Messianismo no Brasil
Félix Maier (*)
Usina de Letras - 21/10/2003
O Messianismo refere-se a movimento dito “messiânico”, dirigido por um líder que teria origem divina, o “messias”. O nome tem origem na religião judaica, cujos devotos ainda esperam o Messias. Os cristãos acreditam que esse Messias foi Jesus Cristo.
Os ditos “movimentos messiânicos” têm ocorrido com bastante freqüência no início de cada século ou, principalmente, milênio, donde surge o nome “milenarismo”. No século II, surgiu na Grécia o Montanismo, movimento que pregava a iminência da 2ª Vinda de Cristo (Parusia), de acordo com uma revelação do Espírito Santo.
As Cruzadas também foram movimentos milenaristas, que tinham como objetivo a conquista da Terra Santa e a preparação da “Nova Jerusalém” para a 2ª vinda de Cristo. No ano de 1033, multidões de fiéis se dirigiam a Jerusalém.
Uma famosa lenda milenarista remonta ao Rei de Portugal, D. Sebastião, que morreu na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 1578, em desastrada guerra contra os mouros, o que resultou na dominação de Portugal pela Espanha durante 60 anos. Muitos portugueses não acreditaram em sua morte e D. Sebastião se converteu no messias nacional português, lembrado sempre a cada dificuldade do Reino, e a crença em seu regresso foi denominada de “Sebastianismo”. Sobre o assunto, leia “No Reino do Desejado”, de Jacqueline Hermann.
No Brasil, houve vários movimentos messiânicos, como o de Silvestre José dos Santos, que começou a pregar o “paraíso terrestre” na Serra do Rodeador, em Pernambuco, a partir de 1817, tendo a seu redor 12 “sábios” que desempenhavam a função de seus apóstolos. Para Silvestre, quando o número de fiéis atingisse o número de 1.000, D. Sebastião regressaria da ilha de Brumas e organizaria um exército para libertar Jerusalém. O movimento foi extinto após uma carnificina.
Um outro movimento, em 1838, no sertão de Pernambuco, dirigido pelo mameluco João Antônio dos Santos, afirmava que D. Sebastião estava encantado na Pedra Bonita (hoje Pedra do Reino, no município de Vila Bela, PE) e que seria desencantado depois que dois rochedos fossem regados a sangue humano. Desencantado o Rei, os fiéis que tivessem sido sacrificados, se eram pretos, ressuscitariam brancos; se eram velhos, ressuscitariam jovens; e todos seriam poderosos e imortais. Os sacrifícios foram bárbaros: pais atiravam os filhos do alto dos penedos, maridos degolavam as mulheres, adultos se ofereciam para o sacrifício. O grupo também foi desbaratado pelas autoridades e por fazendeiros locais.
Outro movimento messiânico no Brasil foi o do “beato” Antônio Conselheiro, que fundou sua “cidade santa” em Canudos e pretendia reconduzir seus fiéis à “divina monarquia”, a um “paraíso terrestre”. O movimento foi esmagado por tropas federais, salvando-se apenas mulheres e crianças. Havia crença de que Antônio Conselheiro não morrera, mas seu prestígio aos poucos foi sendo superado pela figura do Padre Cícero. Hoje, a lenda em torno do “Padim Ciço” afirma que ele ressuscitará no dia do Juízo Final e instalará o “paraíso terrestre” em Juazeiro, a “Nova Jerusalém”.
Na colônia de São Leopoldo, RS, surge, a partir de 1872, o movimento dos Mucker. João Jorge Maurer e sua mulher Jacobina passam a realizar curas, interpretar a Bíblia e a pregar. Jacobina se torna a chefe religiosa e é considerada santa pela comunidade, se apresenta como a própria encarnação de Cristo e escolhe 12 “apóstolos” entre seus seguidores, prometendo fundar um império. Oponentes do movimento Mucker levaram o caso ao Presidente da Província, que mandou força militar para a região. Atacados, os Mucker se refugiaram na cidadela santa que haviam construído, a qual foi tomada depois de 2 meses de cerco, quando quase toda a comunidade foi morta, inclusive Jacobina.
Em Santa Catarina, em 1842, surgiu o “monge” João Maria, que atraiu muitos simpatizantes, ao levar sementes aos agricultores, curar homens e animais. Em 1911, surgiu outro “beato” na região, de nome José Maria, dizendo-se irmão de João Maria. Na época, havia guerras políticas no interior de Santa Catarina e José Maria, prometendo paz, conseguiu reunir um grande número de fiéis, amedrontando os fazendeiros, que diziam que no Estado estava se formando um novo Canudos. Depois de várias campanhas militares, conhecida como “A Guerra do Contestado”, o movimento foi desbaratado em 1916.
Em 1947, surgiu um movimento messiânico urbano, no Rio de Janeiro, o Movimento Yokaanam. Em 1960, o Yokaanam adquiriu uma fazenda em Luziânia, a 70 km de Brasília, onde instalou a Fraternidade Eclética Espiritualista Universal – uma comunidade agrária.
Ao lado do messianismo de tempero sebastianista, existe o messianismo que integra outros elementos, como a lenda de Carlos Magno e dos Doze Pares de França – o que ocorreu em Santa Catarina com o “monge” João Maria. Além do aspecto religioso, há também o aspecto político e social relacionado ao messianismo, como o pregado pelo comunismo, que pretendia (ou pretende ainda) formar um “paraíso terrestre” para uma “comunidade universal”.
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Guerra do Contestado
João Maria de Agostini ou “Agostinho” foi o primeiro dos três monges messiânicos que fizeram pregação em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Ele era italiano, nasceu no Piemonte (1801), passou pelo Pará, Rio de Janeiro, Sorocaba, deslocando-se depois para o Sul do Brasil, construindo capelas e erguendo cruzes ao longo de sua passagem.
João Maria de Jesus foi o segundo andarilho religioso que surgiu no Sul. Disse ele: “Eu nasci no mar, criei-me em Buenos Aires e faz onze anos que tive um sonho” (“João Maria – Interpretação da Campanha do Contestado”, de Oswaldo R. Cabral, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1960, pg. 155). Frei Rogério Neuhaus conheceu bem esse beato (Vide “Frei Rogério Neuhaus”, do Frei Pedro Sinzig, Ed. Vozes, Petrópolis, 2ª edição). Este monge profetizou a guerra que iria ocorrer anos mais tarde.
O último dos monges, José Maria de Santo Agostinho, cujo nome verdadeiro era Miguel Lucena de Boaventura, era um soldado foragido do Exército (segundo uma versão) ou da Força Policial do Paraná (segundo outra versão).
“Como ex-militar, organizou então os acampamentos, aos quais denominou de ‘Quadros Santos’, entregando aos adeptos que julgou mais capazes não só o comando como ainda a direção das rezas e da forma. Para a sua guarda especial, cercado da qual se apresentava, soberbo e importante, ante as turbas que o aclamavam, reuniu uma curiosa escolta de 24 sertanejos, aos quais chamou de ‘os Pares de França’.
As simpatias, segundo dizem, eram em sua maioria dirigidas para o regime monárquico, imperando uma certa forma deturpada de saudosismo nas pregações. Corriam, de boca em boca, as aventuras guerreiras, hauridas na ‘História de Carlos Magno’ ” (CABRAL, op. cit., pg. 180-1).
José Maria comandou os colonos fanáticos contra uma tropa do Paraná, nos Campos do Irani, região onde hoje se situa a vila de Irani e a “cidade da Sadia”, Concórdia, dando início a Guerra do Contestado no dia 22 de outubro de 1912. Na ocasião, morreram tanto o monge como o coronel do Exército, João Gualberto Gomes de Sá, chefe da tropa paranaense.
Muitos foram os herdeiros de José Maria, que se dispuseram a vingar o sangue do monge e dos companheiros derramados em Irani. A campanha militar dos “fanáticos” foi uma guerra de guerrilha, com os “redutos” (Quadros Santos) mudando continuamente de lugar (principalmente na região de Videira e Caçador), desgastando as forças policiais e, inclusive, o Exército, que chegou a empregar pela primeira vez aviões em combate, para reconhecimento aéreo. Os rebeldes atacavam continuamente as localidades de Canoinhas, Papanduva (que chegou a ser tomada), Itaiópolis, Calmon, a estação ferroviária de São João. Curitibanos foi parcialmente destruída em 26 de setembro de 1914.
O maior reduto foi Santa Maria, chefiado por Aleixo Gonçalves, que se situava na atual região de Caçador, cidade que abriga o importante Museu do Contestado. Santa Maria foi destruída pela artilharia do general do Exército, Fernando Setembrino de Carvalho, comandante geral das operações, no dia 2 de abril de 1915, quando Adeodato Manuel Ramos conseguiu fugir para organizar a Cidade Santa de São Pedro, onde reuniu 4.000 pessoas. Esse reduto foi destruído no dia 17 de dezembro de 1915. Alemãozinho, Bonifácio Papudo, Carneirinho foram alguns dos líderes revoltosos, porém o mais célebre dos herdeiros do monge foi Adeodato, cuja epopéia pode ser vista no filme do catarinense Sílvio Back, “A Guerra dos Pelados”.
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Atualmente, o “beato” José Rainha Júnior, líder do MST, pretende criar uma “Nova Canudos” na região do Pontal do Paranapanema. Seria mais um movimento milenarista, neste início do terceiro milênio? Parece que sim: “beatos”, há vários, além do próprio Rainha, revezando-se em sua apresentação à mídia; “quadros santos” se multiplicam Brasil a fora (bantustões ou sovietes do messetê, apresentados na mídia como “acampamentos”), aumentando cada dia mais o contingente de caboclos, iludidos por falsas promessas de falsos joões e josés marias.
(*) Félix Maier nasceu em Luzerna, SC, em cuja região ocorreram os episódios do Contestado.
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