Machado e Eça no Purgatório
Um conto fantástico em que os mortos ainda se engalfinham em glória e gramática.
Era uma tarde sem tarde — pois no Purgatório o tempo é uma invenção obsoleta, um relógio parado entre o céu e o inferno. O ar tinha cor de papel envelhecido e cheirava a tinta de tipografia. Por entre nuvens pardacentas, espíritos caminhavam de um lado para outro, arrastando pecados leves o bastante para não merecer o fogo, mas pesados demais para a ascensão.
E
foi nessa atmosfera de papel e pecado que dois vultos se cruzaram numa tarde
sem tarde, pois o tempo, ali, é uma abstração que perdeu a pontualidade.
Um
deles caminhava devagar, apoiando-se num bastão feito de ironia. Tinha a pele
morena, pince-nez ajustado com precisão de relojoeiro, e um sorriso discreto,
desses que não riem do mundo, apenas o decifram. Era Machado de Assis, o Bruxo
do Cosme Velho, que chegara ao Purgatório sem alarde, pedindo licença até para a
eternidade vestindo um cerimonioso fraque translúcido.
O
outro vinha de passo largo, terno preto etéreo com lenço de gola alta, bigode
impecável e porte de diplomata atrasado para um baile solene. Trazia no ar o
perfume distante das livrarias de Paris e no olhar a altivez dos que se creem
injustiçados até por Deus e o Diabo. Era Eça de Queiroz, o português que
acreditava que cada vírgula tinha alma e cada pecado, estilo.
Tropeçaram
um no outro, um tropeço metafísico, como se o destino, cansado das suas
intrigas terrenas, resolvesse brincar de roteirista purgacional.
Machado
recuou um passo, ajeitou o fraque da alma e, com aquele tom que transforma
qualquer desculpa em sentença, murmurou:
—
Creio que o cavalheiro me interceptou o passo.
Eça
arqueou o sobrolho e respondeu, com ligeiro sotaque de Lisboa e orgulho de quem
nunca perde a nuance:
—
Interceptar? Meu caro, quem tropeça em mim costuma pedir desculpas em francês.
Machado
sorriu com um movimento quase imperceptível dos lábios, como quem anota uma
ironia mental para uso futuro.
—
Francês… até aqui o senhor o invoca. Há de haver cafés parisienses no além,
imagino, com madames de névoa e pecados de veludo.
Eça
abanou a mão, teatral:
— E
o senhor, que nunca saiu da Rua do Ouvidor, fala como se o paraíso fosse um
bonde do Rio de Janeiro.
O
silêncio que se seguiu era civilizado. No Purgatório, até os insultos exigem
boa sintaxe.
Começaram
a caminhar lado a lado, ou quase, pois entre eles havia uma distância
invisível, medida em séculos de vaidade e crítica literária.
A
névoa ao redor cheirava a papel amarelado e tinta de pena. Era o perfume dos escribas da
posteridade.
Machado,
olhando em volta, comentou:
—
Curioso, senhor Queiroz. O Purgatório assemelha-se um pouco à Academia. Há
cadeiras, vaidades e votos secretos.
Eça
respondeu, sem resistir à provocação:
— E,
como na Academia, poucos sobem.
Machado
riu com os olhos, que eram sua parte mais viva.
— Ao
menos aqui não se discute ortografia.
—
Discutir, não. Mas vi ali ao fundo uma alma a conjugar o verbo ascender
com cê, e foi mandada de volta ao limbo por erro grave — retrucou Eça.
Caminharam.
De vez em quando, passava uma alma apressada, algum poeta arrependido, tentando
trocar o Purgatório por uma antologia.
No
alto, anjos-porteiros cochichavam, anotando quem falava mal de quem, pois até
na eternidade há jornais de fofoca metafísica.
Eça,
sempre ansioso por justificar-se, retomou o fio das mágoas antigas:
—
Ainda guardo lembrança amarga das críticas, senhor de Assis. Sob pseudônimo, o
senhor me esfolou vivo em O Primo Basílio.
Machado
pigarreou com elegância, ajeitando o pince-nez.
—
Ah, sim… Eleazar. Era um exercício de estilo. A crítica, caro Eça, é um modo
educado de praticar a caridade.
—
Caridade? — Eça arregalou os olhos. — Chamou minha Luísa de tola, meu Basílio
de leviano e meu realismo de vulgar!
—
Limitei-me a observar — retrucou Machado — que a empregada Juliana tinha mais
alma que a patroa. O senhor quis retratar o adultério e acabou traindo a
psicologia.
Eça
respirou fundo, dividido entre ofensa e admiração. A vaidade ferida é um
espelho que se quebra refletindo o próprio rosto.
— O
senhor fala como padre, mas escreve como coveiro. Metade dos seus personagens
já nasce morta.
— É
uma economia de enredo — disse Machado, com doçura. — O defunto autor é mais
confiável do que o narrador vivo.
Eça
riu, sacudindo a poeira do orgulho.
—
Reconheço, há gênio no seu sarcasmo. Mas confesse: o senhor sempre invejou o
meu pecado.
—
Pecado? — perguntou Machado, arqueando uma sobrancelha. — No Brasil, o calor já
basta.
Foram
andando. O chão, feito de páginas translúcidas, parecia murmurar citações
antigas. De vez em quando, uma folha solta passava flutuando, trazendo trechos
de romances esquecidos. Ao longe, um coral de almas declamava versos franceses.
Machado suspirou.
—
Nem o senhor, com todo o seu Paris, subiu.
—
Nem o senhor, com todo o seu moralismo, desceu — respondeu Eça. Talvez Deus
esteja indeciso sobre o valor do estilo.
Riram.
No Purgatório, o riso é moeda de purificação. Mas o silêncio seguinte não era
inocente. Eça, com aquela elegância provocadora dos duelistas do Chiado,
lançou:
—
Diga-me, senhor Machado, não é curioso o senhor também ter vindo parar aqui? Ou
seria castigo por... pequenas apropriações intelectuais?
Machado
ajeitou o colarinho invisível, como quem ajusta a própria ironia.
— O
senhor fala de plágio?
Eça
ergueu as sobrancelhas.
—
Não eu. Apenas cito fontes. Há quem diga que suas nuvens caídas vêm de Alphonse
Karr, suas batatas de Ernest Renan, seu verme de Baudelaire e seu emplastro de
um tal Sterne.
Machado
parou, olhou para o vazio e sorriu.
—
Ah, sim. Chamemos de cosmopolitismo literário. Afinal, se os franceses me
influenciaram, influenciaram o senhor duas vezes.
Eça
gargalhou alto, um riso de vinho e pecado.
— Ainda
assim, o meu plágio cheira a Bordeaux, não a mate amargo.
Machado
inclinou o chapéu inexistente.
—
Pois que brindemos às influências mútuas. O senhor, herdeiro do naturalismo;
eu, discípulo da ironia. E ambos, reféns da crítica.
Nesse
momento, uma brisa correu, e as nuvens formaram uma espécie de cortina. Dela
saiu uma figura miúda, de terno escuro, olhar fiscal e prancheta flamejante.
—
Agrippino Grieco! — exclamaram em uníssono, surpresos e resignados.
O
crítico literário sorriu com a satisfação de quem reencontra velhos réus.
—
Senhores — disse ele —, a eternidade exige revisão. Tenho aqui os autos dos
vossos pecados literários.
Eça
revirou os olhos:
—
Nem morto me livro da crítica.
Machado,
tranquilo:
—
Deixe-o falar, caro Eça. A verdade, às vezes, melhora com o tempo.
Grieco
abriu a prancheta. O som do papel soou como sentença. O Purgatório, que até
então sussurrava como uma biblioteca de convento, calou-se por completo. Nem o
folhear das almas se ouvia. Agrippino Grieco — crítico emérito e fiscal da
posteridade — abrira sua prancheta flamejante.
Os
papéis, em vez de linhas, traziam pequenas chamas que ardiam em silêncio, como
notas de rodapé em fogo lento.
—
Muito bem, senhores — começou, com voz que soava entre o tom de júri e o de
colunista. — Eis-me aqui, incumbido de revisar vossas obras e vossos pecados.
Afinal, a eternidade, como a boa literatura, não admite rasuras.
Eça
endireitou-se, ajeitando o bigode incorpóreo. Machado apenas arqueou a
sobrancelha — esse leve gesto que, no Céu ou na Terra, valia por um capítulo. Agrippino
prosseguiu:
— Primeiro
réu: Machado de Assis. Acusado de citações não creditadas, apropriações
cosmopolitas e filosofias reaproveitadas. Item um: Melhor cair das nuvens do
que de um quinto andar — procedência, Alphonse Karr. Item dois: Ao
vencedor, as batatas — fonte, Ernest Renan. Item três: Ao
verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa
lembrança estas Memórias Póstumas — Baudelaire, naturalmente.
Item quatro: O emplastro Brás Cubas — ah, caro senhor, puro Sterne!
Machado
manteve a calma dos culpados que filosofam.
—
Meu caro Agrippino, plagiar é dar segunda vida às ideias. A originalidade é o
disfarce mais refinado do talento.
—
Disfarce ou travestimento? — atalhou Grieco, anotando algo em sua prancheta que
faiscou.
—
Travestimento é o que o senhor chama de crítica — devolveu Machado. — Um gênero
que se veste de erudição e esconde o prazer de punir.
Um
murmúrio percorreu as nuvens: os anjos-bibliotecários cochichavam, fascinados. Agrippino
fingiu não ouvir.
—
Eça de Queiroz, passo ao senhor. — E folheou outro papel ardente. — O senhor é
acusado de ter plagiado Zola, adulterado o pudor e cometido pecados de
descrição excessiva.
—
Descrição excessiva?! — indignou-se Eça. — Eu apenas pintei o real com as cores
que ele exige. Se há excesso, é do mundo, não meu.
— Descrição
excessiva de libertinagem não é arte, é fisiologia — disse Machado.
—
Zola, Balzac, Flaubert... o senhor bebeu em todas as garrafas francesas — disse
Grieco.
Eça
inclinou-se, com altivez.
— Ao
menos as garrafas eram boas. E o senhor, Machado, confessará que me leu com
atenção, pois quem me critica tanto, me admira em dobro.
Machado
sorriu.
—
Confesso, li-o com o prazer que se tem ao observar um incêndio da sacada: belo,
mas perigoso.
Grieco
interrompeu:
—
Senhores! Aqui não se trata de duelo literário, mas de ajuste de contas com a
posteridade.
Eça
cruzou os braços etéreos:
— A
posteridade, caro Agrippino, é apenas a crítica que Deus faz aos mortos.
Machado
assentiu, filosófico:
— E,
pelo visto, ainda não fomos absolvidos, para subir. Nem condenados, para
descer.
Enquanto
o debate se acirrava, as nuvens se juntaram em semicírculo, formando um
anfiteatro brumoso. Sentados nas bordas vaporosas estavam figuras ilustres:
Camões, que não sabia se declamava ou julgava; Garrett, que penteava o vento;
Padre Antônio Vieira, que tentava converter os suspiros em sentenças; e
Baudelaire, claro, fumando um cigarro de névoa, curioso para ver o destino de
suas influências tropicais.
Camões
foi o primeiro a falar, com a solenidade de quem atravessou mares e séculos:
—
Senhores, as musas são irmãs. Não há roubo entre família.
Baudelaire,
porém, sorriu de modo venenoso:
—
Eu, por mim, aceito o plágio como homenagem. Desde que o homenageado receba os
direitos autorais da eternidade.
Machado
inclinou-se, respeitoso:
—
Tenho pagado em glória tardia, caro Charles. E, se o senhor me inspirou, ao
menos o fiz vestir fraque brasileiro.
— E
eu — replicou Eça, sarcástico — o vesti de casaca portuguesa. Somos ambos
alfaiates da linguagem.
Grieco
pigarreou.
—
Alfaiates, sim, mas a costura é suspeita. Há remendos visíveis, senhores.
Machado
respondeu:
—
Todo estilo é um remendo que o tempo chama de assinatura.
O
murmúrio das nuvens transformou-se em aplauso.
Permitam-me,
caro leitor, uma breve interferência — pois quem vos fala, como todo narrador,
não é neutro, apenas disfarçado.
Machado e Eça, naquele instante, não discutiam a autoria das frases, mas o
direito de serem eternos à sua própria maneira. O Purgatório, esse salão
nebuloso, não passa de um congresso literário sem encerramento, onde cada alma
quer a última palavra e nenhuma deseja ouvir a alheia. E eu, observador das
brumas, vi que o julgamento de Agrippino não buscava justiça — buscava estilo. Eça
queria a elegância da forma; Machado, a elegância do pensamento; Agrippino, a
elegância da censura.
De
repente, Grieco retirou da pasta um pergaminho e o ergueu como um troféu. Era o
original de Memórias Póstumas de Brás Cubas, com anotações à margem em
francês. As letras cintilavam, revelando o diálogo secreto dos autores mortos.
—
Eis aqui — disse o crítico, triunfante — a prova de que Machado lia Sterne com
entusiasmo quase eclesiástico.
Machado
olhou o pergaminho, sereno.
—
Li-o, sim. E aprendi com ele que a morte é o narrador mais honesto.
Eça
comentou, em voz baixa:
— E
o mais rentável.
Grieco
continuou sua sanha acusatória, exibindo agora um exemplar de O Primo
Basílio com dedicatória a Balzac.
— E
o senhor, Eça, não fica atrás. Sua Lisboa cheira a Paris, seu adultério fala
francês, e seu moralismo tem sotaque de salão.
Eça
abriu os braços:
—
Ah, mas foi o pecado que me deu tema, e o tema, estilo. Escrevi o que todos
fazem, mas fingem ignorar.
Machado,
com um sorriso enviesado, completou:
— Eu
escrevi o que todos ignoram, mas fingem compreender.
Grieco
suspirou, vencido pela dialética.
—
Pois bem — disse ele —, declaro-vos igualmente culpados de genialidade
reincidente.
O
coro de sombras aplaudiu. Baudelaire, com fumaça azulada, murmurou:
—
Ah, se todo plágio fosse assim...
Camões
ergueu a espada, feita de neblina e lembrança:
—
Pela pena e pelo verbo, absolvidos sejam!
Mas
Agrippino, que não cedia facilmente, fechou o relatório com ar de tabelião da
eternidade:
— A
sentença não é tão simples. Permanecerão ambos no Purgatório até redigirem
juntos um tratado intitulado Do Plágio como Forma Superior de Admiração.
Eça
fez cara de horror.
—
Escrever com este homem?
Machado
respondeu com um meio-sorriso filosófico:
— Um
prazer infernal, caro Eça.
E
assim terminou a sessão.
As
almas dispersaram-se como leitores após o prefácio. Eça e Machado permaneceram
sentados sobre uma nuvem de leve densidade crítica. Entre eles, Agrippino já
desaparecera, deixando no ar um leve cheiro de tinta e burocracia.
Machado
quebrou o silêncio:
—
Sabe, Queiroz, talvez a eternidade seja apenas uma segunda edição, revista e
aumentada.
Eça
respondeu:
—
Desde que o prefácio não seja seu.
Machado
riu.
—
Nesse caso, escrevemos em parceria.
Eça
levantou-se, resignado:
—
Pois bem. Comecemos o tratado. E se a eternidade tem revisores, que ao menos
sejam imparciais.
Sobre
a mesa pairavam folhas de papel celestial — luminosas, como se escritas por
dentro. Era o material concedido por Agrippino Grieco para que redigissem o tratado
Do Plágio como Forma Superior de Admiração.
Eça
começou o preâmbulo, empunhando a pena espectral:
—
“Nós, abaixo-assinados, Machado de Assis e José Maria Eça de Queiroz,
reconhecemos que toda obra é filha ilegítima de outra, e que a originalidade é
uma forma elegante de esquecimento.”
Machado
assentiu, sorrindo:
—
Belo começo. Faltam apenas as entrelinhas, que é onde reside a ironia.
—
Ironia? — respondeu Eça. — Prefiro o sarcasmo, é mais civilizado.
— O
sarcasmo é francês; a ironia, universal — retrucou Machado.
Ambos
se entreolharam, compreendendo que o tratado seria mais difícil do que a
confissão de um santo. Machado suspirou, olhando o papel que não se deixava
concluir.
—
Escrever, aqui, é como tentar acender fósforos molhados.
—
Natural — disse Grieco. — O Purgatório é a tipografia do eterno inacabado.
—
Então somos linotipistas da posteridade — gracejou Eça.
—
Não, senhores. — A voz de Agrippino tornou-se grave. — São personagens do
próprio estilo. O castigo de todo grande escritor é viver preso àquilo que
escreveu.
Machado
ergueu as sobrancelhas:
—
Nesse caso, estou condenado a ironizar até o fim dos tempos.
— E
eu — disse Eça — a descrever salões que não existem.
—
Pois que descrevam o que sempre escreveram — replicou Agrippino, antes de
desaparecer numa centelha de crítica.
Decididos
a terminar o tratado, os dois mestres resolveram visitar o Salão das Ideias
Perdidas, onde pairavam todas as frases que nunca chegaram a ser escritas. Era
um lugar impressionante: flutuavam ali inícios de romances, metáforas
abortadas, parágrafos esquecidos e até o esboço de um soneto de Camões sobre
mosquitos.
Eça
observou, fascinado:
—
Eis aqui a biblioteca da humanidade inconclusa.
Machado
tocou uma frase suspensa no ar, Se Deus fosse crítico literário… — e
murmurou: — Essa é perigosa. Pode transformar-se em realidade.
Do
fundo do salão, uma voz ecoou, grave e mansa:
— Transformou-se
em realidade, meus filhos.
Era
uma voz sem corpo, mas com autoridade. As ideias se afastaram respeitosamente.
—
Quem fala? — perguntou Eça, empalidecendo até quase sumir.
— O
Autor — respondeu a voz. — Chamam-me de Deus, mas prefiro o título de Crítico
Universal.
Machado
inclinou-se.
—
Então é verdade que o mundo é apenas um manuscrito divino?
— Um
rascunho, Machado. Ainda em revisão.
Eça,
entre o espanto e a ironia, perguntou:
— E
nós, o que somos?
—
Margens comentadas.
Houve
um silêncio sublime, interrompido apenas pelo farfalhar das nuvens. Machado, em
sua calma olímpica, ousou dizer:
—
Senhor, se somos notas de rodapé, ao menos que sejamos legíveis.
Eça
completou:
— Ou
elegantes.
A
voz sorriu — e um raio de luz atravessou o salão.
De
volta ao Café das Sombras Leves, escreveram juntos, pela primeira vez
sem disputa: Toda criação é uma herança. Todo gênio, um tradutor. Plagiar é
participar da corrente secreta das vozes que não cessam. Aquele que escreve
sozinho mente; aquele que copia, dialoga.
Por isso, o plágio é a mais pura forma de admiração.
Assinaram
juntos, Machado com pena de corvo, Eça, com pena de pavão: Machado de Queiroz –
Eça de Assis (Revisado por Laurence Sterne e Émile Zola).
Quando
finalizaram o tratado, Agrippino Grieco reapareceu, surpreendentemente com um
leve sorriso.
—
Está aprovado — disse ele. — Mas, aviso: a eternidade o transformará em
apócrifo.
Machado
inclinou-se, satisfeito:
—
Todo texto que sobrevive ao autor é apócrifo.
Eça
levantou o copo:
— Às
cópias que nos superam!
Brindaram
com vinho purgacional em copos feitos de névoa.
No
alto do Purgatório, as nuvens se abriram. Camões, Zola, Vieira, Baudelaire e
até Sterne acenavam, como num sarau de luz. O Café dissolveu-se em claridade, e o som das risadas se confundiu com o canto
dos anjos revisores.
E o
narrador, este modesto cronista das almas, encerrou o relato, dizendo ao leitor
que o Purgatório, no fundo, não é um castigo. É apenas a sala de espera entre a leitura e a reescrita.
E lá ficaram Eça e Machado, entre o riso e o verbo, escrevendo sem fim o que já estava escrito, comentando o que nunca será dito, pois na eternidade, como na literatura, ao vencedor, as batatas.
Só não se sabia ainda se as batatas viriam cozidas no fogo eterno ou servidas à moda do paraíso — o Crítico Universal não entrega spoilers.

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