O Canário
Félix Maier
Corre o moleque por deserta
estrada,
Atiradeira à mão, o peito arfando,
Corre e corre nas pedras tropeçando,
No chão cai. Se levanta. Não é nada.
- O passarinho! - e o seu olhar fulgia
Em um anseio de febril desejo.
- O passarinho! - Mas, meu Deus, que vejo?
Ferido canário no chão gemia,
Numa poeira amarela de plumas,
Que se esvoaçam ao lépido vento.
Assim, meu moleque, como te arrumas?
Garoto, por que este teu sentimento?
Vivo o canário, sádico te enfunas?
Morto agora, só ouço teu lamento?
Agudos, SP, 1969.
***
Reticências...
Félix Maier
Tudo se me depara em
reticências...
Tenho uma idéia,
alimento-a,
engordo-a,
e, com toda fatalidade,
me deparo com reticências...
A Vida, a Grã-Reticência...
Reticências de meus anseios,
reticências de vaporosos sonhos,
reticências deste meu escrito,
malditos três pontinhos
que não consigo preencher...
Como sonâmbulo Quixote,
aventurando-me em terras alheias,
desafiando moinhos-de-vento,
combatendo leões imaginários,
marcando duelos em cada pousada,
só me restam reticêncas...
Reticências da Verdade não captada,
de uma tristeza inconformada,
reticências... reticências... reticências...
A Vida, a Grã-Reticências...
Mas,
que seria de nossa vida
sem o prazer da busca da Verdade
em todas essas reticências?...
Agudos, SP, 1969.
***
A Noite
Félix Maier
A noite vem engolindo o
mundo inteiro.
As aves já se abrigaram no quente ninho.
Uma ou outra coruja,
sem destino,
vagueia pelo céu denegrido,
em gritos lacerantes,
à busca de algum alimento.
Tudo se prepara para o repouso.
Só os sapos berrentos
e os grilos arrancando trinados de suas flautas
executam estranha sinfonia.
Tudo se vai tornando silêncio.
E em silêncio também fica
a alma da gente,
nostálgica e indefinida,
cópia exata desta noite
que lá fora já abocanhou tudo.
Em silêncio medita a alma,
febricitante pelas infindas incógnitas
que lá dentro se entrecruzam,
iluminadas de vez em quando
por alguma fagulha de luz,
como minúsculo pirilampo,
perdido na imensidão da noite.
Tudo repousa.
Os pássaros aconchegados em seus ninhos.
Os animais entocados.
Só a minha alma vela a macabra noite,
sombra de sua face sofredora.
Agudos, SP, 1969.
***
Águas-Emendadas
Félix Maier
Planalto Central,
plano alto dos três poderes,
da casa legislativa,
da justiça, do executivo.
Altiplano brasileiro,
altar da Pátria,
faz brotar veio único,
que alimenta três límpidos filetes d água,
águas-emendadas,
crescendo em córregos,
em riachos,
em rios caudalosos,
que se volvem,
em um passe mágico de Iara,
para o norte,
para o sul,
para o leste,
desaguando o tênue veio inicial,
o veio triplo,
em três rios colossais,
nas vagas do Atlântico.
Seria o Brasil então dividido em ilhas colossais?
Não!
O veio único,
o veio triplo,
águas-emendadas,
enlaça o sangue das três raças brasileiras:
para o norte segue o sangue indígena,
nativo, puro.;
para o sul o sangue europeu,
conquistador ontem, conquistado hoje.;
para o leste o sangue negro,
ontem derramado das veias dos escravos,
hoje conquistador,
impondo sua rica e colorida cultura.
Não três ilhas,
isoladas,
solitárias,
deprimidas.
Mas três raças,
fundidas em uma só,
águas-emendadas,
sangues-emendados,
poderes-emendados,
raças-emendadas,
ilhas-emendadas,
grande nação,
nação brasileira!
Brasília, 14 de março de 2000.
***
Quasi verbum
Félix Maier
Verbo
verbera
reverbera
verbo ad verbum
verbalização
verbi gratia
verborragia
verbo-diarréia
verbatim verborréia:
parnaso-maximalista Rui, Bilac.
Verbo
quasi verbum:
minimalista Trevisan.
Brasília, 21 de julho de 2000.
***
Itamália
Félix Maier
Quando Itamália enlouqueceu,
Pôs-se no Liberdade a sonhar...
Queria briga com o Rei,
Queria aos mineiros um mar...
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se em farda e lamaçal...
Brancaleone tapuia ensandeceu,
No chafariz pôs um submarino a singrar...
E no desvario seu,
Uma vez mais pôs-se a delirar...
Com capitães-de-bravata ao léu,
Uma praia da Bahia iria roubar...
E, como Moisés, ao Rei prometeu:
“As águas de Furnas irei desviar!”
Itamália estava perto dos seus,
Os seus sonhavam com um mar...
O topete que Deus lhe deu,
Salta sempre e dança no ar...
Itamália ainda briga com o Rei,
Os mineiros ainda esperam um mar...
(Paráfrase de “Ismália”, de Alphonsus de
Guimaraens; trata-se do ex-governador das Alterosas, Itamar Franco.)
Brasília, 2 de maio de 2001
***
No meio do
caminho havia uma ... Olivetti
(ou “Minimize, que o chefe chegou!”)
Félix Maier
No meio do caminho do burocrata
Havia - além de uma velha Remington -
Um poeta
Um contista
Um humorista.
No meio tempo de um carimbo no balcão,
De uma chancela para despacho,
Há uma pausa para o poeta
Correr até a velha máquina de escrever
E bater um pedaço de inspiração.
A fila de clientes?
Ao diabo as filas de gente!
As belas letras devem preceder às atas!
“Ao vencedor as batatas!”
Que seria da literatura brasileira
Se no meio do caminho,
Entre o birô do burocrata
E o público amassado em longas filas,
Não houvesse uma Olivetti,
Uma Remington,
Uma Hermes Baby,
E um genial escritor em hibernação?
Se não houvesse essa figura singular,
Invento criativo de nossa gente:
O burocrata Machado
O diplomata Veríssimo
O barnabé Drummond
No Itamarty Guimarães?
Se não houvesse esse festeiro,
Don Juan Vinicius em tempo integral
Funcionário gazeteiro,
(“Beleza é fundamental!”)
Entre os poetinhas o primeiro?
E saber que entre fungos e traças,
Em uma singela repartição pública,
Machado nos mostrou toda sua graça:
“Ao último verme que roer minhas carnes...!”
Dedicatórias lindas assim não há quem faça.
Só ganhando o pão que o ácaro amassou entre fungos
e traças...
E uma velha Remington...
Entre os barnabés da Esplanada
E os funcionários das autarquias
Quem diria!
Muito mais escritores se esgueiram
Do que imagina nossa vão filosofia usineira...
Minimize seu escrito na tela,
Que o chefe chegou!
Texto maximizado,
Surfam pelas ondas da Internet
Um poema
Um artigo
Um cordel
Uma carta fechada
Uma carta aberta
Um ensaio
Uma pitada humorística
Direto para o reino etéreo de Usina de Letras.
Parabéns!
Seu texto foi inserido com sucesso!
Brasília, 18 de maio de 2001.
***
Muita rima,
nenhuma solução...
Félix Maier
Afeganistão,
Paquistão,
Cazaquistão,
Uzbequistão,
Tajiquistão,
Quirguistão,
Turcomenistão,
Curdistão,
Calistão,
Sudão,
Cristão,
Islão,
Corão,
Bin Ladão,
Bushão,
Canhão,
Avião,
Explosão.
Muita rima...
Nenhuma solução!
Brasília, 28 de setembro de
2001.
***
E agora, Luiz?
Félix Maier
E agora, Luiz?
A festa acabou,
O palanque desabou,
O Big Brother Bahia, ACM grampeou,
A Heloísa chiou,
A Lulu Genro estrilou,
Babá-Baby (veste a camisinha!) ironizou,
Lindo “Guevara” Bergh radicalizou,
A reunião esquentou.
E agora, Luiz?
E agora, Genú do Araguaia?
E agora, Zé Di Ceu do Molipo?
E agora, cérbero do Hades petista: CUT, MST e PSTU?
Está sem colher
(a fome zero é muita).
Está sem discurso
(O Duda está na Costa do Sauípe).
Está sem ventríloquo
(Zé Di Ceu foi se tostar em Cayo Largo del Sur).
Está sem carrinho
(de supermercado).
Já não pode comer
(os dentes todos caíram).
Já não pode beber “mojito”
(o poço artesiano Nhô Cêncio levou).
Já não pode tragar “havana”
(o Serra proibiu).
Cuspir já não pode
(ajuda a encher a barriga).
A noite esfriou,
A reunião novamente esquentou:
Que reunião fica morna com a Patota do Torto, Helô?
(“Comigo é quente ou frio. Morno, eu vomito”.)
O dia não veio:
O Rio, Nandinho Beira-Mar tomou...
O vale-alimentação não veio,
O riso (sem dente) veio assim mesmo...
Afinal, Deus é Brasileño,
Com sotaque cu(riti)bano...
Não veio a utopia,
sonhada por Helô “Pasionaria”,
propalada por Lulu “Pecosa”,
pregada por Babá-Baby,
charmenizada por Lindo “Guevara” –
graças a Deus,
à Nossa Senhora Aparecida,
e à Santa Paulina!
E tudo desandou,
O arroz azedou,
O feijão mofou
Nas Cibrazéns das Guaribas,
E agora, Luiz?
E agora, Luiz?
Sua doce barba,
Seu minuto de febre,
Sua gula e sua p(uj)ança,
Sua sindicoteca,
Sua lavra do tesouro,
(ou seria larva do besouro?),
Seu terno de cactus,
Sua Inco(r)erência,
Seu ódio a Roriz,
Seu pódio para Magela – e agora?
Com as chaves na mão,
Quer abrir o Banco Central,
Mas dinheiro não há!
(Com um par de esqui,
Em Davos quebra a canela do Merréis-les...)
Quer morrer no mar,
Mas Garanhuns não tem mar!
Quer beber um trago,
Porém “cuba libre” não há mais!
Luiz, e agora?
(Paródia de “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade)
Observações:
- Neste carnaval, está previsto Zé Di Ceu do
Molipo carimbar o já roto crachá de “secreta” do serviço cubano na paradisíaca
ilha Cayo Largo del Sur, Cuba (“Veja”, 26 Fev 2003).
- “La Pasionaria” e “La Pecosa” (A Sardenta) foram
duas comunistas de destaque na Guerra Civil Espanhola. A primeira abriu a
jugular de um padre a dentadas.; a outra pertenceu à milícia que assassinou o
bispo de Jaén e sua irmã, na frente de 2.000 pessoas.
- Patota do Torto = PT.
Brasília, 28 de fevereiro de
2003.
***
Flor amarela do cerrado
Félix Maier
O Sol inclemente
Enche suas bochechas
E sopra bafo escaldante
Que faz calar toda a vida no cerrado.
Todas as forças da natureza
Se unem para torcer as plantas,
Retorcer os galhos,
Roubar as folhas,
Humilhar todas as árvores,
Até que se curvem ao chão,
Secas,
Vencidas.
Um fogo inclemente
Lambe o cerrado com labaredas gulosas,
Queimando tudo,
Deixando apenas os troncos
Enegrecidos pelo carvão.
Mas... um milagre?
Uma solitária e indefesa flor amarela
Desabrocha do chão em cinzas,
Na vastidão do cerrado devastado,
Insiste em se abrir para o mundo,
Mostrar sua beleza ímpar,
Altiva,
Desafiadora,
Esplendorosa,
Desafiando as forças funestas
Que tentam lhe tolher o mais elementar direito,
O direito à vida.
Uma lição de vida
Nos dá a natureza
A nós que desistimos fácil das coisas:
A planta do cerrado pode até queimar,
Ter o tronco transformado em carvão,
Mas morrer, jamais!
A flor amarela do cerrado
Pode desaparecer na fogueira,
E mesmo sem chuva,
Com o Sol cada vez mais inclemente,
Sempre reaparece,
Altiva,
Desafiadora,
Esplendorosa,
Da cor do fogo que a fez sumir.
Mas morrer, jamais!
Brasília, 8 de outubro de 2020.
Escritores Brasileiros
http://baudenomes.blogspot.com/
No endereço acima, consta um “baú de nomes” de
escritores, poetas e ensaístas brasileiros, por ordem alfabética.
Na letra “F”, Félix Maier consta como “poeta”, não se
sabe de onde tiraram essa conclusão - http://baudenomes.blogspot.com/p/letra-a_1829.html.
Poetas brasileiros, quantos somos?
https://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/pquantos/nomesak.htm
No endereço acima, há uma relação de poetas brasileiros
em ordem alfabética, inclusive de Félix Maier.
Félix Maier publicou algumas poesias no site Usina de Letras (https://www.usinadeletras.com.br/exibetextoautorpc.php?user=fsfvighm&cat=Poesias&vinda=S). Não são lá essas coisas - cfr. em https://felixmaier1950.blogspot.com/2021/11/algumas-poesias-por-felix-maier.html.