Bolsonaro tem direito de homenagear quem quiser, diz viúva de Ustra
- Luís Barrucho - @luisbarrucho
- Da BBC Brasil em Londres
Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra tem 79 anos e muitas memórias. Professora aposentada, ela conta dedicar o tempo livre à pesquisa sobre a história do Brasil, em especial sobre a ditadura militar, período durante o qual seu marido foi um dos personagens principais ─ e também uma das figuras mais controversas.
Maria Joseíta foi casada com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Chefe do DOI-Codi de São Paulo, ele foi acusado pelo desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas. Outras 500 teriam sido torturadas nas dependências do órgão durante seu comando. Único militar considerado torturador pelo MPF (Ministério Público Federal), Ustra morreu de câncer aos 83 anos, em outubro do ano passado.
No último domingo, Ustra voltou ao debate nacional após ter sido homenageado pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) durante votação pela aprovação da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
"Fiquei profundamente emocionada", disse Maria Joseíta em entrevista à BBC Brasil. "Ele foi de uma felicidade muito grande", acrescentou.
Maria Joseíta: Natalini passou uma única noite lá no DOI-Codi. Ele foi detido para averiguação. Quando declarou ter sido torturado, meu marido enviou-lhe uma carta aberta pedindo informações sobre essa suposta tortura. Nunca obteve resposta.
O problema é que muita gente usou isso, e continua usando, para se eleger, para conseguir cargos públicos e ganhar indenizações do governo. Não estou dizendo que a ditadura militar foi um mar de rosas. Não foi.
Sofro pelas famílias que perderam seus entes queridos do outro lado. Vejo com tristeza uma mãe que não sabe onde o filho está. Jovens que tinham a vida pela frente e que podiam lutar pelo Brasil de outra maneira, mas que foram iludidos por alguns grupos mais antigos de raposas velhas que tentavam implantar o comunismo no país.
BBC Brasil: A senhora diz que a ditadura não foi um "mar de rosas". O coronel Ustra cometeu erros?
Maria Joseíta: Não sei se ele cometeu erros. A mídia retrata meu marido como se ele fosse onipresente, onipotente e onisciente. Parece que ele foi um super-homem.
Quem começou isso tudo não foram as Forças Armadas. Houve apenas uma reação ao caos que já estava sendo implantando no Brasil. O grupo de militantes que estava se organizando já ia para China, para Cuba, para a União Soviética para fazer treinamento de guerrilha.
Era preciso tomar uma providência. Agora, por que o meu marido é um símbolo de tudo de ruim que aconteceu no regime militar?
BBC Brasil: Porque relatos documentados indicam que o seu marido torturou pelo menos 60 pessoas...
Maria Joseíta: Não posso jurar que o meu marido não cometeu nenhum deslize. Deslize na vida todo mundo comete. Eu presenciei muita coisa. Certa vez acompanhei seis presas lá dentro (DOI-Codi). Uma delas estava grávida e não sabia. Fiquei tocada pela situação.
Tanto insisti que meu marido me permitiu um contato com ela para ver se eu podia ajudar em alguma coisa. Ela fez questão de ficar lá com as companheiras porque tinha assistência, era atendida no Hospital das Clínicas, fazia pré-natal e tinha toda a atenção possível.
Chegamos inclusive a fazer enxoval para o bebê. Minha empregada fazia tortas para elas lancharem. Coisas gostosas. No entanto, quando ela teve o bebê e saiu de lá ─ até porque já não podia ficar mais, pois se tratava de uma concessão por pedido dela própria, passou a dizer que foi torturada todos os dias.
Já o filho de um outro preso me acusava de ir ao DOI-Codi para curar as feridas delas. Além disso, segundo ele, eu atuava como interrogadora.
Vejam como supervalorizavam a família Ustra. Há muita fantasia nessa história. Acredito que nem todo mundo tenha sido tratado como "pão de ló" como eu fazia.
BBC Brasil: A senhora sempre defendeu publicamente seu marido. Por quê?
Maria Joseíta: Eu não fui defensora do meu marido. Ele não precisava de defesa. Fui uma defensora da verdadeira história e não da história que está sendo contada. Decidi me manifestar publicamente porque eu sou uma cidadã brasileira. Passei minha juventude e minha maturidade durante o período do regime militar. Vi, vivi e tenho conhecimento de muitas coisas que aconteceram naquela época. Aquela época era semelhante ao que estava acontecendo agora.
Maria Joseíta: Porque era um caos. Um grupo de jovens ─ alguns idealistas outros iludidos ─ queria tomar o poder. A maioria desse grupo está no governo agora e pertencia àquelas organizações. E deu no que deu. Uma das maiores empresas do mundo (Petrobras) foi sucateada, o dinheiro desapareceu de tudo o que foi maneira. O desejo deles é permanecer no poder.
Maria Joseíta: Acho que vamos passar um momento difícil. Não vejo outra solução melhor. Ela poderia renunciar. Haveria uma solução melhor?
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160420_viuva_ustra_entrevista_lgb
Nenhum comentário:
Postar um comentário