Aparecido, o galo imortal
Félix
Maier
Era uma vez um galo de nome
Aparecido. Por que Aparecido? Porque certo dia, sem ninguém esperar, apareceu
um galo vistoso, todo empinado, de colorida e brilhante plumagem, cantador como
poucos, no terreiro da casa de Gunther e Nilce, na cidade de Joaçaba, SC.
Desde a morte do cachorro
Saddam, a casa havia ficado um tanto triste, sobrando apenas uma galinha
ciscando na terra, atrás de minhocas. Com certeza, Aparecido apareceu naquela residência porque teria uma companheira para passar seus dias numa nova casa.
Certo dia, apareceu na casa
de Gunther e Nilce uma moça, do serviço sanitário da prefeitura, dizendo que o
galo não podia permanecer na residência, porque não era próprio criar um galo dentro da cidade, que vizinhos estavam incomodados com o canto do
galo. Teria que dar um sumiço na ave.
Nilce não se deu por
vencida. Começou a argumentar com a moça, de que todo galo canta, é de sua
natureza, do mesmo modo que a cachorrada em volta late a qualquer hora do dia
ou da madrugada, assim como os gatos, que fazem festa nos telhados, à noite, especialmente
em tempos de cio.
Não adiantou o choro de
Nilce, que já havia se afeiçoado ao belo galo cantador. Ela teria que dar um
jeito na situação, mandando o galo para a panela ou para algum sítio, no interior.
Na cidade, o galo não podia ficar.
Nilce começou a procurar na
rua, para saber de onde o galo havia surgido. Soube que um vizinho, que comprava
frangos para matar em casa, havia soltado o galinho, com pena de que o vistoso
animal fosse acabar na panela. Com grande tristeza, Nilce devolveu o galo àquela família, alertando que o serviço sanitário não admitia o animal na cidade.
A vizinha não teve dúvida:
recebeu o galo com satisfação e tratou de logo fazer uma boa canja. O serviço
sanitário não iria incomodá-la. Torceu o pescoço do galo, pendurou o bicho na
cerca de madeira que dá para a rua e foi colocar água para ferver no fogão, para melhor
depenar o animal.
A mulher, ao voltar para
pegar o galo e depená-lo, constatou que a ave havia sumido. Mas sumido,
como, se havia torcido seu pescoço? Será que alguém roubou o animal?
Impossível que tenha sobrevivido!
Passaram-se alguns dias e
ninguém sabia dizer o destino do galo cantador. As vizinhas faziam mil
conjecturas, mas nada ajudava a elucidar o caso.
Certo dia, Gunther ouviu de
madrugada um cantar de galo, baixo e rouco, que vinha do seu quintal. A
surpresa foi grande, a alegria maior ainda de Gunther e Nilce, ao reencontrar
Aparecido, o amigo cantador. Ele apareceu novamente na casa onde foi tão bem
acolhido, com vários ferimentos na cabeça e parte da crista rasgada.
Nas primeiras semanas, o cocoricó do galo era baixo, rouco, devido ao pescoço que havia sido torcido pela mulher.
Era quase um milagre o galo ainda estar vivo e continuar cantando. Passou a ser
chamado de “Aparecido, o galo imortal”.
Aos poucos, o canto de
Aparecido foi ficando mais forte, alegrando novamente a casa de Gunther e Nilce
ao amanhecer e algumas vezes durante o dia.
Durante o café-da-manhã, Aparecido sempre aparece perto da piscina, porque sabe que irá receber um pedaço de pão ou de
bolo. Na hora do almoço, não é preciso convidar Aparecido. Ele aparece na
entrada da sala da cozinha, na hora certa, pois sabe que terá comida. Fica
estático, virando a cabeça para lá e para cá, pois só assim consegue visualizar
tudo em volta, aguardando sua comida. Com a barriga cheia, desaparece do local,
para continuar tomando conta da casa como se fosse um cão adestrado.
De fato, cães e gatos não se
criam no quintal de Gunther e Nilce, pois Aparecido dá uma corrida neles. Com enormes esporas, Aparecido sabe se impor. Só um
gato preto se arrisca a aparecer no quintal de vez em quando, mas por pouco
tempo. Houve um dia em que Aparecido se atracou com uma raposa e se embolaram
na grama, com a raposa abocanhando a perna da ave, sem largar, e o galo bicando o bicho fedorento
para valer. Gunther teve que intervir e matar a raposa, que não queria largar a
perna de Aparecido, que ficou muito machucada.
Aparecido continua cuidando
da casa com fidelidade canina, digo galina, não sai para a rua, mesmo que o
portão esteja aberto. Só dá uma rápida escapada na rua se o carro do Gunther
estiver ao longo do meio fio, aguardando sair de casa. Cuidadoso que é, Aparecido
investiga tudo em volta do carro, para constatar que tudo está em ordem, e
volta para o quintal.
Aparecido não precisa conhecer as previsões da moça do tempo. Ele sabe quando terá que se proteger da chuva. Para isso, utiliza um óleo glandular, gorduroso, localizado no alto da cauda, que é espalhado com o bico por toda sua plumagem, de modo a impermeabilizar o corpo. Pode cair a chuva que quiser, Aparecido sabe se proteger, empoleirado sempre no mesmo galho da laranjeira, onde dorme todas as noites. Quando está muito frio, Aparecido esconde sua cabeça debaixo da asa, para aquecimento.
Quando Aparecido ouve uma
gravação no celular que Gunther fez de seu canto, por certo julga que algum galo rival esteja
por perto, passando a cantar ainda mais alto para espantar o concorrente. Aqui
quem canta sou eu, só eu!
Aparecido, o galo imortal, voltou a trazer grande alegria para Gunther e Nilce, assim como para parentes e amigos que chegam para visita. Cada vez mais, a fama de Aparecido aumenta, mas só entre parentes e amigos. Vai que a moça do serviço sanitário saiba alguma coisa e apareça no local. Por sorte, parece que os vizinhos já se acostumaram com o canto de Aparecido. Nunca mais reclamaram. A última coisa que Gunther e Nilce querem é saber que Aparecido foi parar numa panela e seu belo rabo enfeitando alguma peteca por aí.