10 Numa era em que, por toda parte, 
os povos se definem em termos culturais, que lugar haverá para uma 
sociedade desprovida de um núcleo cultural e definida apenas por um credo 
político? Os princípios políticos são uma base volúvel para que sobre ela se 
construa uma comunidade duradoura. Num mundo multicivilizacional em 
que a cultura faz diferença, os Estados Unidos poderiam simplesmente 
ser o último remanescente de um mundo ocidental em que a ideologia 
fazia diferença, e que se está apagando. 

O repúdio do Credo e da civilização ocidental significa o fim dos 
Estados Unidos como nós o conhecemos. Ele também significa de fato 
o fim da civilização ocidental. Se os Estados Unidos forem desocidenta- 
lizados, o Ocidente ficará reduzido à Europa e a alguns países ultrama¬ 
rinos de colonização européia, de escassa população. Sem os Estados 
Unidos, o Ocidente se torna uma parte minúscula e em declínio da 
população mundial, numa península pequena e inconseqüente na extre¬ 
midade da massa continental eurasiana. 

O choque entre os multiculturalistas e os defensores da civilização 
ocidental e do Credo norte-americano é, para usar a expressão de James 
Kurth, “o choque verdadeiro ” dentro do segmento norte-americano da 
civilização ocidental. 11 Os norte-americanos não podem se esquivar da 
pergunta: somos um povo ocidental ou somos alguma outra coisa? O 
futuro dos Estados Unidos e o do Ocidente dependem de os norte-ame¬ 
ricanos reafirmarem sua dedicação à civilização ocidental. Internamente, 
isso implica rejeitar os divisivos cantos de sereia do multiculturalismo. 
Intemacionalmente, isso implica rejeitar os chamamentos enganosos e 
ilusórios para identificar os Estados Unidos com a Ásia. Quaisquer que 
sejam as conexões econômicas que possam existir entre eles, o hiato 
cultural fundamental entre as sociedades asiática e norte-americana 
impede que elas se unam num lar comum. Os norte-americanos cultu¬ 
ralmente fazem parte da família ocidental. Os multiculturalistas podem 
prejudicar e até destruir esse relacionamento, mas não podem substituí- 
lo. Quando os norte-americanos buscam suas raízes culturais, eles as 
encontram na Europa. 

Em meados da década de 90, ocorreu um novo debate sobre a 
natureza e o futuro do Ocidente, surgiu um reconhecimento renovado 
de que tal realidade existia e aumentou a preocupação com o que podería 
assegurar a continuidade de sua existência. Em parte isso germinou da 
percepção da necessidade de expandir a principal instituição ocidental, 
a OTAN, para incluir os países ocidentais do Leste, e da séria divisão que 
surgiu dentro do Ocidente sobre como responder ao esfacelamento da 
Iugoslávia. Isso também refletiu, de modo mais amplo, a ansiedade sobre 
a unidade futura do Ocidente na ausência de uma ameaça soviética 
e, em especial, o que isso significava para o engajamento dos Estados 
Unidos na Europa. À medida que os países ocidentais interagem cada 
vez mais com sociedades não-ocidentais cada vez mais poderosas, eles 
adquirem maior consciência do núcleo cultural ocidental em comum 
que os mantém unidos. Líderes de ambos os lados do Atlântico 
ressaltaram a necessidade de rejuvenescer a comunidade atlântica. No 
final de 1994 e em 1995, os ministros da Defesa alemão e britânico, 
os ministros do Exterior francês e norte-americano, Henry Kissinger e 
diversas outras figuras destacadas esposaram todos essa causa. Sua 
situação foi resumida pelo ministro da Defesa da Grã-Bretanha, Malcolm 
Rifkind, que, em novembro de 1994, sustentou a necessidade de “uma 
Comunidade Atlântica”, apoiada em quatro pilares: defesa e segurança 
corporificadas na OTAN, “crença compartilhada no império da lei e na 
democracia parlamentar”, “capitalismo liberal e livre comércio” e “a 
herança cultural européia compartilhada que emanou da Grécia e de 
Roma, passando pelo Renascimento, até os valores, crenças e civilização 
compartilhados de nosso próprio século”. 12 Em 1995, a Comissão Euro¬ 
péia lançou um projeto para “renovar” o relacionamento transatlântico, 
que levou à assinatura de um amplo pacto entre a União Européia e os 
Estados Unidos. Simultaneamente, muitos líderes políticos e empresariais 
europeus endossaram a criação de uma zona de livre comércio transa¬ 
tlântica. Embora a AFL-CIO se opusesse ao NAFTA e a outras medidas 
liberalizantes do comércio, seu dirigente apoiou calorosamente um 
acordo transatlântico de livre comércio desse tipo, que não ameaçaria os 
empregos norte-americanos com a competição vinda de países de baixos 
salários. Ele também foi apoiado por conservadores europeus (Margaret 
Thatcher) e norte-americanos (Newt Gingrich), assim como por líderes 
canadenses e britânicos. 

Como se argumentou no Capítulo 2, o Ocidente passou por uma 
primeira fase européia de desenvolvimento e expansão que durou vários 
séculos, e depois por uma segunda fase norte-americana no século XX. 
Se a América do Norte e a Europa renovarem sua vida moral, ampliarem 
seus aspectos culturais em comum e desenvolverem formas estreitas de 
integração econômica e política para suplementar sua colaboração em 
matéria de segurança na OTAN, elas poderiam gerar uma terceira fase 
euramericana de afluência econômica e influência política ocidental. Uma 
integração política significativa deteria de algum modo o declínio relativo 
da quota do Ocidente na população, no produto econômico e na 
capacidade militar do mundo, e revitalizaria o poderio do Ocidente aos 
olhos das outras civilizações. O primeiro-ministro Mahatir advertiu os 
asiáticos de que, “com seu poderio comercial, a confederação UE-NAFTA 
podería ditar suas condições para o resto do mundo”. 13 Entretanto o 
Ocidente vir a se unir política e economicamente dependerá sobretudo 
de os Estados Unidos reafirmarem sua identidade como uma nação 
ocidental e definirem seu papel global como líder da civilização ocidental. 

O Ocidente e o Mundo 

Um mundo no qual as identidades culturais — étnicas, nacionais, 
religiosas, civilizacionais — são fundamentais e as afinidades e diferenças 
culturais moldam as alianças, os antagonismos e as políticas dos Estados 
tem três implicações amplas para o Ocidente em geral e os Estados 
Unidos em particular. 

Em primeiro lugar, os estadistas só podem alterar a realidade de 
modo construtivo se a reconhecerem e a compreenderem. A política de 
cultura que está surgindo, o crescente poderio das civilizações não-oci- 
dentais e a atitude cada vez mais afirmativa dessas sociedades em termos 
de sua cultura indicam as forças culturais que estão fazendo os povos se 
juntarem e as que os estão separando. As elites norte-americanas, 
contudo, têm demorado a aceitar essas realidades que estão emergin¬ 
do e a lidar com elas. Os governos Bush e Clinton deram apoio à unidade 
da União Soviética, da Iugoslávia, da Bósnia e da Rússia multicivilizacio- 
nais, em vãs tentativas de deter as poderosas forças étnicas e culturais 
que impeliam para a desunião. Eles promoveram planos de integração 
econômica multicivilizacional que ou são inócuos, como a APEC, ou que 
envolvem grandes custos econômicos e políticos imprevistos, como 
aconteceu com o NAFTA e o México. Eles tentaram desenvolver íntimas 
relações com os Estados-núcleos de outras civilizações sob a forma de 
uma “parceria global” com a Rússia ou um “engajamento construtivo” 
com a China, desafiando os naturais conflitos de interesses entre os 
Estados Unidos e esses países. Ao mesmo tempo, o governo Clinton 
deixou de incluir a Rússia de forma plena na busca pela paz na Bósnia, 
apesar dos grandes interesses da Rússia nessa guerra na sua condição de 
Estado-núcleo da Ortodoxia. Perseguindo a quimera de um país multici¬ 
vilizacional, o governo Clinton negou a autodeterminação às minorias 
sérvia e croata e ajudou a que se formasse nos Bálcãs um parceiro do 
Irã, com um sistema de partido único fundamentalista islâmico. De modo 
semelhante, o governo norte-americano também apoiou a sujeição de 
muçulmanos à autoridade ortodoxa, sustentando que “é fora de questão 
que a Chechênia faz parte da Federação Russa”. 14 

Embora os europeus reconheçam de forma universal a importância 
fundamental da linha divisória entre a Cristandade Ocidental, de um lado, 
e a Ortodoxia e o Islã, do outro, os Estados Unidos, como disse seu 
secretário de Estado, “não reconheceriam a existência de qualquer 
divisória fundamental entre as partes católica, ortodoxa e islâmica da 
Europa”. Entretanto, aqueles que não reconhecem divisórias funda¬ 
mentais estão fadados a serem frustrados por elas. O governo Clinton 
pareceu inicialmente não dar importância às mudanças na balança de 
poder entre os Estados Unidos e as sociedades da Ásia Oriental e, em 
conseqüência, repetidas vezes proclamou objetivos relativos a comércio 
exterior, direitos humanos, proliferação nuclear e outras questões que 
foi incapaz de concretizar. De modo geral, o governo norte-americano 
vem tendo extraordinária dificuldade para se adaptar a uma era na qual 
a política mundial é moldada pelas marés culturais e civilizacionais. 

Em segundo lugar, o pensamento norte-americano sobre política 
externa também padeceu de uma relutância em abandonar, alterar ou, 
às vezes, até mesmo reconsiderar diretrizes adotadas para atender a 

393 

necessidades da Guerra Fria. Em alguns casos, isso assumiu a forma de 
ainda enxergar uma União Soviética ressurrecta como uma ameaça em 
potencial. De maneira mais generalizada, as pessoas tendiam a endeusar 
as alianças e os acordos de controle de armamentos da Guerra Fria. A 
OTAN precisa ser mantida tal como era na Guerra Fria, O Tratado de 
Segurança Japão-Estados Unidos é fundamental para a segurança da Ásia 
Oriental. O tratado ABM é intocável. O tratado CFE precisa ser respeitado. 
Evidentemente, nenhuma dessas ou outras heranças da Guerra Fria 
deveria ser impensadamente descartada. Nem, tampouco, será neces¬ 
sariamente do interesse dos Estados Unidos ou do Ocidente que eles 
continuem sob a forma que tinham durante a Guerra Fria. As realidades 
de um mundo multicivilizacional sugeririam que a OTAN deveria ser 
expandida a fim de incluir outras sociedades ocidentais que desejem 
integrar-se a ela, e deveria reconhecer a falta absoluta de sentido em ter 
como membros dois países que são os piores inimigos um do outro e 
que carecem, ambos, de afinidade cultural com outros membros. Um 
tratado ABM destinado a atender à necessidade, durante a Guerra Fria, 
de assegurar a vulnerabilidade recíproca das sociedades soviética e 
norte-americana, e assim evitar uma guerra nuclear soviético-norte-ame- 
ricana, bem pode criar obstáculos para a capacidade dos Estados Unidos 
e de outras sociedades de se protegerem contra as imprevisíveis ameaças 
ou ataques nucleares por movimentos terroristas e ditadores irracionais. 
O tratado de segurança Japão-Estados Unidos ajudava a dissuadir uma 
agressão soviética contra o Japão. Qual se supõe que seja sua finalidade 
na era pós-Guerra Fria? Conter e dissuadir a China? Retardar uma 
acomodação japonesa com uma China em ascensão? Impedir uma maior 
militarização japonesa? No Japão, estão sendo suscitadas dúvidas cada 
vez maiores quanto à presença militar norte-americana naquele país e, 
nos Estados Unidos, quanto à necessidade de um compromisso sem 
reciprocidade de defender o Japão. O acordo sobre Forças Convencionais 
na Europa (CFE) se destinava a moderar a confrontação OTAN-Pacto de 
Varsóvia na Europa Central, que desapareceu por completo. O principal 
impacto do acordo agora é o de criar dificuldades para a Rússia para lidar 
com o que ela percebe como ameaças de segurança provenientes dos 
povos muçulmanos ao sul. 

Em terceiro lugar, a diversidade cultural e civilizacional contesta a 
crença ocidental — e particularmente norte-americana — da relevância 
universal da cultura ocidental. Essa crença é expressada de maneira tanto 
descritiva como normativa. De modo descritivo, ela sustenta que as 

394 

pessoas em todas as sociedades querem adotar os valores, as instituições 
e as práticas ocidentais. Caso pareçam não ter esse desejo e estar 
dedicadas a suas próprias culturas tradicionais, elas estão sendo vítimas 
de uma “percepção falsa” comparável àquela que os marxistas encontra¬ 
ram entre proletários que apoiavam o capitalismo. De modo normativo, 
a crença universalista ocidental sustenta que as pessoas em todo o mundo 
deveriam abraçar os valores, as instituições e a cultura ocidentais porque 
elas encarnam a mais elevada, mais esclarecida, mais liberal, mais 
racional, mais moderna e mais civilizada forma de pensamento humano. 

No mundo que está surgindo de conflitos étnicos e choques 
civilizacionais, a crença ocidental na universalidade da cultura ocidental 
padece de três problemas: ela é falsa, ela é imoral e ela é perigosa. Que 
ela é falsa constituiu a tese central deste livro, tese bem resumida por 
Michael Howard: “(...) a pressuposição comum ocidental de que a 
diversidade cultural é uma curiosidade histórica que está sendo rapida¬ 
mente erodida pelo crescimento de uma cultura mundial comum, 
orientada para o Ocidente e anglófona, que está moldando nossos valores 
básicos (...) simplesmente não corresponde à verdade.” 15 Um leitor que, 
a esta altura, ainda não esteja convencido do acerto da observação de 
Sir Michael está vivendo num mundo muito afastado do que é descrito 
neste livro. 

A crença de que os povos não-ocidentais deveriam adotar os 
valores, as instituições e a cultura ocidentais é imoral devido ao que seria 
necessário fazer para que isso pudesse acontecer. O alcance quase 
universal do poderio europeu no final do século XIX e o predomínio 
global dos Estados Unidos no final do século XX espalharam muito da 
civilização ocidental pelo mundo afora. Entretanto o globalismo europeu 
não existe mais. A hegemonia norte-americana está retrocedendo, quanto 
mais não seja porque ela não é mais necessária para proteger os Estados 
Unidos contra uma ameaça militar soviética no estilo da Guerra Fria. Como 
sustentamos, a cultura acompanha o poder. As sociedades não-ocidentais 
só poderiam ser uma vez mais moldadas pela cultura ocidental como 
resultado da expansão, do desdobramento e do impacto do poderio 
ocidental. O imperialismo é a conseqüência lógica necessária do universa¬ 
lismo. Além disso, na condição de uma civilização madura, o Ocidente não 
mais dispõe do dinamismo econômico ou demográfico exigido para impor 
sua vontade a outras sociedades, e qualquer esforço nesse sentido também 
é contrário aos valores ocidentais de autodeterminação e democracia. A 
medida que as civilizações asiática e muçulmana começam cada vez mais a 
afirmar a relevância universal de suas respectivas culturas, os ocidentais 
irão dar cada vez mais valor à vinculação entre universalismo e imperia¬ 
lismo. 

O universalismo ocidental é perigoso para o mundo porque ele 
poderia levar a uma grande guerra intercivilizacional entre Estados-nú 
cleos, e é perigoso para o Ocidente porque poderia levar à derrota dc 
Ocidente. Com o colapso da União Soviética, os ocidentais vêem sua 
civilização numa posição de predomínio sem precedente, enquanto, ac 
mesmo tempo, as sociedades asiática, muçulmana e outras, mais fracas 
estão começando a ganhar força. Por conseguinte, eles poderiam ser levados 
a aplicar a conhecida e poderosa lógica de Brutus: 

Nossas legiões estão cheias até a borda, nossa causa madura. 

O inimigo aumenta a cada dia; 

Nós, no cimo, estamos prontos a entrar em declínio. 

Há uma maré nos negócios dos homens, 

Que, tomada na cheia, leva à fortuna; 

Omitida, toda a viagem de suas vidas 
Está presa aos baixios e misérias. 

Numa tal maré cheia estamos agora flutuando, 

E precisamos pegar a corrente quando ela é boa, 

: Ou perder nossas empreitadas. 

Essa lógica, porém, produziu a derrota de Brutus em Filipéia, e o curso 
prudente para o Ocidente não é o de tentar fazer parar a alteração do 
poder, mas aprender a navegar nos baixios, suportar as misérias, moderar 
suas empreitadas e salvaguardar sua cultura. 

Todas as civilizações passam por processos análogos de surgimen¬ 
to, ascensão e declínio. O Ocidente difere de outras civilizações não na 
maneira como se desenvolveu, mas no caráter próprio de seus valores e 
instituições. Aqui se incluem principalmente seu Cristianismo, pluralismo, 
individualismo e império da lei, que tornaram possível para o Ocidente 
inventar a modernidade, expandir-se por todo o mundo e tomar-se alvo 
da inveja de outras sociedades. No seu conjunto, essas características são 
peculiares ao Ocidente. Como disse Arthur Schlesinger Jr., a Europa “é a 
fonte a fonte singular* das “idéias de liberdade individual, democracia 
política, império da lei, direitos humanos e liberdade cultural. (...) Essas são 
idéias européias , não idéias asiáticas, nem africanas, nem do Oriente Médio, 
a não ser por adoção”. 16 Elas tomam a civilização ocidental única, e a 
civilização ocidental é valiosa não porque seja universal, mas porque é 
única. Conseqüentemente, a responsabilidade principal dos líderes oci¬ 
dentais não é a de tentar reformular outras civilizações à imagem do 

Ocidente, o que está fora do seu poderio em declínio, mas preservar, 
proteger e renovar as qualidades únicas da civilização ocidental. Como 
os Estados Unidos são o mais poderoso país ocidental, essa responsa¬ 
bilidade lhes cabe de forma absolutamente preponderante. 

Para preservar a civilização ocidental ante um poderio ocidental em 
declínio, é do interesse dos Estados Unidos e dos países europeus: 
conseguir maior integração política, econômica e militar e coordenar suas 
políticas de modo a impedir que Estados de outras civilizações 
explorem as diferenças entre eles; 
incorporar à União Européia e à OTAN os países ocidentais da Europa 
Central, ou seja, os países de Visegrad, as repúblicas bálticas, a 
Eslovênia e a Croácia; 
estimular a “ocidentalização” da América Latina e, no máximo que for 
possível, um estreito alinhamento dos países latino-americanos com 
o Ocidente; 
restringir o desenvolvimento do poder militar convencional e não-con¬ 
vencional dos países islâmicos e sínicos; 
retardar o deslocamento do Japão para longe do Ocidente e na direção 
de uma acomodação com a China; 
aceitar a Rússia como o Estado-núcleo da Ortodoxia e uma grande 
potência regional, com legítimos interesses de segurança em suas 
fronteiras meridionais; 
manter a superioridade tecnológica e militar ocidental sobre as outras 
civilizações; 
e, o que é mais importante, reconhecer que a intervenção ocidental nos 
assuntos de outras civilizações provavelmente constitui a mais 
perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito global num 
mundo multicivilizacional. 

No período pós-Guerra Fria, os Estados Unidos ficaram consumidos 
por imensos debates sobre o curso adequado para a política externa 
norte-americana. Nessa era, porém, os Estados Unidos não podem nem 
dominar o mundo nem escapar dele. Nossos interesses não serão mais 
bem servidos nem pelo internacionalismo nem pelo isolacionismo, nem 
pelo multilateralismo nem pelo unilateralismo. O que os servirá da 
melhor forma será evitar esses extremos contrapostos e, ao contrário, 
adotar uma política atlanticista de íntima cooperação com seus parceiros 
europeus a fim de proteger e promover os interesses e valores da singular 
civilização de que compartilham. 

Guerra e Ordem Civilizacional 

Uma guerra global que envolva os Estados-núcleos das principais 
civilizações do mundo é altamente improvável, mas não impossível. 
Como sugerimos, uma guerra desse tipo poderia surgir da escalada de 
uma guerra de linha de fratura entre grupos de civilizações diferentes, 
mais provavelmente envolvendo muçulmanos de um lado e não-muçul¬ 
manos do outro. A probabilidade da escalada será maior se Estados-nú¬ 
cleos muçulmanos ambiciosos estiverem competindo para dar assistência 
a povos da mesma religião que estejam em luta. A probabilidade será 
menor em função dos interesses que países afins secundários e terciários 
possam ter em não se envolver profundamente eles próprios nessa 
guerra. Uma fonte mais perigosa de uma guerra intercivilizacional global 
é a alteração da balança de poder entre as civilizações e seus Estados- 
núcleos. Se ela continuar, a ascensão da China e a atitude cada vez mais 
afirmativa desse “maior ator da História da Humanidade” exercerão 
tremenda pressão sobre a estabilidade internacional no começo do século 
XXI. O surgimento da China como potência dominante na Ásia Oriental 
e no Sudeste Asiático seria contrário aos interesses norte-americanos tal 
como eles foram concebidos através da história. 17 

Dados esses interesses norte-americanos, como seria possível que 
se desenvolvesse uma guerra entre os Estados Unidos e a China? 
Suponhamos o ano 2010. As tropas norte-americanas saíram da Coréia, 
que foi reunificada, e os Estados Unidos reduziram enormemente sua 
presença militar no Japão. Taiwan e a China continental chegaram a uma 
acomodação, segundo a qual Taiwan continua a ter a maior parcela de 
>ua independência de facto, porém reconhece explicitamente a suserania 
ie Pequim e, com o patrocínio da China, foi admitida como membro das 
''lações Unidas segundo o modelo da Ucrânia e da Bielo-Rússia em 1946. 
A exploração dos recursos petrolíferos do Mar do Sul da China prosseguiu 
em bom ritmo, sobretudo sob os auspícios chineses, mas com algumas 
áreas sob controle vietnamita sendo exploradas por companhias norte- 
americanas. Com sua confiança aumentada por sua nova capacidade de 
projeção de poder, a China anuncia que vai implantar seu controle 
integral sobre todo esse mar, sobre o qual ela sempre reivindicou 
soberania. Os vietnamitas resistem e há combates entre belonaves 
chinesas e vietnamitas. Os chineses, ansiosos por se vingar da humilhação 
sofrida em 1979, invadem o Vietnã. Os vietnamitas pedem a ajuda 
norte-americana. Os chineses advertem os Estados Unidos para que não 
se metam. O Japão e outras nações da Ásia ficam temerosamente 
indecisos. Os Estados Unidos dizem que não podem aceitar a conquista 
do Vietnã pela China, advogam sanções econômicas contra a China e 
enviam uma das poucas forças-tarefas de porta-aviões que lhes restam 
para o Mar do Sul da China. Os chineses qualificam esse ato como uma 
violação das águas territoriais chinesas e lançam ataques aéreos contra a 
força-tarefa. Os esforços do secretário-geral das Nações Unidas e do 
primeiro-ministro japonês para negociar um cessar-fogo fracassam, e a 
luta se espalha para outras partes da Ásia Oriental. O Japão proíbe o uso 
das bases norte-americanas nesse país para ações contra a China, os 
Estados Unidos resolvem ignorar essa proibição e o Japão anuncia sua 
neutralidade e impõe uma quarentena às bases. Submarinos e aviões 
baseados em terra chineses, operando de Taiwan e da parte continental, 
infligem graves danos a navios e instalações norte-americanos na Ásia 
Oriental. Enquanto isso, forças terrestres chinesas entram em Hanói e 
ocupam grandes áreas do Vietnã, 

Como tanto a China quanto os Estados Unidos possuem mísseis 
capazes de transportar ogivas nucleares até o território um do outro, dá-se 
um impasse tácito e essas armas não são usadas nas fases iniciais da 
guerra. Entretanto, em ambas as sociedades existe o receio de tais 
ataques, que é especialmente intenso nos Estados Unidos. Isso leva 
muitos norte-americanos a começar a se perguntar por que estão sendo 
submetidos a esse perigo. Que diferença faz se a China controlar o Mar 
do Sul da China, o Vietnã ou todo o Sudeste Asiático? A oposição à guerra 
é especialmente vigorosa nos estados do sudoeste dos Estados Unidos, 
dominados pelos hispânicos; e suas populações e governos dizem que 
“essa guerra não é nossa” e tentam ficar de fora segundo o modelo da 
Nova Inglaterra na guerra de 1812. Depois que os chineses consolidam 
suas vitórias iniciais na Ásia Oriental, a opinião pública norte-americana 
começa a se mover na direção que o Japão esperou que ela escolhesse 
em 1942: os custos para derrotar essa mais recente afirmação de poder 
hegemônico são demasiado elevados; vamos nos contentar com uma 
solução negociada para os combates esporádicos ou “guerra de mentiri¬ 
nha” que está atualmente ocorrendo no Pacífico Ocidental. 

Nesse meio tempo, porém, a guerra está tendo um impacto sobre 
os principais Estados de outras civilizações. A índia aproveita a oportu¬ 
nidade de a China estar engajada na Ásia Oriental para desfechar um ataque 
devastador contra o Paquistão, visando a degradar inteiramente a capa¬ 
cidade militar nuclear e convencional desse país. Ela tem êxito inicial¬ 
mente, mas a aliança militar entre Paquistão, Irã e China é posta em 
funcionamento, e o Irã vem em auxílio do Paquistão com forças armadas 
modernas e sofisticadas. A índia fica atolada lutando contra tropas 
iranianas e guerrilhas paquistanesas formadas de vários grupos étnicos 
diferentes. Tanto o Paquistão como a índia apelam aos países árabes 
por apoio — a índia advertindo sobre o perigo da dominação do 
Sudoeste Asiático pelo Irã —, porém os êxitos iniciais da China contra 
os Estados Unidos estimularam grandes movimentos antiocidentais nas 
sociedades muçulmanas. Um a um, os poucos governos pró-ocidentais 
que restavam em países árabes e na Turquia são derrubados por 
movimentos fundamentalistas islâmicos impulsionados pelas últimas 
coortes do bolsão de jovens muçulmanos. O surto de antiocidentalismo 
provocado pela fraqueza ocidental leva a um ataque maciço dos árabes 
contra Israel, que a Sexta Esquadra norte-americana, muito reduzida, não 
é capaz de deter. 

A China e os Estados Unidos tentam congregar apoio de outros 
Estados-chave. À medida que a China consegue êxitos militares, o Japão 
começa nervosamente a se atrelar à China, alterando sua posição de 
neutralidade formal para uma neutralidade positiva pró-chinesa, e, 
depois, cedendo às solicitações da China e se tornando um co-beligeran- 
te, manda suas forças ocuparem as remanescentes bases norte-america¬ 
nas no Japão, enquanto os Estados Unidos retiram suas tropas apres¬ 
sadamente. Os Estados Unidos declaram um bloqueio do Japão, e 
belonaves norte-americanas e japonesas se engajam em duelos es¬ 
porádicos no Pacífico Ocidental. No começo da guerra, a China propôs 
um pacto de segurança mútua à Rússia (lembrando vagamente o pacto 
Hitler-Stalin). Os êxitos chineses, porém, têm sobre a Rússia o efeito 
diametralmente oposto ao que tiveram sobre o Japão. A perspectiva da 
vitória chinesa e de uma completa dominação chinesa na Ásia Oriental 
aterroriza Moscou. À medida que a Rússia se move numa direção 
antichinesa e começa a reforçar suas tropas na Sibéria, os numerosos 
colonos chineses na Sibéria interferem com essa movimentação. A China 
então intervém militarmente para proteger seus cidadãos e ocupa 
Vladivostok, o vale do Rio Amur e outras áreas-chave da Sibéria Oriental. 
Enquanto os combates se espalham entre tropas russas e chinesas na 
Sibéria Central, ocorrem levantes na Mongólia, que a China havia 
anteriormente colocado numa condição de “protetorado”. 

O controle do petróleo e o acesso a ele é de importância fun¬ 
damental para todos os combatentes. Apesar de seus enormes inves¬ 
timentos em energia nuclear, o Japão ainda é altamente dependente das 
importações de petróleo, e isso reforça sua inclinação a se acomodar com 
a China e garantir o fluxo de petróleo do Golfo Pérsico, da Indonésia e 
do Mar do Sul da China. Durante o curso da guerra, quando os países 
árabes passam a ficar sob o controle dos militantes fundamentalistas 
islâmicos, os suprimentos de petróleo do Golfo Pérsico para o Ocidente 
se reduzem a um filete e, conseqüentemente, o Ocidente fica cada vez 
mais dependente das fontes russas, do Cáucaso e da Ásia Central. Isso 
leva o Ocidente a intensificar seus esforços para ter a Rússia do seu lado 
e para apoiar a extensão pela Rússia de seu controle sobre os países 
muçulmanos ao sul, ricos em petróleo. 

Enquanto isso, os Estados Unidos estiveram ansiosamente tentando 
mobilizar o pleno apoio de seus aliados europeus. Embora dêem 
assistência econômica e diplomática, eles se mostram relutantes em se 
envolver militarmente. Contudo, a China e o Irã receiam que os países 
ocidentais acabem por se congregar do lado dos Estados Unidos, do 
mesmo modo como os Estados Unidos foram em apoio da Grã-Bretanha 
e da França em duas guerras mundiais. A fim de impedir que isso 
aconteça, eles transferem secretamente mísseis de alcance médio, com 
capacidade de portar ogivas nucleares, para a Bósnia e para a Argélia, e 
advertem as potências européias para que se mantenham fora da guerra. 
Como quase sempre se deu com as tentativas chinesas de intimidar outros 
países, exceto o Japão, essa ação tem conseqüências exatamente opostas 
ao que desejava a China. Os serviços de inteligência norte-americanos 
detectam o desdobramento dos mísseis e informam ao Conselho da 
OTAN, que declara que os mesmos têm que ser retirados imediatamente. 
Entretanto, antes que a OTAN possa agir, a Sérvia, desejando retomar 
seu papel histórico de defensora do Cristianismo contra os turcos, invade 
a Bósnia. A Croácia se junta a ela e os dois países ocupam e partilham a 
Bósnia, capturam os mísseis e passam a se empenhar por completar 
a limpeza étnica que tinham sido obrigadas a sustar nos anos 90. A 
Albânia e a Turquia tentam ajudar os bósnios, a Grécia e a Bulgária 
lançam invasões da Turquia européia e o pânico irrompe em Istambul 
quando os turcos fogem para o outro lado do Bósforo. Nesse ínterim, 
um míssil com uma ogiva nuclear, lançado da Argélia, explode nos 
arredores de Marselha, e a OTAN retalia com ataques aéreos devastadores 
contra alvos no Norte da África. 

400 

401 

Os Estados Unidos, a Europa, a Rússia e a índia ficaram assim 
engajados numa luta verdadeiramente global contra a China, o Japão 
e a maior parte do Islã. Como iria terminar uma guerra assim? Os dois 
lados possuem grande capacidade nuclear e, evidentemente, se ela 
fosse empregada além de um nível mínimo, os principais países de 
ambos os lados poderiam sofrer uma destruição substancial. Se a 
dissuasão mútua funcionasse, a exaustão mútua poderia levar a um 
armistício negociado, o qual, entretanto, não resolveria a questão 
fundamental da hegemonia chinesa na Ásia Oriental. Alternativamente, 
o Ocidente poderia tentar derrotar a China com o emprego do poder 
militar convencional. O alinhamento do Japão com a China, porém, 
deu a esta a proteção de um cordão sanitário insular, que impediria 
os Estados Unidos de empregar seu poder naval contra os centros 
populacionais e industriais chineses ao longo do litoral. A alternativa 
é avançar sobre a China do Oeste. A luta entre a Rússia e a China leva 
a OTAN a acolher a Rússia como membro da organização e a cooperar 
com ela para conter as incursões chinesas na Sibéria, mantendo o 
controle russo sobre o petróleo e o gás dos países muçulmanos da 
Ásia Central, promovendo insurreições contra o regime chinês por 
parte de tibetanos, uigures e mongóis, e gradualmente mobilizando e 
desdobrando forças ocidentais e russas rumo ao Leste na Sibéria, para o 
ataque final através da Grande Muralha até Pequim, a Manchúria e o 
coração da terra han. 

Qualquer que fosse o desenlace final dessa guerra civilizacional 
global — devastação nuclear mútua, cessação negociada como resultado 
da exaustão mútua ou eventual marcha das forças russas e ocidentais até 
a Praça de Tiananmen —, o resultado mais amplo a longo prazo seria 
quase inevitavelmente o drástico declínio do poderio econômico, demo¬ 
gráfico e militar de todos os principais participantes da guerra. Em 
conseqüência, o poder global que havia, ao longo dos séculos, se 
deslocado do Leste para o Oeste, e depois tinha começado a se deslocar 
de volta do Oeste para o Leste, iria agora se deslocar do Norte para o 
Sul. As grandes beneficiárias da guerra das civilizações são aquelas 
civilizações que se abstiveram de entrar nela. Com o Ocidente, a Rússia, 
a China e o Japão devastados, em graus diferentes, o caminho está aberto 
para a índia, se ela tivesse escapado a essa devastação, embora tivesse 
sido um dos participantes, para tentar reformular o mundo segundo 
linhas hindus. Grandes segmentos do povo norte-americano culpariam 
pelo extremo enfraquecimento dos Estados Unidos a míope orientação 
ocidental das elites WASP, e os líderes hispânicos chegariam ao poder 
apoiados por promessas de uma ampla ajuda do tipo Plano Marshall dos 
prósperos países latino-americanos, que ficaram postados à margem da 
guerra. A África, por outro lado, tem pouco a oferecer para a reconstrução 
da Europa e, em vez disso, despeja hordas de pessoas mobilizadas 
socialmente para pilhar o que restou. Na Ásia, se a China, o Japão e a 
Coréia estão devastados pela guerra, o poder também se desloca para o 
Sul, com a Indonésia, que se mantivera neutra, se tomando o país 
dominante e, sob a orientação de assessores australianos, atuando para 
conduzir o curso dos acontecimentos da Nova Zelândia, a leste, até 
Myanmar e Sri Lanka, a oeste, e o Vietnã, ao norte. Tudo isso pressagia 
um futuro conflito com a índia e uma revitalizada China. De qualquer 
modo, o centro da política mundial se move para o Sul. 

Caso esse cenário pareça ao leitor uma fantasia alucinadamente 
nada plausível, tanto melhor. Esperemos que nenhum outro cenário de 
guerra civilizacional global tenha plausibilidade maior. Contudo, o que 
esse cenário tem de mais plausível e, portanto, de mais inquietante, é a 
causa da guerra: intervenção pelo Estado-núcleo de uma civilização (Es¬ 
tados Unidos) numa disputa entre o Estado-núcleo de outra civilização 
(China) e um Estado-membro dessa civilização (Vietnã). Para os Estados 
Unidos, uma intervenção assim teria sido necessária para manter o respeito 
ao Direito Internacional, repelir uma agressão, proteger a liberdade dos 
mares, manter seu acesso ao petróleo do Mar do Sul da China e impedir a 
dominação da Ásia Oriental por uma única potência. Para a China, essa 
intervenção teria sido uma tentativa totalmente intolerável, mas tipicamente 
arrogante, do principal Estado ocidental para humilhar e intimidar a China, 
provocar oposição à China dentro de sua legítima esfera de influência e 
negar à China o papel a que tem direito nos assuntos mundiais. 

Em resumo, na era que se aproxima, para se evitarem grandes 
guerras intercivilizacionais, será preciso que os Estados-núdeos se abs¬ 
tenham de intervir em conflitos no interior de outras civilizações. Esta é 
uma verdade que muitos países, especialmente os Estados Unidos, terão 
sem dúvida dificuldade para aceitar. Essa regra de abstenção , que 
determina que os Estados-núcleos se absterão de intervir em conflitos 
em outras civilizações, é o primeiro requisito da paz num mundo 
multicivilizacional e multipolar. O segundo requisito é o da regra de 
mediação conjunta , pela qual os Estados-núcleos negociarão entre si 
para conter ou fazer cessar guerras de linha de fratura entre Estados ou 
grupos de suas próprias civilizações. 

A aceitação dessas regras e de um mundo com mais igualdade entre 
as civilizações não será fácil para o Ocidente ou para aquelas civilizações 
que podem estar visando a suplementar ou suplantar o Ocidente em seu 
papel dominante. Em tal mundo, por exemplo, os Estados-núcleos bem 
podem considerar prerrogativa sua possuir armas nucleares e negá-las a 
outros membros da sua civilização. Fazendo uma retrospectiva de seus 
esforços para dotar o Paquistão de "plena capacidade nuclear”, Zulfikar 
Ali Bhutto os justificou da seguinte maneira: “Sabemos que Israel e a 
África do Sul têm plena capacidade nuclear. Só a civilização islâmica 
não a tinha, mas essa situação estava prestes a mudar.” 18 A competição 
pela liderança dentro das civilizações que carecem de um único 
Estado-núcleo pode também estimular a competição por armas nuclea¬ 
res. Embora tenha um relacionamento altamente cooperativo com o 
Paquistão, o Irã nitidamente considera que necessita de armas nucleares 
tanto quanto o Paquistão. Por outro lado, o Brasil e a Argentina 
abandonaram seus programas nessa direção, e a África do Sul destruiu suas 
armas nucleares, embora ela bem possa desejar voltar a tê-las se a Nigéria 
começar a desenvolver capacidade desse tipo. Como Scott Sagan e outros 
assinalaram, conquanto a proliferação nuclear obviamente acarrete riscos, 
um mundo no qual um ou dois Estados-núcleos em cada civilização 
principal tivessem armas nucleares e nenhum outro Estado as tivesse seria 
um mundo razoavelmente estável. 

A maioria das instituições internacionais data de pouco depois da 
II Guerra Mundial e sua conformação obedeceu aos interesses, valores 
e práticas ocidentais. À medida que o poderio ocidental se reduzir em 
relação ao de outras civilizações, se desenvolverão pressões para a 
reformulação dessas instituições a fim de que atendam também os 
interesses dessas civilizações. A questão mais óbvia, mais importante e 
provavelmente mais controvertida se refere à posição de membro 
permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa posição 
pertence às principais potências vitoriosas na II Guerra Mundial e guarda 
cada vez menos relação com a realidade do poder no mundo. A mais 
longo prazo, ou se introduzem modificações na participação atual ou 
outros procedimentos menos formais provavelmente se desenvolverão 
para lidar com questões de segurança, do mesmo modo como as reuniões 
do G-7 têm tratado de questões econômicas mundiais. Num mundo 
multicivilizacional, o ideal seria que cada civilização principal tivesse pelo 
menos um assento permanente no Conselho de Segurança. Atualmente 
apenas três têm. Os Estados Unidos endossaram a participação japonesa 
e alemã, mas está claro que eles serão membros permanentes apenas se 
outros países também passarem a sê-lo. O Brasil sugeriu cinco novos 
membros permanentes, ainda que sem poder de veto — Alemanha, 
Japão, índia, Nigéria e ele próprio. Isso, porém, deixaria sem repre¬ 
sentação um bilhão de muçulmanos do mundo, salvo na medida em que 
a Nigéria pudesse assumir essa responsabilidade. Do ponto de vista 
cívilizacíonal, é claro que o Japão e a índia deveriam ser membros 
permanentes, e a África, a América Latina e o mundo islâmico deveriam 
ter assentos permanentes, que poderiam ser ocupados numa base 
rotativa pelos principais Estados dessas civilizações, com as seleções 
sendo feitas pela Organização da Conferência Islâmica, pela Organi¬ 
zação da Unidade Africana e pela Organização dos Estados Americanos 
(com os Estados Unidos se abstendo). Seria também apropriado que se 
consolidassem os lugares da Grã-Bretanha e da França num único 
assento da União Européia, cujo ocupante rotativo seria selecionado 
pela União. Dessa maneira, sete civilizações teriam cada uma um 
assento permanente e o Ocidente teria dois, numa distribuição de forma 
amplamente representativa da distribuição das pessoas, da riqueza e do 
poder no mundo. 

CIVILIZAÇÃO: OS ASPECTOS EM COMUM 

Alguns norte-americanos promoveram o multiculturalismo em seu país, 
alguns promoveram o universalismo no exterior, e alguns fizeram ambas 
as coisas. O multiculturalismo doméstico ameaça os Estados Unidos e o 
Ocidente. O universalismo externo ameaça o Ocidente e o mundo. Ambos 
negam a singularidade da cultura ocidental. Os multiculturalistas globais 
querem fazer o mundo ser como os Estados Unidos. Os multiculturalistas 
domésticos querem fazer os Estados Unidos serem como o mundo. Estados 
Unidos multiculturais são impossíveis porque os Estados Unidos não-oci¬ 
dentais não são os Estados Unidos. Um mundo multicultural é inevitável, 
porque o império global é impossível. A preservação dos Estados Unidos 
e do Ocidente requer a renovação da identidade ocidental. A segurança 
do mundo requer a aceitação da multiculturalidade global. 

Será que a futilidade do universalismo ocidental e a realidade da 
diversidade cultural global conduzem inevitável e irrevogavelmente ao 
relativismo moral e cultural? Se o universalismo legitima o imperialismo, 
isso quer dizer que o relativismo legitima a repressão? Mais uma vez, a 
resposta a estas perguntas é sim e não. As culturas são relativas, a 
moralidade é absoluta. Como sustentou Michael Waltzer, as culturas são 
“espessas”, elas prescrevem instituições e padrões de comportamento 
para guiar os seres humanos pelos caminhos que são os corretos dentro 
de uma determinada sociedade. Entretanto, acima, além e brotando dessa 
moralidade maximalista existe uma “delgada” moralidade minimalista, 
que encarna “aspectos reiterados das moralidades espessas ou maximalis¬ 
tas”. Conceitos minimalistas morais de verdade e justiça são encontrados 
em todas as moralidades espessas e não podem ser divorciados delas. Há 
também “injunções negativas” de moralidade minimalista, “mais provavel¬ 
mente regras contra assassinato, fraude, tortura, opressão e tirania”. O que 
as pessoas têm em comum é “mais o sentido de um inimigo [ou mal] comum 
do que uma dedicação a uma cultura comum”. A sociedade humana é 
“universal porque ela é humana, particular porque é uma sociedade”. Às 
vezes caminhamos com os outros, na maioria das vezes caminhamos 
sozinhos. 19 No entanto, uma moralidade minimalista “delgada” deriva da 
condição humana comum, e em todas as culturas se encontram “dis¬ 
posições universais”. 20 Em vez de promover os aspectos supostamente 
universais de uma civilização, os requisitos para a coexistência cultural 
exigem uma busca do que é comum à maioria das civilizações. Num 
mundo multicivilizacional, o caminho construtivo reside em renunciar ao 
universalismo, aceitar a diversidade e buscar os aspectos em comum. 

Uma tentativa de identificar tais aspectos em comum num lugar 
muito pequeno foi feita em Singapura no início dos anos 90. O povo de 
Singapura se compõe de aproximadamente 76 por cento de chineses, 15 
por cento de malaios e muçulmanos e seis por cento de indianos hindus 
e sikhs. No passado, o governo tentou promover os “valores confucianos” 
entre seu povo, mas também insistiu em que todos deveriam estudar em 
inglês e ser fluentes nesse idioma. Em janeiro de 1989, o presidente Wee 
Kim Wee, no seu discurso de abertura do Parlamento, assinalou a ampla 
exposição dos 2,7 milhões de singapurianos às influências culturais 
forâneas do Ocidente, que “os haviam colocado em íntimo contato com 
novas idéias e tecnologias do exterior”, mas que também os “haviam 
exposto a estilos de vida e valores estranhos a eles”. Ele advertiu que “as 
idéias asiáticas tradicionais de moralidade, dever e sociedade, que nos 
sustentaram no passado, estão cedendo lugar a uma visão da vida mais 
ocidentalizada, individualista e egocêntrica”. Ele argumentou que era 
necessário identificar os valores fundamentais que as diferentes comuni¬ 
dades étnicas e religiosas de Singapura tinham em comum e que 
“captavam a essência de ser singapuriano”. 

O presidente Wee aventou quatro desses valores: “colocar a socie¬ 
dade acima de si mesmo, sustentar a família como o elemento básico de 
construção da sociedade, resolver as principais questões através do 
consenso em vez da contestação e acentuar a tolerância e a harmonia 
religiosas.” Seu discurso levou a um amplo debate dos valores singapurianos 
e, dois anos depois, a um Livro Branco que expunha a posição do governo. 
O Livro Branco endossou todos os quatro valores aventados pelo presidente, 
porém acrescentou um quinto em apoio do indivíduo, em grande parte 
devido à necessidade de enfatizar a prioridade atribuída ao mérito 
individual na sociedade singapuriana, em oposição aos valores confucia¬ 
nos de hierarquia e família, que levariam ao nepotismo. O Livro Branco 
definiu os “Valores Compartilhados” dos singapurianos como sendo: 

A Nação antes da comunidade [étnica] e a sociedade acima do 
indivíduo; 

A Família como a unidade básica da sociedade; 

Respeito pelo indivíduo e apoio da comunidade a ele; 

Consenso em vez de contestação; 

Harmonia racial e religiosa. 

Embora citasse a dedicação de Singapura à democracia parlamentar e à 
excelência no governo, a declaração dos “Valores Compartilhados” 
excluía explicitamente de seu âmbito os valores políticos. O governo 
ressaltou que Singapura era “em aspectos cruciais uma sociedade asiáti¬ 
ca”, e devia continuar como tal. “Os singapurianos não são norte-ameri¬ 
canos ou anglo-saxões, embora possamos falar inglês e usar roupas 
ocidentais. Se, a mais longo prazo, os singapurianos não pudessem se 
distinguir de norte-americanos, britânicos ou australianos, ou, pior ainda, 
se tornassem uma pobre imitação deles [ou seja, um país dividido], 
perderíamos nossa margem de vantagem sobre essas sociedades ociden¬ 
tais, a qual nos permite manter nossa posição internacionalmente.” 21 

O projeto singapuriano foi uma tentativa ambiciosa e iluminada de 
definir uma identidade cultural singapuriana, que fosse compartilhada 
por suas comunidades étnicas e religiosas e que as distinguisse do 
Ocidente. Certamente uma declaração de valores ocidentais — e, es¬ 
pecialmente, norte-americanos — atribuiria muito mais peso aos direitos 
do indivíduo sobre os da comunidade, à liberdade de expressão e à 
verdade brotando da contestação de idéias, à participação e à competição 
políticas e ao império da lei em contraposição à autoridade de governan¬ 
tes capazes, sábios e responsáveis. No entanto, mesmo assim, embora 
pudessem suplementar os valores singapurianos e atribuir a alguns uma 

407 

prioridade mais baixa, poucos ocidentais rejeitariam esses valores como 
desprezíveis. Pelo menos num nível básico de moralidade “delgada”, há 
alguns aspectos em comum entre a Ásia e o Ocidente. Além disso, como 
muitos assinalaram, qualquer que fosse o grau em que dividiam a 
Humanidade, as principais religiões do mundo — Cristianismo Ocidental, 
Ortodoxia, Hinduísmo, Budismo, Islamismo, Confucionismo, Taoísmo, 
Judaísmo — também compartilhavam de valores-chaves comuns. Se os 
seres humanos irão algum dia desenvolver uma civilização universal, ela 
surgirá gradualmente através da exploração e da expansão desses 
aspectos em comum. Assim sendo, além da regra de abstenção e da regra 
de mediação conjunta, uma terceira regra para a paz num mundo 
multicivilizacional é a regra dos aspectos em comum, os povos de todas 
as civilizações deveríam buscar e tentar expandir os valores, instituições 
e práticas que têm em comum com os povos de outras civilizações. 

Esse esforço contribuiria não só para limitar o choque das civiliza¬ 
ções, mas também para reforçar a Civilização no singular (daqui por 
diante com maiuscula para fins de clareza). A Civilização no singular 
supostamente se refere a uma mescla complexa de níveis superiores de 
moralidade, religião, conhecimento, arte, filosofia, tecnologia, bem-estar 
material e provavelmente outras coisas mais. Tudo isso não varia 
necessariamente em conjunto. No entanto, os estudiosos identificam 
pontos altos e pontos baixos no nível de Civilização nas histórias das 
civilizações. A questão então é: como se podem traçar os altos e baixos do 
desenvolvimento da Civilização pela Humanidade? Existirá uma tendência 
geral, secular, que transcende as civilizações individuais, rumo a níveis mais 
elevados de Civilização? Se existe tal tendência, será ela fruto dos processos 
de modernização que aumentam o controle dos seres humanos sobre 
seu meio ambiente e daí geram níveis cada vez mais altos de sofisticação 
tecnológica e de bem-estar material? Na era contemporânea, será assim 
um nível mais alto de modernidade um pré-requisito para um nível mais 
alto de Civilização? Ou será que o nível de Civilização varia precipua- 
mente dentro da história das civilizações individuais? 

Essa questão é uma outra manifestação do debate sobre a natureza 
linear ou cíclica da História. Supostamente, a modernização e o desen¬ 
volvimento moral humano produzidos por melhor educação, percepção 
e compreensão da sociedade humana e de seu meio ambiente natural 
geram um movimento continuado rumo a níveis cada vez mais elevados 
de Civilização. Alternativamente, os níveis de Civilização podem simples¬ 
mente refletir fases da evolução das civilizações. Quando as civilizações 
começam a surgir, sua gente geralmente é vigorosa, dinâmica, brutal, 
móvel e expansionista. Ela é relativamente não-Civilizada. À medida que 
a civilização evolui, ela fica mais assentada e desenvolve técnicas e 
habilidades que a tomam mais Civilizada. À medida que a competição 
entre seus elementos constituintes se esvai e surge um Estado universal, 
a civilização atinge seu mais alto nível de Civilização, sua “idade de ouro”, 
com um desabrochar de moralidade, arte, literatura, filosofia, tecnologia 
e competência marcial, econômica e política. À medida que ela entra em 
decadência como civilização, seu nível de Civilização também declina, 
até que desaparece sob o ataque de uma civilização diferente e impe¬ 
tuosa, com um nível mais baixo de Civilização. 

De modo geral, a modernização melhorou o nível material de 
Civilização em todo o mundo. Mas será que ela também melhorou as 
dimensões moral e cultural de Civilização? Isso parece ser verdade em 
alguns aspectos. Escravidão, tortura, abuso cruel das pessoas ficaram 
cada vez menos aceitáveis no mundo contemporâneo. Entretanto, será 
isso apenas o resultado do impacto da civilização ocidental sobre outras 
culturas e, portanto, irá ocorrer uma inversão moral à medida que decline 
o poderio ocidental? Na década de 90, há muitos indícios da relevância 
do paradigma do “puro caos” dos assuntos mundiais: uma quebra no 
mundo inteiro da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente 
em muitas partes do mundo, uma onda global de criminalidade, máfias 
transnacionais e cartéis de drogas, crescente número de viciados em 
drogas em muitas sociedades, um debilitamento generalizado da família, 
um declínio na confiança e na solidariedade social em muitos países, 
violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver predominam 
em grande parte do mundo. Numa cidade atrás da outra — Moscou, Rio 
de Janeiro, Bangcoc, Xangai, Londres, Roma, Varsóvia, Tóquio, Johan- 
nesburgo, Délhi, Karachi, Cairo, Bogotá, Washington —, a criminalidade 
parece estar subindo vertiginosamente, e os elementos básicos da 
Civilização estão-se esvanecendo. Fala-se de uma crise global de gover¬ 
nabilidade. A ascensão das corporações transnacionais que produzem 
bens econômicos está cada vez mais sendo igualada pela ascensão de 
máfias criminosas transnacionais, cartéis de drogas e gangues terroristas 
que estão atacando violentamente a Civilização. A lei e a ordem são o 
primeiro pré-requisito da Civilização e em grande parte do mundo — na 
África, na América Latina, na antiga União Soviética, na Ásia Meridional, 
no Oriente Médio — elas parecem estar evaporando, estando sob séria 
ameaça na China, no Japão e no Ocidente. Numa base mundial, a 
Civilização parece, em muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, 
gerando a imagem de um fenômeno sem precedente, uma Idade das 
Trevas mundial, que se abate sobre a Humanidade. 

Na década de 50, Lester Pearson advertiu que os seres humanos 
estavam entrando “numa era em que as diferentes civilizações terão que 
aprender a viver lado a lado num intercâmbio pacífico, aprendendo umas 
com as outras, estudando a história e os ideais e a arte e cultura umas 
das outras, enriquecendo-se mutuamente com as vidas umas das outras. 
A alternativa, nesse pequeno mundo superpovoado, é a incompreensão, 
a tensão, o choque e a catástrofe.” 22 O futuro da paz e o futuro da 
Civilização dependem da compreensão e da cooperação entre os líderes 
políticos, espirituais e intelectuais das principais civilizações do mundo. 
No choque das civilizações, a Europa e os Estados Unidos se juntarão 
ou serão destruídos separadamente. No choque maior, o “choque 
verdadeird\ global, entre a Civilização e a barbárie, as grandes civiliza¬ 
ções do mundo, com suas ricas realizações em religião, arte, literatura, 
filosofia, ciência, tecnologia, moralidade e compaixão, também se junta¬ 
rão ou serão destruídas separadamente. Na era que está emergindo, os 
choques das civilizações são a maior ameaça à paz mundial, e uma ordem 
internacional baseada nas civilizações é a melhor salvaguarda contra a 
guerra mundial. 


Notas 


Capítulo 1 

1. Henry A. Kissinger, Diplomacy (Nova York: Simon & Schuster, 1994), pp. 23-24. 

2. Expressão de H. D. S. Greenway, Boston Globe, 03/12/92, p. 19- 

3. Václav Havei, “The New Measure of Man”, New York Times , 08/07/94, p. A27; Jacques 
Delors, “Questions Conceming European Security”, Palestra, Instituto Internacional para 
Estudos Estratégicos, Bruxelas, 10/09/93, p. 2. 

4. Thomas S. Kühn, The Structure of Scientific Revolutions (Chicago, Universíty of Chicago 
Press, 1962), pp. 17-18. 

5. John Lewis Gaddis, “Toward the Post-Cold War World”, Foreign Affairs , 70 (primavera de 
1991), 101; Judith Goldstein e Robert O. Keohane, “Ideas and Foreign Policy: An Analytical 
Framework”, em Ideas and Foreign Policy: Beliefs, Institutions and Political Change ; org. 
Goldstein e Keohane (Ithaca: Comell Universíty Press, 1993), pp. 8-17. 

6. Francis Fukuyama, “The End of History”, The National Interest, 16 (verão de 1989), 4, 18. 

7. “Mensagem ao Congresso Informando sobre a Conferência de Ialta”, 01/03/45, em Public 
PapersandAddressesofFranklinD. Roosevelt , org. Samuel I. Rosenman (Nova York: Russeíl 
& Russell, 1969), XIII, 586. 

8. Ver Marx Singer e Aaron Wildavsky, The Real World Order.- Zones ofPeace, Zones ofTurmoil 
(Chatham, Nova Jersey: Chatham House, 1993); Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, 
“Introduction: The End of the Cold War in Europe”, em After the Cold War, International 
Institutions and State Strategies in Europe, 1989-91 , org. Keohane, Nye e Stanley Hoffmann 
(Cambridge: Harvard Universíty Press, 1993), p- 6; e James M. Goldgeier e Michael McFault, 
“A Tale of Two Worlds: Core and Periphery in the Post-Cold War Era”, International 
Organization, 46 (primavera de 1992), pp. 467-491. 

9. Ver F. S. C. Northrop, The Meeting of East and West: An Inquiry Conceming World 
Understanding (Nova York, Macmillan, 1946). 

10. Edward W. Said, Orientalism (Nova York: Pantheon Books, 1978), pp. 43-44. 

11. Ver Kenneth N. Wa Itz, “The Emerging Structure of International Politics”, 18 (outono de 
1993), 44-79; John J. Mearsheimer, “Back to the Future: Instability in Europe after the Cold 
War”, International Security ; 15 (verão de 1990), 5-56. 

12. Stephen D. Krasner questiona a importância de Westfália como ponto divisor. Ver seu 
“Westphalia and All That”, em Ideas and Foreign Policy ; org. Goldstein e Keohane, pp. 
235-264. 

13. Zbigniew Brzezinski, Out of Control: Global Turmoil on the Eve of the Twenty-first Centuty 
(Nova York: Scribner, 1993); Daniel Patrick Moynihian, Pandaemonium: Ethnicity in Inter¬ 
national Politics (Oxford: Oxford Universíty Press, 1993); ver tb. Robert Kaplan, “The Corning 
Anarchy”, Atlantic Afonthly, 273 (fev./44), 44-76. 

14. Ver New York Times, 07/02/93, pp. 1, 14; e Gabriel Schoenfeld, “Outer Limits”, Post-Soinet 
Prospects , 17 (jan./93), 3, citando dados do Ministério da Defesa russo. 

15. Ver Gaddis, “Toward the Post-Cold War World”; Benjamin R. Barber, “Jihad vs. Mc World”; 
Atlantic Monthly, 269 (mar./92), 53-63, e Jihad vs Mc World (Nova York: Times Books, 1995); 
Hans Mark, “After Victory in the Cold War: The Global Village or Tribal Warfare”, em Europe 

411 

in Transition: Folitical, Economic and Security Prospccts for the 1990s, org. J. J. Lee e 
Walter Korter (LBJ Schocí of Public Affairs, University of Texas em Austin, mar./90), 
pp. 19-27. 

16. John J. Mearsheimer, “The Case for a Nuclear Deterrent”, Foreign Affairs , 72 (verão de 
1993), pp- 82-83. 

17. kester B. Pearson, Democracy in World Politics (Princeton: Princeton University Press, 
1955), pp. 82-83. 

18. De maneira completamente independente, Johan Galtung desenvolveu uma análise que 
segue de perto um rumo paralelo à minha no que se refere à relevância para a política 
mundial das sete ou oito civilizações principais e seus Estados-núcleos. Ver seu “The 
Emerging Conflict Formations”, em Restructuringfor World Peace: On the Threshold of the 
Twenty-First Century ; org. Katharine e Majid Tehranian (Cresskill, Nova Jersey: Hampton 
Press, 1992), pp. 23-24. Galtung vê sete agrupamentos regionais emergindo, dominados 
por países hegemônicos: os Estados Unidos, a Comunidade [União] Européia, o Japão, a 
China, a Rússia, a índia e um “núcleo islâmico”. Dentre outros autores que, no início dos 
anos 90, expuseram argumentos análogos, estão os seguintes: Michael Lind, “America as 
an Ordinary Country”, American Enterprise, 1 (set.-out./90), 19-23; Barry Buzan, “New 
Pattems of Global Security in the Twenty-First Century”, International Affairs, 67 (1991), 
441, 448-449; Robert Gilpin, “The Cycle of Great Powers: Has It Finally Been Broken?” 
(Princeton University, monografia não publicada, 19/05/93), p. 6 e ss.; William S. Lind, 
“North-South Relations: Retuming to a World of Cultures in Conflict”, Current World 
Leaders, 35 (dez./92), 1073-1080, e “Defending Western Culture”, Foreign Policy, 84 (outono 
de 1994); “Looking Back from 2992: A World History, cap. 13: The Disastrous 21 st Century”, 
Economist , 26/dez.-08/jan./93, pp. 17-19; “The New World Order: Back to the Future”, 
Economist, 08/01/94, pp. 21-23; “A Survey of Defence and the Democracies”, Economist, 
01/09/90; Zsolt Rostovanyi, “Clash of Civilizations and Cultures: Unity and Disunity of World 
Order” (monografia não publicada, 29/03/93); Michael Vlahos, “Culture and Foreign 
Policy”, Foreign Policy, 82 (primavera de 1991), 59-78, DonaldJ. Puchala, “The History of 
the Future of International Relations”, Ethics and International Affairs, 8 (1994), 177-202; 
Mahdi Elmandjra, “Cultural Diversity: Key to Survival in the Future” (monografia apresen¬ 
tada no Primeiro Congresso Mexicano sobre Estudos do Futuro, Cidade do México, set./94). 
Em 1991, Elmandjra publicou em árabe um livro que apareceu em francês no ano seguinte, 
intitulado Première Guerre Civilisationnelle (Casablanca: Ed. Toubkal, 1994). 

19- Femand Braudel, On History (Chicago: University of Chicago Press, 1980), pp. 210-212. 


Capítulo 2 

1 - “World history is the history of large cultures.” Oswald Spengler, Decline ofthe West (Nova 
York: A. A. Knopf, 1926-1928), II, 170. Os principais trabalhos desses estudiosos que 
analisam a natureza e a dinâmica das civilizações abrangem os seguintes: Max Weber, The 
Sociology ofReligion( Boston: Beacon Press, trad. Ephraim Fischoff, 1968); Emile Durkheim 
e Marcei Mauss, “Note on the Notion of Civilization”, Social Research, 38 (1971), 808-813; 
Oswald Spengler, Decline ofthe West; Pitrim Sorokin, Social and Cultural Dynamics (Nova 
York: American Book Co., 4 v., 1937-1985); Amold Toynbee, Study of History (Londres: 
Oxford University Press, 12 v., 1934-1961); Alfred Weber, Kulturgeschichte aisKultursozio- 
logie (Leiden: A. W. Sijthoff s Uitgervermaatschappij N. V., 1935); A. L. Kroeber, Configu- 
rations of Culture Growth (Berkeley: University of Califórnia Press, 1944) e Style and 
Civilizations (Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1973); Philip Bagby, Culture and 
History: Prolegomena to the Comparative Study of Civilizations (Londres: Longmans, Green, 
1958); Carrol] Quigley, The Evolution of Civilizations: An Introduction toHistoriçalAnalysis 
(Nova York: Macmillan, 1961); Rushton Couíbom, The Origin of Civilized Societies 

412 

(Princeton: Princeton University Press, 1959); S. N. Eisenstadt, “Cultural Traditions and 
Political Dynamics: The Origins and Modes of Ideological Politics”, British Journal of 
Sociology , 32 (jun./81), 155-181; Femand Braudel, History of Civilizations (Nova York: Allen 
Lane-Penguin Press, 1944) e On History (Chicago: University of Chicago Press, 1980); 
William H. McNeiíl, The Rise ofthe West: A History of the Human Community (Chicago: 
University of Chicago Press, 1963); Adda B. Bozeman, “Civilizations Under Stress”, Virginia 
Quarterly Review, 51 (inverno de 1975), 1-18; Strategic Intelligence and Statecrafi (Was¬ 
hington: Brasseys [US], 1992) e Politics and Culture in International History: From the 
Ancient Near East to the Opening of the Modem Age (Nova Brunswick, Nova Jersey: 
Transaction Publishers, 1994); Christopher Dawson, Dynamics of World History ( LeSalie, 
Illinois: Sherwood Sugden Co., 1978) e The Movement of World Revolution (Nova York: 
Sheed and Ward, 1959); Immanuel Wallerstein, Geopolitics and Geoculture: Essays on The 
Changing World-system (Cambridge: Cambridge University Press, 1992); Felipe Femández- 
Armesto, Millenium: A History of the Last Thousand Years (Nova York, Scribners, 1995). A 
esses trabalhos poderia ser acrescentado o último e tragicamente marcado trabalho de 
Louis Hartz, A Synthesis of World History (Zurique: Humanity Press, 1983), o qual, segundo 
comentou Samuel Beer, “prevê com admirável presciência uma divisão da humanidade 
muito parecida com o padrão atual do mundo pós-Guerra Fria, em cinco grandes ‘áreas 
de cultura’: cirstã, muçulmana, hindu, confuciana e africana”. Memorial Minute, Louis Hartz, 
Harvard University Gazette, 89 (27/05/94). Uma visão resumida e introdução à análise das 
civilizações está em Matthew Melko, The Nature of Civilizations (Boston: Porter Sargent, 
1969). Também fico agradecido pela úteis sugestões feitas sobre o meu artigo na Foreign 
Affairs na monografia de crítica de autoria de Hayward W. Alker Jr.: “If Not Huntingtoris 
‘Civilizations’, Then Whose?” (monografia não publicada, Massachusetts Institute of Tech¬ 
nology, 25/03/94). 

2. Braudel, On History, pp. 177-181, 212-214, e History of Civilization, pp. 4-5; Gerrit W. Gong, 
The Standard of “Civilization” in International Society (Oxford: Clarendon Press, 1984), p. 
81 e ss., 97-100; Wallerstein, Geopolitics and Geoculture, p. 160 e ss. e 215 e ss.; ArnoldJ. 
Toynbee, Study of History, X, 274-275, e Civilization on TriaKNova York: Oxford University 
Press, 1948), p. 24. 

3. Braudel, On History, p. 205. Para um exame extenso das definições de cultura e de 
civilização, principalmente a distinção alemã, ver A. L. Kroeber e Clyde Kluckhohn, Culture: 
A Criticai Review of Concepts and Definitions (Cambridge: Papers of the Peabody Museum 
of American Archaelogy and Ethnology, Harvard University, v. XLVII, n. 1,1952), em geral, 
mas especialmente pp. 15-29- 

4. Bozeman, “Civilizations Under Stress”, p. 1. 

5. Durkheim e Mauss, “Notion of Civilization”, p. 811; Braudel, On History, pp. 177, 202; 
Melko, Nature of Civilizations, p. 8; Wallerstein, Geopolitics and Geoculture, p. 215; 
Dawson, Dynamics of World History, pp. 51, 402; Spengler, Decline ofthe West, I, p. 31. É 
interessante notar que a International Encyclopedia of the Social Sciences (Nova York: 
Macmillan and Free Press, organizada por David L. Sills, 17 v., 1968) não contém nenhum 
item sobre a “civilização” de “civilizações”. O “conceito de civilização” (no singular) é 
tratado numa subseção do item denominado “Revolução Urbana”, enquanto as civilizações 
(no plural) são mencionadas de forma passageira num item denominado “Cultura”. 

6. Heródoto, The Persian Wars (Harmondsworth, Inglaterra: Penguin Books, 1972), 
pp. 543-544. 

7. Edward A. Tiryakian, “Reflections on the Sociology of Civilizations”, Sociological Analysis, 
35 (verão de 1974), 125. 

8. Toynbee, Study of History, I, 455, citado em Melko, Nature of Civilizations, pp. 8 e 9; e 
Braudel, On History, p. 202. 

9. Braudel, History of Civilizations, p. 35, e On History, pp. 209-210. 

10. Bozeman, Strategic Intelligence and Statecraft, p. 26. 

413 

11. Quigley, Evolution of Civilizations, p. 146 e ss.; Melko, Nature of Civilizations, p. 101 e ss. 
Ver D. C. SomervelI, “Argument”, na sua versão resumida de Amold J. Toynbee, A Study 
of History, v. I-VT (Oxford: Oxford University Press, 1946), p. 569 e ss. 

12. Lucian W. Pye, “China: Erratic State, Frustrated Society”, Foreign Affairs, 69 (outono de 
1990), 58. 

13. Ver Quigley, Evolution of Cimlizations, cap. 3, especialmente pp. 77, 84; Max Weber, “The 
Social Psychology of the World Religions”, em From Max Weber: Essays in Sociology 
(Londres: Routledge, transcrito e org. H. H. Gerth e C. Wright Mills, 1991), p. 267; Bagby, 
Culture and History, pp. 165-174; Spengler, Decline of the West, II, 31 e ss.; Toynbee, Study 
ofHistory ; I, 133; XII, 546-547; Braudel, History of Civilizations, vários trechos; McNeill, 
The Rise of the West , vários trechos; e Rostovanyi, “Clash of Civilizations”, pp. 8-9- 

14. Melko, Nature of Civilizations, p. 133- 

15. Braudel, On History, p. 226. 

16. Para obter um acréscimo importante, na década de 90, aos trabalhos sobre a matéria por 
alguém que conhece bem ambas as culturas, ver Cláudio Véliz, The New World of the Gothic 
Fox (Berkeley: University of Califórnia Press, 1994). 

17. Ver Charles A. e Mary R. Beard, The Rise of American Civilization (Nova York: Macmillan, 
2 v., 1927) e Max Lerner, America as a Civilization (Nova York: Simon & Schuster, 1957). 
Com jactância patriótica, Lerner diz que, “para o bem ou para o mal, a América do Norte 
é o que ela é — uma cultura em si mesma, com muitas linhas características de poder e 
de significado próprio, alinhando-se com a Grécia e Roma como uma das grandes 
civilizações distintas da História”. Contudo, ele reconhece que, “quase sem exceção, as 
grandes teorias da História não encontram espaço para qualquer concepção da América 
do Norte como uma civilização por si mesma” (pp. 58-59). 

18. Sobre o papel de fragmentos da civilização européia criando novas sociedades na América 
do Norte, América Latina, África do Sul e Austrália, ver Louis Hartz, The Founding ofNew 
Societies: Studies in the History of the United States , Latin America, South África, Canada, and 
Australia (Nova York: Harcourt, Brace & World, 1964). 

19- Dawson, Dynamics of World History, p. 128. Ver tb. Mary C. Bateson, “Beyond Sovereignty: 
An Emerging Global Civilization” [Além da Soberania: uma Civilização Global Emergente], 
em Contending Sovereignties: Redefining Political Community, org. R. B. J. Walker e Saul 
H. Mendlovitz (Boulder: Lynne Rienner, 1990), pp. 148-149. 

20. Toynbee classifica o Budismo Theravada e o Lamaísta como civilizações fósseis — Study 
ofHistory, I, 35, 91-92. 

21. Ver, por exemplo, Bemard Lewis, Islam and the West (Nova York: Oxford University Press, 
1993); Toynbee, Study of History, cap. IX, “Contacts between Civilizations in Space 
(Encounters between Contemporaries)”, VIII, 88 e ss; Benjamin Nelson, “Civilizational 
Complexes and Intercivilizational Encounters”, Sociological Analysis, 34 (verão de 1973) 
79-105. 

22. S. N. Eisenstadt, “Cultural Traditions and Political Dynamics: The Origins and Modes of 
Ideological Politics”, Bntish Journal of Sociology, 32 (jun./1981), 157, e “The Axial Age: The 
Emergence of Transcendental Vision and the Rise of Clerics”, Archives Européennes de 
Sociologie, 22 (n. 1, 1982), 298. Ver tb. Benjamin I. Schwartz, “The Age of Transcendence 
in Wisdom, Revolution, and Doubt: Perspectives on the First Milennium B. C”, Daedalus, 
104 (primavera de 1975), 3. O conceito da Era Axial se deriva de Karl Jaspers, Vom Ursprung 
und Ziel der Geschichte (Zurique: Artemisverlag, 1949). 

23. Toynbee, Civilization on Trial, p. 69. Cf. Wüliam H. McNeill, The Rise of the West, pp. 
295-298, que enfatiza o grau em que o advento da Era Cristã “organizou as rotas de 
comércio, tanto por terra como por mar, (...) ligou as quatro grandes culturas do 
continente”. 

24. Braudel, On History, p. 14: “(...) a influência cultural veio em pequenas doses, retardadas 
pela extensão e lentidão das jornadas que tinham que empreender. Se dermos crédito aos 
historiadores, as modas chinesas do período Tang (618-907) se deslocaram tão lentamente 
que só chegaram à ilha de Chipre e à brilhante corte de Lusignan no século XV. Dali se 
espalharam, na velocidade maior do comércio do Mediterrâneo, para a França e para a 
excêntrica corte de Carlos VI, onde chapéus femininos antigos e sapatos com longos bicos 
pontudos se tomaram imensamente populares, a herança de um mundo há muito 
desaparecido — de forma muito semelhante a como a luz ainda nos chega vinda de estrelas 
já extintas.” 

25. Ver Toynbee, Study of History, VIII, 347-348. 

26. McNeill, Rise of the West, p. 547. 

27. D. K. Fieldhouse, Economics and Empire , 1830-1914 (Londres: Macmillan, 1984), p. 3; F. J. C. Heamshaw, Sea Power and Empire (Londres: George Harrap and Co., 1940), p. 179- 

28. Geoffrey Parker, The Military Revolution: Military Innovation and the Rise of the West 
(Cambridge: Cambridge University Press, 1988), p. 4; Michael Howard, “The Military Factor 
in European Expansion” [O Fator Militar na Expansão Européia], em The Expansion of 
International Society, org. Hedley Buli e Adam Watson (Oxford: Clarendon Press, 1984), 
p. 33 e ss. 

29. A. G. Kenwood e A. L. Lougheed, The Growth of the International Economy 1820-1990 
(Londres: Routledge, 1992), pp. 78-79, e as observações de Alan S. Blinder, reproduzidas 
no New York Times, 12/03/1995, p. 5E, Ver tb. Simon Kuznets, “Quantitative Aspects of the 
Economic Growth of Nations — X. Levei and Structure of Foreign Trade: Long-Term 
Trends”, Economic Development and Cultural Change, 15 (jan./1967, parte II), pp. 2-10. 

30. Charles Tilly, “Reflections on the History of European State-making”, em The Formation of National States in Western Europe, org. Tilly (Princeton: Princeton University Press, 1975), 

p. 18. 

31. R. R. Palmer, “Frederick the Great, Guibert, Bulow: From Dynastic to National War”, em 
Makers of Modem Strategyfrom Machiãvelli to the Nuclear Age, org. Peter Paret (Princeton: 
Princeton University Press, 1986), p.119. 

32. Edward Mortimer, “Christiany and Islam”, International Affairs, 67 (jan./1991), 7. 

33. Hedley Buli, The Anarchical Society (Nova York: Columbia University Press, 1977), pp. 
9-13. Ver tb. Adam Watson, The Evolution of International Society (Londres: Routledge, 

1992) e Barry Buzan, “From International System to International Society: Structural Realism and Reime Theory Meet the English School”, International Organization, 47 (verão de 

1993) , 327-352, que distingue entre modelos “civilizacional” e “funcional” de sociedade 
internacional e conclui que “parece não haver nenhum caso de socidedade internacional 
funcional” (p. 336). 

34. Spengler, Decline of the West, I, 93-94. 

35. Toynbee, Study of History, I, 149 e ss., 154, 157 e ss. 

36. Braudel, On History, p. xxxii. 

Capítulo 3 

1. V. S. Naipaul, “Our Universal Civilization”, The 1990 Wriston Lecture, The Manhattan 
Institute, New York Review of Books, 30/10/1990, p. 20. 

2. Ver James Q. Wilson, The Moral SenseÇNovz York: Free Press, 1993); Michael Walzer, Thick 
and Thin: Moral Argument at Home and Abroad (Notre Dame: University of Notre Dame 
Press, 1994), especialmente os capítulos 1 e 4; e, para um breve resumo, Francês V. Harbour, 
“Basic Moral Values: A Shared Core”, Ethics and International Affairs, 9 (1995), 155-170. 

3. Václav Havei, “Civilizatiorís Thin Venner”, Harvard Magazine, 97 (jul.-ago./1995), 32. 

4. Hedley Buli, The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics (Nova York: 
Columbia University Press, 1977), p. 317. 

5. John Rockwell, “The New Colossus: American Culture as Power Export”, e vários autores, 
“Channel-Surfing Through U.S. Culture in 20 Lands”, New York Times, 30/01/1994, seção 

414 

415 

2, p. 1 e ss.; Davied Rieff, “A Global Culture”, WorldPolicyJournal, 10 (inverno de 1993-94), 
73-81. 

6. Michael Vlahos, “Culture and Foreign Policy”, Foreign Policy, 82 (primavera de 199D, 69; 
Kishore Mahbubani, “The Dangers of Decadence: What the Rest Can Teach the West”, 
Foreign Affaírs, 72 (set.-out./1993), 12. 

7. Aaron L. Friedberg, “The Future of American Power”, Political Science Quarterly, 109 
(primavera de 1994), 15. 

8. Richard Parker, “The Myth of Global News”, New Perspectives Quarterly, 11 (inverno de 
1994), 41-44; Michael Gurevitch, Mark R. Levy e Itzhak Roeh, “The Global Newsroom: 
convergences and diversities in the globalization of television news”, em Communications 
and Citizensbp: Joumalism and the Public Sphere in the New Media, org. Peter Dahlgren 
e Colin Sparks (Londres: Routledge, 1991), p. 215. 

9. Ronald Dore, “Unity and Diversity in World Culture”, em The Expansion of International 
Society ; org. Hedley Buli e Adam Watson (Oxford: Oxford University Press, 1984), p. 423- 

10. Robert L. Bartley, “The Case for Optimism — The West Should Believe in Itself”, Foreign 
Affairs, 72 (set.-out./1993), 16. 

11. Ver Joshua A. Fishman, “The Spread of English as a New Perspective for the Study of 
Language Maintenance and Language Shift”, em Joshua Fishman, Robert L. Cooper e 
Andrew W. Conrad, The Spread of English: The Sociology of English as an Additional 
Language (Rowley, MA: Newbury House, 1977), p. 108 e ss. 

12. Fishman, “Spread of English as a New Perspective”, pp. 118-119. 

13. Randolph Quirk, em Barj B. Kachru, The Indianization of English (Delhi: Oxford, 1983), 
p. i; English in índia — Issues and problems, org. R. S. Gupta e Kapil Kapoor (Delhi: 
Academic Foundation, 199D, p. 21. Cf. Sarvepalli Gopal, “The English Language in índia”, 
Encounter , 73 (jul.-ago./1989), p. 16, que estima que 35 milhões de indianos “falam e 
escrevem algum tipo de inglês”. Banco Mundial, World Development Report 1985, 1991 
(Nova York: Oxford University Press), quadro 1. 

14. Kapoor e Gupta, “Introduction”, em English in índia , org. Gupta e Kapoor, p. 21; Gopal, 
“English Language”, p. 16. 

15- Fishman, “Spread of English as a New Perspective”, p. 115. 

16. Ver Newsweek, 19/07/1993, p. 22. 

17. Citado por R. N. Srivastava e V. P. Sharma, “Indian English Today”, em English in índia , 
org. Gupta e Kapoor, p. 191; Gopal, “English Language”, p. 17. 

18. New York Times, 16/07/1993, p. A9; Boston Globe, 15/07/1993, p.13. 

19. Além das projeções na World Christian Encyclopedia , ver as de Jean Bourgeois-Pichat, “Le 
nombre des hommes: État et prospective”, em Albert Jacquard etal., LesScientifiquesParlent 
(Paris: Hachette, 1987), pp. 140, 143, 151, 154-156. 

20. Edward Said sobre V. S. Naipaul, citado por Brent Staples, “Con Men and Conquerors”, 
New York Times Book Review, 22/05/1994, p. 42. 

21. A. G. Kenwood e A. L. Lougheed, The Growth of the International Economy 1820-1990 
(Londres: Routledge, 3. ed., 1992), pp. 78-79; Angus Maddison, Dynamic Forces in Capitalist 
Development (Nova York: Oxford University Press, 199D, pp. 326-327; Alan S. Blinder, 
New York Times, 12/03/1995, p. 5E. 

22. David M. Rowe, “The Trade and Security Paradox in International Politics” (manuscrito não 
publicado, Ohio State University, 15/09/1994), p. 16. 

23. Dale C. Copeland, “Economic Interdependence and War: A Theory of Trade Expectations”, 
International Security 20 (primavera de 1996), 25. 

24. William J. McGuire e Claire V. McGuire, “Content and Process in the Experience of Self’, 
Advances in Experimental Social Psychology, 21 (1988), 102. 

25. Donald L. Horowitz, “Ethnic Conflict Management for Policy-Makers”, em Conflict and 
Peacemaking in Multiethnic Societies, org. Joseph V. Montville e Hans Binnendijk (Lexing- 
ton, MA: Lexington Books, 1990), p. 121. 

416 

26. Roland Robertson, “Globalization Theory and Civilizational Analysis”, Comparative Civili- 
zations Review, 17 (outono de 1987), 22; Jeffery A. Shad Jr., “Globalization and Islamic 
Resurgence”, Comparative Studies in Society and History, 9 (abr./1967), 292-293. 

27. Ver Cyril E. Black, The Dynamics of Modemization: A Study in Comparative History (Nova 
York: Harper & Row, 1966), pp. 1-34; Reinhard Bendiz, “Tradition and Modemity 
Reconsidered”, Comparative Studies in Society and History, 9 (ab.r/1967), 292-293. 

28. Femand Braudel, On History (Chicago: University of Chicago Press, 1980), p. 213. 

29. Os trabalhos sobre as características que distinguem a civilização ocidental são, evidente¬ 
mente, muito numerosos. Ver, entre outros, William H. McNeill, Rise of the West: A History 
of the Human Community (Chicago: University of Chicago Press, 1963); Braudel, On 
History, e outras obras anteriores; Immanuel Wallerstein, Geopolitics and Geoculture: Essays 
on the Changing World System (Cambridge: Cambridge University Press, 1991). Karl W. 
Deutsch fez uma comparação abrangente, sucinta e muito sugestiva do Ocidente e de nove 
outras civilizações em termos de 21 fatores geográficos, culturais, econômicos, tecnológi¬ 
cos, sociais e políticos, ressaltando o grau em que o Ocidente difere das outras civilizações. 
Ver Karl W. Deutsch, “On Nationalism, World Regions, and the Nature of the West”, em 
Mobilization, Center-Periphery Stmctures, and Nation-building: A Volume in Commemo- 
ration of Stein Rokkan, org. PerTorsvik (Bergen: Universitetforlaget, 1981), pp. 51-93. Para 
um resumo sucinto dos aspectos principais e específicos da civilização ocidental em 1500, 
ver Charles Tilly, “Reflections on the History of European State-making”, em TbeFormation 
of National States in Western Europe, org. Tilly (Princeton: Princeton University Press, 1975), 
p. 18 e ss. 

30. Deutsch, “Nationalism, World Religions, and the West”, p. 77. 

31. Ver Robert D. Putnam, Making Democracy Work: Civil Traditions in Modem Italy 
(Princeton: Princeton University Press, 1993), p. 12 e ss. 

32. Deutsch, “Nationalism, World Religions, and the West”, p. 78. Ver tb. Stein Rokkan, 
“Dimensions of State Formation and Nation-building: A Possible Paradigm for Research on 
Variations within Europe”, em Charles Tilly, The Formation of National States in Western 
Europe (Princeton: Princeton University Press, 1975), p. 576, e Putnam, Making Democracy 
Work, pp. 124-127. 

33- Geert Hofstede, “National Cultures in Four Dimensions: A Research-based Theory of Cultural 
Differences among Nations”, International Studies of Management and Organization , 13 
(1983), 52. 

34. Harry C. Triandis, “Cross-Cultural Studies of Individualism and Collectivism”, in Nebraska 
Symposium on Motivation, 1989 (Lincoln: University of Nebraska Press, 1990), 44-133, e 
New York Times, 25/12/1990, p. 41. Ver também. Ideology and National Competitiveness: 
An Analysis of Nine Countries, org. George C. Lodge e Ezra F. Vogei (Boston: Harvard 
Business School Press, 1987), várias. 

35. É quase inevitável que surjam debates sobre a interação das civilizações com algumas 
variações dessa tipologia de respostas. Ver Amoíd J. Toynbee, Study of History (Londres: 
Oxford University Press, 1935-61), II, pp. 187 e ss., VIII, 152-153, 214; John L. Esposito, The 
Islamic Threat: Myth or Reality (Nova York: Oxford University Press, 1992), pp. 53-62; 
Daniel Pipes, In the Path of God: Islam and Political Power (Nova York: Basic Books, 1983), 
p. 105-142. 

36. Pipes, Path ofGod, p. 349. 

37. William Pfaff, “Reflections: Economic Development”, New Yorker ; 25/12/1978, p. 47. 

38. Pipes, Path ofGod, pp. 197-198. 

39- Ali Al-Amin Mazrui, Cultural Forces in World Politics (Londres: James Currey, 1990), pp. 4-5. 

40. Esposito, Islamic Threat, p. 55; ver, de modo geral, pp. 55-62; e Pipes, Path of God, 
pp. 114-120. 

41. Rainer C. Baum, “Authority and Identity — The Invariance Hypothesis II”, Zeitschrift für 
Soziologie, 6 (out./1977), 368-369. Ver tb. Rainer C. Baum, “Authority Codes: The Invariance 
Hypothesis”, Zeitschrift für Soziologie, 6 (jan./1977), 5-28. 

417 

42. Ver Adda B. Bozeman, “Civilizations Under Stress”, Virgínia Quarterly Review, 51 (inverno de 
1975), 5 e ss.; Leo Frobeníus, Paideuma: Utnrisse einerKultur- und Seelenlehre (Munique: C.h. 
beck, 1921), p. 11 e ss.; Oswald Spengler, The Decline of the West (Nova York: Alfred A. 
Knopf, 2 vs., 1926, 1928), II, 57 e ss. 

43. Bozeman, "Civilizations Under Stress”, p. 7. 

44. William E. Naff, “Reflections on the Question of ‘East and West’ from the Point of View of 
Japan”, Comparative Civilizations Review, 13/14 (outono de 1985 e primavera de 1986), 
222 . 

45. David E. Apter, “The Role of Traditionalism in the Political Modemization of Ghana and 
Uganda”, World Politics, 13 (out,/1960), 47-68. 

46. S. N. Eisenstadt, 'Transformarion of Social, Political, and Cultural Orders in Modemization", 
American Sociological Review , 30 (out71965), 659-673. 

47. Pipes, Path of God, pp. 107, 191. 

48. Braudel, On History, pp. 212-213- 


Capítulo 4 

1. Jeffery R. Bamett, “Exclusions as National Security Policy”, Parameters; 24 (primavera de 
1994), 54. 

2. Aaron 1. Friedberg, “The Future of American Power”, Political Science Qaarterly\ 109 
(primavera de 1994), 20-21. 

3. Hedley Buli, “The Revolt Against the West”, em Expansion of International Society , org. 
Hedley Buli e Adam Waltson (Oxford: Oxford University Press, 1984), p. 219. 

4. Barry G. Buzan, “New Pattems of Global Security in the Twenty-first Century”, International 
Affairs, 67 (jul./1991), 451. 

5. Project 2025 (minuta) 20/09/1991, p. 7; Banco Mundial, World Development Report 1990 
(Oxford: Oxford University Press, 1990), pp. 229, 244; The World Almanac and Book of 
Facts 1990 (Mahnaw, NJ: Funk & Wagnalis, 1989), p. 539. 

6. Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, Human Development Report 1994 
(Nova York: Oxford University Press, 1994), pp. 136-137, 207-211; Banco Mundial, “World 
Development Indicators”, World Development Report 1984, 1986,1990,1994; BruzeRusset 
e outros, World Handbook of Political and Social Indicators (New Haven: Yale University 
Press, 1994), pp. 222-226. 

7. Paul Bairoch, “International Industrialization Leveis from 1750 to 1980”, JournalofEuropean 
Economic History, 11 (outono de 1982), 296, 304. 

8. Economist , 15/05/1993, p. 83, citando o Fundo Monetário Internacional, World Economic 
Outlook, “The Global Economy”, Economist, 01/10/1994, pp. 3-9; Wall Street Journal, 
17/05/1993, p- Al2; Nicholas D. Kristoff, “The Rise of China”, Foreign Affairs, 72 
(nov.-dez./1993), 61; Kishore Mahbubani, “The Pacific Way”, Foreign Affairs, 74 (jan,- 
fev./1995), 100-103. 

9- International Institute for Strategic Studies, “Tables and Analyses”, The Military Balance 
1994-95 (Londres: Brassey’s, 1994). 

10. Project 2025, p. 13; Richard A. Bitzinger, The Globalization of Arms Production: Defense 
Markets in Transition (Washington, D.C.: Defense Budget Project, 1993), várias. 

11. Joseph S. Nye, Jr, “The Changing Nature of World Power”, Political Science Qnarterly, 105 
(verão de 1990), 181-182. 

12. William H. McNeill, The Rise of the West: A History of the Human Community (Chicago: 
Chicago University Press, 1963), p. 545. 

13. Ronald Dore, “Unity and Diversity in Contemporary World Culture”, em Expansion of 
International Society, org. Buli e Watson, pp. 420-421. 

14. William E. Naff, “Reflections on the Question of ‘East and West’ from the Point of View of 
Japan , Comparative Civilizations Review, 13/14 (outono de 1985 e primavera de 1986), 


219; Arata Isozaki, “Escaping the Cycle of Eternal Resources”, New Perspectives Quarterly, 
9 (primavera de 1992), 18. 

15. Richard Sission, “Culture and Democratization in índia”, em Larry Diamond, Political 
Culture and Democracy in Developing Countries (Boulder: Lynne Rienner, 1993), pp. 55-61. 

16. Graham E. Fuller, “The Appeal of Iran”, National Interest, 37 (outono de 1994), 95. 

17. Eisuke Sakakibara, “The Énd of Progressivism: A Search for New Goals”, Foreign Affairs , 
74 (set. -out./1995), 8-14. 

18. T. S. Eliot, Idea of a Christian Society (Nova York: Harcourt, Brace and Company, 1940), 
p. 64. 

19. Gilles Kepel, Revenge of God: The Resurgence of Islam, Christianity andjudaism in the 
Modem World (University Park, PA: Pennsylvania State University Press, trad. Alan Braley, 
1994), p. 2. 

20. George Weigel, “Religion and Peace: An Argument Complexified”, Washington Quarterly, 
14 (primavera de 199 D, 27. 

21. James H. Billington, “The Case for Orthodoxy”, New Republic, 30/05/1994, p. 26; Suzanne 
Massie, “Back to the Future”, Boston Globe, 28/03/1993, p. 72. 

22. Economist, 08/jan./1993, p. 46; James Rupert, “Dateline Tashkent: Post-Soviet Central Asia”; 
Foreign Policy, 87 (verão de 1992), 180. 

23. Fareed Zakaria, “Culture Is Destiny: A Conversation with Lee Kuan Yew”, Foreign Affairs, 
73 (mar.-abr./1994), 118. 

24. Hassan Al-Turabi, “The Islamic Awakening’s Second Wave”, New Perspectives Quarterly, 9 
(verão de 1992), 52-55; Ted G. Jelen, The Political Mobilization of Religious Belief (Nova 
York: Praeger, 1991), p- 55 e ss. 

25. Bemard Lewis, “Islamic Revolution”, New York Review of Books, 21/01/1988, p. 47; Kepel, 
Revenge of God, p. 82. 

26. Sudhir Kakar, “The Colors of Violence: Cultural Identities, Religion, and Conflict” (manus¬ 
crito não publicado), cap. 6, “A New Hindu Identity”, p. 11. 

27. Suzanne Massie, “Back to the Future", p. 72; Rupert, “Dateline Tashkent”, p. 180. 

28. Rosemary Radford Ruther, “A World on Fire with Faith”, New York Times Book Review, 
26/01/1992, p. 10; William H. McNeill, “Fundamentalism and the World of the 1990s”, em 
Fundamentalisms and Society, org. Martin E. Marty e R. Scott Appleby (Chicago: University 
of Chicago Press, 1993), p. 561. 

29. New York Times, 15/01/1993, p. A9; Henry Clement Moore, Images of Development: Egyptian 
Engineers in Search oflndustry (Cambridge: M.I.T. Press, 1980), pp. 227-228. 

30. Henry Scott Stokes, “Korea’s Church Militant”, New York Times Magazine, 28/11/1972, p. 68. 

31. Rev. Edward J. Dougherty, S.J., New York Times, 04/07/1993, P- 10; Timothy Goodman, 
“Latin America’s Reformation”, American Enterprise, 2 (jul.-ago./1991), 43; New York Times, 
11/07/1993, p. 1; Time, 21/01/1991, p. 69 . 

32. Economist, 06/05/1989, p. 23; 11/11/1989, p. 41; Times (Londres), 12/04/1990, p. 12; 
Observer, 27/05/1990, p. 18. 

33. New York Times, 16/07/1993, p. A9; Boston Globe, 15/07/1993, p. 13. 

34. Ver Mark Juergensmeyer, The New Cold War? Religious Nationalism Confronts the Secular 
State (Berkeíey: University of Califórnia Press, 1993). 

35. Zakaria, “Conversations with Lee Kuan Yew”, p. 118; Al-Turabi, “Islamic Awakening’s 
Second Wave”, p. 53- Ver Terrance Carroll, “Secularization and States of Modemity”, World 
Politics, 36 (04/1984), 362-382. 

36. John L. Esposito, The Islamic Threat: Myth orReality (Nova York: Oxford University Press, 

1992), p. 10. 

37. Régis Debray, “God and the Political Píanet”, New Perspectives Quarterly, 11 (primavera de 
1994), 15. 

38. Esposito, Islamic Threat, p. 10; Gilles Kepel, citado em Sophie Lannes, “La Revanche de 
Dieu — Interview with Gilles Kepel”, Geopolitique, 33 (primavera de 1991), 14; Moore, 
Images of Development, pp. 214-216. 

418 

419 

39- Juergensmeyer, The New Cold War ; p. 71; Edward A. Gargan, “Hindu Rage Against Muslims 
Transforming Indian Poiitics”, New York Times, 17/07/1993, p. Al; Kushwath Singh, “índia, 
the Hindu State”, New York Times, 03/08/1993, p. Al7. 

40. Dore, em Expansion of International Society, org. Buli e Watson, p. 411; McNeilI, em 
Fundamentalisms and Society, org. Marty e Appleby, p. 569. 


Capítulo 5 

1. Kishore Mahbubani, “The Pacific Way”, Foreign Affairs, 74 (jan.-fev./1995), 100-103; IMD 
Executive Opinion Survey, Economist, 06/05/1995, p. 5; Banco Mundial, Global Economic 
Prospects and the Developing Countries 1993 (Washington: 1993), pp. 66-67. 

2. Tommy Koh, America ’s Role in Asia.■ Asian Views (Asia Foundation, Center for Asian Pacific 
Affairs, Report n. 13, nov./1993), p. 1. 

3. Alex Kerr ,Japan Times, 06/11/1994, p. 10. 

4. Yasheng Huang, “Why China Will Not Collapse”, Foreign Policy, 95 (verão de 1995), 57. 

5. Cable News NetWork, 10/05/1994; Edward Friedman, “A Failed Chinese Modemity”, 
Daedalus, 122 (primavera de 1993), 5; Perry Link, “China s ‘Core’ Problem”, id, pp. 201-204. 

6. Economist, 21/01/1995, pp. 38-39; William Theodore de Bary, “The New Confucianism in 
Beijing”, American Scholar, 64 (primavera de 1995), 175 e ss. ; Benjamin L. Self, “Changing 
Role for Confucianism in China”, Woodrow Wilson Center Report, 1 (set./1995), 4-5; New 
York Times, 26/08/1991, A19. 

7. Lee Teng-hui, “Chinese Culture and Political Renewal”, JournalofDemocracy, 6 (out./1995), 
6 - 8 . 

8. Alex Kerr ,Japan Times, 06/11/1994, p. 10; Kazuhiko Ozawa, “Ambivalence in Asia ", Japan 
Update, 44 (mai./1995), 18-19. 

9. Sobre alguns desses problemas, ver Ivan P. Hall, “Japaris Asia Ca rd”, National Interest, 38 
(inverno de 1994-95), 19 e ss. 

10. Casimir Yost, “America’s Role in Asia: One Year Later” (Asia Foundation, Center for Asian 
Pacific Affairs, Report n. 15, fev./1994), p. 4; Yoichi Funabashi, “The Asianization of Asia”, 
Foreign Affairs, 72 (nov.-dez./1993), 78; Anwar Ibrahim, International Herald Tribune, 
31/01/1994, p. 6. 

11. Kishore Mahbubani, “Asia and a United States in Decline”, Washington Quarterly, 17 
(primavera de 1994), 5-23; sobre uma contra-ofensiva, ver Eric Jones, “Asia’s Fate: A 
Response to the Singapore School”, National Interest, 35 (primavera de 1994), 18-28. 

12. Mahatir bin Mohamad, Marejirenma (O Dilema Malaio) (Tóquio: Imura Bunka Jigyo, trad. 
Takata Masayoshi, 1983), p. 267, citado em Ogura Kazuo, “A Call for a New Concept of 
Asia”, Japan Echo, 20 (outono de 1993), 40. 

13. Li Xiangiu, “A Post-Cold War Alternative from East Asia”, Straits Times, 10/02/1992, p. 24. 

14. Yotaro Kabayashi, “Re-Asianize Japan”, New Perspectives Quarterly, 9 (inverno de 1992), 
20; Funabashi, “The Asianization of Asia”, p. 75 e ss.; George Yong-Soon Yee, “New East 
Asia in a Multicultural World”, International Herald Tribune, 15/07/1992, p. 8. 

15. Yoichi Funabashi, “Globalize Asia”, New Perspectives Quarterly, 9 (inverno de 1992), 23-24; 
Kishore M. Mahbubani, “Thew West and the Rest”, National Interest, 28 (verão de 1992), 
7; Hazuo, “New Concept of Asia”, p. 41. 

16. Economist, 09/03/1996, p. 33. 

17. Bandar bin Sultan, New York Times, 10/07/1994, p. 20. 

18. John L. Esposito, Thelslamic Threat: Myth orReality (Nova York: Oxford University Press, 
1992), p. 12; Ali E. Hillal Dessouki, “The Islamic Resurgence”, em Islamic Resurgence in the 
Arab World, org. Ali E. Hillal Dessouki (Nova York: Praeger, 1982), pp. 9-13. 

19. Thomas Case, citado em Michael Walzer, The Revolution oftheSaints: A Study in the Origins 
of Radical Poiitics (Cambridge: Harvard University Press, 1965), pp. 10-11; Hassan Al-Turabi, 
“The Islamic Awakening’s Second Wave”, New Perspectives Quarterly, 9 (verão de 1992), 

52. O estudo feito por Walzer do puritanismo calvinista inglês dos séculos XVI e XVTI 
possivelmente é o melhor trabalho isolado para se compreender o caráter, a atração, as 
limitações e o papel histórico do fundamentalismo islâmico do final do século XX. 

20. Donald K. Emerson, “Islam and Regime in Indonésia: Who’s Coopting Whom?” (monografia 
não publicada, 1989), p. 16; M. Nasir Tamara, Indonésia in the Wake of Islam, 1965-1985 
(Kuala Lumpur: Instituto de Estudos Internacionais e Estratégicos da Malásia, 1986), p. 28; 
Economist, 14/12/1985, pp. 35-36; Henry Tanner, “Islam Challenges Secular Society”, 
International Herald Tribune, 27/06/1987, pp. 7-8; Sabri Sayari, “Politicization of Islamic 
Re-traditionalism: Some Preliminary Notes”, em Islam and Poiitics in the Modem Middle 
East, org. Metin Heper e Raphael Israeli (Londres: Croom Helm, 1984), p. 125; New York 
Times, 26/03/1989, p. 14; 02/03/1995, p. A8. Ver, por exemplo, relatórios sobre esses países 
no New YorkTimes, 17/11/1985, p. 2E; 15/11/1987, p. 13; 06/03/1991, p. Ali; 20/10/1990, 
p. 4; 26/12/1992, p. 1; 08/03/1994, p. A15; e Economist, 15/06/1985, pp. 36-37, e 18/09/1992, 
pp. 23-25. 

21. New York Times, 04/10/1993, p. A8; 29/11/1994, p. A4; 03/02/1994, p. 1; 26/12/1992, p. 5; 
Erika G. Alin, “Dynamics of the Palestinian Uprising: An Assessment of Causes, Characters, 
and Consequences”, Comparative Poiitics, 26 (07/1994), 494; New York Times, 08/03/1994, 
p. A15; James Peacock, “The Impact of Islam”, Wilson Quarterly, 5 (primavera de 1981), 
142; Tamara, Indonésia in the Wake of Islam, p. 22. 

22. Olivier Roy, The Failure of Political Islam (Londres: Tauris, 1994), p. 49 e ss.; New York 
Times, 19/01/1992, p. E3; Washington Post, 21/11/1990, p. Al. Ver Gilles Keppel, The 
Revenge of God: The Resurgence of Islam, Christianity, and Judaism in the Modem World 
(University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1994), p. 32; Farida Faouzia Charfi, 
“When Galileo Meets Allah”, New Perspective Quarterly, 11 (primavera de 1994), 30; 
Esposito, Islamic Threat, p. 10. 

23. Mahnaz Ispahani, “Varieties of Muslim Experience”, Wilson Quarterly, 13 (outono de 1989), 
72. 

24. Saad Eddin Ibrahim, “Appeal of Islamic Fundamentalism” (monografia apresentada à 
Conferência sobre o Islamismo e a Política no Mundo Muçulmano Contemporâneo, Harvard 
University, 15-16/10/1985), pp. 9-10, e “Islamic Militancy as a Social Movement: The Case 
of Two Groups in Egypt”, em Islamic Resurgence, org. Dessouki, pp. 128-131- 

25- Washington Post, 26/10/1980, p. 23; Peacock, “Impact of Islam”, p. 140; Ilkay Sunar e 
Binnaz Toprak, “Islam in Poiitics: The Case of Turkey”, Government and Opposition, 18 
(outono de 1983); Richard W. Bulliet, “The Israeli-PLO Accord: The Future of the Islamic 
Movement”, Foreign Affairs, 72 (nov.-dez./1993), 42. 

26. Emest Gellner, “Up from Imperialism”, New Republic, 22/05/1989, p- 35; John Murray 
Brown, “Tansu Ciller and the Question of Turkish Identity”, World Policy Journal, 11 
(outono de 1994), 58; Roy, Failure of Political Islam, p. 53. 

27. Fouad Ajami, “The Impossible Life of Muslim Liberalism”, New Republic, 02/06/1986, p. 27. 

28. Clement Moore Henry, “The Mediterranean Debt Crescent” (manuscrito não publicado), p. 
346; Mark N. Katz, “Emerging Pattems in the International Relations of Central Asia”, Central 
Asian Monitor (n. 2, 1994), 27; Mehrdad Haghayeghi, “Islamic Revival in the Central Asian 
Republics”, Central Asian Survey, 13 (n. 2, 1994), p. 255. 

29. New York Times, 10/04/1989, P- A3; 22/12/1992, p. 5; Economist, 10/10/1992, p. 41. 

30. Economist, 20/07/1991, p. 35; 21/12/1991-03/01/1992, p. 40; Mahfulzul Hoque Choudhury, 
“Nationalism, Religion and Poiitics in Bangladesh”, em Bangladesh: Society, Religion and 
Poiitics, org. Rafiuddin Ahmed (Chittagong: South Asia Studies Group, 1985), p. 68; New 
York Times, 30/11/1994, p. A14; Wall Street Journal, 01/03/1995, pp. 1, A6. 

31. Donald L. Horowitz, “The Quran and the Common Law: Islamic Law Reform and the 
Theory of Legal Change”, American Journal of Comparative Law, 42 (primavera e verão 
de 1994), 234 e ss. 

32. Dessouki, “Islamic Resurgence”, p. 23. 

33- Daniel Pipes, In the Path ofGod: Islam and Political Power (Nova York: Basic Books, 1983), 
pp. 282-283, 290-292; John Barrett Kelly, Arabia, the Gulfand the West (Nova York: Basic 
Books, 1980), pp. 261, 423, como citado em Pipes, Path of God, p. 291. 

34. Divisão de População das Nações Unidas, World Population Prospects; The 1992 Revision 
(Nova York: Nações Unidas, 1993), quadro A18; Banco Mundial, WorldDevebpmentReport 
1995 (Nova York: Oxford University Press, 1995), Quadro 25; Jean Bourgeois-Pichat, “Le 
Nombre des Hommes: État et Prospective”, em LesScientifiquesParlent, org. Albert Jacquard 
(Paris: Hachette, 1987), pp. 154,156. 

35. Jack A. Goldstone, Revolution and Rebellion in the Early Modem World (Berkeley: 
University of Califórnia Press, 1991), várias, mas especialmente pp. .24-39- 

36. Herbeit Moeller, “Youth as a Force in the Modem World”, Comparative Studies in Society 
and History ; 10 (abr/1968), 237-260; Lewis S. Feuer, “Generations and the Theory of 
Revolution”, Survey, 18 (verão de 1972), pp. 161-188. 

37. Peter W. Wilson e Douglas F. Graham, Saudi Arabia: The Corning Storm (Armonk, NY: M. 
E. Sharpe, 1994), pp. 28-29. 

38. Philippe Fargues, “Demographic Explosion or Social Upheaval”, em Democracy Without 
Democrats? The Renewal of Politics in theMuslim World , org. Ghassen Salame (Londres: I. 
B. Tauris, 1994), pp. 158-162, 175-177. 

39. Economist, 29/08/1981, p. 40; Denis Dragounski, “Threshold of Violence”, Freedom Review, 
26 (mar.-abr./1995), 11. 


Capítulo 6 

1. Andreas Papandreou, “Europe Tums Left”, New Perspectives Quarterly ; 11 (inverno de 1994), 
53; Vuk Draskovic, citado em Janice A. Brown, “Islam in the Balkans”, Freedom Review, 22 
(nov.-dez./1991), 31; F. Stephen Larrabee, “Instability and Change in the Balkans”, Survival, 
34 (verão de 1992), 43; Misha Glenny, “Heading Off War in the Southern Balkans”, Foreign 
Affairs , 74 (mai.-jun./1995), 102-103- 

2. Ali Al-Amin Mazrui, Cultural Forces in World Politics (Londres: James Currey, 1991), p- 13- 

3. Ver, por exemplo, Economist, 16/11/1991, p. 45; 06/05/1995, p. 36. 

4. Ronald B. Palmer e Thomas J. Reckford, BuUding ASEAN: 20 Years of Southeast Asian 
Cooperation (Nova York: Praeger, 1987), p. 109; Economist , 23/07/1994, pp. 31-32. 

5- Barry Buzan e Gerald Segai, “Rethinking East Asian Security”, Survival, 36 (verão de 1994), 

16 . 

6. Far Eastem Economic Review, 11/08/1994, p. 34. 

7. Entrevista de Datsuk Seri Mahatir bin Mohamada, da Malásia, com Kenichi Ohmae, pp. 3, 
7; Rafidah Azia, New York Times, 12/02/1991, p. D6. 

8. fapan Times, 07/11/1994, p. 19; Economist, 19/11/1994, p. 37. 

9. Murray Weidenbaum, “Greater China: A New Economic Colossus?”, Washington Quarterly, 
16 (outono de 1993), 78-80. 

10. Wall Street,Journal, 30/09/1994, p. A8 ; New York Times, 17/02/1995, p. A6. 

11. Economist, 08/10/1994, p. 44; Andrés Serbin, “Towards an Association of Caribbean States: 
Raising Some Awkward Questions ”, Journal of Interamerican Studies , 36 (inverno de 1994), 
61-90. 

12. Far Eastem Economic Review, 05/07/1990, pp. 24-25; 05/09/1991, pp. 26-27; New York 
Times, 16/02/1992, p. l6; Economist, 15/01/1994, p. 38; Robert D. Hormats, “Making 
Regionalism Safe”, Foreign Affairs, 73 (mar.-abr./1994), 102-103; Economist, 10/06/1994, 
pp. 47-48; Boston Globe, 05/02/1994, p. 7. Sobre o Mercosul, ver Luigi Manzetti, “The 
Political Economy of MERCOSUR”, Journal of Interamerican Studies, 35 (inverno de 
1993-94), 101-141, e Felix Pena, “New Approaches to Economic Integration in the Southern 
Cone”, Washington Quarterly, 18 (verão de 1995), pp. 113-122. 


13- New York Times, 08/04/1994, p. A3; 13/06/1994, p. Dl, D5; 04/01/1995, p. A8; entrevista 
de Mahatir com Ohmae, pp. 2, 5; “Asian Trade Directions”, AMEX Bank Review, 20 
(22/03/1993), 1-7. 

14. Ver Brian Pollins, “Does Trade Still Follow the Flag?”, American Political Science Review, 
83 (jun./1989), 465-480; Joanne Gowa e Edward D. Mansfield, “Power Politics and Interna¬ 
tional Trade”, American Political Science Review, 87 (jun./1993), 408-421; e David M. Rowe, 
“Trade and Security in International Relations, (monografia não publicada, Ohio State 
University, 15/09/1994), várias. 

15. Sidney W. Mintz, “Can Haiti Change?”, Foreign Affairs, 75 (jan.-fev./1995), 73; Ernesto Perez 
Balladares e Joycelyn McCalla, citados em “Haitfs Traditions of Isolation Makes U.S. Task 
Harder”, Washington Post, 25/07/1995, p. Al. 

16. Economist, 23/08/1993, p 53. 

17. Boston Globe, 21/03/1993, pp. 1, 16, 17; Economist, 19/11/1994, p. 23; 11/06/1994, p. 90. 
A semelhança entre a Turquia e o México nesse aspecto foi assinalada por Barry Buzan, 
“New Pattems of Global Security in the Twentieth-first Century”, International Affairs, 67 
(jul./1991), 449, ejagdish Bhagwati, The World Trading System at Risk (Princeton: Princeton 
University Press, 1991), p. 72. 

18. Ver Marquês de Custine, Empire of the Czar: A Joumey Through Eternal Rússia (Nova York: 
Doubleday, 1989, originalmente publicado em Paris em 1844), várias. 

19- P. Ya. Chaadayev, Artigos e Cartas [ Statyi i pisma] (Moscou: 1989), p. 178, e N. Ya. 
Danilevskiy, Rússia e Europa [ Rossiya I Yevropa] (Moscou: 1991), pp. 267-268, citados em 
Sergei Vladislavovich Chugrov, “Rússia Between East and West”, em MEMO 3: In Search 
ofAnswers in the Post-Soviet Era, org. Steve Hirsch (Washington, D.C.: Bureau of National 
Affairs, 1992), p. 138. 

20. Ver Leon Aron, “The Battle for the Soul of Russian Foreign Policy”, The American Enterprise, 
3 (nov.-dez./1992), 10 e ss.; Alexei G. Arbatov, “Russia’s Foreign Policy Altematives”, 
International Security, 18 (outono de 1993), 5 e ss. 

21. Sergei Stankevich, “Rússia in Search of Itself’, NationalInterest, 28 (verão de 1992), 48-49. 

22. Albert Motivans, “‘Openness in the West’ in European Rússia”, RFE/RL Research Report, 1 
(27/11/1992), 60-62. Os estudiosos calcularam a distribuição de votos de maneiras 
diferentes, com pequenas diferenças nos resultados. Apoiei-me na análise de Sergei 
Chugrov, “Political tendencies in Rússia’s Regions: Evidence from the 1993 Parliamentary 
Elections” (monografia não publicada, Harvard University, 1994). 

23. Chugrov, “Rússia Between”, p. 140. 

24. Samuel P. Huntington, Political Order in Changing Societies (New Haven: Yale University 
Press, 1968), pp. 350-351- 

25. Duygo Bazoglu Sezer, “Turkey’s Grand Strategy Facing a Dilemma ”, InternationalSpectator, 
27 (jan.-mar./1992), 24. 

26. Clyde Haberman, “On Iraq’s Other Front”, New York Times Magazine, 18/11/1990, p. 42; 
Bruce R. Kuniholm, “Turkey and the West”, Foreign Affairs, 70 (primavera de 199D, 35-36. 

27. Ian Lesser, “Turkey and the West after the Gulf War”, International Spectator, 27 
(jan.-mar./1992), 33. 

28. Financial Times, 09/03/1992, p. 2; New York Times, 05/04/1992, p. E3; Tansu Ciller, “The Role of Turkey in ‘the New World”, Strategic Review, 22 (inverno de 1994), p. 9; Haberman, Iraq s Other Front”, p. 44; John Murray Brown, “Tansu Ciller and the Question of Turkish Identity”, World Policy Journal, 11 (outono de 1994), 58. 

29. Sezer, “Turkey’s Grand Strategy", p. 27; Washington Post, 22/03/1992; New York Times, 
19/06/1994, p. 4. 

30. New York Times, 04/08/1993, p- A3; 19/06/1994, p. 4; Philip Robins, “Between Sentiment 
and Self-Interest: Turkey’s Policy toward Azerbaijan and the Central Asian States”, Middle 
East Journal, 47 (outono de 1993), pp. 593-610; Economist, 17/06/1995, pp. 38-39- 

31. Bahri Yilmaz, “Turkey \s New Role in International Politics”, Aussenpolitik, 45 (jan./1994), 94. 

423 

32. Eric Rouleau, “The Challenges to Turkey”, Foreign Affairs, 72 (nov.-dez./1993), 119. 

33- Rouleau, “Challenges", pp. 120-121; New York Times, 26/03/19989, p. 14. 

34. Ibid. 

35. Brown, “Question of Turkish identity”, p. 58. 

36. Sezer, “Turkey’s Grand Strategy", pp. 29-30. 

37. Ciller, “Turkey in ‘the New World”’, p. 9; Brown, “Question of Turkish Identity", p, 56; 
Tansu Ciller, “Turkey and NATO: Stability in the Vortex of Change”, NATO Review, 42 
(abr./1995), 6; Suleyman Demirel, BBC Summary of World fíroadcasts, 02/02/1994. Sobre 
outras utilizações da metáfora da ponte, ver Bruce R. Kuniholm, “Turkey and the West", 
Foreign Affairs , 70 (primavera de 1991), 39; Lesser, “Turkey and the West”, p. 33- 

38. Octavio Paz, “The Border of Time”, entrevista com Nathan Gardels, New Perspectives 
Qnarterly , 8 (inverno de 1991), 36. 

39 Sobre uma manifestação desta última preocupação, ver Daniel Patrick Moyniham, “Free 
Trade with an Unfree Society: A Commitment and its Consequences”, National Interest 
(verão de 1995), 28-33. 

40. Financial Times, 23/07/1994, p. 35; New York Times, 16/08/1992, p. 3. 

41. Economista 23/07/1994, p. 35; Irene Moss, Comissária para Direitos Humanos (Austrália), New York Times, 16/08/1992, p. 3; Economist, 23/07/1994, p. 35; Boston Globe, 07/07/1993, p. 2; Cable News NetWork, News Report, 16/12/1993; Richard Higgott, “Closing a Branch 
Office of Empire: Australian Foreign Policy and the UK at Century’s End”, International 
Affairs , 70 (jan./1994), 58. 

42. Jat Sujamiko, The Australian, 05/05/1993, p. 18, citado em Higgott, “Closing a Branch”, p. 62; Higgott, “Closing a Branch”, p. 63; Economist, 12/12/1993, p. 34. 

43. Transcrição, entrevista com Keniche Ohmae, 24/10/1994, pp. 5-6. Ver tb. Japan Times, 
07/11/1994, p. 19. 

44. Ex-embaixador Richard Woolcott (Austrália), New York Times, 16/08/1992, p. 3. 

45- Paul Kelly, “Reinventing Australia”, National Interest, 30 (inverno de 1992), 66; Economist, 11/12/1993, p. 34; Higgott, “Closing a Branch", p. 58. 

46. Lee Kuan yew, citado em Higgott, “Closing a Branch”, p. 49. 


Capítulo 7 

1. Economist, 14/01/1995, p. 45; 26/11/1994, p. 56, resumindo o artigo de Juppé no LeMonde, 18/11/1994; New York Times, 04/09/1994, p. 11. 

2. Michael Howard, “Lessons of the Cold War”, Survival, 36 (inverno de 1994), 102-103; Pierre Behar, “Central Europe: The New Lines of Fracture”, Geopolitique, 39 (ed. em inglês, 
ago./1992), 42; Max Jakobson, “Collective Security in Europe Today”, Washington Quar- 
terly, 18 (primavera de 1995), 69; Max Beloff, “Fault Lines and Steeples: The Divided 
Loyalties of Europe”, National Interest, 23 (primavera de 1991), 78. 

3. Andreas Oplatka, “Vienna and the Mirror of History", Geopolitique, 35 (ed. em inglês, 
outono de 1991), 25; Vytautas Landsbergis, “The Choice”, Geopolitique, 35 (ed. em inglês, 
outono de 1991), 3; New York Times, 23/04/1995, 5E. 

4. Cari Bildt, “The Baltic Litmus Test”, Foreign Affairs, 73 (set.-out./1994), 84. 

5. New York Times, 15/06/1995, p. AIO. 

6. RFE/RL Research Bulletin, 10 (16/03/1993), 1, 6. 

7. William D. Jackson, “Imperial Temptations: Ethnics Abroad”, Orbis, 38 (inverno de 1994) 
5. 

8. Ian Brzezinski, New York Times, 13/07/1994, p. A8. 

9. John F. Mearsheimer, “The Case for a Ukarinian Nuclear Deterrent: Debate”, Foreign Affairs, 
72 (verão de 1993), 50-66. 

10. New York Times, 31/01/1994, p. A8. 

11. Citado em Ola Tunander, “New European Dividing Lines?”, em NorwayFacing a Changing 
Europe: Perspectives and Options, org Valter Angell (Oslo: Norwegian Foreign Policy Studies 
n. 79, Fridtjof Nansen Institute e outros, 1992), p. 55. 

12. John Morrison, “Pereyaslav and After: the Russian-Ukrainian Relationship”, International 
Affairs, 69 (out./1993), 677. 

13. The Chinese World Order: Tradüional China’s Foreign Relations, org. John King Fairbank 
(Cambridge: Harvard Unversity Press, 1968), pp. 2-3- 

14. Perry Link, “The Old Man’s New China”, New York Review of Books, 09/06/1994, p. 32. 

15. Perry Link, “China’s ‘Core’ Problem”, Daedalus, 122 (primavera de 1993), 205, Weiming 
Tu, “Cultural China: The Periphery as the Center", Daedalus, 120 (primavera de 1991), 22; 
Economist, 08/07/1995, pp. 31-32. 

16. Economist, 27/11/1993, p. 33; 17/07/1993, p. 61. 

17. Economist, 27/11/1993, p. 33; Yoichi Funabashi, “The Asianization of Asia”, Foreign Affairs„ 12 (nov.-dez./1993), 80. Ver, de modo geral, Murray Weidenbaum e Samuel Hughes, The 
Bamboo NetWork (Nova York: Free Press, 1996). 

18. Christopher Gray, citado no Washington Post , 01/12/1992, p. A30; Lee Kuan Yew, citado 
em Maggie Farley, “The Bamboo NetWork”, Boston Globe Magazine, 17/04/1994, p. 38; 
International Herald Tribune, 23/11/1993- 

19- International Herald Tribune, 23/11/1993; George Hicks e J. A. C. Mackie, “A Question of Identity: despite Media Hype, They Are Firmly Settled in Southeast Asia”, Far Eastem 
Economic Review, 14/07/1994, p. 47. 

20. Economist, 16/04/1994, p. 71; Nicholas D. Kristoff, “The Rise of China”, Foreign Affairs, 72 (nov.-dez./1993), 48; Gerrit W. Gong, “China’s Fourth Revolution”, Washington Quarterly, 17 (inverno de 1994), 37; Wall Street Journal, 17/05/1993, p. A7A; Murray L. Weidenbaum, Greater China: The Next Economic Superpower? (St. Louis: Washington University Center 
for the Study of American Business, Contemporary Issues Seires 57, fev./1993), pp. 2-3. 

21. Steven Mufson, Washington Post, 14/08/1994, p. A30; Newsweek, 19/07/1993, p. 24; 
Economist, 07/05/1993, p. 35. 

22. Ver Walter C. Clemens, Jr. e Jun Zhan, “Chiang Ching-Kuo’s Role in the ROC-PRC 
Reconciliation”, American Asian Review, 12 (primavera de 1994), 151-154. 

23- Koo Chen Foo, citado na Economist, 01/05/1993, p. 31; Link, “Old Man’s New China”, p. 
32. Ver “Cross-Strait Relations: Historical Lessons”, Free China Review, 44 (out./1994), 42-52; Gong, “China’s Fourth Revolution”, p. 39; Economist, 02/07/1994, p. 18; Gerald Segai, “China’s Changing Shape: The Muddle Kingdom?”, Foreign Affairs, 73 (nov.-dez./1994), 
115; Wall Street Journal, 17/05/1993, p. AtA; Free China Journal, 29/07/1994, p. 1. 

24. Economist, 10/07/1993, pp. 28-29; 02/04/1994, pp. 34-35; International Herald Tribune, 
23/11/1993; Wall Street Journal, 17/05/1993, p. A7A. 

25. Ira M. Lapidus, History of Islamic Societies (Cambridge, GB: Cambridge University Press, 

1988), p. 3. 

26. Mohamed Zahi Mogherbi, “Tribalism, Religion and the Challenge of Political Participation: the Case of Libya”, monografia apresentada à Conferência sobre os Desafios Democráticos no Mundo Árabe, Centro para Estudos Políticos e de Desenvolvimento Internacional, Cairo, 
22-27/09/1992, pp. 1, 9; Economist, (Survey of the Arab east), 06/02/1988, p. 7; Adlan A. 
El-Hardallo, “Sufism and Tribalism: The Case of Sudan”, monografia preparada para a 
Conferência sobre os Desafios Democráticos no Mundo Árabe, Centro para Estudos 
Políticos e de Desenvolvimento Internacional, Cairo, 22-27/09/1992, p. 2; Economist, 
30/10/1987, p. 45; John Duke Anthony, “Saudi Arabia: From Tribal Society to Nation-State", 
em Saudi Arabia, Energy, Developmental Planning, and Industrialization, org. Ragaei El 
Mellakh e Dorothea H. El Mellakh (Lexington, MA: Lexington, 1982), pp. 93-94. 

27. Yalman Onaran, “Economics and Nationalism: The Case of Muslim Central Asia”, Central 
Asian Survey, 13 (n. 4, 1994), 493; Denis Dragounski, “Threshold of Violence”, Freedom 
Review, 26 (mar.-abr./1995), 12. 

424 

425 

28. Barbara Daly Metcalf, “The Comparative Study of Muslim Societies", Items, 40 (mar./1986), 3- 

29. Metcalf, “Muslim Societies”, p. 3 

30. Boston Globe, 02/04/1995, p. 2. Sobre a PAIC em geral, ver “The Popular Arab and Isiamic Conference (PAIC): A New Islamist International?”, TransstateIslam, 1 (primavera de 1995), 12 - 16 . 

31. Bemard Schechterman e Bradford R. McGuinn, “Linkages Between Sunni and Shií Radical 
Fundamentalist Organizations: A New Variable in Middle Eastem Politics?”, The Political 
Chronicle, 1 (fev./1989), 22-34; New York Times, 06/12/1994, p. 5. 


Capítulo 8 

1. Georgi Arbatov, “Neo-Bolsheviks of the I.M.F.”, New York Times ; 07/05/1992, p. A27. 

2. Opiniões norte-coreanas resumidas por um experiente analista norte-americano, Washing¬ 
ton Post, 12/06/1994, p. Cl; general indiano citado por Les Aspin em “From Deterrence to 
Denuking: Dealing with Proliferation in the 1990’s”, Memorando, 18/02/1992, p. 6. 

3. Lawrence Freedman, “Great Powers, Vital Interests and Nuclear Weapons”, Survival, 36 
(inverno de 1994), 37; Les Aspin, Comentários, National Academy of Sciences, Committee 
on International Security and Arms Control, 07/12/1993, p. 3. 

4. Stanley Norris citado, Boston Globe , 25/11/1995, p. 1, 7; Alastair Iain Johnson, “China’s New ‘Old Thinking’: The Concept of Limited Deterrence”, International Security ; 20 (inverno de 1995-96), 21-23- 

5. Philip L. Ritcheson, “Iranian Military Resurgence: Scope, Motivations, and Implications for Regional Security”, Armed Forces and Society, 21 (verão de 1995), 575-576; Discurso de 
Warren Christopher, Kennedy School of Government, 20/01/1995; Time, 16/12/1991, p. 
47; Ali Al-Amin Mazrui, Cultural Forces in World Politics (Londres: J. Currey, 1990), pp. 220, 224. 

6. New York Times , 15/11/1991, p. Al; 21/02/1992, p. A9; 12/12/1993, p-1; Jane Teufel Dreyer, “U.S./China Military Relations: Sanctions or Rapprochement?”, In Depth, 1 (primavera de 1991), 17-18; Time, 16/12/1991, p. 48; Boston Globe, 05/02/1994, p. 2; Monte R. Bullard, “U.S.-China RelationsThe Strategic Calculus”, Parameters , 23 (verão de 1993), 88. 

7. Citado em Karl W. Eikenberry, Explaining and Influencing Chinese Arms Transfers 
(Washington, D.C.: National Defense University, Institute for Strategic Studies, McNair Paper n. 36, fev./1995), p. 37; declaração do governo paquistanês, Boston Globe, 05/12/1993, p. 19; R- Bates GUI, “Curbing Beijing’s Arms Sales”, Orbis, 36 (verão de 1992), p. 386; Chong-pin Lin, “Red Army”, New Republic, 20/11/1995, p. 28; New York Times , 08/05/1992, p. 31. 

8. Richard A. Bitzinger, “Arms to Go: Chinese Arms Sales to the Third World”, International Security , 17 (outono de 1992), p. 87; Philip Ritcheson, “Iranian Military Resurgence”, p. 576, 578; Washington Post, 31/10/1991, p. Al, A24; Time, 16/12/1991, p. 47; New York Times, 18/04/1995, p. A8; 28/11/1995, p. 1; 30/09/1995, p. 4; Monte Bulard, “U.S.-China Relations”, p. 88; New York Times, 22/06/1995, p. 1; Gill, “Curbing Beijing’s Armas”, p. 388; New York Times, 08/04/1993, p. A9; 20/06/1993, p. 6. 

9- John E. Reilly, “The Public Mood at Mid-Decade”, Foreign Policy, 98 (primavera de 1995), p. 83; Executive Order [Ordem Presidencial n a ] 12930, 29/09/1994; Executíve Order 12938, 14/11/1994. Essas duas ampliaram a Executive Order 12735, de 16/11/1990, baixada pelo 
presidente Bush ao declarar uma emergência nacional com relação a armas químicas e 
biológicas. 

10. James Fallows, “The Panic Gap: Reactions to North Korea’s Bomb”, National Interest, 38 
(inverno de 1994), 40-45; David Sanger, New York Times„ 12/06/1994, pp. 1, 16. 

11. New York Times, 26/12/1993, p. 1. 

12. Washington Post, 12/05/1995, p. 1. 

13. Bilahari Kausikan, “Asia\s Different Standard”, Foreign Policy, 92 (outono de 1993), 28-29- 


14. Economist, 30/07/1994, p. 31; 05/03/1994, p. 35; 27/08/1994, p. 51; Yash Ghai, “Human 
Rights and Govemance: The Asian Debate” (Asia Foundation Center for Asian Pacific Affairs, 
Occasional Paper n. 4, nov./1994), p. 14. 

15. Richard M. Nixon, Beyond Peace (Nova York: Random House, 1994), pp. 127-128. 

16. Economist, 04/02/1995, p. 30. 

17. Charles J. Brown, “In the Trenches: The Battle Over Rights”, Freedom Review, 24 
(set. -out./1993), 9; Douglas W. Payne, “Showdown in Vienna”, ibid., pp. 6-7. 

18. Charles Norchi. “The Ayatollah and the Author: Rethinking Human Rights”, Yale Journal 
of World Affairs, 1 (verão de 1989), 16; Kausikan, “Asia ? s Different Standard”, p. 32. 

19. Richard Cohen, The Earth Times, 02/08/1993, p. 14. 

20. New York Times, 19/09/1993, p. 4E; 24/09/1993, pp. 1, B9, Bl6; 09/09/1994, p. A26; 
Economist, 21/09/1993, p. 75; 18/09/1993, pp. 37-38; Financial Times, 25-26/09/1993, p. 
11; Straits Times, 14/10/1993, p. 1. 

21. Os dados e citações são de Myron Weiner, Global Migration Crisis (Nova York: Harper 
Collins, 1995), pp. 21-28. 

22. Weiner, Global Migration Crisis, p. 2 

23. Stanley Hoffmann, “The Case for Leadership”, Foreign Policy, 81 (inverno de 1990-91), 30. 

24. Ver B. A. Robertson, “Islam and Europe: An Enigma or a Myth?”, Middle East Journal, 48 
(primavera de 1994), p. 302; New York Times, 05/12/1993, p. 1; 05/05/1995, p. l;Joel Klotkin e Andries van Agt, “Bedouins: Tribes That Have Made It”, New Perspectives Quarterly, 8 
(outono de 1991), p. 51; Judith Miller, “Strangers at the Gate”, New York Times Magazine, 
15/09/1991, p. 49- 

25. International Herald Tribune, 29/05/1990, p. 5; New York Times, 15/09/1994, p. A21. A 
pesquisa de opinião francesa foi patrocinada pelo governo francês, a alemã pelo Comitê 
Judeu Norte-americano. 

26. Ver Hans-George Betz, “The New Politics of Resentment: Radical Right-Wing Populist 
Parties in Western Europe”, Comparative Politics, 25 (jul./1993), 413-427. 

27. International Herald Tribune, 28/06/93, p. 3; Wall Street Journal, 23/05/1994, p. Bl; 
Lawrence H. Fuchs, “The Immigration Debate: Little Room for Big Reforms”, American 
Experiment, 2 (inverno de 1994), 6. 

28. James C. Clad, “Slowing the Wave”, Foreign Policy, 95 (verão de 1994), 143; Rita J. Simon e Susan H. Alexander, The Ambivalent Welcome: PrintMedia, Public Opinion and Immigra- 
tion (Westport, CT: Praeger, 1993), p. 46. 

29. New York Times, 11/06/1995, p. E14. 

30. Jean Raspail, The Camp of the Saints (Nova York: Scribner, 1975) e Jean-Claude Chesnais, Le Crépuscule de TOccident: Démographie et Politique (Paris: Robert Laffont, 1995); Pierre Lellouche, citado em Miller, “Strangers at the Gate”, p. 80. 

31. Philippe Fargues, “Démographie Explosion or Social Upheaval?”, em Democracy Without 
Democrats? The Renewal of Politics in the Muslim World, org. Ghassan Salame (Londres: I. 
B. Taurus, 1994), p. 157 e ss. 


Capítulo 9 

1. Adda B. Bozeman, Strategic Intelligence and Statecraft: Selected Essays (Washington: 
Brassey’s, 1992), p. 50; Barry Buzan, “New Pattems og Global Security in the Twenty-first 
Century”, International Affairs, 67 (jul./199D, 448-449. 

2. John L. Esposito, The Isiamic Threat: Myth orRealíty? (Nova York: Oxford University Press, 
1992), p. 46. 

3. Bemard Lewis, Islam and the West (Nova York: Oxford University Press, 1993), p. 13 

4. Esposito, Isiamic Threat, p. 44. 

426 

5. Daniel Pipes, In the Path of God: Islam and Political Power (Nova York: Basic Books, 1993), 102-103, 169-173; Lewis F. Richardson, Statistics of Deadly Quarrels { Pittsburgh: Boxwood Press, 196o), pp. 235-237. 

6. Ira M. Lapidus, A History oflslamic Societies (Cambridge: Cambridge University Press, 1988), pp. 41-42; princesa Anna Comnema, citada em Karen Armstrong, Holy War: The Crusades 
and Their Impact on Today’s World (Nova York: Doubleday-Anchor, 1991), pp- 3-4, e em 
Amold J. Toynbee, Study of History (Londres: Oxford University Press, 1954), VIII, p. 390. 

7. Barry Buzan, “New Pattems”, pp. 448-449; Bemard Lewis, “The Roots of Muslim Rage: Why 
So Many Muslims Deeply Resent the West and Why Their Bittemess Will Not Be Easily 
Mollified”, Atlantic Monthly, 266 (set./1990), 60. 

8. Mohamed Sid-Ahmed, “Cybemetic Colonialism and the Moral Search”, New Perspectives 
Quarterly, 11 (primavera de 1994), 19; M. J. Akbar, citado na Time, 15/06/1992, p. 24; 
Abdelwahab Belwahl, citado ihid, p. 26. 

9. William H. McNeill, “Epilogue: Fundamentalism and the World of the 1990’s”, em 
Fundamentalisms and Society: Reclaiming the Sciences, the Family, and Education , org. 
Martin E. Marty e R. Scott Appleby (Chicago: University of Chicago Press), p. 569. 

10. Fatima Memissi, Islam and Democracy: Fear of the Modem World (Reading, MA: Addison- 
Wesley, 1992). 

11. Para ter uma seleção desses relatórios, ver Economist, 01/08/1992, pp. 34-35. 

12. American Public Opinion and U.S. Foreign Policy 1995 , org. John E. Reilly (Chicago: 
Chicago Council on Foreign Relations, 1995), p. 21; LeMonde, 20/09/91, p. 12, citado em 
Margaret Blunden, “Insecurity on Europe’s Southern Flank”, Survival, 36 (verão de 1994), 
138; Richard Morin, Washington Post (edição semanal nacional) 08-14/11/1993, p. 37; 
Foreign Policy Association, National Opinion Ballot Report, nov./1994, p. 5. 

13- Boston Globe , 03/06/1994, p. 18; John L. Esposito, “Symposium: Resurgent Islam in hte 
Middle East”, MiddleEastPolicy3 (n. 2/1994), 9; InternationalHerald Tribune, 10/05/1994, 
pp. 1, 4; Christian Science Monitor, 24/02/1995, p. 1. 

14. Robert Ellsworth, Wall Street Journal, 01/03/1995, p. 15; William T. Johnsen, NATOs New Front Une: The Growing Importance of the Southern Tier (Carlisle Barracks, PA: Strategic 
Studies Institute, U.S. Army War College, 1992), p. vii; Robbin Laird, French Security Policy in Transition: Dynamics ofContinuity and Change (Washington, D.C.: Institute for National Strategic Studies, McNair Paper No. 38, mar./1995), pp. 50-52. 

15. Ayatollah Ruhollah Khomeini, Islam and Revolution (Berkeley, CA: Mizan Press, 1981), 
p. 305. 

16. Economist, 23/11/1991, p. 15. 

17. Barry Buzan e Gerald Segai, “Rethinking East Asian Security”, Survival, 36 (verão de 1994), 15. 

18. Can China’s Armed Forces Win the Next War?, trechos traduzidos e publicados por Ross 
H. Munro em, “Eavesdropping on the Chinese Military: Where It Expects War — Where It 
Doesn’t”, Orbis, 38 (verão de 1994), 365. Os autores desse texto concluíram dizendo que 
o emprego da força armada contra Taiwan “seria uma decisão muito pouco inteligente”. 

19. Buzan e Segai, “Rethinking East Asian Security”, p. 7; Richard K. Betts, “Wealth, Power and Instability: East Asia and the United States After the Cold War”, International Security, 18 (inverno de 1993-94), 34-77; Aaron L. Firedberg, “Ripe for Rivalry: Prospects for Peace in Multipolar Asia”, International Security, 18 (inverno de 1993-94), 5-33. 

20. Can China's Armed Forces Win the Next War?, trechos traduzidos por Munro em 
“Eavesdropping on the Chinese (...)”, p. 355 e ss.; New York Times, 16/11/1993, p. A6; 
Friedberg, “Ripe for Rivalry”, p. 7. 

21. Desmond Bali, “Arms and Affluence: Military Acquisitions in the Asia-Pacific Region”, 
International Security, 18 (inverno de 1993-94), 95-111; Michael T. Klare, “The Next Great 
Arms Race”, Foreign Affairs, 72 (verão de 1993), 137 e ss.; Buzan e Segai, “Rethinking East 
Asian Security”, pp. 8-11; Gerald Segai, “Managing New Arms Races in the Asia/Pacific”, 
Washington Quarterly, 15 (verão de 1992), 83-102; Economist, 20/02/1993, pp. 19-22. 




22. Ver, por exemplo, Economist, 26/06/1993, p. 75; 24/07/1995, p. 25; Time, 03/07/1995, pp. 30-31; e sobre a China, Jacob Heilbrunn, “The Next Cold War", NewRepublic , 20/11/1995, 
27 e ss. 

23- Sobre debates das variedades de guerras comerciais e quando elas podem levar a guerras 
militares, ver David Rowe, Trade Wars and International Security: The Political Economy 
of International Economic Conflict (Working Paper n. 6, Project on the Changing Security 
Environment and American National Interests, John M. Olin Institute for Strategic Studis, 
Harvard University, jul./1994), p. 7 e ss. 

24. New York Times ; 06/07/1993, p. Al ; Time, 10/02/1992, p. 16 e ss.; Economist, 17/02/1990, pp. 21-24, Boston Globe, 25/11/1991, p. 1, 8; Dan Oberdorfer, Washington Post, 01/03/1992, p. Al. 

25. Citado no New York Times, 21/04/1992, p. AIO; New York Times „ 22/09/1991, p. E2; 
21/04/1992, p. Al; 19/09/1991, p. A7; 01/08/1995, p. A2; International Herald Tribune, 
24/08/1995, p- A2, citando relato de David Shambaugh sobre entrevistas em Pequim. 

26. Donald Zagoria, American Foreign Policy Newsletter, out./1993, p- 3; Can China’sArmed 
Forces Win the Next War?, em Munro, “Eavesdropping on the Chinese Military”, p. 355 e ss. 

27. Roger C. Altman, “Why Pressure Tokyo? U.S.-Japan Rift”, Foreign Affairs, 73 (mai- 
jun./1994), p. 3; Jeffrey Garten, “The Clinton Asia Policy”, International Economy, 8 
(mar. -abr./1994), 18. 

28. Edward J. Lincoln, Japan ’s Unequal Trade, (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1990), pp. 2-3. Ver Fred Bergsten e Marcus Noland, Reconcilable Differences? United States-Japan Economic Conflict (Washington: Institute for International Economics, 1993); Eisuke 
Sakakibara, “Less Like You”, International Economy (abr.-mai./1990), 36, em que distingue 
a economia de mercado capitalista norte-americana da economia de mercado não-capitalis- 
ta japonesa; Marie Anchordoguy, “Japanese-American Trade Conflict and Supercomputers”, 
Political Science Quarterly, 109 (primavera de 1994), 36, citando Rudiger Dombusch, Paul 
Krugman, Edward J. Lincoln e Mordechai E. Kreinin; Eamonn Fingleton, “Japan’s Invisible 
Leviathan”, Foreign Affairs, 74 (mar.-abr./1995), p. 70. 

29- Para um bom resumo de diferenças em cultura, valores, relações sociais e atitudes, ver 
Seymour Martyin Lipset, American Exceptionalism: A Double-Edged Sword (Nova York: W. 
W. Norton, 1996), capítulo 7, “American Exceptionalism —Japaneses Uniqueness”. 

30. Washington Post, 05/05/1994, p. A38; Daily Telegraph, 06/05/1994, p. 16; Boston Globe, 
06/05/1994, p. 11; New York Times, 13/02/1994, p. 10; Karl D. Jackson, “How to Rebuild 
America’s Stature in Asia”, Orbis, 39 (inverno de 1995), 14; Yohei Kono, citado em Chalmers Johnson e E. B. Keehn, “The Pentagons Ossified Strategy”, Foreign Affairs, 74 (jul.- 
ago./1995), 106. 

31. New York Times, 02/05/1994, p. AIO. 

32. Barry Buzan e Gerald Segai, “Asia: Skepticism About Optimism”, National Interest, 39 
(primavera de 1995), 83-84; Arthur Waldron, “Deterring China”, Commentary , 100 
(out./1995), 18; Nicholas D. Kristof, “The Rise of China”, Foreign Affairs, 72 (nov.- 
dez./1993), 74. 

33- Stephen P. Walt, “Alliance Formation in Southwest Asia: Balancing and Bandwagoning in 
Cold War Competition”, em Dominoes and Bandwagons: Strategic Beliefs and Great Power 
Competition in theEurasian Rimland, org. Robert Jervis ejack Snyder (Nova York: Oxford 
University Press, 1991), pp. 43, 69. 

34. Randall L. Schweller, “Bandwagoning for Profit: Bringing the Revisionist State Back In”, International Security, 19 (verão de 1994), 72 e ss. 

35 - Lucian W. Pye, Dynamics of Factions and Consensos in Chinese Politics: A Model and Some Propositions (Santa Monica, CA: Rand, 1980), p. 120; Arthur Waldron, Frorn War to 
Nationalism: China ’s TumingPoint, 1924-1925 ( Cambridge: Cambridge University Press, 
1995), pp. 48-49, 212; Avery Goldstein, Frorn Bandwagon to Balance-of-Power Politics: 
Structures Constraints in Politics in China, 1949-1978 (Stanford, CA: Stanford University 
Press, 199D, pp. 5-6, 35 e ss. Ver tb. Lucian W. Pye, “Social Science Theories in Search of Chinese Realitíes”, China Quarterly ; 132 (dez./1992), 1161-1171. 

36. Samuel S. Kim e Lowell Dittmer, “Whither China s Quest for National Identity”, em China’s Quest for National Identity ; org. Lowell Dittmer e Samuel S. Kim (Ithaca, NY: Comell 
University Press, 1991), p. 240; Paul Dibb, Towards a New Balance of Power inAsia (Londres: International Institute for Strategic Studies, Adelphi Paper 295, 1995), pp. 10-16; Roderick MacFarquhar, “The Post-Confucian Challenge”, Economist, 09/02/1980, pp. 67-72; Kishore Mahbubani, “The Pacific Impulse”, Survival, 37 (primavera de 1995), 117; James L. 
Richardson, “Asia-Pacific: The Case for Geopolitical Optimism”, National In teres t, 38 
(inverno de 1994-95), 32; Paul Dibb, Towards a New Balance , p. 13. Ver Nicola Baker e 
Leonard G. Ssebastian, “The Problem with Parachuting Strategic Studies and Security in the 
Asia/Pacific Region”, Journal of Strategic Studies , 18 (set./1995), 15 e ss., que contém um amplo debate da inaplicabilidade à Ásia de concepções de base européia, tais como balança de poder e o dilema de segurança. 

37. Economist, 23/12/1995; 05/01/1996, pp. 39-40. 

38. Richard K. Betts, “VietnanYs Strategic Predicament”, Survival , 37 (outono de 1995), 6l e ss., 76. 

39. New York Times ; 12/11/1994, p. 6; 24/11/1994, p. Al 2; International Herald Tribune, 
08/11/1994, p. 1; Michael Oksenberg, Washington Post, 03/09/1995, p. Cl. 

40. Jitsuo Tsuchyama, “The End of the Alliance? Dilemmas in the U.S.-Japan Relations” 
(monografia não publicada, Harvard University, John M. Olin Institute for Strategic Studies, 1994), pp. 18-19- 

41. Ivan P. Hall, ‘Japan's Asia Card”, National Interest, 38 (inverno de 1994-95), 26; Kishore Mahbubani, “The Pacific Impulse”, p. 117. 

42. Mike M. Mochikuzi, “Japan and the Strategic Quadrangle”, em The Strategic Quadrangle: 
Ruassia, China Japan, and the United States in East Asia, org. Michael Mandelbaum (Nova 
York: Council on Foreign Relations, 1995), pp. 130-139; pesquisa de opinião feita pelo 
Asahi Shimbun e reportada no Christian Science Monitor, 10/01/1995, p. 7. 

43. Financial Times ; 10/09/1992, p. 6; Samina Yasmeen, “Pakistan’s Cautious Foreign Policy”, Survival, 36 (verão de 1994), pp. 121, 127-128; Bruce Vaughn, “Shifting Geopolitical 
Realities Between South, Southwest and Central Asia”, CentralAsian Survey, 13 (n. 2/1994), 
313; editorial no Hamshari, 30/08/1994, pp. 1, 4, em FBIS-NES-94-173 , 02/09/1994, p. 17. 

44. Graham E. Fuller, “The Appeal of Iran”, National Interest, 37 (outono de 1994), p. 95; 
Mu’ammar al-Qadhdhafi, Sermão, Trípoli, Líbia, 13/03/1994, em FBIS-NES-94-049 
14/03/1994, p. 21. 

45. Fereidun Feshakari, East-West Center, Havaí, citado em New York Times, 03/04/1994, p. E3. 

46. Stephen J. Blank, Chatlenging the New World Order: The Arms Transfer Policies of the 
Russian Republic (Carlisle Barracks, PA: U.S. Army War Colege, Strategic Studies Institute 
1993), pp. 53-60. 

47. International Herald Tribune, 25/08/1995, p. 5. 

48. J. Mohan Malik, “índia Copes with the KremlüVs Fali”, Orbis 37 (inverno de 1993), 75. 

Capítulo 10 

1. Mahdi Elmandjra, Der Spiegel, 11/02/1991, citado em Elmandjra, “Cultural Diversity: Key 
to Survival in the Future” (Primeiro Congresso Mexicano de Estudos do Futuro, Cidade do 
México, 26-27/09/1994), pp. 3, 11. 

2. David C. Rapoport, “Comparing Militant Fundamentalist Groups”, em Fundamentalisms 
and The State: Remaking Polities, Economies, andMilitance, org. Martin E. Marty e R. Scott 
Appleby (Chicago: University of Chicago Press, 1993), p. 445. 

3. Ted Galen Carpenter, “The Unintended Consequences of Afghanistan”, World Policy 
Journal, 11 (primavera de 1994), 78-79, 81, 82; Anthony Hyman, “Arab Involvement in the 
Afghan War”, BeirutReview, 1 (primavera de 1994), 78, 82; Mary Anne Weaver, “Letter from 
Pakistan: Children of the Jihad”, New Yorker ; 12/06/1995, p. 1; 28/03/1993, P- 14. 

4. Tim Weiner, “Blowback from the Afghan Battlefield”, New York Times Magazine, 
13/03/1994, p. 54. 

5. Harrison J. Goldin, New York Times, 28/08/1992, p. A25. 

6. James Piscatori, “Religion and Realpolitik: Islamic responses to the Gulf War”, em Islamic Fundamentalisms and the Gulf Crisis, org. James Psicatori (Chicago: Fundamentalism 
project, American Academy of Arts and Sciences, 1991), pp. 1, 6-7. Ver tb. Fatima Memissi, 
Islam and Democracy :■ Fear of the modem World (Reading, MA: Addison-Wesley), 
pp. 16-17. 

7. Rami G. Khouri, “Collage of Comment: The Gulf War and the Mideast Peace; The Appeal 
of Saddam Hussein”, New Perspectives Qaarterly , 8 (primavera de 199D, 56. 

8. Ann Mosely Lesch, “Contrasting Reactions to the Persian Gulf Crisis”: Egypt, Syria, Jordan, and the Palestinians”, Middle East Journal, 45 (inverno de 1991), p- 43; Time, 03/12/1990, p. 70; Kanan Makiya, Cruelty and Silence: War, Tyranny, Uprising and the Arab World 
(Nova York: W. W. Norton, 1993), p. 242 e ss. 

9. Eric Evans, “Arab Nationalism and the Persian Gulf War”, Harvard Middle Eastem and 
Islamic Review, 1 (fev./1994), p. 28; Sari Nusselbeh, citado na Time, 15/10/1990, pp. 54-55. 

10. Karin Haggag, “One Year Aiter the Storm”, Civil Society (Cairo), 5 (mai./1992), 12. 

11. Boston Globe, 19/02/1991, p. 7; Safar al-Hawali, citado por Mamoun Fandy, New York Times, 24/11/190, p. 21; rei Hussein, citado por David S. Landes, “Islam Dunk: the Wars of Muslim Resentment”, NewRepubic, 08/04/1991, pp. 15-16; Fatima Memissi, Islam and Democracy, 
p. 102. 

12. Safar Al-Hawali, “Infidels, Without and Within”, New Perspectives Quarterly , 8 (primavera de 1991), 51. 

13- New York Times, 01/02/1991, p. A7; Economist, 02/02/1991, p. 32. 

14. WashingtonPost, 29/01/1991, p. AIO; 24/02/1991, p. Bl; New YorkTimes, 20/10/1990, p. 4. 

15. Citado no Saturday Star (Johannesburgo), 19/01/1991, p- 3; Economist, 26/01/1991, 
pp. 31-33. 

16. Sohail H. Hasmi, revisto por Mohammed Haikal, “Illusions of Triumph”, Harvard Middle 
Eastem and Islamic Review, 1 (fev./1994), 107; Memissi, Islam and Democracy, p. 102. 

17. Shibley Telhami, “Arab Public Opinion and the Gulf War”, Political Science Quarterly, 108 (outono de 1993), 451. 

18. International Herald Tribune, 28/06/1993, p. 10. 

19. Roy Licklider, “The Consequences of Negotiated Settlements in Civil Wars, 1945-93”, 
American Political Science Review, 89 (set./1995), 685, que define as guerras comunitárias 
como “guerras de identidade", e Samuel P. Huntington, “Civil Violence and the Process of 
Development”, em Civil Violence and the International System (Londres: International 
Institute for Strategic Studies, Adelphi Paer n. 83, dez./1971), 12-14, que cita como as cinco características principais das guerras comunitárias um alto grau de polarização, ambivalên¬ cia ideológica, particularismo, grande dose de violência e longa duração. 

20. Essas estimativas provêm de relatos em jornais e de Ted Robert Gurr e Barbara Harff, Ethnic Conflictin World Polities (Boulder: Westview Press, 1994), pp. 160-165. 

21. Richard H. Shultz, Jr. e William J. Olson, Ethnic and Religious Conflict: Emerging Threat to U.S. Security (Washington, D.C.: National Strategy Information Center), p. 17 e ss.; H. D. S. Greenway, Boston Globe, 03/12/1992, p. 19. 

22. Roy Licklider, “Settlements in Civil Wars”, p. 685; Gurr e Harff, Ethnic Conflict, p. 11; Trent N. Thomas, “Global Assessment of Current and Future Trends in Ethnic and Religious Conflict”, em Ethnic Conflict and Regional Instability: Implicationsfor U.S. Policy and Army Roles and Missions, org. Robert L. Pfaltzgraff, Jr. e Richard H. Shultz, Jr. (Carlisle Barracks, PA: Strategic Studies Institute, U.S. Army War College, 1994), p. 36. 

23. Ver Shultz e Olson, Ethnic and Religious Conflict, pp. 3-9; Sugate Bose, “Factors Causing Proliferation of Ethnic and Religious Conflict”, em Ethnic Conflict and Regional Instability, 

430 

431 

org. Pfaltzgraff e Shultz, pp. 43-49; Michael E. Brown, “Causes and Implications of Ethnic 
Conflict”, em Ethnic Conflict and International Security, org. Michael E. Brown (Princeton: Princeton University Press, 1993), pp. 3-26. Sobre o contra-argumento de que os conflitos étnicos não aumentaram desde o fim da Guerra Fria, ver Thomas, “Global Assessment of 
Current and Future Trends in Ethnic and Religious Conflict”, pp. 33-41. 

24. Ruth Leger Sivard, World Military and Social Expenditures 1993 (Washington, D.C.: World Priorities, Inc., 1993), pp. 20-22. 

25- James L. Payne, Why Nations Arm (Oxford: B. Blackwell, 1989), P- 124. 

26. Christopher B. Stone, “Westphalia and Hudaybiyya: A Survey of Islamic Perspectives on 
the Use of Force as Conflict Managemente Technique” (monografia não publicada, Harvard 
University), pp. 27-31, e Crises in the Twentieth Century , org. Jonathari Wilkenfeld, Michael Brecher e Sheila Moser (Oxford: Pergamon Press, 1988-89), II, 16, l6l. 

27. Gary Fuller, “The Demographic Backdrop to Ethnic Conflict: A Geographic OverView”, em 
The Challenge of Ethnic Conflict to National and International Order in the 1990’s: 
Geographic Perspectives, Central Intelligence Agency (Washington, D.C: Central Intelligen- 
ce Agency, RTT 95-10039, out./1995), pp. 151-154. 

28. New York Times ; 16/10/1994, p. 3; Economist, 05/08/1995, p. 32. 

29- Departamento de Informação Econômica e Social das Nações Unidas, Divisão de População 
das Nações Unidas, World Population Prospects: The 1994 Revision (Nova York: Nações 
Unidas, 1995), pp. 29, 51; Denis Dragounski, “Threshold of Violence”, Freedom Review, 26 
(mar.-abr./1995), 11. 

30. Susan Woodward, Balkan Tragedy: Chãos andDissolution afler the Cold War (Washington, 
D.C.: Brookings Institution, 1995), pp. 32-35; Branka Magas, The Destruction ofYugoslavia: 
Tracking theBreakup 1980-92 (Londres: Verso, 1993), pp. 6, 19. 

31. Paul Mojzes, Yugoslavian Inferno: Ethnoreligious Warfare in the Balkans (Nova York: 
Continuum, 1994), pp. 95-96; Magas, Destruction of Yugoslavia, pp. 49-73; Aryeh Neier, 
“Kosovo Survives”, New York Review of Books, 03/02/1994, p. 26. 

32. Aleksa Djilas, “A Profile of Slobodan Milosevic”, Foreign Affairs, 72 (verão de 1993), 83. 33- Woodward, Balkan Tragedy , pp. 33-35, com cifras derivadas de recenseamentos iugoslavos 

e outras fontes; WilliamT. Johnsen, Deciphering the Balkan Enigma: UsingHistorytolnform 
Policy (Carlisle Barracks: Strategic Studies Institute, 1993), p. 25, citando Washington Post, 06/12/1992, p. C2; New York Times, 04/11/1995, p. 6. 

34. Bogdan Denis Denitch, Ethnic Nationalism .■ The Tragic Death ofYugoslavia (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994), pp. 108-109. 

35. Payne, Why Nations Arm, pp. 125, 127. 

36. Middle East International, 20/01/1995, p. 2. 


Capítulo 11 

1. Roy Licklider, “The Consequences of Negotiated Settlements in Civil Wars, 1945-93", 
American Political Science Review, 89 (set./1995), 685. 

2. Ver Barry R. Posen, “The Security Dilemma and Ethnic Conflict”, em Ethnic Conflict and 
International Security, org. Michael E. Brown (Princeton: Princeton University Press, 1993), pp. 103-124. 

3. Roland Dannreuther, Creating New States in CentralAsia (International Institute for Strategic Studies/Brassey’s, Adelphi Paper n. 288, mar./1994), pp. 30-31; Dodjoni Atovullo, citado em Urzula Doroszewska, “The Forgotten War: What Really Happened in Tajikistan”, 
Uncaptive Minds, 6 (outono de 1993), 33. 

4. Economist, 26/08/1995, p. 43; 20/01/1996, p. 21. 

5. Boston Globe , 08/11/1993, p. 2; Brian Murray, “Peace in the Caucasus: Multi-Ethnic Stability in Dagestan”, Central Asian Survey, 13 (n. 4/1994), 514-515; New York Times, 11/11/1991, p- A7; 17/12/1994, p. 7; Boston Globe, 07/09/1994, p. 16 e ss. 


6. Raju G. C. Thomas, “Secessionist Movements in South Asia”, Survival, 36 (verão de 1994), 99, 101, 109; Stefan Wagstyl, “Kashmiri Conflict Destroys a ‘Paradise’”, Financial Times, 23-24/10/1993, p. 3- 

7. Alija Izetbegovic, The Islamic Declaration (199D, pp 23, 33. 

8. New York Times, 04/02/1995, p. 4; 15/06/1995, p. A12; 16/06/1995, p. A12. 

9. Economist, 20/01/1996, p. 21; New York Times, 04/02/1995, p. 4. 

10. Stojan Obradovic, “Tuzla: The Last Oásis”, Uncaptive Minds, 1 (outono-inverno de 1994), 12-13- 

11. Fiona Hill, Russia’$ Tinderbox: Conflict in the North Caucasus and Its Implications for the Future ofthe Russian Federation (Harvard University, John F. Kennedy School of Govern¬ ment, Strengthening Democratic Institutions Project, set./1995), p. 104. 

12. New York Times, 06/12/1994, p. A3. 

13. Ver Mojzes, Yugoslavian Inferno, cap. 7, “The Religious Componentes in Wars”; Denitch, 
Ethnic Nationalism: The Tragic Death ofYugoslavia, pp. 29-30, 72-73, 131-133; New York 
Times, 17/09/1992, p. A14; Misha Glenny, “Camage in Bosnia, for Starters”, New York Times, 
29/07/1993, p. A23. 

14. New York Times, 13/05/1995, p. A3; 07/11/1993, p. E4; 13/03/1994, p. E3; Boris Yeltsin, citado em Bamett R. Rubin, “The Fragmentation of Tajikistan”, Survival, 35 (inverno de 
1993-94), 86. 

15. New York Times, 07/03/1994, p. 1; 26/10/1995, p. A25; 24/09/1995, p. E3; Stanley Jeyaraja Tambiah, Sri Lanka: Ethnic Fratricide and The Dismantling of Democracy (Chicago: 
University of Chicago Press, 1986), p. 19. 

16. Khalid Duran, citado em Richard H. Shultz, Jr. e William J. Olson, Ethnic and Religious Conflict: Emerging Threatto U.S. Security (Washington, D.C.: National Strategy Information Center), p. 25. 

17. Khaching Toloyan, “The Impact of Diasporas in U.S. Foreign Policy”, em Ethnic Conflict 
and Regional Instability: Implications for U.S. Policy and Army Roles and Missions, org. 
Robert L. Pfaltzgraff, Jr. E Richard H. Shultz, Jr. (Carlisle Barracks, PA: Strategic Studies Institute, U.S. Army War College, 1994), p. 156. 

18. New York Times, 25/06/1994, p. A6; 07/08/1994, p. A9; Economist, 31/10/1992, p. 38; 
19/08/1995, p. 32; Boston Globe, 16/05/1994, p. 12; 03/04/1995, p. 12. 

19. Economist, 27/02/1988, p. 25; 08/04/1995, p. 34; David C. Rapoport, “The Role of Externai Forces in Supporting Ethno-Religious Conflict”, em Ethnic Conflict and Regional Instability, org. por Pfaltzgraff e Shultz, p. 64. 

20. Rapoport, “Externai Forces”, p. 66; New York Times, 19/07/1992, p. E3; Carolyn Fluehr-Lobban, “Protracted Civil War in the Sudan: Its Future as a Multi-Religious Multi-Ethnic State”, Fletcher Fortim of World Affairs, 16 (verão de 1992), 73- 

21. Steven R. Weisman, “Sri Lanka: A Nation Disintegrates”, New York Times Magazine, 
13/12/1987, p. 85. 

22. New York Times, 29/04/1984, p. 6; 19/06/1995, p. A3; 24/09/1995, p. 9; Economist, 
11/06/1988, p. 38; 16/08/1995, p. 29; 20/05/1995, p. 35; 04/11/1995, p. 39. 

23. Bemett Rubin, “Fragmentation of Tajikistan”, pp. 84, 88; New York Times, 29/07/1993, p. 11; Boston Globe, 04/08/1993, p- 4. Com relação ao desenvolvimento da guerra no 
Tadjiquistão, baseei-me em Bamett R. Rubin, “The Fragmentation of Tajikistan”, Survival, 
35 (inverno de 1993-94), 71-91; Roland Dannreuther, Creating New States in Central Asia 
(International Institute for Strategic Studies, Adelphi Paper No. 288, mar./1994); Hafizulla Emadi, “State, Ideology, and Islamic Resurgence in Takistan”, Central Asian Survey, 13 (n. 4/1994), 565-574, e em relatos de jornais. 

24. Urszula Doroszewska, “Caucasus Wars”, Uncaptive Minds, 1 (inverno-primavera de 1994), 
86. 

25. Economist ; 28/11/1992, p. 58; Hill, Rússia’s Tinderbox, p. 50. 

26. Moscow Times, 20/02/1995, p. 4; Hill, Rússia r s Tinderbox, p. 90. 

432 

27. Economist, 14/01/1995, p. 43 e ss.; Ato York Times, 21/12/1994, p. A18; 23/12/1994, p. Al, AIO; 03/01/1995, p. 1; 01/04/1995, p- 3; 11/12/1995, p. A6; Vicken Cheterian, “Chechnya and the Transcaucasian Republics”, Swiss Review of World Affairs ; fev./1995, pp. 10-11; 
Boston Globe, 05/01/1995, p. 1 e ss.; 12/08/1995, p. 2. 

28. Vera Tolz, “Moscow and Russia’s Ethnic Republics in the Wake of Chechnya”, Center for 
Strategic and International Studies, Post-Soviet Prospects, 3 (out./1995), 2; New York Times , 20/12/1994, p. A14. 

29. HilI, Russia’s Tinderbox ; p. 4; Dmitry Temin, “Decision Time for Rússia”, Moscow Times, 03/02/1995, p- 8. 

30. New York Times, 07/03/1992, p. 3; 24/05/1992, p. 7; Boston Globe , 05/02/1993; p. 1; Bahri Yilmaz, “Turkey’s New Role in International Politics”, Aussenpolitik, 45 (jan./1994), 95; Boston Globe, 07/04/1993, p- 2. 

31. Boston G/ote, 04/09/1993, p. 2; 05/09/1993, p. 2; 26/09/1993, p. 7; Ato Konk T/mes, 
04/09/93, p. 5; 05/09/1993, p. 19; 10/09/1993, p. A3. 

32. Ato Yor£ Times, 12/02/1993, p. A3; 08/03/1993, p. 20; 05/04/1993, p. A7; 15/04/1993, p. 
A9; Thomas Goltz, “Letter from Eurasia: Rússia’s Hidden Hand”, Foreign Policy, 92 (outono 
de 1993), 98-104; HilI and Jewett, Back in the USSR, p. 15. 

33. Fiona HilI and Pamela Jewett, Back in the USSR: Rússia ’s Intervention in the Internai Affairs of the Former Soviet Republics and the Implications for the United States Policy Toward Rússia (Harvard University, John F. Kennedy School of Government, Strengthening 
Democratic Institutions Project, jan./l994), p. 10. 

34. Ato York Times , 22/05/1992, p. A29; 04/08/1993, p. A3; 10/07/1994, p. E4; Boston Globe, 25/12/1993, p. 18; 23/04/1995, pp. 1, 23. 

35- Flora Lewis, “Between TV and the Balkan War”, Ato Perspectives Quarterly ; 11 (verão de 1994), 47; Hanns W. Maull, “Germany in the Yugoslav Crisis”, Survival, 37 (inverno de 
1995-96), 112; Wolfgang Krieger, “Toward a Gaullist Germany? Some Lessons from the 
Yugoslav Crisis”, World Policy Journal, 11 (primavera de 1994), 31-32. 

36. Misha Glenny, “Yugoslavia: The Grat Fali”, New York Review of Books, 23/03/1993, p. 61; Pierre Behar, “Central Europe: The New Lines of Fracture”, Geopolitique , 35 (outono de 
1991), p. 4. 

37. Pierre Behar, “Central Europe and The Balkans Today: Strengths and Weaknesses”, 
Geopolitique , 35 (outono de 1991), p. 33; New York Times, 23/09/1993, p. A9; Washington 
Post, 13/02/1993, p. 16; Janusz Bugajski, “Thejoy of War”, Post-Soviet Prospects (Center for Strategic and International Studies), 18/03/1993, p. 4. 

38. Dov Ronen, The Origins of Ethnic Conflict: Lessons from Yugoslavia (Australian National University, Research School of Pacific Studies, Working Paper n. 155, nov./1994), pp. 23-24; Bugajski, “Joy of War”, p. 3. 

39. Ato York Times, 01/08/1995, p. A6; 28/09/1995, pp. 1, 5; 05/08/1995, p. 4; Economist 
111/11/1995, pp. 48-49. 

40. Boston Globe , 04/01/1993, p. 5; 09/02/1993, p. 6; 08/09/1995, p. 7; 30/11/1995/ p. 13; New York Times, 18/09/1995, p. A6; 22/06/1993, p. A23; Janusz Bugajski, “Joy of War”, p. 4. 

41. Boston Globe, 01/03/1993, p. 4; 21/02/1993, p. 11; 05/12/1993, p. 30; Times (Londres), 
02/03/1993, p. 14; Washington Post, 06/11/1995, p. A15. 

42. New York Times, 02/04/1995, p. 10; 30/04/1995, p. 4; 30/07/1995, p. 8; 19/11/1995, p. E3. 

43. New York Times, 09/02/1994, p. A12; 10/02/1994, p. Al; 07/06/1995, p. Al; Boston Globe, 09/12/1993, p. 25; Europa Times, mai./1994, p. 6; Andreas Papandreou, “Europe Tums 
Left”, New Perspectives Quarterly, 11 (inverno de 1994), 53. 

44. New York Times,, 10/09/1995, p. 12; 13/09/1995, p. All; 18/09/1995, p. A6; Boston Globe, 08/09/1995, p. 2; 12/09/1995, p. 1; 10/09/1995, p. 28. 

45. Boston Globe, 16/12/1995, p. 8; New York Times, 09/07/1994, p. 2. 

46. Margaret Blunden, “Insecurity on Furope’s Southern Flank”, Survival, 36 (verão de 1994), 145; New York Times, 16/12/1993, p. A7. 

47. Fouad Ajami, “Under Western Eyes: The Fate of Bosnia” (Relatório preparado para a 
Comissão Internacional sobre os Bálcãs da “Camegie Endowment for International Peace 
e do “Aspen Institute”, abr./1996), p. 5 e ss.; Boston Globe, 14/08/1993, p. 2, Wall Street Journal, 17/08/1992, p. A4. 

48. Yilmaz, “Turkey’s New Role”, pp. 94, 97. 

49. Janusz Bugajski, “Joy of War”, p. 4; New York Times, 14/11/1992, p. 5; 05/12/1992, p. 1; 15/11/1993, p. 1; 18/02/1995, p. 3; 01/12/1995, p. A14; 03/12/1995, p. 1; 16/12/1995, p. 6; 24/01/1996, p. Al, A6; Susan Woodward, Balkan Tragedy: Chãos andDissolution afterthe Cold War (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1995), pp. 356-357; Boston Globe, 
10/11/1992, p. 7; 13/07/1993, p. 10; 24/06/1995, p. 9; 22/09/1995, p. 1, 15; Bül Gertz, 
Washington Tintes, 02/06/1994, p. Al. 

50. Jane’s Sentínel, citado em Economist, 06/08/1994, p. 41; Economist, 12/02/1994, p. 21; Ato York Times, 10/09/1992, p. A6; 05/12/1992, p. 6; 26/01/1993, p. A9; 14/09/1993, p. A14; 14/04/1994, p. 6; 15/04/1995, p. 3; 15/06/1995, p. A12; 03/02/1996, p. 6; Boston Globe, 
14/04/1995, p. 2; Washington Post, 02/02/1996, p. 1. 

51. Ato York Times, 23/01/1994, p. 1; Boston Globe, 01/02/1994, p. 8. 

52. Sobre a aquiescência norte-americana aos embarques de armas para os muçulmanos, ver 
New York Times,, 15/04/1995, p. 3; 03/02/1996, p. 6; Washington Post, 02/02/1996, p. 1; 
Boston Globe, 14/04/1995, p. 2. 

53. Rebecca West, Black Lamb and Grey Falcon: The Record of ajoumey through Yugoslavia 
in 1937 (Londres: Macmillan, 1941), p. 22, citada em Charles G. Boyd, “Making Peace with 
the Guilty: The Truth About Bosnia”, Foreign Affairs, 74 (set.-out./1995), 22. 

54. Citado em Timothy Garton Ash, “Bosnia in Our Future”, New York Review of Books, 
21/12/1995, p. 27; New York Times, 05/12/1992, p. 1. 

55. New York Times, 03/09/1995, p. 6E; Boston Globe, 11/05/1995, p. 4. 

56. Ver U.S. Institute of Peace, Sudan: Ending the War, Moving Talks Forward (Washington, 
D.C.: U.S. Institute of Peace Special Report, 1994); New York Times, 26/02/1994, p. 3. 

57. John J. Maresca, Warin the Caucastis (Washington: United States Institute of Peace, Special Report, sem data), p. 4. 

58. Robert D. Putnam, “Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two Levei Games”, 
International Organization , 42 (verão de 1988), 427-460; Samuel P. Huntington, The Third 
Wave: Democratization in the Late Twentieth Century (Norman, OK: University of 
Oklahoma Press, 1991), pp. 121-163- 

59. New York Times, 27/01/1993, p. A6; 16/02/1994, p. 47. Sobre a iniciativa russa de fevereiro de 1994, ver, de modo geral, Leonard J. Cohen, “Rússia and The Balkans: Pan-Slavism, 
Paitnership and Power”, International Journal, 49 (ago./1994), 836-845. 

60. Economist, 26/02/1994, p. 50. 

61. New York Times, 20/04/1994, p. A12; Boston Globe, 19/04/1994, p. 8. 

62. Ato York Times, 15/08/1995, p. 13- 

63 . HilI and Jewett, Back in the USSR, p. 12; Paul Henze, Geórgia and Armênia — Toward 
Independence (Santa Monica, CA: RAND P-7924, 1995), p. 5; Boston Globe, 22/11/1993, 
p. 34: 


Capítulo 12 

1. Amold J. Toynbee, A Study of History (Londres: Oxford University Press, 12 vols., 
1934-1961), VII, 7-17; Civüization on Trial: Essays (Nova York: Oxford University Press, 
1948), 17-18; Study of History, IX, 421-422. 

2. Matthew Melko, The Nature of Civilizations (Boston: Porter Sargent, 1969), p- 155. 

3. Carroll Quigley, The Evolution of Civilizations: An Introduction to Historícal Analysis (Nova 
York: Macmillan, 1961), p. 146 e ss. 

4. Quigley, Evolution of Civilizations, pp. 138-139, 158-160. 

435 

5. Mattei Dogan, ‘‘The Decline of Religious Beliefs in Western Europe”, International Social Science Journal , 47 (set./1995), 405-419. 

6. Robert Wuthnow, “índices of Religious Resurgence in the United States”, em Religious 
Resurgence: Contemporary Cases in Islam, Christianity, and Judaism, org. Rochard T. 
Antoun e Mary Elaine Hegland (Syracuse: Syracuse University Press, 1987), pp. 15 34; 
Economist ; 08/07/1995, pp. 19-21. 

7. Arthur M. Schlesinger, Jr., The Disuniting of America: reflections on a Multicultural Society (Nova York: W. W. Norton, 1992), pp. 66-67, 123. 

8. Citado em Schlesinger, Disuniting of America, p. 118. 

9. Gunnar Myrdal, An American Dilemma (Nova York: Harper & Bros., 1994), I, 3. Richard 
Hofstadter citado em Hans Kohn, AmericanNationalism: AnInterpretiveEssay (Nova York: 
Macmillan, 1957), p. 13- 

10. Takeshi Umehara, “Ancient Japan Shows Post-Modemism the Way”, New Perspectives 
Quarterfy, 9 (primavera de 1992), 10. 

11. James Kurth, “The Real Clash”, National Interest, 37 (outono de 1994), 3-15. 

12. Malcolm Rifkind, discurso, Pilgrihi Society, Londres, 15/11/1994 (Nova York: British 
Information Services, 16/11/1994), p. 2. 

13- International Herald Tribune , 23/05/1995, p. 13. 

14. Richard Holbrooke, “America: A European Power”, Foreign Affairs , 74 (mar.-abr./1995), 
49. 

15. Michael Howard, America and the World (St. Louis: Washington University, a Annual Lewin Lecture, 05/04/1984), p. 6. 

16. Schlesinger, Disuniting of America, p. 127. 

17. Sobre uma declaração dos anos 90 a respeito desse interesse, ver “Defense Planning 
Guidance for the Fiscal Years 1994-1999”, minuta, 18/02/1992; New York Times, 08/03/1992, 
p. 14. 

18. Z. A. Bhutto, If IAm Assassinated (Nova Délhi: Vikas Publishing House, 1979), pp. 137-138, citado em Louis Delvoie, “The Islamization of Pakistan’s Foreign Policy”, International Journal, 51 (inverno de 1995-96), 133. 

19. Michael Walzer, Thick and Tbin: Moral Argument at Home and Abroad (Notre Dame: 
University of Notre Dame Press, 1994), pp. 1-11. 

20. James Q. Wilson, The Moral Sense (Nova York: Free Press, 1993), p. 225. 

21 Governo de Singapura, Shared Values (Singapura: Cmd. n. 1 of 1991, 02/01/1991), pp. 2-10. 

22. Lester Pearson, Democracy in World Politics (Princeton: Princeton University Press, 1955), pp. 83-84. 


índice Remissivo 

A 

Abdullah, Príncipe Herdeiro da Arábia 
Saudita — 147 
absolutismo — 84, 295, 336 
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio — 
ver GATT 

Afeganistão— 139, 165, 210, 221, 263, 
269, 314, 325, 340, 345, 348, 349, 350, 
351, 366 

África do Sul — 53, 54, 115, 154, 168, 224, 
256, 304-305, 335, 404 
africana, civilização — 50, 53, 56, 58, 72, 
80, 227, 229, 239, 250, 256, 265, 304, 
326, 335, 349, 396, 401, 403, 409, 457 
estrutura política da — 167, 168, 170 
identidades e valores culturais na — 
34, 77, 157, 241, 244 
indigenizaçao na — 115, 125 
modernização e a — 90, 92 
população da — 102-103 
Ahmed, Akbar — 336 
Aja mi, Fouad — 141, 364 
al-Assad, Hafiz — 318 
al-Hawali, Safar — 317 
al-Turabi, Hassan — 119, 123, 137, 221 
Albânia — 147, 149, 155, 159, 170, 324, 
331, 332, 362, 366, 401 
Alemanha (unificada) — 28, 74, 97, 107, 
108, 127, 167, 180, 195, 196, 204, 209, 
289, 391, 405, 

identidade cultural da — 154, 155, 159 
em conflitos de linha de fratura — 347, 
358, 359, 360, 366, 374, 375, 377, 383 
imigração na — 42, 183, 248, 249, 250, 
251, 252 

Alexandre II, Tzar da Rússia — 174 

Ali, Ben — 143, 318 

Ali, Muhammad — 88 

Aliyev, Gaider — 357 

América do Norte — 52, 58, 101, 160 


relações do México com a — 156, 165, 
172, 185, 186-188 

ver também Canadá; Estados Unidos 
América do Sul — 58, 186, 254 
ver ta mbém países específicos 
Angola — 327 
Apter, David E. — 93 
árabe, civilização — ver islâmica, 
civilização 

árabe, idioma — 71, 73, 343 
Arábia Saudita — 17, 21, 93, 117, 132, 135, 
139, 140, 144, 147, 156, 182, 219, 220, 
221, 223, 229, 232, 234, 247, 263, 269, 
271, 304, 313, 314, 318, 319, 337, 339 
congregação a países afins pela — 

348, 358, 364, 366, 367, 369, 370, 374 
Arbatov, Georgi — 228 
Área de Livre Comércio da 
Centro-Européia — 165 
Argélia — 108, 114, 123, 139, 142, 147, 

148, 154, 221, 230, 234, 244, 247, 250, 
252, 269, 270, 318, 348, 364, 366, 401 
Argentina — 165, 167, 305, 372, 404 
Armênia — 41, 75, 155, 178, 204, 205, 308, 
325, 329, 347, 349, 352, 354-357, 372, 

374, 379 

ASE AN — ver Associação das Nações do 
Sudeste Asiático 
Ásia — 58, 93, 409 

capacidade militar na — 41, 108, 109, 
228, 231-237, 238-239 
choques dentro da — 21, 156, 161, 162 
desenvolvimento econômico na — 
125-134, 160, 162-163, 165, 188-191 
hegemonia chinesa na — 274-294, 402 
imigração proveniente da — 253, 254, 
258 

poderio em expansão da — 19, 20, 28, 
34, 98, 99, 125-134, 148, 149, 

241-242, 273-293, 396 
população da — 102-103 

436 

437 

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